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COLEÇÃO LOURENÇO FILHO 8 Manoel Bergström Lourenço Filho Organização e Administração Escolar Curso básico 8ª edição (reproduz o texto da 5a edição de 1970) Brasília-DF Inep/MEC 2007 COORDENAÇÃO-GERAL DE LINHA EDITORIAL E PUBLICAÇÕES Lia Scholze COORDENADORA DE PRODUÇÃO EDITORIAL Rosa dos Anjos Oliveira COORDENADORA DE PROGRAMAÇÃO VISUAL Márcia Terezinha dos Reis EDITOR EXECUTIVO Jair Santana Moraes REVISÃO E NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Rosa dos Anjos Oliveira PROJETO GRÁFICO/CAPA F. Secchin DIAGRAMAÇÃO/ARTE-FINAL Raphael Caron Freitas TIRAGEM 1.000 exemplares EDITORIA Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, 4º Andar, Sala 418 CEP 70047-900 - Brasília-DF - Brasil Fones: (61) 2104-8438, (61) 2104-8042 Fax: (61) 2104-9812 editoria@inep.gov.br DISTRIBUIÇÃO Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414 CEP 70047-900 - Brasília-DF - Brasil Fone: (61) 2104-8415 publicacoes@inep.gov.br http://www.inep.gov.br/pesquisa/publicacoes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Lourenço Filho, Manoel Bergström. Organização e Administração Escolar: curso básico / Manoel Bergström Lourenço Filho. – 8. ed. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007. 321p. – (Coleção Lourenço Filho, ISSN 1519-3225 ; 8) 1. Administração escolar. 2. Organização administrativa. I. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. II. Título. CDU 37.014 A Leda e Ruy, pela preciosa colaboração Sumário Prefácio: Lourenço Filho e a administração da educação ........................................... 9 Leonor Maria Tanuri Nota da 5ª edição ......................................................................................................... 15 Prefácio da 4ª edição ................................................................................................... 17 [ Parte 1 – PRINCÍPIOS DE ORGANIZAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR .......... 23 Capítulo 1 – As realidades da organização e administração escolar e os diferentes aspectos de seu estudo ................................................. 25 As escolas e a vida social – Atitudes no estudo da Organização e Administração Escolar – Dificuldades que se apresentam a iniciantes – As realidades da Organização e Administração – Perspectivas gerais de estudo – Método, Organização e Administração – Organizar e Administrar – Diferentes escalas e setores de estudo – Síntese do capítulo. Capítulo 2 – Teorias gerais de organização e administração: sua aplicação aos serviços escolares..................................................... 49 Significado das teorias – As teorias clássicas – As teorias novas – Um segundo esquema interpretativo – As teorias e os serviços escolares – Estudos especiais – Relações entre a escola e a comunidade – Síntese do capítulo. 6 Organização e Administração Escolar Capítulo 3 – Os administradores escolares em ação................................................. 67 Atividades operativas e administrativas – Níveis da ação administrativa – As situações concretas – Conformação administrativa das situações problemáticas – Planejar, programar – Dirigir, coordenar – Comunicar, inspecionar – Controlar, pesquisar – Administração escolar e investigação pedagógica – Normas gerais de organização e operação – Síntese do capítulo. Capítulo 4 – Os sistemas públicos de ensino e os problemas de política e legislação ................................................................................ 89 Os sistemas de ensino – Política e administração – Administração e legislação – Legislação e planejamento geral dos sistemas – Evolução do conceito de “sistema nacional de ensino” – Síntese do capítulo. Capítulo 5 – Organização e administração do ensino de 1º grau .......................... 107 Compreensão geral – Objetivos do ensino – Clientela específica – Questões de planejamento geral – Tipos de escolas – Serviços de coordenação e gestão interna – Articulação dos serviços de cada escola com órgãos centrais – Relações com a comunidade próxima – Síntese do capítulo. Capítulo 6 – Organização e administração do ensino de 2º grau ........................... 125 Preliminares – Tipos de ensino e clientela – Modificação dos objetivos do ensino – Problemas de planejamento geral – Ciclos de ensino – Tipos de escolas – Problemas gerais de administração – Relações das escolas com o ambiente – Serviços de coordenação e gestão interna – Cooperação democrática na vida interna das escolas – Síntese do capítulo. Capítulo 7 – Organização e administração do ensino de 3° grau ........................... 151 Visão geral – Tipos de universidades e outros centros de ensino superior – Universidade, ensino superior, ensino terciário – Profissionalismo versus formação geral – Condições de tempo e espaço – Recomendações do Seminário de Chicago – Questões de planejamento – Questões de organização geral – A direção dos estabelecimentos – Administração dos alunos – Síntese do capítulo. Capítulo 8 – Economia e finanças da Educação....................................................... 173 Proposição geral – Educação e Economia – Educação e finanças públicas – Orçamento dos serviços educacionais – Classificação das despesas – Fontes de recursos – Aplicação dos recursos: cotas de despesas e índices gerais – Avaliação de custos unitários – Considerações finais – Síntese do capítulo. Referências bibliográficas da Parte 1 ........................................................................ 195 7Sumário [ Parte 2 – ORGANIZAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL ............ 203 Capítulo 9 – O ensino na Constituição e nas leis ................................................... 205 Preliminares – Educação e ensino nas cartas políticas – Legislação ordinária – Texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – A Constituição de 1967 e a Emenda de outubro de 1969 – Síntese do capítulo. Capítulo 10 – Apreciação geral da Lei de Diretrizes e Bases .................................. 235 Conteúdo da lei – Caráter formal da lei – A lei e o sentido de planejamento – Os “planos” nos sistemas estaduais e no sistema supletivo federal – Grandes qualidades e graves deslizes da lei – Síntese do capítulo. Capítulo 11 – Indicações para análise da Lei de Diretrizes e Bases ...................... 257 Lei de ensino – A estrutura geral dos serviços do ensino – Os sistemas de ensino – A administração dos serviços do ensino – Serviços municipais de ensino Partes derrogadas ou alteradas – Síntese do capítulo. Capítulo 12 – Estudo e ensino da organização e administração escolar no Brasil .... 269 Preliminares – Vida social e estudos de análise educacional – Pesquisas sobre as realidades do ensino – Bibliografia sobre problemas de organização e administração escolar – O ensino de Organização e Administração Escolar – I Simpósio Brasileiro de Administração Escolar – A formação de administradores e especialistas em organização escolar – Recomendações dos próprios especialistas – Síntese do capítulo. Referências bibliográficas da Parte 2 .............................................................................. 291 Anexo: Resolução nº 2, de 12 de maio de 1969 ............................................................. 295 Índice de assuntos ........................................................................................................... 299 8 Organização e Administração Escolar 9Prefácio [[[[[ Lourenço Filho e a administração da educação Na oportunidade em que se reedita a obra do grande educador e administra- dorescolar brasileiro Manoel Bergström Lourenço Filho – Organização e Administração Escolar –, cumpre inicialmente lembrar que ela veio a lume em primeira edição em 1963, pela Editora Melhoramentos, quando raros eram ainda os livros que compunham a Biblio- teca da Administração da Educação no Brasil, apesar da importância que o tema já então ocupava no panorama da educação brasileira. Embora já se desenvolvesse farta literatura de origem norte-americana desde a década de cinqüenta, no Brasil destacavam-se, além de ensaios, relatórios e trabalhos descritos de natureza normativa e legal, apenas o livro introdutório de Carneiro Leão (Faculdade Nacional de Filosofia) – Introdução à Adminis- tração Escolar (1939); as tentativas de análise do processo administrativo escolar a partir de Fayol, realizadas pioneiramente por José Querino Ribeiro (USP) em Fayolismo na ad- ministração das escolas públicas (1938) e em Ensaio de uma teoria de Administração Escolar (1952); o manual didático de Ruy de Ayres Bello, Princípios e normas de Admi- nistração Escolar (1956); além de trabalhos diversos de Anísio Teixeira sobre a organiza- ção, administração e política da educação, principalmente o livro que contempla sua experiência administrativa (1931-1935) como diretor-geral de Instrução Pública do Dis- trito Federal – Educação para a democracia (1936). A Anpae (inicialmente Associação Nacional de Professores de Administração Escolar, hoje denominada Associação Nacional de Política e Administração da Educa- ção), que viria a dar uma contribuição expressiva para os estudos de Administração da Educação, acabava de ser criada, em 1961, graças à iniciativa do catedrático de Adminis- tração Escolar e Educação Comparada da USP, José Querino Ribeiro e de seus assistentes Carlos Corrêa Mascaro e Moysés Brejón, que convocaram uma primeira reunião de pro- fessores da área em São Paulo. Estavam entre os sócios fundadores da Anpae, além dos mencionados, Anísio Teixeira, da Faculdade Nacional de Filosofia; Antônio Pithon Pin- to, da Universidade Federal da Bahia; Paulo de Almeida Campos, da Universidade Federal Prefácio 10 Organização e Administração Escolar Fluminense; Lauro Esmanhoto, da Universidade Federal do Paraná; Irmão Faustino João, da Faculdade de Filosofia Católica do Rio Grande do Sul; padre Theobaldo Frantz, da Faculdade de Filosofia Cristo Rei, de São Leopoldo; Lireda Facó, da Universidade Federal do Ceará; Maria Antonieta Bianchi, da Universidade Federal de Minas Gerais; Antônio Gomes Moreira Júnior, da Universidade Federal do Pará, entre outros. Apesar de toda a sua destacada atuação no âmbito da Administração Escolar, Lourenço Filho não esteve entre esses sócios nem chegou a participar da vida dessa sociedade acadêmica, embora o pensamento do autor e o livro que ora se reedita já constasse nas bibliografias de traba- lhos apresentados no III Congresso da Anpae, realizado em 1966, em Salvador, Bahia. Afastado das atividades do magistério e da administração escolar desde 1957, Lourenço Filho passava a dedicar parte significativa de seu tempo a escrever, ou seja, a sistematizar suas idéias a partir da reflexão sobre a prática de toda uma vida dedicada à docência e à administração no campo da educação, o que, certamente, motivou sua ausência física na referida entidade, sem prejuízo da presença de suas idéias e de seus trabalhos. Aliás, nos Anais do III Congresso da Anpae, Lourenço Filho consta da relação de autoridades e professores convidados. Em 1961, Lourenço Filho publicaria Educação comparada, que já inclui capítulos dedicados às questões relativas à organização e funcionamento dos sistemas de ensino, posteriormente mais desenvolvidos em Organização e Administração Escolar. Esses livros foram traduzidos para o espanhol, o primeiro publicado no México (1963) e o segundo, na Argentina (1965). Certamente, a longa experiência de Lourenço Filho em cargos administrati- vos, em todos os escalões do sistema de ensino, desde a unidade escolar até os mais altos do Ministério da Educação, seria sistematizada e consolidada para a construção das ba- ses teóricas da Organização e Administração Escolar, apresentadas na obra em questão. De fato, Lourenço Filho foi, desde muito jovem, professor e administrador. Sua experiência foi de fundamental importância para que pudesse conhecer o processo educativo e então, como administrador, exercer o papel de reformador educacional. Diplomado em 1914, pela Escola Normal de Pirassununga, iniciou sua carreira como professor primário já em 1915, aos 18 anos, e, logo a seguir, foi docente da Escola Normal de São Paulo e da Escola Normal de Piracicaba; diretor geral da Instrução Pública do Ceará em 1922 e 1923; professor da cadeira de Psicologia da Escola Normal de São Paulo entre outubro de 1930 e novembro de 1931 e responsável por sua reorganização; diretor do Instituto de Educação do Distrito Federal de 1932 a 1937, onde lecionou Psicologia Educacional até 1938; membro do Conselho Nacional de Educação de 1937 até sua extinção em 1961; organizador e primeiro diretor do Inep, de 1938 a 1946; vice-reitor e reitor em exercício da UDF entre 1938 e 1939; professor de Psicologia Educacional da Faculdade Nacional de Filosofia, a partir de 1939; presidente da Comissão Nacional do Ensino Pri- mário, em 1941; fundador da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, do Inep, em 1944; diretor do Departamento Nacional de Educação, por duas vezes, a primeira em 1937 e a segunda entre janeiro de 1947 e janeiro de 1951; presidente da Comissão Nacional Execu- tiva do Centro de Formação de Pessoal para Educação Fundamental da América Latina, no México, em 1951; presidente de Instituto Brasileiro de Educação, Ciências e Cultura (Ibecc), órgão brasileiro da Unesco, em 1952. Ao deixar o ensino universitário e as atividades administrativas, em 1957, Lourenço Filho continua a se dedicar à ampliação de sua vastíssima obra acadêmica, muito cedo iniciada e desenvolvida principalmente no âmbito da Psicologia Educacional, 11Prefácio e também em todos os aspectos da educação, desde as questões de natureza didática e metodológica (intraclasse) até as questões de ordem macro, pertinentes à organização do ensino e seus problemas de natureza político-administrativa (as estatísticas educacio- nais, as análises demográficas, a evasão e a reprovação, o financiamento da educação). Embora estivesse mais voltado para a Psicologia da Educação, sua preocupação com a organização política e administrativa da educação é, desde cedo, evidente em sua obra, em decorrência das posições que ocupou nos escalões mais elevados do sistema de ensi- no e de sua importante atuação à frente do Inep. Aliás, a esse respeito, já em 1941, publica um estudo preliminar sobre administração dos serviços educacionais no Brasil – intitulado “A administração dos serviços de educação no país” – como introdução ao Boletim n. 12 do Inep, que reúne informações e dados relativos à administração escolar nos Estados. Essa vasta, longa e variada experiência no âmbito da administração da educa- ção foi certamente capitalizada a serviço de seus trabalhos acadêmicos, em especial de seu livro Organização e Administração Escolar, onde alia a experiência ao conhecimento atualizado da teoria administrativa já desenvolvida, sobretudo, nos Estados Unidos. Aliás, uma leitura atenta do livro e de suas referências bibliográficas deixa claro o domínio desses conhecimentos e a abrangência da revisão da literatura especializada, com a men- ção de grande número de autores relevantes da época (Lipham, Getzels, Campbell, Griffiths, Hanlon, Halpin, Sears, Simon, entre outros), alguns dos quais seriam traduzidos para o português bem mais tarde (como, por ex., J. B. Sears, A natureza do processo administra- tivo, em 1971; H. Simon, O comportamento administrativo, em 1970; B. Bloom, Taxonomia dos objetivos educacionais, em 1972). O livro em questão apresentou seteedições: as cinco primeiras entre junho de 1963 e abril de 1970, ainda durante a vida do Autor, e as duas últimas após seu falecimen- to, ocorrido a 3 de agosto de 1970. Em junho de 1976, o livro teria a sua 7ª edição, revista e ampliada pela professora Leda Maria Silva Lourenço – que introduziu um capítulo sobre a Lei 5.692/71 –, em co-edição da Melhoramentos com o Instituto Nacional do Li- vro/MEC, dentro do Programa do Livro Didático, patrocinado pela Secretaria do Planeja- mento da Presidência da República. A presente edição constitui, portanto, a 8ª, e toma como referência básica a 5ª, ou seja, a última preparada pelo próprio Lourenço Filho, de modo a manter o pensamento original do Mestre. Tiragens bastante expressivas para a época, em face da reduzida dimensão quantitativa do ensino superior brasileiro, são indicadores da aceitação da obra, conforme dados apresentados pela editora Edições Melhoramentos de São Paulo: 12 Organização e Administração Escolar Desde a primeira edição, em 1963, o livro Organização e Administração Es- colar apresentou-se dividido em duas partes. Na primeira parte, o Autor contempla os princípios da organização e da administração escolar e suas bases, reunindo conceitos e instrumentos de análise necessários à compreensão dos fatos de estruturação e de gestão dos serviços escolares. Fazendo uma síntese desta parte, assim se manifesta o Autor no Prefácio da 2ª edição: Na primeira (parte), caracterizam-se as realidades de estruturação e gestão dos serviços escolares, em sua categoria própria, a da vida social, e indicam-se as perspectivas de estudo, gerais e por setores e planos diversos (Cap. I). A seguir, tais realidades são analisadas nas fases do processo administrativo, à luz das teorias clássicas e de outras, mais recentes (Cap. II). Isso feito, passa-se ao exame do comportamento administrativo, quer dizer, das funções dos que respondem por encargos de administração, suas atitudes e reações no trabalho (Cap. III). As mesmas idéias vêm a ser então revistas, no domínio mais vasto dos sistemas públicos de ensino, em que as expectativas sociais e as bases políticas, assinaladas nas cartas constitucionais e na legislação ordinária se entrecruzam (Cap. IV). Em capítulos sucessivos, descrevem-se as funções atuais das escolas, considerando-se aspectos técnicos assentados para o ensino primário, médio e superior (Caps. V, VI e VII). Nova visão de conjunto encerra essa parte geral, com o estudo das relações entre os serviços escolares e as realidades da economia e das finanças públicas (Cap. VIII). Na segunda parte do livro – intitulada “Organização e Administração Escolar no Brasil” – o Autor fornece os elementos legais básicos para a aplicação, numa situação concreta, dos princípios e normas apresentados na primeira parte. O Capítulo X apresen- ta os dispositivos constitucionais e a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 4.024/61). Os dois capítulos seguintes contemplam a referida Lei, fazendo uma apreciação geral da mesma e oferecendo indicações para análise dos serviços do ensino e de sua administração. Final- mente o último capítulo aborda o estudo e o ensino da especialidade denominada Orga- nização e Administração Escolar. Não há dúvida de que o livro que ora se reedita constitui um marco histórico da produção de conhecimentos acerca da administração da educação no Brasil. Ele se situa entre as tentativas pioneiras de sistematizar os estudos então já realizados na área, de precisar conceitos e princípios, de superar uma administração meramente normativa e prescritiva, mediante não somente a contribuição das teorias clássicas, que contem- plam a descrição do processo administrativo, mas também os estudos sobre o comporta- mento administrativo, nele considerada a influência da instituição escolar, da comunida- de na qual ela atua, das relações humanas em geral. Em tais circunstâncias, o livro antecipou contribuições importantes no âmbito da administração da educação. De um lado, trazendo as referências teóricas mais relevantes na época, de autores que somente mais tarde seriam traduzidos e divulgados no Brasil, como mencionado anteriormente. De outro, o que é mais importante, percorrendo um ca- minho e abordando questões coerentes com a idéia que seria bastante enfatizada por repre- sentantes das abordagens histórico-críticas, de que a Administração Escolar não poderia ser mero ramo de uma Teoria Geral de Administração, dada a sua especificidade. Na verda- de, todo o livro de Lourenço Filho é voltado para essa especificidade, ou seja, para a análise do processo administrativo e da ação administrativa no interior do sistema de ensino e da 13Prefácio escola, a partir de questões concretas pertinentes ao ensino de primeiro, segundo e terceiro graus. Embora o Autor parta do “exame prévio das teorias gerais de Organização e Adminis- tração, aplicáveis a quaisquer empreendimentos, sem exclusão, portanto, daqueles que os serviços escolares formem”, a especificidade da Administração Escolar e a função pedagógica dos administradores escolares é freqüentemente destacada no decorrer do livro: Não se torna possível propor as questões de organização e administração do ensino nos mesmos termos em que o podemos fazer com relação à produção de uma fábrica, isto é, mediante tipificação rígida dos resultados e emprego de procedimentos invariáveis na produção. Educação é vida, reclama espírito criador. [...] Em qualquer hipótese, os administradores devem preocupar-se com a formação básica dos mestres e diretores e seu aperfeiçoamento constante. Isso não só quanto à questão estritamente pedagógica do trabalho, mas quanto à compreensão dos objetivos sociais da escola que, na própria didática, vêm a influir. Nesse sentido, o estreitamento de relações entre cada escola e a comunidade local torna-se indispensável. Ao reeditar o livro Organização e Administração Escolar, de Lourenço Filho, juntamente com seus demais livros, o Inep tem a certeza de contribuir não apenas para preservar a memória da educação brasileira, mas também no sentido de oferecer ao públi- co uma obra ainda bastante atual e cuja releitura poderá concorrer para que se reencontrem caminhos para a construção teórica em Administração da Educação no Brasil. Leonor Maria Tanuri 15Nota da 5ª edição Nota da 5a edição Em poucos meses esgotou-se a 4ª edição deste livro, exigindo nova tiragem. O texto anterior é praticamente mantido, com o acréscimo do teor completo da Resolução nº 2/69, do Conselho Federal de Educação, que fixou os mínimos de duração e composição do Curso de Pedagogia, com 8 modalidades diversas, nelas incluídas as de formação de Administradores Escolares e especialistas em Organização Escolar. Essa matéria merece, por certo, a atenção de todos quantos se interessem pelo progresso do ensino em nosso país. Em abril de 1970. Presença de Lourenço Filho Josué Montello (da Academia Brasileira) Trecho de artigo publicado no Jornal do Brasil, em 13 de julho de 1963, registrando o aparecimento da primeira edição. Neste instante, quero registrar apareci-mento de um novo livro do professor Lourenço Filho, “Organização e Administração Escolar”. E é livro que não vem apenas codificar o que a disciplina compor- ta como núcleo de estudos: vem ainda advertir aos responsáveis por nossos sistemas de ensino, tanto no plano federal quanto nos planos estaduais. O assunto obriga a meditação e debate, no momento em que, por força de lei e da consciência nacional, se vai pôr em prática um novo plano de educação em nosso país. E o professor Lourenço Filho o elucida com a sua experiência, a sua cultu- ra e o seu patriotismo, numa língua de tão alta correção e tão perfeita elegância que facilmente se conclui ter havido no mestre, ao longo de toda uma vida consagrada à educação brasileira, uma renún- cia de ordem intelectual: a renúncia à obra dearte, na ordem da criação literária, a que ele se poderia ter dedicado, com os altos méritos de sua incontestável vocação de escritor. 17Prefácio da 4ª edição Prefácio da 4a edição Na edição anterior, agradeceu o autor o bom acolhimento que a este livro se tem dispensado, tanto em sua forma original quanto na versão espanhola – versão na qual a segunda parte é consagrada ao exame das questões de Administração Escolar na América Latina, em geral. Tal acolhimento antes de tudo se explica pelo interesse que ora desper- tam os assuntos de educação em todos os países dessa grande parte do continente, nos quais muitas mudanças de ordem econômica e política se têm verificado. Os educadores, em geral, são aí levados agora a mais se preocuparem com as formas de estrutura e gestão dos serviços escolares, reconhecendo que assim certos objetivos sociais do ensino pode- rão ser atendidos. Com maior razão, o mesmo se deverá dizer das autoridades que res- pondam pela expansão e melhoria dos serviços públicos da educação. Por toda parte, esses sistemas hoje reclamam maior rendimento, em relação ao qual opinam políticos, administradores em geral, economistas, líderes religiosos, jornalistas. Para que problemas assim complexos e prementes possam ser devidamente examinados, os estudos de Organização e Administração Escolar tiveram de ampliar a limitada perspectiva em que por muito tempo permaneceram, com isso tendo dado a essa disciplina, entre as demais dos domínios pedagógicos, o papel de Gata Borralheira... O que com este volume se pretende, antes de tudo, é desfazer esse errôneo modo de pensar para elevar tal matéria à dignidade que merece. Com esse intuito, o autor planejou e compôs este livro como um curso básico, isto é, em que as realidades da Organização e Administração Escolar se explicam pelos grandes aspectos da vida econômica, social e cultural, a fim de que possam ser compre- endidas em suas verdadeiras funções. Em outros termos, o tratamento da matéria tem um caráter interdisciplinar, pois coteja e associa conhecimentos de muitos ramos. É sabido que, pela natureza mesma dos problemas que examinam, os estudos da educação escolar têm de coordenar elementos provindos de muitas fontes para combiná- los em diversos planos. De há muito neles se reconheceu necessário o plano de integração da Arte de Ensinar, ou Didática, ou seja, da articulação de dados relativos ao desenvolvi- mento geral das crianças, suas condições de aprendizagem, diferenças individuais, 18 Organização e Administração Escolar conveniente programação dos objetivos do ensino, dos mais indicados procedimentos para alcançá-los, e o mais que para isso se exija. Que esse plano seja fundamental não se poderá contestar. Contudo, se por muito tempo pôde ele bastar ao trabalho das escolas, já agora não será assim. Outrora, às escolas apenas se dava a tarefa de ministrar certos conhecimentos e pequenas técnicas, tidos como indispensáveis ao desenvolvimento de crianças e jovens. Aos mestres não cabiam maiores cuidados pela formação geral dos alunos, pois essa formação era satisfatoriamente propor- cionada nas relações da família e da vizinhança, bem como nas igrejas, nos grupos de recre- ação e de trabalho. Problemas relativos a atitudes, propósitos e valores, de especial interesse no ajustamento social, não figuravam nos programas escolares. Não se deve, porém, obscurecer que, ainda no domínio das preocupações didáticas, tais problemas começaram a ser propostos, e, em especial, desde o começo deste século,* tendo dado origem a um extenso e fecundo movimento de renovação pedagógica. Surgiu por se haver observado certo enfraquecimento das funções educativas da família na ocupação das horas de lazer de crianças e jovens, na orientação profissional, na preparação cívica e religiosa. A princípio, tal situação se apresentava apenas em grandes cidades de alguns países, mas estendeu-se depois a núcleos urbanos menores e em todas as nações ocidentais. Os renovadores do ensino passaram por isso a defender a idéia de que à escola caberia exercer maiores encargos, em substituição aos que a família estivesse perdendo. Desse movimento, trata o autor em outra de suas obras, “Introdução ao estudo da Escola Nova”. Nele se explicam as razões históricas, a contribuição de novos conhecimentos da Biologia, da Psicologia e de investigações sociais em campos muito variados; descrevem- se também vários experimentos didáticos, esparsos, ou já estruturados em mais completos sistemas, condizentes com uma nova filosofia social, da qual decorreriam também novos esquemas de organização e gestão das instituições escolares, em toda a sua extensão. Esse movimento, que os educadores atuais não podem desconhecer, já por si propunha uma reorganização geral dos serviços do ensino, chamados, como estavam, e estão sendo, a preencher novos encargos em relação à vida coletiva. Mas, para que esse ponto bem se aclare, certas realidades do processo educacional, ou cultural, teriam de ser mais a fundo revistas e reinterpretadas. Tais realidades são no presente livro descritas para fundamentação de uma nova Organização e Administração Escolar. Procura-se aqui explicar, por exemplo, que as escolas, desde suas origens, terão refletido desejos e aspirações comuns a vários grupos com interesse na formação das novas gerações. Corporificaram-se elas em expectativas sociais mais claras, relativas a diversas fases do desenvolvimento individual, dando origem aos graus de ensino. Ainda depois, institucionalizadas por ação política crescente, levariam as escolas a adotar mais rigorosa regulamentação, na forma em que hoje as podemos conhecer. Desde sua instauração, na verdade, as escolas, em seu conjunto, constituíram uma organização de fato, a qual mais tarde veio a receber padrões formais de estrutura e * O autor refere-se ao século 20 (N. do E.). 19Prefácio da 4ª edição gestão. Como no caso de outros empreendimentos, esses padrões vinham impor-se por efeito de divisão do trabalho comum, com mais precisa definição de esferas de responsabilidade e níveis de autoridade, umas e outros sancionados pelos costumes, e, afinal, pelas leis. Estabelecidos esses pontos, passou-se a admitir nos serviços do ensino um processo administrativo, similar ao de outros setores da atividade humana, desde que racionalizadas. As escolas existem para que produzam algo, em quantidade e qualidade, algo que há de ser previsto, e que possa ser obtido mediante boa articulação de operações coordenadas. A conferência entre o que se quisesse produzir e o que realmente se tivesse produzido, em termos menos subjetivos, representaria um passo adiante, como conseqüência de concepção menos falha de todo o processo. Prever, agir, controlar, eis as fases ou passos capitais, nas situações cíclicas que toda e qualquer espécie de produção apresenta. A compreensão e o encadeamento desses passos não seriam ainda bastantes. Mesmo em empreendimentos destinados a produzir bens materiais, os da indústria de transformação, isso logo se veio a reconhecer. Por definição, o trabalho se organiza e exige administração, quando nele pessoas trabalhem de concerto, ou em cooperação. Importará, pois, o conhecimento dos motivos de ação, atitudes e propósitos dos trabalhadores, como dos encarregados da condução dos serviços. Donde, juntar-se, ao exame do processo ad- ministrativo, o do comportamento administrativo. No caso dos serviços de ensino, como é fácil compreender, mais que em outros, esse ponto apresenta significado fundamental. As escolas recebem pessoas para serem educadas por outras pessoas. O comportamento administrativo, que estas tiverem, direta- mente se reflete sobre os educandos. Todo o ambiente social da escola deve oferecer oportu- nidades de real ajustamento a seus alunos. Quaisquer que eles sejam, já estarão participando de grupos, aos quais a coletividade da escolavem a juntar-se, e, qualquer que seja a vida futura dos educandos, terão eles de adaptar-se a outros e numerosos grupos. Claro que, em certas épocas, de maior estratificação social e vida mais estável, a previsão do destino dos alunos seria mais simples. Na época atual, de tantas mudanças, as sociedades tendem a ser abertas, com contornos movediços, senão de todo fluidos. Os estudos de Organização e Administração Escolar têm de considerar esses fatos, harmonizando-os com os fundamentos das técnicas de ensino. E, por tudo isso, esses estudos não só aos responsáveis pelos mais altos postos de direção e coordenação geral interessam. Interessam aos orientadores de ensino, inspe- tores ou supervisores, em suas respectivas circunscrições; aos diretores, em suas esco- las; aos próprios mestres, em suas classes. A cada um e a todos quantos participem dos serviços escolares, as questões da mudança social em que todos estão envolvidos, mestres, administradores e alunos, embora em graus diversos, têm de ser compreendidas, ou já não haverá maior organização de seu trabalho. Essa é a razão por que este livro insiste na análise dessa mudança, como na necessidade de que os sistemas de ensino, em qualquer país, a tomem na devida consideração. A maneira mais simples de apreendê-la, no caso brasileiro, como no dos demais países da América Latina, será a de situar tais questões no chamado “processo de desenvolvimento”, antes de tudo caracterizado por transformação da vida econômica, ainda que em tal processo não só elas concorram. 20 Organização e Administração Escolar Desde que o desenvolvimento se instaure, em apreciável ritmo, observa-se deslocamento de grupos da população dantes ocupados no setor primário da produção (agricultura, pecuária, mineração), para as atividades do setor secundário (manufaturas e fábricas); e, assim também, de grupos que são impelidos para o setor terciário (serviços comerciais, de transportes, administração pública e privada, de segurança, distribuição de justiça, defesa e preservação da saúde, do próprio ensino). Os aspectos mais visíveis centralizam-se, porém, na industrialização. Um deles consiste na maior oferta de empregos nas cidades, nas quais normalmente se polariza a instalação de oficinas e fábricas. Num primeiro momento, o recrutamento dos trabalhadores se faz de qualquer modo, ou sem maiores exigências de seleção. Logo, porém, critérios menos incertos se estabelecem, relacionados com os de instrução escolar. As expectativas em relação às escolas mostram-se então a elas favoráveis. Qualquer que seja o seu trabalho, há rápido crescimento do número de alunos. Logo, porém, mais severo juízo em relação à qualidade do ensino, ou de sua maior correspondência com as necessidades reais do trabalho, vem a existir. Isso passa a ter influência no trabalho direto dos mestres, o qual, para que melhor se ordene, vem a exigir novos moldes de estruturação e gestão dos serviços escolares. Problemas antigos vêm a destacar-se, e outros novos, a propor-se. Entre esses, passam a figurar questões de vulto, como as de planejamento regional e nacional dos serviços escolares, a exigirem o concurso de especialistas diver- sos, os de demografia e economia, entre outros. Será preciso prever a mais longo termo, melhor articular os graus de ensino, diferenciar os cursos, em especial os de grau médio. Procura-se examinar a contribuição que as escolas estejam dando ao progresso real da produção econômica de cada país, segundo o que estejam gastando, e como estejam empregando os dinheiros públicos. Muitos chegam a pretender que se deva estabelecer uma perfeita identificação entre a política econômica e a política de educação, admitindo, antes de tudo, que as escolas devam preparar homens e mulheres para as diversas espécies de trabalho, já exis- tentes ou a serem previstas. É evidente que tal aspecto muito interessa, não podendo, no entanto, eliminar outros, de valor primordial. O trabalho, ele próprio, terá de ser organi- zado com o objetivo de mais fundamentar a coesão social, o bem-estar coletivo. Não, ao inverso. Em cada caso, e em todo o conjunto, esses pontos têm de ser coordenados por ação política esclarecida, em termos institucionais ou de formas de governo que atendam àquelas necessidades básicas, em ideais e aspirações comuns, os quais, afinal, são os que justificam toda e qualquer função educativa. Que os planos de educação devam relacio- nar-se com os planos gerais de governo é hoje questão pacífica, nos tipos de sociedade ora existentes. Que esses planos tenham de firmar-se numa filosofia de bem-estar geral é, porém, idéia que não pode ser esquecida. Em face das situações concretas, os organizadores e administradores terão de partir, é certo, de uma definição de ordem política, tão perfeitamente estabelecida quanto possível. Seu trabalho, a rigor, só se inicia depois que tudo isso se tenha bem aclarado, através das instituições próprias. Terão elas de definir propósitos gerais, quadros de execução e o montante dos recursos com que se possa contar. 21Prefácio da 4ª edição A cada educador, individualmente, não caberá decidir dos planos de governo, nem assim, em conseqüência, dos planos gerais de educação de cada país. A cada um e a todos, caberá, no entanto, o dever de bem preparar-se para que a uns e a outros possam entender, visto que neles irão, de forma direta ou indireta, cooperar. Cada qual terá a sua esfera delimitada na ordem jurídica, e na ordem técnica, a de suas tarefas próprias. Nesta última, segundo sua preparação, mais ou menos especializada, caberá ação criadora, sem a qual as atividades da educação perdem o seu caráter verdadeiramente humano. Mas, para isso, hão de compreender a própria posição no conjunto dos serviços escolares, nos planos gerais de educação estabelecidos, na coordenação necessária das atividades de cooperação racional que esses mesmos planos estejam a reclamar. De outra forma, de nada valerão os melhores planos deste mundo, como aliás, a própria experiência brasileira vem demonstrando. Tal é a razão pela qual, depois de apresentar os princípios gerais de Organização e Administração Escolar, aplicando-os, também em relação aos vários graus de ensino, este livro, numa parte especial, examina as tendências da filosofia social e da ação política, em nosso país. São aí sumariados elementos históricos que permitem uma compreensão geral de nosso processo de cultura, seguidos de indicações sobre a presente situação resultante de mudanças sociais recentes, com maior ou menor projeção na legislação brasileira. Largo espaço é reservado ao estudo da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, a qual, por sua ementa, veio a ser chamada de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Nesse estudo, dá-se realce às inovações construtivas de tal documento, a par, como seria necessário, da demonstração de suas lacunas e imperfeições, que são muitas. O capítulo final esboça o histórico dos estudos e do ensino da Organização e Administração Escolar, e de modo particular em nosso país, como conclusão natural de toda a matéria anteriormente exposta. A edição anterior transcrevia a parte relativa à educação, constante da nova Constituição de janeiro de 1967, matéria essa que veio a sofrer algumas alterações, em virtude da Emenda Constitucional nº 1, promulgada a 17 de outubro de 1969. A nova apresentação foi juntada a este texto, com alguns esclarecimentos necessários. Mencionam-se também novos atos legislativos, que alteraram muitos pontos da Lei de Diretrizes e Bases. Cumpre ao autor renovar seus agradecimentos a todos quantos sobre este seu trabalho se têm manifestado, e, de modo especial, ao professor dr. Mark Hanson, da Graduate School of Education, da Harvard University, Estados Unidos, o qual opina pela conveniência de que se faça a tradução desta obra em inglês. Como o ilustre especialista temdado grande atenção a estudos sobre educação e desenvolvimento, essa opinião é, na verdade, muito desvanecedora. Rio de Janeiro, novembro de 1969. Lourenço Filho Pa rte I – Pr inc ípi os de O rga niz aç ão e A dm ini str aç ão Es co lar Lourenço Filho, diretor geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo – 1930. 25Parte I – Princípios de Organização e Administração Escolar Capítulo 1 As realidades da organização e administração escolar e os diferentes aspectos de seu estudo [[[[[ As escolas e a vida social Se, de modo superficial, observarmos diversas escolas, cada uma delas nos dará a impressão de um empreendimento autônomo, de todas as mais desligado. Até certo ponto, essa impressão se justifica. Cada estabelecimento tem uma sede determina- da, clientela específica de alunos, elementos docentes próprios, e, enfim, atividades pre- fixadas, segundo o ensino que ministre, seus horários e programas. Seja o estabelecimen- to público ou particular, grande ou pequeno, de nível primário ou de outro, cada um desses pontos, como todos eles, combinados, caracterizarão certa fisionomia própria e atmosfera peculiar de trabalho. Assim, as questões de estruturação e gestão dos serviços escolares parecerão apenas ligadas a aspectos de instalação, em salas de aula e mais dependências, mobiliário e outro equipamento, além dos de distribuição geral das tarefas entre os mestres. Não se poderá discutir que tais questões apresentem importância prática. Mas, serão elas, por si mesmas, o ponto de partida, ou exigirão o estudo de outras condições e circunstâncias, em razão das quais a própria existência da escola, sua localização, funções gerais e objetivos particulares, que com algo mais se articulem, possam ser explicados?... Desde que aprofundemos a observação, veremos que essa segunda hipótese é que vem a impor-se. Em primeiro lugar, nenhuma escola está tão desligada de todas as demais, como nos terá parecido a princípio. Qualquer que seja o tipo de ensino que mi- nistre, cada uma terá de atender a objetivos gerais e comuns a todas as escolas, que são os de oferecer oportunidades para o desenvolvimento individual dos alunos. Essa função, que é capital, qualquer que seja a instituição em exame, aproxima umas escolas de outras, imprimindo-lhes ao trabalho solidariedade geral. Isso justifica a distinção que entre uns e outros estabelecimentos se faz, pelos grupos de idade dos alunos, normalmente os de crianças, adolescentes e adultos. No trabalho do ensino, a condição de maturação geral dos discípulos fundamentalmente importa, pois interessa às situações da aprendizagem. Três níveis escolares são assim universalmente reconhecidos: o primário, o médio e o superior. 26 Organização e Administração Escolar Dentro de cada um deles, haverá outras especificações, pelo adiantamento dos alunos, diferenças individuais e condições mais amplas de certos subgrupos, tal como ocorre nos de excepcionais de qualquer tipo. Em conseqüência, prevêem-se planos de ensino diferenciados, séries didáticas progressivas, quando não se tenha mesmo de organizar ação didática toda especial. Tudo confirma aquela mesma regra, a de atender ao desenvolvimento geral dos alunos, referido a certa média de resultados nas várias quadras de idade. Não são eles, porém, uniformes, por toda parte. Não independem das capacidades individuais, mas dependem também das expressões da vida social, estrutu- ra da família, organização do trabalho e da cidadania, vida moral e religiosa. Em outros termos: os padrões da educação escolar não somente dependem do desenvolvimento in- dividual, de cunho fundamentalmente biológico, mas terão de ser interpretados segundo as exigências da vida coletiva, em cada comunidade, como conjunto, e ainda aí, de acordo com as de grupos especiais que esse conjunto formem. A observação revela que tais exigências são imperativas. Se assim não fosse, em todos os países teriam as escolas a mesma estrutura, com idênticos tipos de estudo, e sabemos que isso não acontece. Por outro lado, sabemos que esses tipos e a organização geral correspondente têm variado de época a época, com maior ou menor rapidez, segun- do as mudanças sociais que nelas se tenham dado, ou se estejam dando. Bastará que comparemos as escolas de há quarenta anos atrás, em nosso próprio país, com as de agora; e, ainda agora, que confrontemos as escolas das grandes cidades com as das peque- nas, e as das vilas com as de povoados rurais, sobretudo quando estes não mantenham maior contacto com núcleos de população mais adensada. Nenhuma dúvida poderá exis- tir, portanto, sobre esta realidade: os serviços do ensino têm variado e continuam a variar segundo as épocas, e, dentro de cada época, na conformidade das condições sociais que se estabeleçam e perdurem. A razão fundamental reside neste simples fato: a educação escolar não é toda a educação, mas apenas uma das expressões de um processo cultural mais amplo, o qual se prende à ordem social, tal como realmente exista, em cada país, região ou localidade. A observação universal confirma a conclusão. Admitimos agora que as crianças devam ser protegidas em seu desenvolvimento geral, e que por isso tenham de freqüentar uma escola, não devendo ser empregadas em atividades produtivas ou num trabalho profissional. Mas tal idéia, ou não existia de todo, ou não era pacífica, ainda nos meados do século 19. Ademais, a sua prática não se acha tão generalizada como vulgarmente se possa pensar. Ainda hoje, em nossos meios rurais, muitos pais estranham que seus filhos a partir dos sete anos tenham de freqüentar uma escola, ao invés de se 27Parte I – Princípios de Organização e Administração Escolar ocuparem nos trabalhos do campo. Igualmente, o estranham não poucos proprietários ou administradores de empresas agrícolas. O que há, pois, de real é que o critério das idades não é exclusivo na organização das escolas, e, antes disso, em sua criação e desenvolvimento geral. O que se evidencia é que os serviços escolares atendem a outras exigências. Eles existem em razão do que desejem os pais, esperem os vizinhos, os centros de trabalho e mais instituições; ou, afinal, segundo aquilo que cada comunidade em conjunto admita como útil, justo e ne- cessário, na formação e orientação das novas gerações. Claro que tais expectativas se rela- cionam com as fases de crescimento, mesmo porque certo número delas exigem maturação individual bastante para que possam ser exercidas. Mas variarão elas segundo as idéias, sentimentos, crenças e aspirações, umas em determinados grupos sociais bem demarcadas, e outras, difusas, ou sem mais clara expressão na média das opiniões. O princípio da relação do ensino com as idades, tem de ser admitido, não, porém, como absoluto. O que das escolas – de cada uma em particular, como de todas em conjunto – se pretende é que seu trabalho possa satisfazer às exigências da comunidade, segundo os papéis sociais atribuídos aos indivíduos, nas diferentes etapas de crescimen- to; quer dizer, o comportamento geral que deles se espere e reclame, e que da estrutura social, tal como aí exista, extrai o seu significado. Assim como seja cada sociedade, assim serão suas escolas. Mais unificada a vida social, mais unificados os serviços do ensino. Mais livre e progressista aquela, mais variados serão eles. E, assim, em todos os aspectos de sua estruturação: os cursos, os pro- gramas, a qualificação dos mestres, seus direitos e deveres, o alcance maior ou menor dos serviços escolares sobre a população, a obrigatoriedade do ensino, as formas de seu finan- ciamento, as de gestão direta de cada estabelecimento, ou da administração deles, em geral. Esse sentido social pode ser visto mesmo em casos isolados. Observemos uma pequena escola, mantida por um grupo de pais, uma escola particular em longínqua povoação, aí entregue a um mestremais ou menos improvisado. Os interesses imediatos dos grupos que esses pais representem, e os daqueles a que mais diretamente estejam ligados, virão a refletir-se tanto nos objetivos do ensino quanto em suas formas práticas; por exemplo, a aceitação ou não de determinados alu- nos, o regime disciplinar, a orientação educativa em geral. Observemos depois uma escola pública em cidade populosa. O ensino já aí obedecerá a formas institucionalizadas mais amplas, não só estabelecidas pelos costu- mes, mas por leis e regulamentos. Todos quantos procurem a escola, preenchidas certas condições, nelas serão recebidos. Haverá um programa de aplicação geral para cada nível de adiantamento, regime disciplinar comum, calendário e horário que a todos possam satisfazer. Devidamente preparados, ou tão preparados como possível, os professores procurarão bem classificar os alunos, e as tarefas do ensino serão distribuídas por dife- rentes séries didáticas, em determinadas classes, cada uma delas entregue a um mestre. Prevê-se, ademais, que o trabalho geral seja coordenado por um diretor, o qual terá de responder por seus resultados perante a comunidade próxima, como também a certos órgãos de controle social, de mais ampla atuação, em especial, os do governo. Quando assim examinemos os fatos, passamos a ver os serviços escolares sob novo prisma, ou com maior visão do que representam no processo cultural, em geral. Percebemos que a origem das escolas, sua evolução, seus tipos e articulação entre eles não resultam do simples arbítrio dos mestres ou de decisões pessoais dos governantes, mas, dos padrões culturais em cada lugar e a cada época existentes. 28 Organização e Administração Escolar Por mais que as escolas pareçam desligadas umas de outras, segue-se que entre todas fortes laços de solidariedade existem. Na época atual, tendem elas a cons- tituir, em cada país, um só e mesmo empreendimento geral, quaisquer que sejam as lacunas e dissimetrias aparentes. Todas resultam de maior ou menor consciência de padrões desejáveis na vida coletiva, no que haja de próprio a cada grupo social espe- cífico, e no que haja de comum a todos, e que lhes comuniquem maior sentido de útil coexistência. Coordena-se o trabalho das escolas, em suma, com as expressões da existência social, e, de modo mais evidente, com as de suas instituições básicas – a família, o trabalho, a igreja, o regime de governo – em tudo quanto concorram para que um sistema consistente possa perdurar, e, perdurando, receba inovações úteis a esse mesmo fim. O trabalho das escolas a essas expressões se incorpora acabando também por institucionalizar-se; quer dizer, adquire ele também a contextura de um sistema social que passa a figurar entre os demais, refletindo todas aquelas condições, depuradas por via da legislação e das concepções técnicas dos profissionais do ensino. O desenvolvimento médio das capacidades individuais mantém-se como critério básico, mesmo porque, como vimos, dele dependerá o desempenho dos papéis sociais, tais como geralmente aceitos. Não obstante, porque implicam direitos e deveres, só em face daquelas mesmas expectativas definidos, prendem-se a um processo mais complexo, o de ajustamento social de cada nova geração. O que se vem a chamar de de- senvolvimento individual por um lado, e ajustamento social, por outro, assim represen- tam dimensões de uma só e mesma realidade, ou duas faces de um mesmo processo. Entre a vida social e a existência dos serviços regulares de ensino, uma substancial conexão tem de existir sempre – tal é a conclusão de ordem geral. Em outros tempos, as mudanças da vida social eram lentas e se davam com sentido e ritmo sensivelmente diverso em cada localidade, ou em localidades de dadas regiões, mais isoladas entre si que hoje. Os chamados grupos primários, como os da família e união de famílias, predominavam em todo o processo educacional e, por isso, também nas escolas. Na atualidade, as coisas se passam diferentemente. Um conjunto de mudanças concomitantes se tem dado nos tipos de produção ou do trabalho, e, assim, na vida econômica; nas variações de estrutura da família, e, em conseqüência, nos costumes; nas próprias crenças religiosas e, conseqüentemente, nas concepções de vida e valores morais; e, com tudo isso, no reconhecimento de direitos e deveres individuais, e, portanto, nas formas e funcionamento do poder político. Por todas essas razões, o processo educacional veio a sofrer inevitáveis alterações, em si mesmo e na consciência que dele se passou a ter. Às escolas agora se impõem encar- gos inteiramente novos, desconhecidos na organização tradicional do ensino, ou mesmo, nem por ela suspeitados. Reconhece-se, para cumprimento de funções comuns, a necessi- dade de maior integração entre as escolas, num empreendimento solidário, quer em países plenamente desenvolvidos, quer também nos que ainda menos o sejam. Tenta-se planejar os serviços escolares de modo amplo, com modificações de suas formas e sentido geral, o que vale dizer com alterações em sua estruturação e nos modos de administrá-los. A pressão de necessidades nacionais, em cada país, e a de interesses de certos grupos privados, em todos eles, situam os serviços do ensino num plano de largo sentido social. As crianças e jovens, que hoje se educam, estão destinados a viver no século XXI, com uma formação, que, certamente, não poderá ser a da tradição. Os princípios de 29Parte I – Princípios de Organização e Administração Escolar estruturação e normas de funcionamento terão de inspirar-se em novas idéias, com revisão de muitas das até agora seguidas. Os problemas de Organização e Administração Escolar terão de ser nessa forma compreendidos, analisados e resolvidos, e, pois, com maior sentido de previsão. Terão eles de ser propostos no conhecimento das realidades sociais em mudança, e reinterpretados à luz de uma nova política da educação, que não caberá aos administra- dores escolares por si mesmos elaborar, é certo, mas bem traduzir em realidades práticas, de satisfatória eficiência. Será necessário dar atenção a problemas particulares, mediante estudos referentes a setores e escalas diversas. Ainda nesse caso, certos conceitos fundamentais, instrumentos de análise e modelos de descrição e explicação terão de ser observados. Sem prejuízo da importância desses problemas menores, mas, pelo contrário, dando-se- lhes mais exato sentido, este livro pretende oferecer tais noções, na forma de um curso básico. Com elas, integradas numa adequada perspectiva em que se apóiem esquemas de aplicação prática, é que se poderá chegar a entender as necessidades reais da organização e administração do ensino, tal como nosso tempo reclama. Para isso, haverá necessidade de conhecer o processo administrativo, em seu desenvolvimento cíclico, tanto quanto o comportamento administrativo, isto é, as formas gerais da ação que hoje se espera dos organizadores e administradores em qualquer espé- cie de atividades; e, enfim, a aplicação de inferências, daí retiradas, às situações reais que o ensino já apresente. Tais estudos devem conduzir os administradores, em geral, a bem compreender a estruturação e gestão dos serviços escolares, a fim de que possam saber onde, quando, quanto e como devam esses serviços ser estabelecidos e articulados com maior proveito. Por outro lado, em escalas diversas e setores diferenciados, mas a exigirem visão de conjunto, esses estudos interessam ao professor, em sua escola; ao inspetor e chefes de serviços auxiliares, em suas circunscrições; e aos responsáveis por mais amplas formas de trabalho, nas funções de planejar, coordenar e controlar os sistemas de ensino. A matéria interessa a todos quantos respondam por funções gerais, ou especiais, nesses sistemas, como, por outros aspectos, a todos quantos, por disporem de maior ou menor ação social, possam interferir nos planos do ensino, com suas idéias,sugestões e críticas. [[[[[ Atitudes no estudo da Organização e Administração Escolar O nome Organização e Administração Escolar poderá parecer redundante, em face da estreita relação, ou mútua dependência, que os elementos nele contidos apre- sentam. Pertence, no entanto, à sistemática corrente onde, como oportunamente se verá, é de conveniente adoção. De modo geral, esse nome sugere a observação, caracterização, classificação e relacionamento dos fatos da estruturação dos serviços regulares de ensino, dos modos de sua gestão e de sua condução bem articulada, quer se passem numa só escola, em várias delas, ou em muitas que um sistema definido venham a compor. Ora, como em outros domínios de investigação, duas atitudes gerais são aí possíveis, e que se podem caracterizar como atitude imitativa e atitude de investigação sistemática, respectivamente. 30 Organização e Administração Escolar [ a) Atitude imitativa A primeira se apoiará na convicção de que todos os problemas possam ser atendidos pela ação de normas derivadas de imitação daquilo que já se venha praticando em empreendimentos similares, a que certos elementos de inspiração e arbítrio pessoal possam ser juntados. Organização e Administração será, nesse caso, aquilo que organizadores e administradores práticos já estejam fazendo, tal como o possam fazer, ou tal como a isso sejam forçados pela rotina, a pressão de certas circunstâncias ou o apelo a uma vaga capacidade pessoal, a que não raro se empresta valor mágico, comumente designada com o nome de “tino administrativo”. [ b) Atitude de investigação sistemática A segunda atitude dessa se distingue pelos fundamentos e resultados a que chega. Baseia-se no pressuposto de que os fatos e situações de estruturação e gestão, nos empreendimentos escolares como em outros quaisquer, admitem a observação e análise dos elementos de que se compõem; a compreensão das condições em que se processam, típicas e atípicas, favoráveis ou desfavoráveis aos objetivos que se tenham em vista; e, mais, a idéia de que em tudo isso haja situações cíclicas, isto é, situações que se repetem, e que, por isso mesmo, permitem a inferência de relações funcionais, base para que se chegue a certas conclusões explicativas, de valor teórico e prático. De posse dessas con- clusões, os profissionais de Organização e Administração melhor poderão distinguir e caracterizar as realidades em que tenham de interferir, segundo esquemas, ou modelos, que também lhes forneçam maior conhecimento técnico. Aplicando-se tais modelos, admite-se que profissionais qualificados possam não só analisar e entender situações já existentes, para bem conduzi-las, sem maior alte- ração, ou para mais a fundo modificá-las, quando esse seja o caso; ou, ainda, para a im- plantação de novos serviços quando deles se necessite, sem riscos ou com maiores probabilidades de êxito. Admite-se, enfim, na segunda atitude, que estudos sistemáticos de Organização e Administração se possam realizar nos serviços escolares, como em outros tantos domínios já se vem praticando, com resultados benéficos. Nenhuma razão, aliás, existe para que dessa segunda atitude venham a ser excluídos os serviços do ensino. Será, pois, legítimo tratar dos problemas da vida das esco- las, ainda que elas apresentem aspectos muito variados, quanto à gradação e extensão das formas de ensino, e a complexidade, real ou aparente, de seus vários graus, tipos e formas. [[[[[ Dificuldades que se apresentam a iniciantes As circunstâncias apontadas podem levar os que se iniciam no estudo da ma- téria a defrontar algumas dificuldades de ordem geral. Convirá, assim, que desde logo as indiquemos. [ a) O adjetivo “escolar” A primeira dificuldade pode resultar da limitação que se dê ao objeto de tais estudos, por sugestão do adjetivo escolar. Aposto ao nome Organização, parece ele indicar 31Parte I – Princípios de Organização e Administração Escolar que os estudos da matéria tenham de limitar-se ao que se realize no interior de cada escola, como ambiente fechado. Naturalmente que tudo quanto aí se passe é fundamental. Cuidar do assunto, sem uma suficiente visão dos elementos e condições de trabalho existentes nas classes de ensino, seria descabido. Mas pretender isolá-los do contexto maior a que dantes se fez referência, o da vida social, onde as escolas emergem e ao qual se destinam a servir, será igualmente menos razoável. Note-se que os problemas da vida escolar tanto interessam aos mestres e mais funcionários do ensino quanto às famílias, a grupos mais ou menos caracterizados que elas formem, segundo convicções políticas, credos religiosos, interesses econômicos ou, ainda, razões mais simples, como por exemplo, o de um mesmo local de residência; por tudo isso, não podem deixar de interessar também às autoridades governamentais, ou aos poderes públicos, razão por que sistemas públicos de ensino têm-se criado e expandido. O adjetivo escolar, portanto, não só se refere a cada escola como objeto particular, mas a conjuntos, de determinadas escolas ou de todas elas. O mesmo se passa, aliás, com denominações similares, como, por exemplo, administração hospitalar, que não se refe- re apenas à gerência de cada hospital; ou administração fiscal, que não se refere apenas à gestão de cada posto de coleta de impostos. [ b) Falsa compreensão das funções da legislação do ensino Pelo fato de existirem sistemas públicos de ensino, e, portanto, autoridades governamentais que deles tratam, uma segunda dificuldade poderá surgir. É a de admitir- se que todos os problemas de Organização e Administração devam ser considerados como função do poder político, não apenas no desempenho de ação geral, mas, por disciplinação estrita do trabalho de todo o ensino, através de leis e regulamentos taxativos. Ainda que a legislação escolar seja de grande importância (e isso veremos no devido tempo), não será acertado tomá-la como fonte primária e única dos conceitos e princípios que regu- lem a matéria. A razão é simples. Em sua maior parte, a legislação representa apenas um elemento instrumental para estruturação e gestão dos serviços, o qual no estudo de outros fundamentos tem de encontrar os seus verdadeiros princípios. [ c) Escalas de observação e aplicação A terceira dificuldade advém da extensão variável em que podemos considerar os fatos e situações concretas a estudar; ou seja, a escala de observação e análise de tais fatos e situações, bem como das escalas de aplicação que as conclusões de tais estudos possam permitir. Fatos e situações de Organização e Administração existem numa só classe de ensino, sob a responsabilidade de um único docente; no conjunto de uma esco- la graduada, com muitas classes e mestres, seu diretor e auxiliares; em agrupamentos de escolas, articulados por serviços gerais de manutenção, orientação e controle, sejam de mais reduzida extensão, como ocorre num distrito escolar, ou de feição mais ampla, tal como se dá num sistema regional ou nacional de ensino. Nesses casos mais amplos, além da variável extensão geográfica dos serviços, poderão os estudos ater-se a certos aspectos particularizados. Para exemplificar: os de 32 Organização e Administração Escolar planejamento geral ou parcial dos serviços; de orientação e controle de todo um sistema; de definição e articulação de cursos e programas; de questões relativas à construção e ao aparelhamento escolar; de formação inicial, recrutamento e aperfeiçoamento dos profes- sores; de adaptação dos procedimentos didáticos aos programas e nível do professorado; dos critérios de admissão, classificação e promoção dos alunos; e, enfim, de certas relações entre o ensino e as exigências da vida da comunidade próxima, as de cunho regional, ou as de todo o país, como conjunto mais extenso. Em qualquer dos casos, será possível analisar um só desses problemas, ou vários deles, diversamente combinados; e,assim também, considerá-los em relação a um só grau, ou a um só ramo do ensino, a dois, ou a todos, como partes articuladas de uma só estrutura. [ d) Aparente falta de unidade Questões tão diversas, por sua natureza e elementos, poderão receber elaboração conceitual, geral e comum, que a toda matéria imponha formulação orgânica e coerente?... Eis aí uma nova dificuldade, que também poderá perturbar os principiantes. Não será esse título comum, Organização e Administração Escolar, puramente conven- cional, ou arbitrário, segundo a posição de cada autor que, de umas ou outras dessas questões, venha a ocupar-se?... Para que essa dificuldade como as demais se afastem, convirá esclarecer a natureza dos fatos e situações que se devam entender como realidades da Organização e Administração Escolar. Em outros termos, deve-se aqui perguntar: “Como distinguir e classificar tais realidades a fim de que todas permitam elaboração conceitual coerente, para vantagem em compreender-se a estruturação e a condução de serviços escolares, já existentes, ou de serviços que se tenham de implantar?...” [[[[[ As realidades da organização e administração Quando se tomem para estudo as atividades da vida escolar, – como, aliás, as de qualquer outro empreendimento cooperativo, quer dizer, de ação conjunta de muitas pessoas – verifica-se esta coisa curiosa, e, na verdade, perturbadora: nenhum fato, ou nenhuma situação, isoladamente considerada terá ou deixará de ter significado para os problemas de Organização e Administração. Sim, nenhum deles, porque tal significado só aparece num dado conjunto funcional, numa certa estrutura, já entendida como desti- nada a alcançar determinados objetivos, previamente aceitos, e de obtenção possível segundo os elementos e condições existentes. Só nesse caso, quer dizer, quando situados num esquema geral que subentenda o relacionamento entre meios e fins, é que cada elemento, condição ou operação, assume real significado. Fora dessa hipótese, pouco ou nada poderão representar como realidades que bem se conceituem num dado sistema de referências. A possível estranheza que tal afirmação venha a causar desaparece quando consideremos não só os estudos da espécie, mas outros quaisquer. De fato, ao exami- nar os elementos de tudo quanto conhecemos, verificamos que eles se referem sempre a um esquema pelo qual certa perspectiva geral se terá estabelecido como base da investigação. Ou, mais claramente: nada do que sabemos, ou do que possamos saber, 33Parte I – Princípios de Organização e Administração Escolar sobre coisas e fatos resultará de características que nessas coisas e fatos estejam fixadas de uma vez por todas. O que acontece é que tais características serão percebidas, apreciadas e interpretadas, segundo esquemas conceituais prévios, com os quais os objetivos de nossa própria ação de conhecer, e, em conseqüência, os de atuar, se tenham relacionado. Digamos que desejemos estudar certas substâncias minerais: amostras de areia, pedras, quaisquer fragmentos de rochas. Nada parece mais simples. À primeira vista, essas coisas possuem atributos físicos que admitimos permanentes, ou dotados de carac- terísticas naturais constantes. Nelas podemos distinguir certo peso, forma, cor, densida- de. Considerando cada um desses atributos, ou vários deles, submetemos essas coisas a uma classificação qualquer. Mas também o poderemos fazer admitindo outros atributos, como os do com- portamento de cada amostra à ação do calor, da umidade, de correntes elétricas, da ação de reagentes químicos diversos; ou, se isso também nos venha a interessar, como teste- munhos de origem geológica e distribuição geográfica. Em outra hipótese, poderemos vê-las como substâncias que interessem a uma aplicação tecnológica definida, para exploração industrial. Ainda nesse caso, tudo pode- rá ser encaminhado na forma de estudo tecnológico geral, ou, ao contrário, com vista a aplicações econômicas precisas, como a exploração de determinadas jazidas, numa dada região. Por sua vez, tal exploração poderá relacionar-se com a idéia de implantação de uma empresa industrial privada, maior ou menor, ou a de um plano de ação político- social, que vise à melhoria das condições de vida de determinados grupos da população. Eis aí como substâncias, aparentemente tão simples, podem dar origem a es- tudos de feição diversa, porque para fins diferentes. Experimentemos estudar plantas e animais. Todos os esquemas dantes indicados poderão ser utilizados, cada um de per si, ou combinados, com referência a certas partes de cada planta ou de cada animal, ou do conjunto que cada um deles possa constituir. Além disso, outras indagações terão de ser desenvolvidas, as da ecologia, ana- tomia, fisiologia, citologia, ou genética de cada espécie, ou mesmo de cada um daqueles seres vivos, em especial. Digamos, por fim, que desejemos estudar o homem, seus grupos e instituições, sua vida histórica, social, moral, política, artística, religiosa. Então, as perspectivas serão muito mais numerosas. Tanto é assim que, se apresentarmos os mesmos fatos sociais a um especialista em geografia humana, a um economista, político, educador, sociólogo ou historiador, de cada qual obteremos afirmações distintas com relação ao mesmo objeto real de estudo. Cada qual usará de seu próprio sistema de referências, isto é, de esquemas descritivos e explicativos de sua própria especialidade, com terminologia especial em cada caso. Com relação às mesmas coisas e fatos, obteremos respostas diferentes e, em cada caso, em linguagem especializada. Uns especialistas salientarão aspectos e relações em determinada escala, ou de certos conjuntos mais ou menos reduzidos; outros tudo verão em sistemas mais amplos. Uns falarão de limitado número de variáveis, outros apreciarão variáveis mais numerosas. Aceito o ponto de vista ou a perspectiva de cada especialista, as afirmações de cada qual terão entre si perfeita coerência e validade. Mui- tas poderão ser seriadas em esquemas crítico-interpretativos mais abrangentes que ou- tros. Isso não significará que, em seu campo próprio, cada qual não apresente certa soma de proposições verdadeiras. 34 Organização e Administração Escolar A conclusão, portanto, é uma só: tudo quanto sabemos com feição ordenada terá de obedecer a sistemas de referências, ou a esquemas conceituais, em que as coisas e fatos possam ser bem relacionados; ou, afinal, a perspectivas que ordenem e dêem significado real a noções que, de outro modo, permanecerão esparsas, ou desprovidas de maior sentido. As realidades do trabalho escolar não fogem a essa regra. Poderemos examiná- las de pontos de vista mais ou menos limitados, ou já referidos a conjuntos mais ou menos extensos, compreendidos segundo as funções que neles possamos reconhecer. Podemos estudar em determinadas escolas, por exemplo, só os seus alunos, e, ainda nesse caso, segundo certa perspectiva da Biologia, ou da Psicologia Diferencial. Pode- mos referi-los a grupos de idades, a situações de trabalho ou de jogo, analisando fun- ções sociais. Podemos estudá-los nas relações professor–aluno, em situações didáticas formais de cada classe de ensino, ou em outras, em mais amplos quadros das relações humanas. A isso se chegará considerando-se as influências familiares, as dos grupos de vizinhança, as de toda a comunidade próxima. E será ainda possível estender tal estudo à avaliação de influências regionais, referentes à economia, à estrutura profissional, aos costumes, à história, aos próprios instrumentos de comunicação que, num dado ambiente e em dado momento, estejam tendo existência. Por fim, todos esses aspectos, como ainda outros, poderão ser considerados numa só extensa e complexa estrutura, na qual passemos a ver as escolas como instituições regulares que a vida coletiva estabelece, mediante certas condições e para o preenchimento de determinadas funções. Comisso, relacionamos aspectos orgânicos e funcionais, indivi- duais e da vida coletiva, formas de instrumentação e de gestão de serviços, tudo em corres- pondência com uma definição prévia de objetivos que tenhamos admitido como justos, úteis e necessários. Será possível apreciá-los, nesse caso, sob a forma de grandes empreen- dimentos dotados de sentido próprio e de uma instrumentação que a tal sentido bem traduzam na prática. Nos fatos e situações que essa estruturação e essas formas de gestão apresentem, encontramos, em toda a sua extensão e complexidade, as realidades mesmas de que a Organização e Administração Escolar deve tratar. Mas, ainda aí, diferentes perspectivas gerais poderão ser utilizadas, segundo os esquemas teóricos e interesses práticos que, por estas ou aquelas razões, tenhamos de preferir para conveniência do estudo. Tais perspectivas não se isolam de outras tantas, utilizadas nos estudos gerais da Educação, convindo assim que as examinemos. Se não o fizermos, será natural que certas dificuldades reapareçam e que os iniciantes retornem àquela impressão de ausência de unidade no conhecimento da matéria. [[[[[ Perspectivas gerais de estudo Várias são as perspectivas gerais adotadas nos estudos da Educação como processo social, relacionado com os problemas de estruturação e gestão de serviços regu- lares de ensino, e, portanto, de interesse direto ou indireto na concepção da Organização e Administração Escolar. Delas aqui destacaremos três, suficientes para esclarecimento inicial. Podemos figurá-las em círculos concêntricos, o que logo sugere que cada uma na anterior se apóia, ainda que cada qual possa receber tratamento próprio, com formulação sistemática. 35Parte I – Princípios de Organização e Administração Escolar [ a) Perspectiva histórica A primeira, de todas a mais ampla, pode ser chamada de perspectiva histórica ou, se assim se quiser, sociocultural. Os serviços regulares de ensino e, em conseqüência, os fatos de sua estruturação institucional apresentam-se em dada ordem no tempo. São realidades derivadas e nutridas pelas condições de um amplo processo, do qual, afinal de contas, não se separam. A ele costumam os autores denominar processo educacional, compreensivo de todas as formas pelas quais as gerações mais amadurecidas influam nas que menos o sejam, com a comunicação de seus modos de fazer, sentir e pensar, ou, em termos mais precisos, a comunicação de técnicas, idéias, sentimentos e aspirações. Indiferenciado, a princípio, esse processo se confunde com o de assimilação cultural. A pouco e pouco torna-se, porém, ação intencional, para assumir nas instituições escolares caráter sistemático, através de formas técnicas crescentemente apuradas. Nas escolas e, portanto, nos moldes de sua estrutura e formas de gestão, assim queiramos ou não, representa-se um contexto cultural, no qual se refletem condições ecológicas, econômicas, lingüísticas, políticas, religiosas, estéticas, morais. A vida escolar de um lugar qualquer e em qualquer tempo não resulta, em seu conjunto, do arbítrio de mestres e administradores, nem das intenções particulares de cada aluno, nem das leis e regulamentos existentes. A razão, fácil de compreender-se, é esta: tudo isso assenta numa base comum, muito mais larga e profunda.1 Quando assim estudemos os serviços escolares, não excluiremos deles a vi- são de certas formas de estruturação e modos de gestão, sem que com isso estejamos examinando, porém, em sentido próprio, os fatos que mais diretamente interessam à ação de organizadores e administradores. O que então fazemos é a crônica das institui- ções do ensino, capítulo de não pequena importância na História da Educação, e indis- pensável subsídio a muitas das investigações da Sociologia Educacional.2 1 Ver Introdução ao estudo da Escola Nova e Educação comparada, em que o Autor largamente examina o processo educacional como realidade social. Cf. Havighurst e Neugarten (1957) e Durkheim (1955). 2 O mesmo se passa em relação aos demais domínios do estudo social. Há a história do direito, das instituições econômicas, da arte, etc., que não se confundem com a Sociologia Jurídica, a Economia Social, a Sociologia da Arte, etc. 36 Organização e Administração Escolar [ b) Perspectiva dos estudos comparativos A segunda perspectiva nessa primeira se apóia, sem que com ela deva ser confundida. Ao invés da filiação das instituições escolares na continuidade temporal, que conduz a um tratamento predominantemente descritivo, estabelece-se a pesquisa das razões da articulação geral ou dos fatores determinantes da existência das institui- ções escolares, na forma de sistemas de ensino de cada povo ou de cada nação, numa dada época. Mediante confronto entre condições e resultados, em diversos meios, caracterizam-se variáveis, e retiram-se inferências de ordem geral. Fatos e situações de estrutura e gestão dos serviços do ensino a tudo isso interessam, representando mesmo a base geral para importantes indagações. Não consti- tuem, contudo, ainda e também, o objeto das preocupações diretas dos organizadores e administradores escolares. O que fazem é dar corpo a investigações de um ramo da análise do processo educacional, ramo que tem o título de Educação Comparada. Servem-se elas da legislação geral de cada país, bem como da legislação específica de ensino, dos dados numéricos sobre o movimento das escolas em seus vários graus e ramos, e, assim também, de subsídios da História, da Economia, da Política, da Sociologia e da Filosofia da Educação. Representam grande domínio de estudos interdisciplinares que não se identificam, porém, com os da Organização e Administração Escolar como tal considerada (Lourenço Filho, 1965). Quer dos estudos históricos, quer dos de feição comparativa, certo ponto comum vem a ressaltar com referência aos serviços escolares em sua composição e funções. É este: as escolas se constituem, desenvolvem-se e operam no pressuposto da realização de objetivos determinados, o pressuposto de que produzam alguma coi- sa, tida por certos grupos e classes, ou por certo consenso da vida coletiva em geral, como útil, justa e necessária. Nem por outra forma se entenderia a existência, por toda parte, das instituições de ensino na forma de amplos, complexos e custosos empreendimentos. Esses objetivos perderiam seu sentido prático se não estivessem apoiados numa estruturação que, de modo satisfatório, os pudesse atender, e, com isso, numa gestão de serviços que a tal estrutura mantivesse em razoável nível de eficiência. Para que alcancem resultados que não sejam meras concepções de fantasia, têm as escolas de empregar, portanto, meios hábeis, ou instrumentação adequada, com recursos materiais e pessoais, regulados de modo racional em seu funcionamento. É isso que permite pensar no planejamento de seu trabalho, na coordenação de tais elementos e recursos, numa execução de tarefas que se aprimore pela experiência, e cujo rendimento possa ser, enfim, ava-liado mediante critérios objetivos, de maior sentido técnico. [ c) Perspectiva de eficiência Esse esquema representa a terceira perspectiva, pela qual, na sistemática pedagógica corrente, são afinal definidos os estudos de Organização e Administração Escolar. Cabe-lhe o nome de perspectiva finalística ou, de forma mais simples, perspecti- va de eficiência. Não é que com isso se pretenda impor aos serviços escolares uma estreita visão mecânica, a qual não se adequaria à realidade dos fatos. O que se deseja é imprimir 37Parte I – Princípios de Organização e Administração Escolar às atividades humanas, que neles se representem, sentido funcional, por maior conhecimento e gradação dos fins, e articulação mais produtiva dos elementos e recursos com que esses fins possam ser propostos e satisfatoriamente alcançados, ou a racionalização dos meios empregados.3 As três perspectivas, convirá repetir, não se opõem
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