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Universidade Paulista Priscilla Marques TRABALHO DE PRÁTICA COMO COMPONENTE CURRICULAR (PCC) - ARTES VISUAIS São Paulo 2016 Neste semestre foi envolvido pelas disciplinas: Comunicação e Expressão; Ciências Sociais; Prática de Ensino: Observação e Projetos; Psicologia do Desenvolvimento/Aprendizagem; Arte Visual na História Antiga; Fotografia – Princípios e Técnicas e Composição e Projeto Gráfico. E apos, o semestre e a leitura dos artigos: Qualitativa em Psicologia e Saúde Coletiva: Experimentações com o Recurso Fotográfico e A cidade que nos olha: imagem e vestígio nos noturnos de Cássio Vasconcellos. Me possibilitou a outras observações e um visão diferenciada. Em Comunicação e Expressão pude observar, que mesmo uma produção não textual, ela possui uma textualidade, seja em formas, movimentos, etc. A ate mesmo uma simples fotografia, é capaz de nos comunicar, de nos transmitir algo por meio de diferentes. Em Ciências Sociais, podemos compreender a sociedade como um todo. Compreender como foi e como ainda é construção a sociedade, entender fundamentos teóricos deste a organização social, mas principalmente compreender que existem diferenças e com isso explicar os diversos problemas sociais. Diferente da Psicologia do Desenvolvimento/Aprendizagem, nesta disciplina não compreendemos a sociedade, mas sim compreendemos o invidio na sua singularidade. Podemos observar na pratica o seu desenvolvimento, a sua evolução deste ao nascimento. Podemos entender como se da o armazenamento de seus conhecimentos, habilidades e características comportamentais. Levando em consideração as influencias que o mesmo se encontra sejam de Hereditariedade, crescimento orgânico, maturação neurofisiológica e principalmente pelo meio. A Prática de Ensino: Observação e Projetos nos oferece o conhecimento para possamos elaborar um projeto, neste caso mais voltada a aulas, sem se esquecer que podemos adquirir conhecimento alem das salas de aula. Em Arte Visual na História Antiga, observamos a arte na Antiguidade com seus respectivos estilos e as principais civilizações influenciando até hoje as artes visuais. Conhecemos suas características as quais podemos observar ate os dias atuais. Mas em Fotografia – Princípios e Técnicas podemos compreender seus princípios e técnicas para a elaboração de uma fotografia seja ela jornalistica ou cientifica como no artigo cientifico escolhidos. E que, em Composição e o Projeto Gráfico, a qual se integra em todos as disciplinas, pois nos mostra de forma pratica a interação entre texto-imagem no processo de composição. Deste sua elaboração, reconhecendo seus elementos, a composição de cores, compreendendo os ícones e a sua identificação pelo público. Vemos que a fotografia aliada a uma boa composição gráfica, vai alem do simples ato do registro é uma forma a qual a arte se releva e é capaz de transmitir e registro todo um conhecimento. Como nos artigos podemos conhecer e registro momentos e experimentos de uma sociedade. Anexos: Artigo I Pesquisa Cualitativa en Psicología y Salud Colectiva: Experimentaciones con el Recurso Fotográfico Maria Aparecida de França Gomes 1 2 , Magda Dimenstein 2 4 1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte 2Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN- Brasil. E- mail:cidafrance@gmail.com 2Doutora em Psiquiatria e Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ-Brasil. 4Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN- Brasil. E- mail:magda@ufrnet.br alabras-clave: Psicología; Salud colectiva; Pesquisa cualitativa; Fotografía Este artigo constitui o empreendimento de reunir pesquisas realizadas a partir da utilização do recurso fotográfico segundo a proposta idealizada porGomes (2002) eGomes e Dimenstein (2006) denominada ensaio fotográfico. Tal perspectiva foi desenvolvida a partir de uma investigação realizada junto a crianças e adolescentes catadores de lixo, no aterro sanitário de Natal/RN, contribuindo para a pesquisa em Psicologia, bem como para o campo da Saúde Coletiva. Campo aqui é considerado tal comoBosi (2012) faz questão de diferenciar de área: campo comportando uma dimensão política, que "devolve ao espaço científico sua dimensão política, evelando-se, assim, fortemente estratégico para entendermos sua 'economia interna' e as disputas que se expressam em debates conceituais ou metodológicos, mas com reflexos decisivos nos planos político e econômico" (p. 576). Este ensaio revelou-se como uma estratégia potente de coleta de dados, de inclusão ativa dos participantes, produzindo uma estética visual que mobilizou pesquisadores e pesquisados. Outro resultado importante da utilização da fotografia foi a possibilidade de intervenção que a ferramenta apresentou: pelo efeito de construção, elaboração e reconstrução de signos em cada participante, para além de sujeito da pesquisa, produzindo coautoria no processo de construção do conhecimento. A partir deste estudo, entre os anos de 2002 e 2012, outras pesquisas utilizando essa estratégia foram realizadas com crianças, adolescentes ouvintes, adolescentes surdos, profissionais de saúde, docentes de Psicologia, técnicos de nível superior, médio, auxiliares de serviços gerais e idosos. Os campos de pesquisa de tais pesquisas compreenderam espaços como o "Lixão", um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), um Hospital Geral, um Shopping Center, um Serviço- Escola de Psicologia, comunidades periféricas e espaços diversos como residências e ruas. Pretendemos com este trabalho ressaltar que a fotografia provoca discursos e se apresenta como uma fonte privilegiada de informações da realidade estudada e da visão de mundo dos participantes. A articulação imagem-discurso mostra-se potente no acesso a diferentes dimensões dos sujeitos e se constitui em uma estratégia de intervenção em várias problemáticas. Dessa forma, as narrativas visuais têm uma função estratégica, contribuindo para superar barreiras culturais entre pesquisador e pesquisado, produzindo conhecimentos culturalmente sensíveis, seja no campo da Psicologia, seja na Saúde Coletiva. Construindo uma estratégia metodológica na pesquisa em Psicologia e Saúde Coletiva Nossos estudos, utilizando a estratégia do ensaio fotográfico, teve como ponto de partida uma pesquisa realizada no início dos anos 2000, como parte de um trabalho de mestrado desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPsi) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Foi com o propósito de abordar a subjetividade enquanto manifestação das condições de vida nos aspectos econômico, social e cultural, que utilizamos o ícone (fotografia) e o signo linguístico (palavra). O signo linguístico tem uma certa hegemonia nas pesquisas qualitativas na Psicologia e na saúde, dessa forma, ao acrescermos o signo fotográfico às possibilidades de leitura e intervenção, pretendíamos acentuar as características de campo e movimento da Saúde Coletiva. Procurávamos desenvolver formas de construção do conhecimento que estivessem alinhadas ao cotidiano. Em outras palavras, buscávamos, de acordo comBosi (2012), aceitar como premissa que as questões de pesquisa vinculam-se aos problemas da existência humana, esse incremento pode ser compreendido também como resposta a certos desafios, em todos os campos do saber e esferas da vida; problemas esses que transcendem as potencialidades do modelo tradicional, no caso da saúde, o modelo da ciência positiva. (p. 576) Para tanto, inicialmente, fomos buscarbases nos estudos da antropologia visual. Apesar de paradoxal ao nosso intento, os primeiros estudos utilizando imagens guardam um posicionamento positivista, aspecto corroborado porTacca (2005). Esse estudioso evidencia que as primeiras utilizações da imagem pela antropologia buscavam ser uma tentativa de dar um caráter testemunhal, de objetividade, de neutralidade e de verdade às pesquisasin loco.Para escapar dessas perspectivas, inspiramo-nos nos estudos que valorizam tanto o autor da foto quanto a percepção a respeito das imagens registradas pela própria pessoa, ou seja, nos estudos com perspectiva autofotográfica. Nesses casos, o conteúdo das fotografias pode incluir "qualquer ação, pessoa, objeto, símbolo ou lugar escolhido pelo participante para representar uma ideia ou conceito" (Neiva-Silva & Koller, 2002, p. 238). Assim, a estratégia por nós adaptada pode ser incluída na categoria de estudo autofoto-gráfico, caracterizado porZiller e Smith (1977), embora apresentando alterações, pois procuramos articular o signo fotográfico com o signo linguístico e sua incidência nas práticas discursivas. Dessa forma, passamos a denominar a estratégia de ensaio fotogra-fico. Inicialmente, experimentamos na pesquisaTrabalho infantil e risco à saúde: signos produzidos por crianças e adolescentes catadores de lixo em Natal/RN,apresentada em 2002 e resumida porGomes e Dimenstein (2005). A partir disso, seis novas pesquisas foram realizadas envolvendo diferentes participantes e problemáticas de estudo: 1. com adolescentes estudando os sentidos de adolescência e risco, realizada porFreitas e Vasconcelos (2004); 2. com adolescentes em um Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas (CAPS ad), estudando os sentidos de adolescência e tratamento, apresentada porFreitas (2010); 3. com adolescentes surdos nas temáticas de sexualidade e adolescência, apresentada porSilva e Oliveira (2011); 4. com profissionais de saúde em uma unidade de terapia intensiva (UTI) de um hospital geral, na temática humanização e acolhimento, apresentada porMedeiros e Bezerra (2011); 5. com idosos sobre os sentidos de velhice e sexualidade, apresentada porPereira e Sales (2011) ; e, por último, sobre a história de um Serviço-Escola de Psicologia apresentada porPenha e Lima (2012). Esses estudos revelaram que a estratégia do ensaio fotográfico apresenta como pontos positivos o estímulo à produção de narrativas e o favorecimento da aproximação entre participantes e pesquisadores, como evidenciado na seguinte fala de uma participante:já que você deu a máquina pra mim tirar[a fotografia] ! -Aí eu digo: então eu tô vendo que elas são pessoa boa.(Freitas & Vasconcelos, 2004, p. 63). Ainda de acordo com as autoras, a estratégia também possibilita a "implicação do sujeito no discurso fazendo-se produzir novos signos" (p. 64). Outro aspecto destacado da estratégia foi a pertinência para a pesquisa junto à crianças e idosos, proporcionando uma aproximação e facilitação na produção de dados, gerando oportunidade de empoderamento dos participantes, no que se refere aos saberes produzidos por eles próprios. Ademais,Silva e Oliveira (2011) acentuam a relevância do uso da fotografia conjugado à produção de sentidos especialmente com a população surda, por não restringir-se ao simples registro do real, mas significar uma forma alternativa de linguagem em pesquisa, tendo caráter facilitatório no sentido de possibilitar a realização de apontamentos em relação aos signos escolhidos por meio de verbalizações. Ao considerarmos a experiência visual do surdo nas formas de relacionar-se com o mundo, tal ferramenta metodológica revelou-se bastante pertinente, por operar notavelmente sobre esta especificidade. (p. 71) O que aqui denominamos estratégia de ensaio fotográfico extrapola o sentido restrito de técnica, pois considera, além do fato de servir como um procedimento de coleta de dados, uma conjugação de conceitos e princípios que se coadunam à produção de conhecimento a partir de uma confluência de saberes que alude à "inter(trans)culturali-dade" (Bosi, 2012, p. 580), inclusive e principalmente, ao saber popular de variadas pessoas, contextos e etapas de vida. ParaBosi (2012), a Pesquisa Qualitativa em Saúde tem o desafio de convidar não apenas à in-terdisciplinaridade convocando a uma ampliação das discussões em pesquisa, para além das disciplinas, mas considerando outras contribuições e saberes, como a fotografia, cinema, entre outros. As investigações que fizeram uso da estratégia do ensaio fotográfico contaram com o total de 83 participantes até o ano de 2012. A seguir, detalharemos seu formato e emprego nas várias temáticas. Ensaio fotográfico: construções e adaptações necessárias O ensaio fotográfico enquanto ferramenta de pesquisa consiste na interlocução de saberes de áreas como Semiótica, Antropologia, Psicologia, Saúde Coletiva, Sociologia, História, Geografia, Linguística, Psicanálise, Artes, entre outras. À função referencial e cognitiva acrescem-se as dimensões poética, estética e ética. Sobre o uso de fotografias em procedimentos de coleta de dados nas pesquisas em ciências humanas, destaca-se o ensaio autofotográfico. Em Psicologia, um dos primeiros estudos registrados no Brasil foi realizado em uma pesquisa com crianças em Fortaleza, realizada porMonteiro e Dorl-linger (1996), os quais se inspiraram no método deZiller (1977). Esse método consiste no pesquisador disponibilizar uma câmera fotográfica ao participante da pesquisa, após entrevista e explicação do manuseio da máquina, solicita que este tire fotografias que façam uma descrição dele próprio, gerando a "autofotografia" (Monteiro & Dorllinger, 1996). Na primeira pesquisa realizada por nós (Gomes, 2002; Gomes & Dimenstein, 2005), utilizamos a câmera fotográfica para que crianças e adolescentes registrassem, no local em que catavam lixo, algumas imagens que lembrassem categorias dadas previamente por nós. Vale ressaltar que não tivemos acesso a qualquer trabalho que utilizasse esse procedimento, ou seja, que tenha feito uso da produção fotográfica realizada pelos próprios sujeitos de pesquisa a partir de categorias anteriormente fornecidas pelo pesquisador. Por isso, foi necessária uma adaptação dos procedimentos usados nas pesquisas em antropologia visual e no "ensaio autofotográfico" deMonteiro e Dorllinger (1996) eZiller (1977). Neiva-Silva e Koller (2005) realizaram levantamento dos principais indicadores das vantagens da utilização da fotografia nas pesquisas em Psicologia, ressaltando a facili-tação dorapportentre pesquisador e sujeito, a simplicidade do processo, a "riqueza de conteúdos" proporcionando "entusiasmo" aos participantes, aspectos observados também nas pesquisas com ensaio fotográfico na nossa realidade. Como desvantagem, as autoras destacaram a dificuldade em encontrar "pessoas, cenas ou objetos apropriados para representar os diferentes conceitos" e a quantidade reduzida de participantes, como também apontadas porDinklage e Ziller (1989), aspectos que não compartilhamos em função da facilidade do acesso aos participantes e da adesão à proposta observada em nossas pesquisas de campo. O ensaio fotográfico pode ser considerado parte central do procedimento do que denominamos, a partir deBosi (2012, p. 580), como "produção negociada de evidências", termo que vem substituir o conhecido "coleta de dados". No ensaio fotográfico a participação do pesquisador se dá de forma intensa, principalmente na escolha de categorias que originarão signos que motivarão o ensaio feito pelos participantes. Baseadas emKossoy (2000), concebemos o processo da fotografia e suasrelações com a realidade como uma "representação resultante do processo de criação/construção do fotógrafo" (p. 30). Na nossa proposta do ensaio fotográfico, há uma construção conjunta, na qual a imagem fotográfica,o assunto (recorte temporal)é proposto pelo pesquisador e ainterrupção temporal(fotografia) é realizada pelos sujeitos, a quem denominamos participantes (Gomes & Dimenstein, 2005). Da palavra às fotos, das fotos aos discursos: o passo a passo da pesquisa utilizando o ensaio fotográfico Após a definição dos objetivos do estudo, o pesquisador precisa escolher o(s) signo(s) que serão os norteadores das fotografias. Essa escolha está relacionada diretamente ao problema de pesquisa e aos objetivos da investigação. São signos que se sustentam na análise dos elementos que compõem o campo problemático e a literatura especializada, fundamentando essas escolhas. O tempo destinado à pesquisa de campo, a imersão na pesquisa, o local do estudo, a quantidade de participantes são balizadores para a escolha da quantidade de signos. O uso de signos iniciais ou preestabelecidos em um projeto de trabalho dá origem, durante a execução da pesquisa, a novas categorias, que serão norteadoras no processo de análise dos dados. A abordagem discursiva utilizada na presente proposta de trabalho trata os discursos e as fotografias como formas sociais de ação e produção de sentidos sobre os eventos da vida (Spink & Menegon, 2000), ou seja, as pessoas empregam algumas categorias para legitimar a ideologia, mas também podem, a partir da fala, recriar o cotidiano, dando-lhe outros sentidos, podendo, a partir de novas combinações, gerar questionamento em oposição à legitimação apontada. Para nós, esse processo promove intervenções na vida das pessoas. Spink e Menegon (2000) afirmam ainda que as descrições categoriais apresentam a possibilidade de expor o posicionamento de quem fala. O emissor utiliza categorias de maneira reflexiva e "na conversa, as pessoas podem usar categorias a partir dos usos habituais, pautadas pelo uso do sentido mais hegemônico e cristalizado; podem, entretanto, usá-las em novas combinações, gerando espaço para controvérsias" (p. 81). Ao longo desses doze anos, foram pesquisados diferentes signos: saúde, doença, infância, trabalho, risco, adolescência, tratamento, sexualidade, família, velhice, acolhimento, hu-manização, história e SIP (Serviço Integrado de Psicologia). Sobre o passo a passo da produção negociada de evidências (Bosi, 2012), resumiremos o que já descrevemos emGomes e Dimenstein (2005) por ocasião de nossa primeira publicação sobre a estratégia que ora discorremos. Dividimos os procedimentos da pesquisa em três períodos distintos, os quais denominamos Fase 1, Fase 2 e Fase 3. A Fase 1 é caracterizada pelos aspectos exploratórios ou de conhecimento do campo de pesquisa escolhido que inclui o(s) problema(s), o local e a realidade social envolvida. Após a definição do local e dos objetivos do estudo, realizamos uma visita para conhecer a área/território e, caso necessário, contatar informantes-chave. Tudo começa com a apresentação do pesquisador e do interesse deste em estudar o campo escolhido; em seguida, apresentamos mais detalhadamente o projeto de pesquisa: objetivos, condução, os signos que temos a intenção de pesquisar, instrumentos de coleta das informações (roteiro de entrevista e fotos). Nessa ocasião, perguntamos se a pessoa contatada pode participar de um ensaio (piloto) da pesquisa. A entrevista pode ser gravada ou filmada caso haja o consentimento tal como ocorreu no estudo com adolescentes surdos. Os instrumentos utilizados nessa fase foram: câmera fotográfica, gravador de voz ou filmadora, roteiro de entrevista, papel ofício, caneta e prancheta. Essa fase proporciona mais familiaridade com o manuseio dos instrumentos de trabalho, ajustes no roteiro de entrevista semiestruturada e treino no procedimento de entrevista, como a explicação sobre o funcionamento da câmera, processo de tomada das fotografias e instruções em geral. A Fase 2 tem início com a produção negociada das evidências propriamente ditas. Apresentamos as ferramentas de trabalho, explicamos o uso destas, solicitamos que o participante produza a(s) fotografia(s) e damos seguimento com a entrevista inicial. Nessa fase, além da observação participante, são realizados o ensaio fotográfico e a primeira entrevista com a caracterização mais detalhada dos participantes, ou seja, os dados sociodemográficos. A seguir, perguntamos se alguma vez o sujeito já fotografou. Independentemente da resposta, damos alguma explicação sobre o processo de fotografar. Primeiro, apresentamos a câmera; em seguida, suas partes essenciais (visor, botão de disparo para captação da imagem, foco ou visualização na câmera digital), esclarecemos que imagens muito distantes não são captadas pelo tipo de câmera simples geralmente utilizada, oferecemos exemplo de distância de coisas ou paisagens que pretendemos que apareçam nítidas na foto (distância para aparecer o corpo inteiro de uma pessoa ou apenas parte do corpo, objetos, etc.); por último, damos a dica para que o participante prenda a respiração na hora de apertar o botão de disparo para a captação da imagem sem tremores. Após fornecermos os dados sobre o instrumento, solicitamos que o participante faça uma fotografia a partir de uma ou mais palavras (signo), esclarecendo que, posteriormente, em outro dia a combinar, as fotos serão trazidas (reveladas ou impressas) para ele/ela ver e falar sobre estas. Inicialmente, anunciamos todos os signos e perguntamos por qual ele(a) gostaria de iniciar e, assim, vamos lembrando o restante, caso seja solicitado. Após cada foto, perguntamos o que foi fotografado, anotamos junto com o número da foto (obedecendo à sequência do filme na câmera analógica ou das fotos na câmera digital), para podermos confeccionar os painéis. Por último, no terceiro período ou Fase 3, são produzidos os discursos pelo participante, tendo como ponto de partida a(s) fotografia(s) produzida(s) na Fase 2. A Fase 3 é a fase de retorno ao campo após a revelação ou impressão das fotografias para apresentação da produção fotográfica. Aqui, solicitamos que cada um discorra sobre sua produção e sobre o(s) signo(s) que lhes deram origem. Para isso, são confeccionados painéis nos quais as fotografias de cada participante são colocadas. No verso, escreve-se o nome, a idade do participante e o número de cada foto, de acordo com a ordem da máquina fotográfica (filme). Essas informações não ficam visíveis aos participantes. Uma observação que não podemos deixar de registrar é sobre a importância da antecipação da foto aos discursos sobre os signos dados. Nesse ponto, partimos do queRosolato (1988) chamou de desconstrução da "ideologia verbo-cêntrica" (p. 67), sem ignorar o campo da comunicação não verbal, mas também lhe dando lugar. É a consideração de outros signos, além do linguístico como portadores de mensagem e dessa forma, mediando falas, comunicando. Algumas experiências de pesquisa com ensaio fotográfico Nosso objetivo nessa parte é trazer uma amostra de estudos que utilizaram a proposta de ensaio fotográfico deGomes (2002) e deGomes e Dimenstein (2005). Pesquisas que utilizaram signos idênticos - adolescência e sexualidade - com populações diferentes serão apresentadas na perspectiva de ressaltar as potencialidades da ferramenta nos estudos e pesquisa em ciências humanas e da saúde. Essas pesquisas evidenciaram a conjugação de fotografias e narrativas que corroboraram o ideal social e aquelas que escaparam desse padrão. Ou seja, o que essasfotos dizem de infância, adolescência, trabalho, saúde, doença, risco, tratamento, sexualidade, velhice, humaniza-ção? Sobressaem componentes tanto compartilhados pela cultura quanto conteúdos singulares a cada modo de ver e viver no cotidiano. O signo adolescência O signoadolescênciapor meio de ensaio fotográfico foi pesquisado em três trabalhos distintos. Da rua ao shopping, da moradia aos espaços de consumo, da quadra de esportes ao comércio, diferentes realidades conectadas ao signo foram reveladas. O ensaio fotográfico viabilizou a produção do novo, do inusitado, mostrou a derrocada de padrões estabelecidos nos achados de pesquisas, sempre surpreendendo os pesquisadores e os participantes. As pesquisas aconteceram como uma produção de conhecimentos e encontros. No entanto, a imagem fotográfica por si só não revelava a realidade, demandando dos pesquisadores questionamentos e busca de sentidos também por meio dos discursos, como apontaramSilva e Oliveira (2010), referindo-se à produção da pesquisa com adolescentes surdos, realizada por elas, como uma "encruzilhada do dito e do não dito, na qual se estabeleceram os mais singelos encontros" (p.105). Sobre o signo "adolescência", constatou-se que há concepções que se conformam ao ideal social contemporâneo de conceber a adolescência enquanto período em que se busca estar próximo ao grupo, ao outro (Freitas, 2010). Nesse sentido, foram fotografados locais de circulação de atividades coletivas ou grupos de pessoas jovens. Para ilustrar que não existem concepções universais, em dois dos três estudos com adolescente, um adolescente fotografou outro sozinho. "A foto de Patrícia, 15 anos, foi um dos poucos registros relacionado à categoria adolescência que retratam um adolescente sozinho. (Foto 1) Isto nos remete à concepção bastante apregoada do sentimento de desvinculação e alienação associado ao adolescer, visto também enquanto período de isolamento e solidão. Momento impreciso, de retomada da "bagagem" trazida da infância, de procura por si mesmo (Charbonneau, 1980". (Silva & Oliveira, 2011, p, p. 78) Figura 1 Fotografia de Adolescência por Patrícia, 15 anos. Fonte: Silva, G. O. & Oliveira, R. F. (2011 ).Escutando a surdez: signos e produção de sentidos por adolescentes surdos.(p. 79). Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Psicologia, Universidade Potiguar -Laureate International Universities, Natal. A adolescência, para alguns dos participantes, apresentou-se, enquanto condição, como possibilidade de realização, como ação, desmistificando a noção de fenômeno natural relativo a uma faixa etária determinada, como apresentam as teorias psicológicas sobre o assunto. Por outro lado, outras fotografias e discursos produzidos pelos adolescentes confirmam o que asseveram as teorias (Gomes, 2002; Vasconcelos & Oliveira, 2004;Freitas, 2010;Silva & Oliveira, 2011 ). Abaixo, apresentaremos ilustração de fotografias e discursos que corroboram com o ideal social e científico (figuras, 2 e3). Figura 2 Fotografia de adolescência por J, masculino, 13 anos. Fonte: Freitas, J. L. (2010).Ossignos "adolescência" e "tratamento" através da percepção dos adolescentes usuários de substâncias psicoativas.(p.38) Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Psicologia, Universidade Potiguar - Laureate International Universities, Natal, RN. Figura 3 Fotografia de adolescência por Eduardo, 17 anos. Fonte: Silva, G. O. & Oliveira, R. F. (2011). Escutando a surdez: signos e produção de sentidos por adolescentes surdos. (p. 77). Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Psicologia, Universidade Potiguar - Laureate International Universities, Natal, RN. AFigura 2 "traz um traço cultural importante no sentido de adolescência. Trata-se do encontro entre duas crianças, um menino e uma menina que brincam nas instalações do CAPS, que para o adolescente tem o sentido de tempo de viver (J., masculino, 13 anos). O sentido atribuído à adolescência traz o que a literatura apresenta como sendo um sentimento moderno, ou primeiro adolescente (Ariès, 2006 ). (Freitas, 2010, p, p. 3 7) "(...) o participante capturou o momento exato em que uma adolescente utiliza-se de uma expressão corporal colocando em evidência uma das mãos numa atitude comunicativa que conta com os olhares atentos de quem está à sua volta". (Silva & Oliveira, 2011, p.77) Alguns discursos e fotografias fogem ao padrão de adolescência acima referido, conforme observado porFreitas (2010): "Outros sujeitos produziram discursos e fotos incomuns. Não usaram os signos, brincar, trabalhar em seus discursos. Apontam para uma adolescência marcada por muitas vicissitudes tais como uso de drogas, violência, o não acesso à escola, ao lazer" (p. 38). Figura 4 Fotografia de adolescência por M., masculino, 13 anos. Fonte: Freitas, J. L. (2010). Os signos "adolescência" e "tratamento" através da percepção dos adolescentes usuários de substâncias psicoativas. (p.40) Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Psicologia, Universidade Potiguar-Laureate International Universities, Natal, RN. M. justifica a foto do campo dizendo que se trata de um espaço muito utilizado pelos adolescentes em tratamento, diz ele: é o que a gente mais faz lá, jogar bola'. O que chama atenção na fala de M. é que conforme obser-vado durante a pesquisa e em outras situações em que o pesquisador estava no CAPS, eles não fazem uso desse espaço. Dito de outra forma, adolescência enquanto fase do desenvolvimento humano é um conceito construído historicamente na Modernidade e que se torna um ideal cultural no momento atual, ao qual o sujeito adolescente se identifica, mas que não corresponde com o seu desejo. (Freitas, 2010, p. 40) O signo sexualidade O signosexualidadefoi pesquisado em dois trabalhos, um com adolescentes surdos e outro com idosos. No estudo com idosos, a sexualidade foi fotografada e assim percebida como sendo o próprio idoso, bem como representada por árvores que trazem recordações e, assim, representa algo que já passou. Figura 5 Fotografia de sexualidade por Clarice, 61 anos. Fonte: Pereira, E. L. & Sales, F. G. de M. (2011). (Re)tratando a velhice e a sexualidade na terceira idade: um registro fotográfico. (p.69) Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Psicologia, Universidade Potiguar -Laureate International Universities, Natal, RN. Foi isso que eu entendi, que sexualidade a pessoa vem ao mundo através do sexo, não é? Aí a planta vem do pé através da semente. Foi o que eu entendi. (Clarice, 61anos.) (Pereira e Sales, 2011, p. 69). A sexualidade representada associada à capacidade reprodutiva, à concepção. Figura 6 Fotografia de sexualidade, por Zila, 84 anos. Fonte: Pereira, E. L., & Sales, F. G. de M. (2011). (Re)tratando a velhice e a sexualidade na terceira idade: um registro fotográfico (p. 75). Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Psicologia, Universidade Potiguar - Laureate International Universities, Natal, RN. "Sexualidade era que... Eu entendia assim quando nascia uma criança se fosse homem... Dizia assim: Qual é o sexo da criança? Ε menino e da menina era menina"(Zila, 84 anos. InPereira & Sales, 2011, p. 70) E aqui relembra minha juventude que eu gostava de conversar com a pessoa amada embaixo do pé de pau. (... ) vejo nessa foto o tempo que eu era jovem, que gostava de conversar com minhas colegas, com a pessoa que eu amava ele eu relembro esse dia... sabe?" (Zila, 84 anos). (Pereira & Sales, 2011, p, p. 75). A sexualidade como uma árvore, assim apresentada por mais de um idoso no registro fotográfico, traz diversas produções discursivasultrapassando a pretensa objetividade da fotografia - apontada em algumas tendências na utilização de imagens em pesquisa -, mas construindo o diverso a partir delas: serve ao discurso para representar a reprodução, o prazer, ultrapassando a representação apenas da cópula presente em alguns discursos. Figura 7 Fotografia de Sexualidade - Cecília, 73 anos. Fonte: Pereira, E. L. & Sales, F. G. de M. (2011 ). (Re)tratando a velhice e a sexualidade na terceira idade: um registro fotográfico (p. 71). Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Psicologia, Universidade Potiguar - Laureate International Universities, Natal, RN. logia, Universidade Potiguar -Laureate International Universities, Natal, RN. "Sexualidade, o que veio na minha cabeça foi isso: A sexualidade no sexo, fazer sexo e a sexualidade viver... a pessoa ser sexy, viver bem... eu acho assim." (Cecília, 73 anos) (Pereira & Sales, 2011, p. 71). Tanto as fotografias quanto os discursos produzidos pelos idosos apresentam a sexualidade viva. A ideia de que no idoso a sexualidade ficou para trás é contestada por várias das produções dos participantes da pesquisa. Outro estudo incluindo o signo sexualidade foi realizado com adolescentes surdos. As pesquisadoras optaram por fazer a análise dos dados articulando os signos família e sexualidade. A conclusão é de que os sentidos que mais se destacaram de sexualidade apresentaram-se singulares, incomuns, considerando outras pesquisas na área (Silva & Oliveira, 2011). A semelhança entre esses dois estudos citados - com adolescentes e idosos - é a concepção de longevidade da sexualidade. Entre adolescentes, ela foi representada como algo que só tem fim com a morte. Figura 8 Fotografia de sexualidade: Joyce, 16 anos. Fonte: Silva, G. O. & Oliveira, R. F. (2011). Escutando a surdez: signos e produção de sentidos por adolescentes surdos (p. 92). Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Psicologia, Universidade Potiguar -Laureate International Universities, Natal, RN. Sexualidade é ter compromisso, é noivar e casar, ter filho. Ε bom namorar e casar, até morrer. - Joyce, 16 anos. (Silva & Oliveira, 2011, p. 92) Figura 9 Fotografia de Sexualidade, Adélia, 75 anos. Fonte: Pereira, E. L. & Sales, F. G. de M. (2011). (Re)tratando a velhice e a sexualidade na terceira idade: um registro fotográfico. (p.78) Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Psicologia, Universidade Potiguar - Laureate International Universities, Natal, RN. Ε como essa planta aqui, a planta vive, cai a folha e a velhice da gente, quando vai chegando a planta vai caindo (risos) E as flor vivendo. Ε o amor que nunca se acaba, né? O amor, o amor da gente, eu creio que nunca se acaba e a gente morre e nunca se acaba que fica na lembrança de quem nos ama. Assim a gente vai vivendo, feliz daquele que fica velho, feliz daquele que ama e tem amor né? - Adélia, 75 anos. (Pereira & Sales, 2011, p 78) Entre os idosos, também surgiu essa concepção assim fotografada e falada: representando um discurso uniformizado à cultura, obtivemos produções de fotografias e sentidos de sexualidade atrelados à genitalidade. Em contrapartida, em outros estudos (Mucida, 2004 citada porPereira & Sales, 2011) sobre sexualidade observamos que esta não se encontra apenas restrita às funções biológicas, genitais, mas que pode se apresentar de diversas maneiras ao longo da existência do sujeito conforme discursos e fotografias nas pesquisas dePereira e Sales (2011) e deSilva e Oliveira (2011). CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo de dez anos, diversos pesquisadores e participantes estiveram envolvidos com o modo de fazer pesquisa que chamamos de ensaio fotográfico. Desde o trabalho com crianças e adolescentes no lixão, em 2002, vimo-nos envolvidas com um modo de investigar e produzir conhecimentos em Psicologia que está para além de um procedimento com caráter universalizante, de busca do comum, do homogêneo, de generalização e verdade. Propomos uma estratégia dos encontros singulares, das sutilezas, de produção de traços, de diferenças, de particularidades, de expressão da diversidade e movimento das subjetividades, proposta alinhada à perspectiva de Fonseca, Moehlecke e Neves (2010) quando se referem às tecnologias do sensível. Consideramos que as fotografias e as falas produzidas precisam ser compreendidas a partir dos signos emanados da conjuntura econômica, histórica, política, enfim, da cultura. Mas, consideramos que há formas distintas dessa conjuntura se apresentar, ou seja, sempre é preciso operar uma contextualização específica e transitória, no sentido de um perspectivismo radical (Gomes & Dimenstein, 2005). As produções daí originadas trazem uma proliferação de questões afetando tanto os pesquisadores quanto os participantes convidados à produção. Percebemos a boa receptividade do método tanto pelos pesquisadores que se disponibilizaram a usá-lo quanto dos participantes. Um dos objetivos do ensaio fotográfico é promover criações e não verdades cristalizadas em um discurso linear e modelizado. Buscamos promover outros modos de narrar e interpretar a realidade. Aplicamos ao ensaio fotográfico as palavrasZambenedetti e Silva (2011) quando dizem que cartografia viabiliza (...) a problematização da posição do pesquisador e do ato de pesquisar, onde a pesquisa é tomada como um campo de experimentação, atravessado pelo regime da sensibilidade. Não existe um campo constituído a priori e um pesquisador neutro em relação a ele, operando uma "coleta de dados" - como se os dados estivessem prontos, esperando o momento 'certo' para serem coletados. A coleta de dados só pode ser operada no encontro entre o pesquisador, suas ferramentas conceituais e o campo, encontro esse que pode modificar tanto o pesquisador quanto apontar os caminhos possíveis para a constituição de um campo. (p. 457) Da pesquisa com profissionais de saúde ficou evidenciado porMedeiros e Bezerra (2011) que o objetivo foi alcançado no sentido de promover inquietações tanto nos profissionais de saúde quanto nelas próprias pesquisadoras, permitindo o exercício da reflexão acerca dos signos acolhimento e humanização. Na medida em que afeta diretamente o pesquisador se coloca mais uma diferença entre essa estratégia de fazer pesquisa e alguns métodos que se pretendem neutros. Assim, Intervir sobre o pesquisador é uma das nuances do método: Relembrar cada inserção a campo, os contatos com os idosos, dos momentos ímpares durante a pesquisa, possibilita o resgate de um turbilhão de afetos positivos, como também a sensação de que não somos os mesmos. Muito rico, significativo e emocionante cada discurso, cada olhar, cada abraço, cada registro fotográfico. (Pereira & Sales, 2011, p. 83) Almeida e Lourenço (2007) citados porPereira e Sales (2011) destacam que o assunto da sexualidade na velhice é desprezado pelos profissionais de saúde, como também incompreendido pelos próprios idosos. Desse modo, pesquisas como estas contribuem sobremaneira para a produção do conhecimento na área da Psicologia e Saúde Coletiva, sobretudo pela valorização da produção dos idosos acerca do próprio ciclo de vida, como também dos aspectos coletivos e singulares que o envolve. Ademais, o processo dessa produção de evidências pode contribuir para a avaliação da atenção à saúde, da produção de saúde, tendo como protagonistas os próprios usuários do sistema de saúde, conforme asseveraBosi e Gastaldo (2011). As resistências ao método foram poucas em relação à boa adesão dos participantes. O ensaio fotográfico encontrou alguma resistência entre os idosos evidenciadano seguinte discurso: "Meu filho eu não gosto dessas coisas não" (Pereira & Sales, 2011, p. 50) e entre meninas do assentamento habitacional irregular: (...)num sei tirar foto não; há é só para tirar foto, quero não; não gosto dessas coisas não, "é por que agora eu tô toda desarrumada..."(Freitas & Vasconcelos, 2004, p, p. 78). Ademais, as resistências iniciais logo se desfaziam e davam lugar à produção de fazeres e reflexões. Percebemos que a nossa proposta aproximase das produções que promovem a revelação de invisíveis por meio de imagens e discursos. Singularmente, foi possível observar o quanto a proposta pode se adequar ao estudo e protagonismo de pessoas e ou grupos diferenciados, atendendo a vários objetivos e desenhos de pesquisa. Nesse sentido,Silva e Oliveira (2011) apontam que o ensaio fotográfico com as adequações realizadas por elas proporcionou uma forma de Valorização da Identidade Surda à medida que possibilitou retratar suas percepções através daquilo que representa sua maior expressão: a experiência visual, valorizada não apenas nos registros icônicos, mas também em suas narrativas expressas através da Libras (...) viabilizaram aos sujeitos pesquisados uma participação ativa neste estudo, onde não mais o ouvinte discursou sobre o surdo, mas o próprio surdo sinalizou sobre si, não estando sujeita a possíveis influências advindas da participação de um mediador intérprete entre os participantes e as pesquisadoras. (pp. 106-107) O ensaio fotográfico pode ser entendido, dessa maneira, como uma ferramenta de pesquisa- intervenção com grande potencial na Psicologia, no complexo estudo da produção de subjetividades e produção do conhecimento a partir de modelos colaborativos e participativos também na Saúde Coletiva. Trata-se de uma estratégia aberta à produção de diferentes interpretações da realidade, sempre a partir das vivências de cada sujeito, viabilizando a reflexão do cotidiano a partir de elementos não discursivos, podendo ser utilizada em composição com outras opções metodológicas, enriquecendo, por fim, a caixa de ferramentas do pesquisador. Além disso, pode produzir interferência no plano das habilidades e competências dos participantes a partir do manejo de equipamentos até então desconhecidos, tendo, dessa maneira, um importante componente lúdico, que aproxima produção de conhecimento acadêmico e produção de conhecimento popular, produzindo empoderamento. SegundoFonsecaet al.(2010), (...) Uma pesquisa assim concebida, sem a pretensão de descobrir ou revelar uma realidade ou um objeto dado, torna-se um poderoso, mas despretensioso, método de produção/invenção de conhecimento. E na medida em que se faz ciente da infinidade pulsante no plano de imanência, transforma-se em atrator de virtualidades que pedem passagem. (p.176) REFERÊNCIAS Ariès, P. (2006). História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC. [ Links ] Bosi, M. L. M. (2012). Pesquisa qualitativa em saúde coletiva: panorama e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, 17(3):575-586. doi: 10.1590/S1413-81232012000300002 [ Links ] Bosi, M. L. M., & Gastaldo, D. (2011). Construindo pontes entre ciência, política e práticas em saúde coletiva. Revista Saúde Pública, 45(6):1 197-200. doi: 10.1590/S0034- 89102011000600023 [ Links ] Charbonneau, P. E. (1980). Adolescência e liberdade. São Paulo: EPU. [ Links ] Dinklage, R. I., & Ziller, R. C. (1989). 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Anteriormente, conhecia, de maneira dispersa, parte dessa série de noturnos, que o fotógrafo começara a produzir em 1998. Acabei fazendo o percurso inverso e busquei o livro, lançado em 2002, apenas com imagens de São Paulo. A surpresa foi ter em minhas mãos um livrinho de pequenas dimensões, contrastando fortemente com a monumentalidade expositiva dos painéis de cinco metros. Um livro de aspecto artesanal que parecia tão fora dos padrões dos livros de fotografia. Passeando por suas páginas, certas impressões sobre aquelas imagens iam se formando, coisas que não haviam se sobressaído de forma mais incisiva na exposição. A impressão primeira é que eu não conseguia ver São Paulo ali, nenhum caráter documental naquelas fotografias. Não por achar irreconhecíveis os elementos da paisagem urbana representada. Grande parte deles era, sim, reconhecível – pensando em termos exclusivamente referenciais. Percebo que há nas fotos algo que mais as distancia, do que as aproxima, de seu suposto referente (a cidade), e não é algo visualmente presente nelas, mas que só alcanço pela sua visualidade. São ausências, vazios ali que precisariam ser nomeados. Como admitir a existência do invisível na representação visual? Como dar tratamento analítico, em termos estéticos e de sentidos, para aquilo que a imagem não mostra; para os fantasmas dela? Um pensamento sobre a poética fotográfica parece apontar para abordagens que consigam ir além do visível. Então, o exercício aqui proposto é o de olhar para as fotografias de Cássio Vasconcellos para além de formalismos e estruturas, para além dos volumes, para além do mimetismo, para além do referente – embora nada disso deva ser ignorado. É tentar enxergar significação também no que não pode ser visto – em suas sombras, em suas dobras, em sua insubstância, em suas ausências. Do visível, atingir o invisível. Pretende-se, com isso, não apenas refletir sobre possibilidades de contemplar a poética fotográfica, como também apontar para a ampliação das discussões sobre as figurações do urbano, tema desses noturnos. Ver e crer Merleau-Ponty chamou atenção para a relação entre visibilidade e tangibilidade: o que se pode ver é o que se pode tocar. Assim, a própria ideia de mundo, do que existe fora da gente, passa a ser entendida em função da relação sensorial ver-tocar. Mas, o filósofo já atentara: “meu corpo, como encenador da minha percepção, já destruiu a ilusão de uma coincidência da minha percepção com as próprias coisas”. E continua ressaltando a distância entre o percebido e as coisas, “entre mim e elas, há, doravante, poderes ocultos, toda essa vegetação de fantasmas possíveis que ele só consegue dominar no ato frágil do olhar” (MERLEAU-PONTY, 2009, p. 20). Dessa fragilidade da faculdade de olhar, que permite considerar como existentes o visível e o invisível, Didi-Huberman identifica a modalidade da visão. Precisamente, as duas formas que essa atividade humana assume; a separação entre dois estados que definem o ver – uma cisão inelutável, adjetivo de uma expressão Joyce, em Ulisses, “inelutável modalidade do visível” (ineluctable modality of the visible). Essa dupla natureza apresenta-se inelutável, quando nos damos conta de que o visível não demarca apenas presença, mas também ausência, ou, “quando ver é sentir que algo inelutavelmente nos escapa, isto é: quando ver é perder” (DIDI- HUBERMAN, 2010, p. 34). E, nesse ponto, recorre à figura da imagem que nos olha: essas latências, ao não nos deixarem vê-las, estabelecem uma inversão de ponto de vista; são elas que nos olham. A cisão do ato de ver abre essa experiência em duas – a de ver o artefato, a evidência, o volume; e a de ver o vazio, as latências do objeto visual. Essa partição acabou por gerar duas posturas: a tautológica, que fica aquém da cisão, apegando-se unicamente à evidência; e a da crença, que vai além da cisão, dando existência ao invisível, mas não se relacionando com a imagem propriamente, a não ser como objeto de devoção. O autor desenvolve posições críticas a essas duas posturas. Com relação à primeira, considera o apego ao artefato um apego a uma “verdade rasa”, como um indivíduo que frente a uma tumba, por exemplo, só vê um paralelepípedo de pedra. Há aí uma recusa tola ao que está “por baixo, escondido, presente, jacente” ao objeto; à “temporalidade do objeto, [a]o trabalho do tempo ou da metamorfose do objeto, [a]o trabalho da memória – ou da obsessão – no olhar” (ibid., p. 39). Na segunda postura, o autor identifica uma vitória da obsessão sobre a linguagem. Uma relação dedutiva do ser-que-olha com a imagem; já que se baseia em uma espécie de “modelo fictício no qual tudo – volume e vazio, corpo e morte – poderia reorganizar, substituir, continuar a viver no interior de um grande sonho” (ibid.,p. 40). Realiza-se aí uma operação de superação imaginária do que efetivamente se vê, o ato de ver condensa-se em dogma, nasce então uma relação de messianismo entre a imagem e quem a olha. A cisão do ver não se define nem como arcaica, nem como moderna (ou modernista); “essa modalidade atravessa simplesmente a longa história das tentativas práticas e teóricas para dar forma ao paradoxo que a constitui” (ibid., p. 34). Faz referência à distinção entre imago e vestigium, estabelecida por teólogos medievais. Estes consideravam que o que podemos ver, a imagem, deve ser visto sempre como “o traço de uma semelhança perdida, arruinada, a semelhança de Deus perdida no pecado”, o vestígio (ibid., p. 35). A imagem dá existência ao vestígio, o vestígio só ganha presença pela imagem. A postura de não recusar a cisão do ver, de aceitar a distinção entre imagem e vestígio, pode ser entendida como uma volta à noção de aura. O conceito de aura recebeu leituras que o reduziram a um fenômeno de fascinação, mas Didi-Huberman destaca uma definição que aparece em várias das obras de Benjamin: “é a figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais próxima que ela esteja” (BENJAMIN, 1993a, p. 101; 1993b, p. 170). Essa aparição do distante dotaria a coisa olhada de um “poder de levantar os olhos”, na metáfora de Benjamin. O que vemos é o que nos olha, e essa sobreposição de perspectivas é permitida pela leitura do objeto artístico como algo que foi perpassado pelo tempo: a imagem como artefato é matéria e pressupõe trabalho – matéria e trabalho, dois elementos que inserem temporalidade. A aura, então, seria essa capacidade de a matéria artística conotar, criando o efeito de presentificar o que está ausente, ou seja, de portar memória. Assim, a relação cultual, aurática, pode ser entendida como o ato de se deixar levar pela “trama de singular de espaço e tempo” da arte. Benjamin aponta que essa possibilidade de entrelaçamentos de diferentes trilhas temporais e perspectivas seria fonte da própria poesia.Além disso, ao usar a figura do objeto que “levanta os olhos”, o autor dota a imagem de alteridade, o que em si comporta o estranhamento (outra potência poética). A arte serviu inicialmente à magia como produtora de objetos com valor de culto. A aura estaria na origem da noção de imagem – que se ligava à magia. Mas, o que está na origem nunca se esvai, não se pensa aqui em origem como um começo que se pode historiograficamente apontar, mas, como a fonte de um rio, na analogia de Benjamin, a partir da qual a correnteza carrega seus sintomas – “turbilhão do rio”. Pode-se recorrer também, para pensar na noção de origem, à différance, de Derrida, trazendo- a para o campo da reflexão sobre as imagens. Toma-se o termo – que não é um conceito, segundo o autor – para refletir sobre as dinâmicas sígnicas, como cadeia de significados, engendrada por dois movimentos: temporização (postergação de significados) e espaçamento (“não ser idêntico, ser outro, discernível”) (DERRIDA, 1991, p. 39). Esses movimentos de devir-tempo e devir-espaço criam fluxos de significados constantes; sobre os textos, atuam forças (ausentes) contrastantes. Em diálogo com Nietzsche, Derrida diz que a diffèrance poderia se referir a uma “discórdia ‘ativa’, em movimento, de forças diferentes e de diferenças de forças” (ibid., p. 50). Assim, a noção de origem não é tomada de maneira plena, situada, mas estruturada, pois ela é pensada no movimento que a produz. Quando Didi-Huberman afirma que o conceito de aura foi uma forma de Benjamin nomear uma qualidade antropológica, originária da imagem, podemos considerar essa “qualidade originária” em formação no próprio “turbilhão do rio” ou no movimento da différance. O declínio da aura na modernidade, apontado por Benjamin, seria um processo de decadência ou de inflexão, não de desaparição (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 346). De muitas formas, a pulsão da aura parece se manifestar, sob interpretações metafísicas ou não, até nas imagens mecânicas como a fotografia: das fotos-relicário no século XIX, passando pelo pictorialismo, chegando até parte das leituras indiciais que a imagem fotográfica recebeu na segunda metade do século XX. Didi-Huberman propõe uma postura crítica que se poste na própria cisão do olhar; entre o percebido e o ausente, o artefato e a aura, a imagem e o vestígio. Ecoando Benjamin, pensa a reinserção da noção de aura no objeto artístico, no entanto, sem caráter religioso ou messiânico; ressalta o sentido literal de aura, que, para os gregos, designava “apenas uma exaltação sensível – portanto material, antes de destacar seu sentido ‘psíquico’ ou ‘espiritual’” (DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 166). Aceitar “a imanência visual e fantasmática dos fenômenos ou objetos” não significa tomá-la como “signo enviado desde sua fictícia região da transcendência”, mas pensá-la como possibilidade de novas formas de experimentar o sublime (ibid., p. 158). Articula, assim, a ideia de secularização da aura, por meio de uma dialética entre o visível e o invisível, e que este não seja definido como sobrenatural, mas como o sintoma do que está distante ou ausente. A suposição da existência da aura na modernidade vincula-se à memória, na heterogeneidade de tempos, no potencial anacrônico dos objetos artísticos (DIDI-HUBERMAN, 2011). A imagem aurática é perpassada pelo tempo e a revalorização disto não é exclusiva missão dos artistas – já que o tempo estará sempre impregnado nos objetos artísticos –, também depende muito do trabalho crítico. Há, assim, a proposta de novas posturas interpretativas abertas à relação sincrônica e entre o agora e o outrora nos objetos artísticos, ver (e produzir) a imagem dialética é aceitar o “chamado a Outrora”. É tomar as imagens como fantasma e sintoma, em constante movimento de montagem de sentidos (DIDI-HEBERMAN, 2013). Essa postura de intérprete pode ser definida como uma espécie de retomada da imaginação como expediente de leitura de vestígios, permitindo que tempos e espaços atuem uns sobre os outros, “por colisões ou por fusões, por rupturas ou por metamorfoses...” (DIDI-HUBERMAN, 2003, p. 149; tradução minha). Imagens da noite (ou o que vemos) O livro Noturnos São Paulo, de Cássio Vasconcellos, é composto de 96 fotos, produzidas entre 1988 e 2002, com uma câmera automática Polaroid SX-70, da década de 1970. Posteriormente, o fotógrafo continuou a série, com vistas de outras grandes cidades do mundo. Vamos nos deter aqui apenas nas imagens que constam no livro, que apresenta uma edição do material sobre São Paulo. Para produzir essas vistas, o artista não recorreu a intervenções físicas ou químicas nas matrizes ou nas cópias: pura fotografia direta. Para fotografar, utilizou filtros e fontes de luz – lanternas, farol do carro, holofote – para projetar fachos de luz, com ou sem cores, nos objetos. Depois, digitalizou as matrizes e as imprimiu em papel de algodão neutro, com tinta mineral, resultando em cópias de longa durabilidade. A Polaroid é associada a imagens de pouca definição e cores saturadas. Vasconcellos tira proveito dessas características da técnica para obter uma visualidade etérea, mística. A definição baixa, os contornos quase inexistentes, o foco impreciso, imagens que parecem fora de registro e, ainda, no livro, a impressão em papel poroso reforçam a textura granulada das fotografias noturnas – imagens que parecem em dissolução: um impressionismo da noite que ganha dimensão simbólica. As limitações técnicas para a fotografia noturna transmutam-se aqui na própria essência da noite – a granulação, a reticulação, como estado de dissolução. Nietszche disse que o ouvido é o órgão humano do medo e a música seria, por excelência, a arte da noite e da penumbra. Pois, temos aqui a fotografia, uma arte essencialmente da luz. A representação da penumbra e do escuro, pela luz, traduziu-se, assim, não na tentativa de dar- lhe contornos – como em uma iluminada paisagem diurna –, mas na própria decomposição da superfície da imagem. A noite ganha então leitura poética, não pela escuridão, mas pela dissolução dos vestígios da luz na própria fragmentação da imagem. O dia ilumina, dá contornos, solidez, encorpa os volumes; a noite liquefaz, esgarça a trama, fragiliza as certezas. O dia é apolíneo, dos sonhos, dos ideais clarificados, das distinções, da imagem; a noite, dionisíaca, da visão cega, da embriaguez, da música. A simbologia nasce da própria dualidade que Nietszche apontou na essência do desenvolvimento artístico: o figurador plástico, representado por Apolo, e a arte não-figurada, simbolizada por Dionísio (NIETZSCHE, 1992). Os noturnos de Vasconcellos são, no entanto, vigorosos nas cores. A luz projetada atribui um colorido, que é intensificado pela Polaroid. Mais do que iluminar, a luz colore, fazendo explodir nas imagens uma dimensão pictórica. Cria-se uma tensão entre o apolíneo e o dionisíaco: a luz que possibilita à figuração não se anular na escuridão, ao mesmo tempo, conduz a imagem para os campos da abstração e do irrealismo pela hipercoloração artificial. As cores lançadas pelas fontes de luz ou obtidas pelo uso de filtros destoam dos tradicionais cinzas urbanos, são cores que carregam organicidades e transcendentalidade: o vermelho da carne, do sangue e do fogo; o verde das forças da natureza; o amarelo solar e corpóreo; o azul transcendental do oceano e do céu, ou tantos outros sentidos que se pode extrair da coloração. Didi-Huberman observa a capacidade de a pintura, por meio da cor, encarnar, ou seja, a superfície da tela, por meio da aplicação de tintas, assumiria aparência de entidade viva, umavida que tem existência pela própria pintura (DIDI-HUBERMAN, 1985). A possibilidade de a cor encarnar uma superfície ganha aqui dimensão na fotografia. As cores não são simplesmente despejadas sobre objetos, não são coberturas, roupas, capas. Ferro, pedra, concreto, vidro, vegetação adquirem força visceral e candente, ao avermelharem-se, e criam tensão no contraste com o azul infinito ou o verde natural. Uma enorme peça de ferro ilumina-se de vermelho encarnado e transmuta-se em uma enorme boca aberta e, por dentro dela, conseguimos ver um fundo azul do cenário de prédios envidraçados. Lápides com figuras sacras cristãs flamejam, enquanto verdeja ao fundo uma cidade distante, imprecisa, selvagem. Monumentos manchados, um prédio em ruínas, um relógio enferrujado, todos esverdeados: a passagem do tempo, o processo natural. As possibilidades de jogos1 de sentidos pelas combinações de cores nos Noturnos são infindáveis, mas, de modo geral, as cores acionam a natureza como um fantasma no cenário urbano – dos artefatos da cidade, pulsam forças naturais. Fig. 1 Marginal Pinheiros #9. Fonte: Vasconcellos (2000). Essas cores vitais fundem-se a vultos, não há apenas penumbra pálida, mas escuridão total também. Os vultos funcionam como pressupostos, deixam marcas sutis das formas de algumas presenças, mas não as explicitam. Pressupõem-se um viaduto, uma estátua, um volume. O escuro também cria a indistinção de planos, que parecem achatados, empastelados, estrutura e superfície fundem-se. Há a anulação da geometrização perspectiva do espaço. O volume de um edifício desaparece completamente, a lateral do prédio dissipa-se nas sombras. Sem volume, a construção representada é reduzida a uma fachada espectral, como uma película, cheia de janelas, que ligam a uma dimensão invisível na imagem. Fig. 2 Rua Mauá #3.Fonte: Vasconcellos (2001). As luzes estouradas, as cores intensas em meio à penumbra e a falta de contornos criam imagens em que a solidez do registro se esvai. Essas imagens parecem não se consolidarem, são fugidias, sorrateiras, apresentam “conjunções fulgurantes” (usando aqui a expressão de Benjamin), aparecem aos nossos olhos e se vão, como fantasmas ou relâmpagos. Imagens- aparição, ao invés de imagens-registro. Todos esses expedientes de composição imagética da noite urbana criam (e são afetados por) oposições: manchas e brilhos, luz e sombra, estrutura e superfície, acabado e inacabado, sólido e esfumaçado, decrepitude e florescência, natureza e artefato. Um movimento de significados do qual jorram diferenças, que se colidem, fundem-se, metamorfoseiam-se. Vestígios fotográficos (ou o que nos olha) No texto de abertura do livro, Vasconcellos diz que suas imagens são “silenciosas como a noite tende a ser” e completa: “não porque não há pessoas nelas, afinal meu objetivo foi captar os vestígios humanos e não personagens. E sim porque a vida e a inquietação da cidade estão apenas implícitas no cenário” (VASCONCELLOS, 2002, p. 8). As paisagens urbanas, como gênero de imagens, não dão visibilidade às pessoas, a não ser de forma secundária. Ao trabalhar com escalas que representam áreas mais amplas, a presença humana é figurativamente esfacelada. Podemos, na maior parte das vezes, somente supor a presença de pessoas ali. A paisagem é a imagem de um vestígio (“traço da semelhança perdida”), sintoma do humano. Vasconcellos, por meio de suas representações do espaço urbano, nos propõe olhar para o que, na aparência, não tem vida, e, a partir destas superfícies sem vida, ver “a vida”; a partir do silêncio, ver “a inquietação”. Olhar os vestígios e ver, não as próprias essências, mas a “semelhança perdida” delas. Se tomarmos outros trabalhos do fotógrafo, notamos que questões similares também os permeiam. Séries com escalas que reduzem a figura humana a pequenos pontos, manchas, ou, simplesmente, a desintegram – vistas aéreas pulsantes, panorâmicas horizontais, panorâmicas verticais. Até mesmo em uma série de retratos que fez, fotografando com Polaroid rostos de personagens de filmes, a partir da tela de um televisor, observamos a dissolução da forma humana. As faces iluminadas e pouco definidas esforçam-se para sair da penumbra que toma a imagem – um mezzotinto, em que “a luz se esforça, laboriosamente, para sair da sombra”, aludindo à representação oitocentista de aura humana nos portraits (BENJAMIN, 1993a, p. 99) –, os olhos estão cerrados, aparências mortas, borradas, fantasmáticas. Todas essas imagens recusam-se a nos mostrar imageticamente a vida, é sempre um jogo de implícitos. Da vida, do humano, as imagens mostram apenas os vestígios. O fotógrafo destaca ainda a sonoridade, na composição dos noturnos, por meio da linguagem muda das imagens: a ausência de som como recurso compositivo. Associa o silêncio a uma condição da noite e ao estado vazio de sua cidade – outro elemento que aponta para uma concepção aurática de imagem. Didi-Huberman refere-se ao silêncio como qualidade fundamental da concepção benjaminiana de secularização da aura, pois “o homem da ‘reprodutibilidade técnica’, em meio ao ruidoso labirinto das mediações, das informações, deve algumas vezes fazer silêncio e usufruir a inquietante estranheza do que lhe retorna como aura, como aparição alterante” (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 347-348). Olhar a noite fulgural, estranha, com torres vermelhas e céus amarelos, no silêncio contemplativo de quem vê uma assombração: essa parece ser a proposta do fotógrafo. Experimentar o sublime por meio da contemplação e do silêncio, postura que aponta para uma reconstituição da aura. Mas, a fotografia tem em si a experiência de aura para ser restaurada? Os noturnos brincam de buscar essa aura perdida (ou caída) nas outras artes: a religiosa, o clássico, até em propostas e estilos modernos que refletiram sobre as fronteiras entre real e imaginário, mundo e arte. Estabelecem, assim, uma espécie de diálogo – leve, sem severidade – entre a fotografia e outras linguagens plásticas. A própria ideia de colorir com a projeção de luz, como um pictorialismo invertido, joga com a relação histórica entre pintura e fotografia. Nas imagens dos noturnos, podemos encontrar, espalhadas, evocações mais pontuais, de forma mais ou menos relativamente explícita: objetos tumulares, colunas e esculturas de inspiração neoclássica, composições e uso de recursos que fazem alusões a Van Gogh, Monet, De Chirico e talvez outros artistas e estilos. Podemos brincarde folhear o livro e tentar encontrar nas imagens essas ligações com a temporalidade histórica da arte. Fig. 3 Memorial da América Latina #1. Fonte: Vasconcellos (2001). Apesar desse jogo de referências, o fotógrafo parece entender que a aura não se cria por um processo de imitação, de anulação do que é próprio do fotográfico. Para refletir sobre isso, vamos tomar os noturnos não apenas como imagem, mas também em sua condição de objeto e dispositivo. No âmbito desses produtos da “reprodutibilidade técnica”, o que seriam exatamente os objetos, a partir dos quais, poderíamos pensar a experiência da unicidade? No caso do Noturnos, o que chega a mim, o que manuseio, é o livro. Trata-se de um livro de pequenas dimensões, 17x14 cm, embora maior que o formato dos originais em Polaroid. O livro tem toque e acabamento um pouco selvagem, quase que expondo uma “artesanalidade” intencional – artesanal, entendido como aquilo que é trabalho humano e se mostra como trabalho humano, mas sem apagar totalmente a ligação do objeto manufaturado com a matéria original, com a própria natureza. O papel poroso e fosco difere do acetinadodos couchês convencionais, industrializados e homogêneos, dos livros de fotografia. Papel espesso, acartonado, teso, que não permite o movimento de folhear dos livros de leitura, é preciso mudar de página sem flexioná-la, como um álbum de fotografia. Sim, um pequeno álbum que permite colocar, em cada verso de folha, uma foto, mas nem todos eles estão completos – ora tem imagem só na frente, ora, só no verso, ou, nos dois lados, como os nossos álbuns pessoais, dos quais usualmente tiramos algumas fotos do lugar e não as devolvemos, perdemo-las. O livro, pensado como álbum, consigna (reúne signos) imagens, não as isola, e elabora-se como montagem, colocando “o múltiplo em movimento” (DIDI-HUBERMAN, 2003, p. 151; tradução minha). Fig. 4 Cemitério do Araçá #3. Fonte: Vasconcellos (2001). Além disso, o álbum de fotografias, que preserva reminiscências, tem forte conotação relicária. O tamanho diminuto reforça a demarcação de um objeto que tende ao privado, que quase cabe na mão e é para ficar junto à pessoa que o olha e possui. O pequeno formato do receptáculo que guarda imagens-relíquias, imagens-memoração, remete à ideia de possessão. O caráter relicário da fotografia liga-se a uma operação de memória, à crença em sua capacidade de presentificar. O vínculo da fotografia com uma ideia de passado, não desaparece, a própria passagem do tempo adere à imagem, “essas impressões, com o passar do tempo se tornam etéreas, nubladas, longínquas” (KOSSOY, 1998, p. 44). Essa capacidade de atuar como relicário pode ser uma chave para pensar a potência aurática da fotografia. O estudo de Frade (1992), sobre os discursos sociais acerca da fotografia nos momentos próximos ao surgimento da técnica, identifica a relação cultual e de espanto com as imagens fotográficas. Curiosamente, a crença no caráter objetivo da tecnologia acabou por possibilitar leituras metafísicas. Talbot, homem da técnica e da ciência do século XIX, falava na exclusão total da participação humana no processo de realização fotográfica, o ideal do automatismo. A partir da eliminação do sujeito produtor da imagem, quem daria as cartas seria a própria natureza – a câmera considerada apenas como instrumento para a realização de um processo natural. Se é a natureza que escreve na superfície fotográfica, então aquela adere à própria matéria fotossensível. O objeto fotografado e a imagem estariam, assim, em uma relação de contiguidade e causalidade – antecipando a compreensão semiótica de relação indicial. Da objetividade para a magia, um pulo, “por meio da experimentação fotográfica, a fronteira entre positivismo e magia torna-se bem tênue...” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 75; tradução minha). Se a fotografia emana do objeto, logo adquire valor de relíquia, como um sudário. Fig. 5 Noturnos São Paulo (páginas do livro). Fonte: Vasconcellos (2002). Podem ser citados diversos exemplos, bem conhecidos, de concepções do século XIX que tomavam a fotografia como processo mecânico de implicações naturais e espirituais: o psiquiatra Baraduc, que defendia a existência de “emanações fluídicas” da alma humana passíveis de serem captadas pela fotografia; ou, ainda, a ideia de Balzac de que os corpos da natureza são compostos por camadas de espectros e, quando fotografado, o objeto perderia um destes espectros, que ficaria retido na chapa fotográfica. A noção de fotografia como relíquia liga-se fundamentalmente a uma presença (a crença nela) invisível da natureza no artefato – a natureza física, a natureza espiritual. Além das invisibilidades, identifica Frade, a fotografia espantava por sua capacidade de lidar com uma das mais divinas potências naturais, “a força do sol ou se, preferimos, o poder da luz” (1992, p. 71). Dizer que surpreende pela luz equivale a dizer que surpreende (ou espanta) também pela sombra. Frade aponta que até mesmo Talbot chegou a “vacilar” nesse sentido, escrevendo em seu diário que a obscuridade seria o elemento constitutivo fundamental da fotografia – um processo que poderia ser nomeado skiagráfico (escrita da sombra). Da ambivalência luz- sombra, o inglês acabou por preferir a luz para definir a técnica, pois a escuridão seria falha; a luz, graça (ibid., p. 72-73). Se com as raridades antigas, estabelecia-se mais uma relação de adoração, as fotografias- relicário podem ser pensadas como possessão, como aprisionamento da imagem do outro junto a mim – o que, em uma visão não secularizada, poderia ser associado à bruxaria. A fotografia como “relíquia secularizada” ganha valor aurático – uma aura vinculada à capacidade de as imagens fotográficas acionarem processos de (re)memoração por meio dos fantasmas, nos quais se crê, aderidos ao artefato. Essa perspectiva crítica permite que se amplie a própria concepção de objeto e, aqui, poderíamos tomar não apenas o livro, mas também o material que foi expelido da câmera Polaroid. Neste caso, é possível pensar tanto nas chapas resultantes, como no dispositivo que as gerou – o que inclui o aparato tecnológico e os rastros deixados pelo processo fotográfico nas imagens. A Polaroid é uma câmera típica do universo íntimo, familiar, instantânea (o mais instantâneo dos processos), feita para amadores, sem regulagens complicadas, fácil de operar. Em entrevista, Vasconcellos recorda que, quando ainda era menino, o pai levara uma câmera Polaroid para casa, o fotógrafo guardou a lembrança da sensação de fascínio que aquele objeto lhe causou. É muito comum que as referências à Polaroid expressem afetividade e fascinação. A começar pelo próprio manuseio de alguns dos modelos da câmera (esse usado por Vasconcellos, inclusive) – ela se abre e se mostra. Em funcionamento, a máquina cospe o papel e a imagem faz sua mágica aparição diante dos olhos humanos. Talvez seja o processo fotográfico que mais nos permita experimentar a sensação da magia propiciada pela instantaneidade, de assistir a aparição única, o evento único. A imagem da Polaroid é objeto único, voltando à questão da unicidade que permeia a discussão sobre a aura. Diante de uma dessas fotos não consigo ignorar a fugacidade do processo que a gerou, como se a própria experiência da aparição imagética, única, se fundisse à matéria fotográfica e a dotasse de aura. Nos noturnos que tenho em minhas mãos, mesmo não me sendo oferecido diretamente aqueles objetos singulares produzidos pela câmera (as matrizes), permanece a memória e o devir da aparição única, que adere às imagens e transporta aos meus olhos essa sensação, o sintoma dessa experiência. Cidade-aparição Os grandes painéis nos vãos do prédio dos Correios já haviam acionado o efeito cidade-que- aparece-aos-meus-olhos – essa aparição de toque mágico que reacende uma postura contemplativa. A monumentalidade espantava, mas, ao mesmo tempo, as imagens fundidas às estruturas arquitetônicas do lugar de passagem dispersavam-se em meio a tudo mais. Era como uma intermitência (o espaço que “pisca”) entre figuras de espanto e o empastelamento perceptivo que define o processo de “banalização do espaço”, como descreve Benjamin (1991, p. 188), ao refletir sobre a experiência urbana. A mudança de escala no livrinho reforça as marcas de intimidade e unicidade do objeto, permitindo a reinterpretação das imagens, ao inseri-las no regime da memória. Ao dar aparição à sua cidade fantasmática, em meio à noite paulistana, Vasconcellos parece propor a (re)sublimação não apenas da fotografia, mas também do próprio espaço urbano, por meio de suas polaroides. A cidade-aparição forma-se na perda de densidade figurativa dos noturnos: a paisagem ganha fluidez, vira assombração, vestígio
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