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ART. 163 — DANO 1. CONCEITO Diz o art. 163 do Código Penal: “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”. Sabemos que todo crime produz um resultado danoso, quer de ordem econômica, quer moral etc., por exemplo, aquele que furta a carteira de outrem causa a este um dano, pois lhe ocasionou um prejuízo financeiro. O artigo em tela, entretanto, cuida propriamente do dano físico, ou seja, daquele que recai diretamente sobre a coisa, causando nesta modificações de ordem material (p. ex., a destruição de um orelhão). Apesar de ser um crime contra o patrimônio, o fim de obtenção de vantagem econômica não constitui seu elemento essencial, nada impedindo, contudo, a sua presença. 2. OBJETO JURÍDICO Tutela esse dispositivo legal a propriedade e a posse de coisas móveis e imóveis. 3. OBJETO MATERIAL É a coisa alheia móvel ou imóvel, em cujo conceito se inclui também aquela perdida pelo dono. A res nullius não pode ser objeto do delito em estudo, pois se trata de coisa que não pertence a ninguém, e o crime de dano exige que a coisa seja alheia. Aplica-se ao crime de dano o princípio da insignificância, que afasta a tipicidade penal. Afirma Mirabete: “é necessário que a coisa tenha valor econômico e, assim, quebrar simples pedaços de vidro de janela não basta à configuração do crime (JTACrSP 49/389). Já se tem aplicado o princípio da insignificância, que exclui a tipicidade, em hipótese de prisioneiro que serra a grade do xadrez em uma tentativa frustrada de fuga, fato este que não acarreta lesão significante do bem público (RJDTACrim 9/75-6)”1. 4. ELEMENTOS DO TIPO 4.1. Ação nuclear As ações nucleares do tipo consubstanciam-se nos verbos: a) Destruir — demolir, desmanchar, exterminar, desfazer a própria coisa, de modo que esta perca a sua essência. Só ocorre quando houver perda da identidade da coisa (p. ex., matar um porco, romper a vidraça, cortar uma árvore etc.); b) Inutilizar — tornar inútil, inservível, de modo que a coisa não perca sua individualidade mas torne-se, total ou parcialmente, inadequada à sua finalidade (p. ex., quebrar um revólver, castrar um reprodutor etc.); c) Deteriorar — reduzir o valor da coisa (p. ex., alterar uma obra de arte sem destruíla; tirar os ponteiros de um relógio etc.). A conduta de “pichar” muros e paredes era enquadrada pelos tribunais como crime de dano por deterioração; contudo com o advento da Lei n. 9.605, de 12-2- 1998, tal conduta passou a ser regulada pelo seu art. 65, cujo teor é o seguinte: “Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: Pena — detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa. Parágrafo único. Se o ato foi realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa”. Fazer desaparecer a coisa móvel, por exemplo, soltar um animal na floresta, segundo a doutrina, é fato atípico, pois não há como enquadrar essa conduta em um dos verbos do tipo penal2, exceto para Nélson Hungria, que equipara essa conduta ao dano3. É, contudo, fato típico no Código Penal Militar (art. 259). O crime tanto pode ser praticado por ação quanto por omissão; por exemplo, indivíduo que, tendo assumido o dever de cuidar do maquinário alheio, propositadamente se abstém de retirá-lo da chuva, vindo ele a enferrujar-se. Vários são os meios de execução do crime: a) imediatos, por exemplo, jogar o objeto no chão, amassá-lo com as mãos, desferirlhe pauladas; b) mediatos, por exemplo, utilizar-se de um cão ou uma criança para danificar o objeto; empregar fogo ou água etc. Nestas duas últimas hipóteses, o emprego desses meios executivos poderá colocar em risco a incolumidade pública e, portanto, configurar outros crimes mais graves (CP, arts. 250 e 254). 4.2. Sujeito ativo Aquele que destrói, inutiliza ou deteriora coisa alheia. Só pode ser pessoa física, exceto o proprietário, uma vez que o tipo penal exige que a coisa seja alheia. Caso o autor da conduta danosa seja o proprietário, estará configurada a figura típica prevista no art. 346 do CP (subtração ou dano de coisa própria em poder de terceiro)4. O condômino da coisa comum também poderá ser o sujeito ativo desse crime, caso o prejuízo exceda o valor de sua cota-parte, e desde que se trate de bem infungível5. 4.3. Sujeito passivo Em regra, o proprietário do objeto danificado. Excepcionalmente, porém, o possuidor. 5. ELEMENTO SUBJETIVO É o dolo, consubstanciado na vontade de praticar uma das condutas previstas no tipo penal. Discute-se acerca da exigência ou não de um fim especial de agir, consubstanciado na vontade de causar prejuízo (animus nocendi), para a configuração do crime. Há duas correntes quanto à necessidade do animus nocendi: a) Segundo Nélson Hungria, é indispensável o animus nocendi. Para tanto, exemplifica: “não poderia ser considerado agente de crime de dano o meu amigo que, sem ânimo hostil, tenha cortado, para pregar-me uma peça, os fios da campainha elétrica de minha casa”6. b) Para Damásio de Jesus e Magalhães Noronha, basta a vontade de destruir, não sendo exigível o fim especial de causar prejuízo ao ofendido, pois a figura penal não faz referência expressa a nenhum elemento subjetivo do tipo. Na realidade, a vontade de prejudicar está compreendida na própria ação criminosa7. Entendemos correta a segunda posição, pois, de fato, a lei não exige nenhum fim especial por parte do agente. É a posição majoritária na doutrina. O crime de dano só é punido a título de dolo, ou seja, quando presentes a consciência e a vontade de destruir, inutilizar ou deteriorar a coisa alheia. Contudo a divergência da doutrina quanto à exigência ou não do animus nocendi trouxe também divisão na jurisprudência quanto à configuração do crime de dano na hipótese em que o preso danifica as grades da cela para fugir. Há, assim, duas posições: a) Para aqueles que entendem que o crime de dano exige o propósito de causar prejuízo ao ofendido (animus nocendi), o preso que danifica as grades para fugir não comete o crime em tela, uma vez que o dano é praticado com o nítido propósito de realizar a fuga, e não com a intenção de causar prejuízo ao Estado, ou seja, danificar os obstáculos materiais. A destruição destes é apenas o meio para o preso ganhar a liberdade. Não há intenção de causar prejuízo. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou nesse sentido8. É a posição majoritária nos tribunais. b) Para aqueles que entendem que o crime de dano dispensa o animus nocendi, ou seja, a intenção de causar prejuízo, exigindo apenas a vontade de praticar uma das condutas previstas no tipo penal, o preso que danifica a cela para fugir comete o crime em estudo. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido9. Observe-se que, no caso, deverá ele responder pela forma qualificada do crime (art. 163, parágrafo único, III). Em nosso ordenamento jurídico, em que o dano culposo não ultrapassa a órbita do ilícito civil, exceto perante o CPM, não é considerado crime. O que distingue o crime de dano dos demais crimes contra o patrimônio é que nele a ofensa é dirigida contra o direito de propriedade, objetivando apenas prejudicar o legítimo dono, sem o intuito de vantagem econômico-financeira. 6. MOMENTO CONSUMATIVO Trata-se de crime material. Consuma-se com o dano efetivo ao objeto material, total ou parcialmente. É indispensável para a comprovação do dano, não a suprindo a prova testemunhal nem a confissão, a prova pericial. 7. TENTATIVA É possível no crime plurissubsistente. Exemplo: agenteque atira objeto ao fogo mas, antes de ele se deteriorar, é de lá retirado por terceiro10. 8. FORMAS 8.1. Simples Está prevista no caput (pena — detenção, de 1 a 6 meses, ou multa). 8.2. Q ualificada Está prevista no parágrafo único e incisos (pena — detenção, de 6 meses a 3 anos, e multa, além da pena correspondente à violência). a) Dano praticado com violência ou grave ameaça à pessoa (inciso I): tal delito somente se aperfeiçoa quando a violência à pessoa ou a grave ameaça são empregadas com o intuito de viabilizar a concretização dos danos, ou seja, antes ou durante a execução do crime. Se o dano se consumou sem violência à pessoa mas, posteriormente, há emprego de violência contra a vítima, haverá dano simples em concurso material com lesão corporal. O sujeito ativo pode valer-se desses meios de execução não só contra o titular da propriedade, mas também contra terceira pessoa, a este ligada. Bastam as vias de fato para caracterizar a violência. Segundo o disposto no parágrafo único, a pena será de detenção, de 6 meses a 3 anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Cuida-se aqui, portanto, do concurso material entre o crime de dano qualificado pela violência ou grave ameaça e o crime de lesões corporais (leve, grave ou gravíssima) ou homicídio. b) Uso de substância inflamável ou explosiva (inciso II): são substâncias inflamáveis o álcool, o petróleo etc. São substâncias explosivas a dinamite, a pólvora etc. O uso dessas substâncias qualifica o dano, se o fato não constitui crime mais grave por colocar em risco a incolumidade pública (CP, arts. 250 ou 251). Se, por exemplo, o incêndio provocado não ocasionar perigo comum, tipificar-se-á o delito de dano qualificado. É uma hipótese de subsidiariedade explícita, pois a lei expressamente a menciona. c) Dano contra o patrimônio da União, do Estado, do Município e de empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista (inciso III): a expressão “patrimônio”, nesse dispositivo, deve ser considerada de forma ampla, englobando até mesmo os bens de uso comum do povo e os de uso especial. Exemplo: bancos de praça etc. A locação ou cessão de prédio a órgão da Administração Pública não tem o condão de tornar público esse bem. Trata-se, no caso, de bem particular. Os bens particulares alugados pelo Poder Público estão excluídos da tutela do art. 163 do CP11. Quanto ao preso que danifica a cela para fugir, vide tópico n. 4 (elemento subjetivo). d) Dano causado por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima (inciso IV): Motivo egoístico. Para Hungria, “não é o que se liga à satisfação de qualquer sentimento pessoal (ódio, inveja, despeito, prazer da maldade, desprezo pela propriedade alheia, etc.), pois, de outro modo, não haveria como distinguir entre o dano qualificado em tal caso e o dano simples (sempre informado de algum sentimento pessoal na sua motivação). Egoístico é o motivo quando se prende ao desejo ou expectativa de um ulterior proveito pessoal indireto, seja econômico, seja moral”12. Por exemplo: matar o cavalo competidor para ganhar a corrida mais facilmente. Prejuízo considerável para a vítima. O sujeito ativo deve praticar o fato com intenção de causar prejuízo considerável à vítima. O prejuízo que qualifica o dano deve ser aferido em relação à situação econômica do ofendido13. A ação penal, nesse inciso, é privada (CP, art. 167). 9. AÇÃO PENAL. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS Ação penal privada. De acordo com o art. 167 do Código Penal é cabível no crime de dano simples (caput) e qualificado (somente na hipótese do inciso IV do parágrafo único). Ação penal pública incondicionada. É cabível nas demais hipóteses do art. 167 do CP. “Se, por ocasião da sentença, o juiz entende que o dano era simples e não qualificado, deve absolver (TACrim SP, Julgados 96/144) ou anular a ação pública para que a privada seja intentada, salvo decadência; não pode condenar por dano simples em ação penal pública (TACrimSP, Julgados 91/344 e 80/505)”14. Concurso entre crime de ação penal pública e crime de ação penal privada. Se houver, por exemplo, concurso entre os crimes de dano qualificado (inc. III) e dano simples (caput), sendo a primeira ação de iniciativa pública e a segunda de iniciativa privada, formarse- á um litisconsórcio ativo entre o Ministério Público e a vítima, devendo esta oferecer queixa-crime e aquele, denúncia. Procedimento. Nos moldes da Lei n. 9.099/95, o crime de dano simples (caput) constitui infração penal de menor potencial ofensivo, pois a pena máxima prevista é igual a 6 meses (pena — detenção, de 1 a 6 meses, ou multa). É possível a aplicação da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95), uma vez que a pena mínima cominada é de detenção de 1 mês, portanto inferior a 1 ano. No tocante ao crime de dano qualificado (parágrafo único, I a III), somente é cabível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95), uma vez que a pena mínima cominada é de 6 meses de detenção. Convém mencionar que há diversas decisões do STJ no sentido de que “O benefício processual previsto no art. 89 da Lei n. 9.099/1995, mediante a aplicação da analogia in bonam partem, prevista no art. 3º do Código de Processo Penal, é cabível também nos casos de crimes de ação penal privada. Precedentes do STJ” (STJ, 5ª T., HC 12.276/RJ, rel. Min. Laurita Vaz, j. 11-3-2003, DJ, 7- 4-2003, p. 296). No mesmo sentido: STJ, HC 34.085/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 8-6-2004, DJ, 2-8-2004, p. 457; STJ, HC 33.929/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. 19-8-2004, DJ, 20-9-2004, p. 312. Em sentido contrário: STJ, 6ª Turma, HC 17.431/SP, rel. Min. Vicente Leal, j. 15-4-2003, DJ, 23-6-2003, p. 444. 10. CONCURSO DE CRIMES Por ser um crime subsidiário, só haverá crime de dano quando o fato constituir um fim em si mesmo; se for meio para outro crime, perde sua autonomia e passa a ser elemento de crime complexo ou progressivo; por exemplo, quebrar o vidro da janela para furtar objetos no interior do imóvel (configura furto qualificado). Aproveitando esse exemplo, podemos afirmar que, se o agente, após quebrar o vidro da janela da casa, desistir voluntariamente de praticar o furto, deverá responder apenas pelos atos até então praticados, isto é, pelo dano patrimonial (CP, art. 15 — desistência voluntária). Pode suceder que o agente pratique um crime patrimonial e posteriormente danifique o objeto obtido mediante apropriação, furto, roubo, estelionato etc. Nessa hipótese, o crime de dano será considerado post factum impunível. 11. OUTRAS CONDUTAS TÍPICAS DANOSAS a) danificar sepultura subsume-se na norma do art. 210, e não na do art. 163 do CP; b) quando o dano incide em documento público ou particular, em benefício próprio ou alheio ou em prejuízo de terceiro, o crime será o do art. 305 do CP; c) dano às coisas destinadas ao culto religioso, o crime será o descrito no art. 208 do CP; d) a Lei n. 9.605, de 12-2-1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências, passou a prever as seguintes condutas danosas: “Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar: I — bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; II — arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial: Pena — reclusão, de um a três anos, e multa”. “Art. 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcaredificação ou monumento urbano: Pena — detenção, de três meses a um ano, e multa. Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa”
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