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Introdução à Relatividade Especial Marcos Veríssimo Alves 18 de Outubro de 2017 2 Capítulo 1 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial 1.1 Introdução Para enviar um sinal através do vácuo, de um ponto a outro, tão rápido quanto possível, usamos um feixe de luz ou alguma outra radiação eletromagnética, tal como uma onda de rádio. Jamais foi descoberto um método mais veloz para enviar um sinal. Este fato experimental sugere que a velocidade da luz no vácuo, c = 3,00×108m/s2, é uma velocidade de referência limite apropriada com a qual outras, como as de partículas ou de ondas mecânicas, podem ser comparadas. No mundo macroscópico de nossas experiências comuns, a velocidade u de objetos em movimento ou ondas mecânicas em relação a qualquer observador é sempre menor do que c. Por exemplo, um satélite artificial girando em torno da Terra pode se mover com uma velocidade de 18000 mph em relação à Terra; aqui u/c = 0,000027. As ondas sonoras no ar, à temperatura ambiente, movem- se com uma velocidade de 332 m/s através do ar, tal que u/c = 0,0000010. É nesse meio macroscópico, sempre presente, porém limitado, que as nossas ideias sobre o espaço e o tempo são primeiramente formuladas, e no qual Newton desenvolveu sua Mecânica. No mundo microscópico é sempre possível encontrar partículas cujas veloci- dades são bastante próximas à da luz. Para um elétron acelerado numa diferença de potencial de 10 milhões de volts, um valor razoavelmente fácil de ser obtido, a velocidade u é igual a 0,9988 c. Não podemos estar seguros, sem um teste experimental direto, de que a Mecânica Newtoniana possa ser extrapolada, com segurança, da região ordinária de baixas velocidades (u/c << 1) em que foi desenvolvida, para a região de alta velocidade (u/c→ 1). De fato, a experiência mostra que a Mecânica Newtoniana não prevê as respostas corretas quando é 4 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial aplicada a tais partículas rápidas. Na verdade, na Mecânica Newtoniana não há, em princípio, limite para a velocidade que uma partícula possa atingir, pois a velocidade da luz não desempenha nenhum papel especial. E no entanto, se a energia do elétron de 10 MeV acima mencionado for aumentada por um fator de quatro (para 40 MeV) a experiência [1] mostra que a velocidade não é dobrada para 1,9976 c, como poderíamos esperar da relação Newtoniana K = 12mv 2; ao invés disso, a velocidade da partícula se mantém inferior a 12mc 2. A velocidade da partícula aumenta somente de 0,9988 c para 0,9999 c; uma variação de 0,11%. Outro exemplo é o raio de curvatura da trajetória de um elétron quando passa por um campo magnético. Do eletromagnetismo clássico, o raio de curva- tura para um elétron com energia de 10 MeV se movendo em um plano normal em relação ao campo magnético de 2,0 weber/m2, deveria ser de 1,8 cm. No entanto, o raio de curvatura medido é de 0,53 cm. Portanto, não importa quão bem a Mecânica Newtoniana possa funcionar às baixas velocidades; ela falha clamorosamente quando u/c→ 1. Em 1905, Albert Einstein publicou sua Teoria Especial de Relatividade. Em- bora motivado por um desejo de conseguir uma visão mais profunda da natureza do Eletromagnetismo, Einstein, em sua teoria, estendeu e generalizou, também, a Mecânica Newtoniana. Ele previu corretamente os resultados das experiências mecânicas no intervalo completo de velocidades, desde u/c = 0 até u/c → 1. A Mecânica Newtoniana revelou-se como sendo um caso especial importante de uma teoria mais geral. Desenvolvendo esta teoria da Relatividade, Einstein examinou com espírito critico os processos usados para medir intervalos de com- primento e tempo. Esses procedimentos requerem o uso de sinais luminosos e, de fato, uma suposição acerca do modo como a luz se propaga é uma das duas hipóteses centrais sobre as quais a teoria se baseia. A sua teoria resultou numa visão completamente nova da natureza do espaço e tempo. A conexão entre a Mecânica e o Eletromagnetismo não é surpreendente. A luz, como veremos, desempenha um papel básico na efetuação das medidas fun- damentais de espaço e tempo, que formam a base da Mecânica, e ela é um fenô- meno eletromagnético. Todavia, o nosso meio Newtoniano de baixa velocidade é tão parte da nossa vida cotidiana que quase qualquer pessoa tem alguma difi- culdade conceitual em entender as ideias de Einstein do espaço-tempo, quando as estuda pela primeira vez. Einstein, possivelmente, apontou a dificuldade quando disse: “O senso comum é aquela camada de preconceitos depositada na mente antes do 18 anos de idade”. De fato, é comum dizer que qualquer grande teoria começa como uma heresia e termina como um preconceito. As ideias de movimento de Galileu e Newton podem muito bem ter passado por tal história. Mais de meio século de experi- mentação e aplicação removeu a teoria da Relatividade Especial do estágio de heresia, e colocou-a numa base prática e conceitual sólida. Além disso, mostra- remos que uma análise cuidadosa das hipóteses básicas de Einstein e Newton torna claro que as hipóteses de Einstein são realmente muito mais razoáveis do que as de Newton. Neste curso, desenvolveremos a base experimental para as ideias da teoria 1.2 Transformações Galileanas 5 da Relatividade Especial. Uma vez que a Mecânica Newtoniana falha quando aplicada a partículas de velocidades comparáveis à velocidade da luz, parece ser sábio começar por um re-exame dos fundamentos da Mecânica Newtoniana. Talvez, desse modo, possamos encontrar chaves de como deveria ser genera- lizada, para produzir resultados corretos para altas velocidades, mantendo-se ainda seu excelente acordo com a experiência para baixas velocidades. 1.2 Transformações Galileanas 1.2.1 Eventos Comecemos por considerar um evento físico. Um evento é qualquer aconteci- mento, independentemente do sistema de referência que possamos usar para descrevê-lo. Concretizando, podemos imaginar o evento como sendo uma coli- são de duas partículas ou o acender de uma minúscula lâmpada - uma fonte de luz. O evento acontece em um ponto no espaço, e num determinado instante de tempo. 1.2.2 Observadores e Referenciais Para podermos dizer onde e quando um evento ocorre, precisamos definir - ou relembrar, uma vez que já o vimos no curso de Física I - o conceito de referencial. Em nosso curso, o conceito de referencial será apresentado de maneira um pouco diferente do que nos cursos de Física I, mas a definição é essencialmente a mesma - haverá apenas alguns detalhes a mais. É importante, entretanto, que estes detalhes fiquem claros para o estudante. Suponha que você e eu estejamos trafegando em uma rodovia no mesmo sentido, e que seu carro ultrapasse o meu. Meu velocímetro marca 88 km/h, e o seu, 100 km/h. Será que 100 km/h é a sua velocidade “verdadeira”? Certamente ela é a sua velocidade em relação a alguém parado no acostamento. Entretanto a sua velocidade em relação a mim é de apenas 12 km/h - você meu carro se afastando de você não muito rapidamente. E, em relação a um motorista que se aproxime em sentido contrário a 100 km/h, o valor de sua velocidade é 200 km/h - neste caso, você vê o carro do outro motorista passar tão rápido que nem consegue discernir detalhes das pessoas dentro dele, não é verdade? O fato é que nenhum objeto possui uma velocidade “verdadeira”. A definição de velocidade, v = ∆x∆t , considera a existência de um sistema de coordenadas em relação ao qual, durante certo intervalo de tempo ∆t, mede-se o deslocamento ∆x. O máximo que conseguimos fazer é especificar a velocidade de um objeto em relação a um sistema de coordenadas usado para medi-la. As medidas de espaço e tempo devem ser feitas por alguém, ou por algo. Este “alguém” ou “algo”, no contexto da relatividade, leva o nome de observador. Um observador é uma entidade que dispõe de réguas e cronômetros, ou qualquer outro equipamento necessário,para definir a posição de objetos em movimento, além do instante de tempo em que ele se encontra em um dado ponto do espaço. 6 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial Agora que já definimos o que é um observador, precisamos nos dar conta de que deve existir um ponto de referência para a medida de qualquer posição, e um instante de tempo que servirá de referência para a medida de outros instantes de tempo. Vamos definir um referencial como um sistema de coordenadas em que observadores, dispondo de réguas, de cronômetros ou de qualquer outro equipamento necessário, medem a posição e o tempo de objetos em movimento. Três idéias estão implícitas em nossa definição de referencial: • Todo referencial estende-se infinitamente em todas as direções. • Os observadores estão em repouso em relação ao seu referencial. • O número de observadores e a qualidade do equipamento usado são su- ficientes para medir as posições e as velocidades com qualquer nível de precisão estabelecido. As duas primeiras idéias são de especial importância. Geralmente é conveni- ente que se mencione “o referencial do laboratório” ou “o referencial do foguete”. Essas são formas concisas de se falar de “um referencial que se estende infinita- mente em todas as direções, em relação ao qual o laboratório (ou o foguete) e um grupo de observadores encontram-se em repouso”. Outro ponto importante sobre referenciais é que, no contexto da relatividade, o conceito de referencial não implica em um “ponto de vista”, ou seja, cada pessoa ou cada observador não tem seu próprio referencial. Todos os observadores que estejam em repouso, uns com relação aos outros, pertencem ao mesmo referencial. Isto parece contradizer o conceito de referencial que vemos na Física I, mas a contradição é apenas aparente. Definido um sistema de coordenadas, podemos especificar um evento com- pletamente através de quatro medidas - três espaciais e uma temporal. Estas medidas serão números, que indicarão a posição, x, y e z, e o tempo, t, de ocor- rência de um evento. Por exemplo, a colisão de duas partículas pode ocorrer em x = 1m, y = 4m, z = 11m, e no tempo t = 7s, em um dado sistema de referência que pode ser, por exemplo, um laboratório na Terra. O modo conciso de expressar as medidas de posição e tempo é formar um quadruplete com estes quatro números, (x,y,z,t), de modo a especificar o evento neste referencial. Com os números acima, o quadruplete seria expresso como (1 m, 4 m, 11 m, 7 s). O mesmo evento, por um outro observador em outro sistema de referência (por exemplo, observado de um avião voando sobre nossa cabeça) seria também especificado por quatro números. No entanto, os números determinados pelo observador no avião serão diferentes dos número determinados pelo observador no sistema de referência do laboratório. Em outras palavras, suponhamos que o avião que acabamos de mencionar esteja voando da esquerda para a direita, e que seu sistema de coordenadas tenha sua origem fixada, digamos, no assento onde o observador está sentado. Então, duas bombinhas, dessas de festa ju- nina, estouram no mesmo local - nas mesmas coordenadas espaciais - para o observador na Terra, mas em instantes de tempo diferentes. O observador em repouso, na Terra, verá determinadas coordenadas espaciais, e determinados 1.2 Transformações Galileanas 7 instantes de tempo. No entanto, o observador no avião, como se move em re- lação ao observador em repouso, dirá que o estouro das bombinhas se deu em outras coordenadas espaciais e instantes de tempo, em geral diferentes daqueles especificados pelo observador na Terra. Na relatividade especial, tratamos de sistemas de referência em movimento um em relação ao outro, sempre com velocidade relativa constante. Estes siste- mas são denominados sistemas de referência inerciais, pois neles, vale a primeira lei de Newton para o movimento, que também é conhecida como a lei da inércia. Em sistemas inerciais, que são os que não possuem aceleração, um corpo sobre o qual atue uma força externa resultante nula, possui velocidade constante. Voltemos aos nossos dois observadores, um na Terra e outro no avião, e suponhamos que é hora do lanche no avião; além disso, suponhamos que a velocidade do avião é constante. Então o observador do avião, que colocou seu lanche na bandeja do assento em frente a ele, verá o lanche parado (em relação a ele); o observador na Terra, por sua vez, verá o lanche se mover com a mesma velocidade do avião. Ambos verão o lanche com velocidade constante, sendo que uma dessas velocidades é zero (para o observador no avião) e outra é a velocidade do próprio avião (para o observador na Terra). Como a velocidade não muda para nenhum deles, ela é constante para os dois, apesar de ter valor diferente para cada um deles. Newton supôs que um sistema de referência fixo em relação às estrelas é um sistema inercial. Um foguete que se desloque no espaço cósmico, sem rotação e com suas máquinas desligadas, fornece um sistema inercial ideal. Qualquer sistema acelerado em relação a um sistema inercial não será inercial. Mas então, será possível obter um referencial verdadeiramente inercial? Por exemplo, geral- mente consideramos um referencial fixo à Terra, em repouso em relação a ela, como sendo inercial. No entanto, a Terra executa um movimento de rotação em torno de seu eixo, portanto, todos os objetos possuem aceleração centrí- peta. O movimento da Terra em torno do Sol também fornece outra aceleração centrípeta a um objeto sobre a superfície terrestre. E então, como ficamos? Felizmente, na prática, estes efeitos são muito pequenos, e frequentemente poderemos desprezar os efeitos de aceleração nos sistemas de referência na Terra devidos à rotação, ao movimento orbital da Terra e mesmo ao movimento solar. Desta forma, podemos considerar qualquer conjunto de eixos cartesianos fixos na Terra como formando aproximadamente um sistema de coordenadas inercial. Ainda que esta seja apenas uma aproximação, ela é muito boa. Do mesmo modo, qualquer conjunto de eixos em movimento com velocidade uniforme em relação à Terra, como num trem, navio ou avião que se movam sem- pre com a mesma velocidade, será também quase inercial, porque o movimento com velocidade uniforme não introduz aceleração. Entretanto, um sistema de eixos acelerado em relação à Terra, tal como um sistema fixo a um carrossel em rotação ou a um carro que começamos a colocar em movimento, não é um sistema inercial. Nestes sistemas, para alguém que, em um referencial inercial, observe uma partícula sujeita a uma força externa total nula, ela não se moverá em linha reta e com velocidade constante. Para estes observadores, a única forma de fazer valer a primeira lei de Newton do movimento é dizer que há 8 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial uma força atuando sobre o objeto. Esta força, na verdade, não existe, é o que chamamos de força fictícia. Lembremos mais uma vez: a teoria especial da Relatividade, a qual estamos considerando aqui, trata somente da descrição dos eventos por observadores em sistemas de referência inerciais. Um dado objeto pode estar acelerado em relação a um sistema de referência inercial, mas o referencial em si pode não possuir aceleração. Um exemplo pode ser dado por uma criança que comece a correr no corredor de um ônibus que se mova com velocidade constante em uma estrada reta. No momento em que a criança sair do repouso (em relação ao ônibus!), ela estará acelerando, mas o ônibus ainda será um referencial inercial, por se mover com velocidade constante. Sistemas de refere˜ncia não-inerciais, ou seja, que possuem aceleração em relação a um sistema inercial, são estudados pela teoria geral da Relatividade, apresentada por Einstein. Em nosso curso, não estudaremos este tipo de sistema de referência. 1.2.3 As transformações de Galileu Consideremos agora um sistema inercialS, e um outro sistema inercial S′, que se move com uma velocidade constante ~v em relação a S, como mostra a Fig. 1.1. Por conveniência, escolhemos os três conjuntos de eixos como sendo paralelos entre si, e permitindo que o seu movimento relativo seja ao longo do eixo comum x, x′, de modo que ~v = vx ıˆ. É sempre possível generalizar facilmente o problema para uma velocidade relativa ~v 1 que não seja paralela a um dos eixos cartesianos, e orientações arbitrárias dos sistemas um em relação ao outro; mas, os princípios físicos envolvidos não são afetados pela escolha simples que estamos fazendo: podemos sempre especificar novos eixos de coordenadas, de modo a ter que considerar menos dimensões espaciais em nosso problema. Note, também, que poderíamos igualmente considerar que S se mova em relação a S′ com velocidade −~v, se não tivéssemos nenhuma referência visual. De fato, isto é o que você vê da janela de um ônibus quando ele passa por um ponto de ônibus; você, dentro do ônibus, vê as pessoas passarem por você com uma determinada velocidade −~v, mas as pessoas no ponto vêem o ônibus passar com velocidade ~v por elas. Você sabe que é você quem se move em relação às pessoas porque é improvável que todo o resto da Terra permaneça parada. No entanto, se você estivesse em uma espaçonave no espaço e outra nave passasse por você movendo-se a velocidade constante, seria impossível afirmar que é a sua nave ou a outra que está se movendo - de fato, poderia ser que as duas estivessem se movendo! Consideremos, então, um evento 2 ocorrendo no ponto P , cujas coordenadas de espaço e tempo são medidas em cada sistema inercial. Um observador ligado a S especificará, por meio de relógios e réguas próprios a ele, por exemplo, 1Neste texto, usaremos o símbolo v para denotar a velocidade relativa entre dois referen- ciais. 2Definiremos melhor o que é um evento no próximo capítulo. Por enquanto, um evento será algo que ocorre em um ponto no espaço, e em um instante de tempo, bem definidos. 1.2 Transformações Galileanas 9 Figura 1.1: Dois referenciais inerciais S e S′, com eixos cartesianos x,x′, y,y′ e z,z′ paralelos entre si. Para um observador em repouso no referencial S, o sistema S′ se move no sentido de x positivo, com velocidade constante v. Já para um observador no referencial S′, é o referencial S que se move, no sentido de x′ negativo, com velocidade −v. Um evento, representado por uma pequena explosão ou faísca, ocorre em uma posição x no referencial S, diferente da posição x′ no referencial S′. As origens dos dois referenciais coincidem em t = t′ = 0. a localização e o tempo de ocorrência desse evento, atribuindo coordenadas espaciais x, y e z e tempo t ao evento. Um observador ligado a S′, usando seus instrumentos de medida, especificará o mesmo evento pelas coordenadas espaciais x′, y′ e z′ e t′. Para o observador em S, com origem do sistema de coordenadas fixas em um ponto O, as coordenadas x, y e z darão a posição de P relativa à origem O, e t será o instante de tempo em que ocorre o evento no ponto P , que o observador em S registrará com seus relógios e suas réguas próprias. Do mesmo modo, as coordenadas x′, y′ e z′ relacionam a posição de ocorrência do evento, P , à origem O′ e o instante de tempo em que o mesmo evento ocorre no ponto P , t′, a relógios e réguas do observador inercial no sistema em movimento, S′. Suponhamos que os dois observadores usem réguas que foram calibradas uma em relação à outra, e relógios que foram sincronizados um com o outro. Qual é, então, a relação entre as medidas x, y, z, t do observador no referencial S, e x′, y′, z′, t′, as medidas do observador no referencial S′? Isto dependerá justamente da calibração das réguas e também da sincronização dos relógios, de modo que vale a pena falarmos um pouco sobre isso, antes de partirmos para encontrar esta relação quantitativamente. Na mecânica clássica, o procedimento para calibração e sincronização, o qual consideraremos depois com maior espírito crítico, consiste em supor que os 10 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial comprimentos e intervalos de tempo são absolutos, isto é, que eles são os mesmos para todos os observadores inerciais dos mesmos referenciais. Por exemplo, se compararmos as réguas quando as duas estiverem em repouso e elas tiverem o mesmo comprimento, fica implicitamente suposto que elas também terão o mesmo comprimento quando estiverem em movimento uma em relação à outra. De modo análogo, se os relógios estiverem calibrados e sincronizados quando em repouso, fica implícito de suas leituras que o avanço do tempo, conforme dado por cada um dois relógios, também será o mesmo quando os dois relógios estiverem em movimento relativo entre si. Esses são os exemplos das suposições de “senso comum da teoria clássica”. Com as suposições sobre como se comportam as medidas de espaço e tempo devidamente feitas, podemos encontrar a relação entre as posições e instantes de tempo medidas por cada um dos observadores. Por simplicidade, digamos que os relógios de cada observador marquem zero no instante em que as origens O e O′ dos sistemas S e S′, que estão em movimento relativo, coincidam, e que o evento ocorre no ponto P após a passagem da origem O′ pela origem O. Então as transformações Galileanas de coordenadas, que relacionam as medidas x, y, z, t a x′, y′, z′, t′ são x′ = x− vxt y′ = y (1.1a) z′ = z O que a primeira das equações nos diz é que, para o observador no sistema em movimento, S′, a coordenada x′ do ponto onde o evento ocorre estará mais próxima da origem de seu sistema de coordenadas, que a coordenada x, no sistema S, que está em repouso. Notemos que, tomando o instante de tempo inicial como zero, em um intervalo de tempo ∆t = t − t0 = t, o sistema S′ terá percorrido uma distância vxt em relação à origem do sistema S. Portanto, se subtrairmos a distância percorrida pelo sistema S′, vxt, da coordenada x do ponto P conforme medido pelo observador no sistema S, teremos a distância do ponto P ao longo do eixo x′ até a origem do sistema de coordenadas S′. Já a segunda e a terceira equações nos dizem que, uma vez que o movimento só apresenta velocidade ao longo de x, as coordenadas em y e z, no referencial em movimento, S′, serão iguais às coordenadas y e z do referencial em relação ao qual ele se move. Não é muito difícil ver que as equações 1.1a são apenas um caso especial em que vy = vz = 0, e que no caso mais geral, as coordenadas nos referenciais S′ e S são relacionadas por x′ = x− vxt y′ = y − vyt (1.2a) z′ = z − vzt É importante notar que este raciocínio cobre apenas o caso em que os dois siste- mas de coordenadas apresentam a mesma orientação, ou seja, os dois sistemas 1.2 Transformações Galileanas 11 de coordenadas têm os eixos paralelos entre si, e com o sentido de crescimento igual. Ele será suficiente para nossos propósitos, neste curso, e nos ateremos, em geral, ao caso em que o movimento se dá apenas ao longo de um dos eixos de coordenadas. As equações 1.1a são as equações de transformação de coordenadas para o caso clássico, ou seja, em que v << c. Elas pressupõem que o tempo, para quais- quer observadores, pode ser definido independentemente de qualquer referencial. Isto é uma suposição implícita da Física Clássica, que é expressa nas equações de transformação pela ausência de uma transformação para t. Podemos tor- nar explícita esta suposição, da natureza universal do tempo, acrescentando às transformações Galileanas a equação t′ = t, de modo que, finalmente, x′ = x− vxt y′ = y (1.3a) z′ = z t′ = t As equações 1.3a são conhecidas como transformações de Galileu, e nos permi- tem relacionar coordenadas medidas por observadores em movimento relativo entre eles, quando a velocidade de movimento é constante. Suponhamos então dois eventos P e Q, que ocorrem em localizações xP e xQ diferentes, e que P ocorre emum instante de tempo, tP , anterior ao instante de tempo em que Q ocorre, tQ. As equações 1.3a nos dizem que a distância entre a ocorrência dos dois eventos, dPQ = |xP − xQ|, e o intervalo de tempo entra a ocorrência do primeiro e do segundo eventos, ∆tPQ = tQ − tP , será igual para os dois observadores: dPQ = d ′ PQ ∆tPQ = ∆t ′ PQ. (1.4) O resultado para a distância entre dois pontos para os dois observadores, a pri- meira das Eqs. 1.4, merece uma análise mais cuidadosa. Imaginemos um peixe em movimento, nadando em linha reta, e que vamos medir seu comprimento, ou seja, a distância entre sua cauda e sua cabeça. Vamos chamar A o ponto onde se encontra a cauda, e B o ponto onde se encontra a cabeça, no que se segue. Imaginemos agora que duas pessoas vão medir o comprimento do peixe: uma que observa o peixe no aquário estando parada, e outra que anda junto com o peixe, cada um carregando sua própria régua. Aqui, assim como no resto do texto, vamos denotar as coordenadas do observador que se move com uma linha (′), e as do observador em repouso sem a linha. O observador em movimento junto com o peixe mede, para as coordenadas da cabeça e da cauda, x′A e x′B , respectivamente, e o observador que não se move com o peixe medirá xA e xB , respectivamente. O ponto importante é que as medidas sejam 12 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial Figura 1.2: Para medir o comprimento de um peixe nadando, devemos marcar as posições de sua cabeça e de sua cauda simultaneamente, como na figura (a), e não em instantes de tempo diferentes, como na figura (b). feitas no mesmo instante de tempo, ou seja, tA = tB . Como na mecânica clássica supõe-se que t′A = tA e t′B = tB , usando-se as transformações de Galileu, obteremos x′A = xA − vxtB x′B = xB − vxtB ; (1.5) e efetuando x′B − x′A, obtemos x′B − x′A = (xB − xA)− vx(tB − tA). (1.6) Como as coordenadas são medidas no mesmo instante de tempo pelos dois observadores,t′B = tB , t′A = tA, e t′A = tB , então t′B − t′B = tB − tA = 0. Assim, os dois observadores medirão a mesma distância entre a cabeça e a cauda do peixe: x′B − x′A = xB − xA. (1.7) Observe cuidadosamente que as duas medidas (as extremidades x′A, x′B , ou xB ,xA) são feitas por cada observador e que supomos que elas sejam feitas no mesmo instante (t′A = t′B , ou tA = tB). A hipótese de que as medidas sejam feitas no mesmo instante - isto é, simultaneamente - é uma parte crucial da nossa definição de comprimento do peixe em movimento. Certamente não deveríamos medir as localizações das ex- tremidades em instantes de tempo diferentes, para obter o comprimento do peixe em movimento; seria como se estivéssemos medindo a posição da cauda do peixe nadando em um dado instante, e a posição de sua cabeça em outro instante, para determinar o seu comprimento. Apesar de parecer que esta informação não é importante, ela será fundamenta para mostrar que fenômenos da relatividade geral podem ser deduzidos das chamadas trans- formações Transformações de Lorentz, que desempenharão o papel das transformações de Galileu no caso em que tivermos objetos a velocidades comparáveis às da luz. As medidas do intervalo de tempo e do espaço feitas acima são absolutas, de acordo com a transformação Galileana; isto é, elas são as mesmas para todos 1.3 Relatividade Newtoniana 13 os observadores inerciais. Na mecânica Newtoniana (que parte das observações de Galileu), a velocidade relativa v dos sistemas é arbitrária e não entra nos resultados. Quando acrescentamos a este resultado a hipótese da Física clássica de que a massa de um corpo é uma constante, independentemente de seu mo- vimento em relação a um observador, então podemos concluir que a Mecânica Clássica e as transformações Galileanas implicam que comprimento, massa e tempo - as três quantidades fundamentais na Mecânica Newtoniana - são todas independentes do movimento relativo de quem mede, ou seja, do movimento relativo entre os observadores. O exemplo da medição do peixe parece ser algo trivial demais para merecer uma análise tão detalhada. Todavia, quando forem apresentados os postulados de Einstein para a relatividade, o tema apresentará sutilezas relacionadas a este exemplo. 1.3 Relatividade Newtoniana Como se comparam as medidas de diferentes observadores inerciais com rela- ção às velocidades e acelerações dos objetos? A posição de uma partícula em movimento é uma função do tempo, de modo que podemos expressar a veloci- dade e a aceleração de uma partícula em termos das derivadas da posição em relação ao tempo. Precisamos somente efetuar as diferenciações das coorde- nadas nas transformações Galileanas, Eqs. 1.3a, que forem necessárias para a obtenção das velocidades e acelerações. A transformação da velocidade segue trivialmente. Partindo de x′ = x− vxt, a diferenciação em relação a t dá: dx′ dt = dx dt − vx. (1.8) Mas, como t = t′, a operação d/dt é idêntica à operação d/dt′ (pois dt = dt′), de modo que dx′ dt = dx′ dt′ e então a equação 1.8 fica dx′ dt′ = dx dt − vx. (1.9) A grandeza dx ′ dt′ nos dá uma velocidade. Esta velocidade é referente à variação da cordenada x′, que é a coordenada medida pelo observador no referencial em movimento, com relação ao tempo t′, que é o tempo medido pelo observador no referencial em movimento. Portanto, ela é a velocidade de um objeto medida no 14 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial referencial em movimento S′. Se chamarmos esta velocidade de u′x 3, a equação 1.9 pode ser escrita de forma mais simples: u′x = ux − vx (1.10) A equação 1.10 nos diz simplesmente que a velocidade de um objeto, quando medida em relação a um referencial em movimento, será menor que a veloci- dade medida em um referencial em repouso. Se isto lhe confunde, lembre-se da seguinte situação: imagine que você está parado na calçada, e um carro passa a 80 km/h por você. Agora, pense que você está em um carro a 60 km/h, e o mesmo carro, que tem 80 km/h em relação ao solo, passa por você. Qual dos dois lhe parecerá mais rápido? Com relação às coordenadas y′, usando o mesmo raciocínio que usamos para a coordenada x′, obtemos dy′ dt = dy′ dt′ e dz′ dt = dz′ dt′ . Assim, obtemos o teorema clássico da adição de velocidades: u′x = ux − vx u′y = uy (1.11) u′z = uz No caso mais geral em que ~v, a velocidade relativa entre os sistemas, tem com- ponentes ao longo dos três eixos, obteríamos o resultado mais geral (vetorial) ~u′ = ~u− ~v. (1.12) Provavemente você já tenha encontrado alguns exemplos disto em Física I. Vamos relembrar alguns deles aqui. 3Neste curso, usaremos a letra u para denotar a velocidade de um objeto como ela é medida em um dado referencial. Assim, o símbolo v se referirá à velocidade relativa entre dois referenciais, e u′ se referirá à velocidade de um objeto medida no referencial S′. Se u não tiver a linha (′), ela será a velocidade de um objeto medida no referencial S. 1.3 Relatividade Newtoniana 15 Exemplo 1 Um passageiro caminha para a frente, ao longo do corredor de um trem, com uma velocidade de 2,2 mph (milhas por hora), à medida que o trem se move ao longo de um trilho retilíneo com uma veloci- dade constante de 57,5 mph em relação ao solo. Qual a velocidade do passageiro em relação ao solo? Solução Como o trem está em movimento, ele será o sistema onde as variá- veis levam a linha (′). Por simplicidade, suporemos que todos os movimentos se dão ao longo dos eixos x e x′. Sabemos, então, que: • O trem constitui o referencial S′, que tem velocidade v = 57,5 mph em relação ao solo. • O passageiro anda a 2,2 mph dentro do trem. Portanto, essa é a velocidade u′x, em relação ao próprio trem. • Queremos encontrar a velocidade que o passageiro tem em rela- ção ao solo. O solo é nosso referencial S, e portanto a velocidade que queremosencontrar é ux. Vale sempre a pena fazer uma lista do que temos e do que queremos, pois isto facilita a resolução do problema: Temos Queremos vx = 57,5 mph ux =? u′x = 2,2 mph Para resolver este problema, tudo o que temos que fazer é usar a primeira das equações de adição de velocidades, Eqs. 1.11: u′x = ux − v. Resolvendo para encontrar ux (que é o que queremos!), obtemos ux = u ′ x + v, e agora é só substituir os números, obtendo que a velocidade do passageiro, em relação ao solo, é ux = 59,7 mph. 16 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial Avaliação É sempre bom avaliar nossa resposta, para nos certificarmos que não chegamos a uma resposta absurda. No caso, o passageiro se move com velocidade no mesmo sentido que a velocidade do trem. Portanto, deveríamos encontrar (como foi o caso) uma velocidade em relação ao solo maior que a velocidade do trem. É um caso semelhante a quando estamos andando sobre uma esteira rolante: vamos mais rápido que a própria esteira. Faça o teste, da próxima vez que andar sobre uma. Peça a um amigo para que ande fora da esteira, à mesma velocidade que ela, e caminhe sobre a esteira. Preste atenção em quem chega antes ao final da esteira! Exemplo 2 Dois elétrons são expelidos de átomos radioativos em direções opos- tas, numa amostra de material radioativo em repouso no laboratório. Um observador no referencial do laboratório (em repouso) mede a rapidez de cada elétron, e determina que cada um deles se move a 0,67 c. Qual é a velocidade de um elétron com que um elétron veria o outro se mover, de acordo com o teorema clássico da adição de velocidades? Solução Este é um exemplo importante, pois ilustra como passar de um refe- rencial para outro. A habilidade de passar de um referencial a outro será importante quando passarmos à relatividade de Einstein. Os dois elétrons estão em movimento em relação ao referencial do laboratório, mas e se passarmos para o referencial de cada um de- les? No referencial de cada um deles, em que atribuímos sistemas de coordenadas individuais para os dois elétrons movendo-se com a mesma velociade que os elétrons têm no referencial do laboratório, os elétrons estão em repouso. Portanto, podemos escolher qualquer um dos dois elétrons para passarmos ao seu referencial. Por conve- niência, vamos chamar os dois elétrons de e1 e e2, e passaremos para o referencial de e1. Ao passarmos para o referencial de e1, o referencial do laboratório passa a ser considerado como um referencial em movimento em re- lação ao referencial de e1 - pense em como você vê o mundo fora da janela de um carro em movimento! O elétron e2 passa, então, 1.3 Relatividade Newtoniana 17 a ser considerado como o objeto em movimento em relação ao elé- tron e1, que agora consideramos como parado. O ponto importante aqui é percebermos que, por termos passado para o referencial de e1, seu referencial passa a ser o referencial considerado em repouso, S′ é o referencial em movimento, e a velocidade de e2 passa a ser a velocidade medida no referencial em movimento, S′. Figura 1.3: (a) No referencial do laboratório, os elétrons são observados movendo-se em sentidos opostos, com mesma velocidade (em módulo). (b) No referencial S de um dos elétrons, este elétron se encontra em repouso, e o laboratório (cujo referencial chamamos agora de S′) se move com velocidade ~v. No referencial S′, o 2◦ elétron tem uma velocidade ~u′. Talvez a coisa fique um pouco mais clara com uma ilustração. A Fi- gura 1.3 mostra a situação física como observada por um observador no laboratório. Mais uma vez, por simplicidade, vamos supor que o movimento dos dois elétrons se dá ao longo do eixo x. Como os dois elétrons partem em sentidos opostos, um vai para a direita e o outro vai para a esquerda, com a mesma rapidez. Vamos escolher o elétron que parte para a esquerda, com velocidade negativa -0,67 c, como o elétron e1. Afinal de contas, o problema 18 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial não especificou qual dos elétrons devemos escolher! Ao fazermos isto, passamos a considerar que ele está em repouso, e portanto o referencial do laboratório passa a se mover para a direita com a mesma rapidez (velocidade escalar) que este elétron tinha. Em outras palavras: o referencial do laboratório, que antes estava em repouso, passa a ser o referencial em movimento com velocidade v, ou seja, o referencial S′. Desta maneira, a rapidez do elétron que ia para a direita passa a ser de 0,67 c neste referencial ; ou seja, a velocidade de e2 é u′x =0,67c. O que queremos encontrar é a velocidade u que o elétron e2 terá segundo um observador que esteja no referencial do elétron e1. Agora, podemos novamente fazer a tabela do que temos e do que queremos: Temos Queremos vx =0,67c ux u′x =0,67c e usar a primeira das Eqs. 1.11: u′x = ux − vx. Agora que estamos no referencial do elétron e1, veremos e2 se mover com velocidade ux em relação a ele. Procedemos da mesma maneira que no exemplo anterior: resolvendo para encontrar ux (que é o que queremos!), obtemos ux = u ′ x + v, e substituindo os valores da tabela “temos/queremos”, obtemos que, segundo o teorema clássico de adição de velocidades, a velocidade e2, como vista no referencial do elétron e1, é 1,34 c. Avaliação Um elétron vê o outro se mover com velocidade maior que a velo- cidade com que um observador no laboratório veria. Isto é de se esperar, pois os dois se afastam um do outro, com velocidades dife- rentes de zero. O teorema clássico de adição de velocidades nos diz que um elétron vê o outro se mover a uma velocidade maior que a da luz... mas uma surpresa nos espera após a apresentação dos postulados da relativi- dade de Einstein! 1.3 Relatividade Newtoniana 19 Já vimos como se comportam as velocidades de objetos em movimento uni- forme um em relação ao outro. No entanto, e as acelerações? A pergunta é importante, para podermos determinar como se comportam as leis de Newton em referenciais inerciais. Para obter a transformação das aceleraçôes, nós me- ramente diferenciamos as relações para as velocidades, Eqs. 1.11. Procedendo como anteriormente, obtemos: d dt′ u′x = d dt (ux − v), (1.13) mas como a velocidade v é constante, du′x dt′ = dux dt . (1.14) Para as outras duas componentes de aceleração, obtemos du′y dt′ = duy dt (1.15) e du′z dt′ = duz dt . (1.16) Isto é, a′x = ax, a′y = ay e a′z = az. Portanto, ~a′ = ~a, ou seja, as acelerações sentidas pelas partículas em referenciais movendo-se um em relação ao outro são iguais, não sendo afetadas pela velocidade relativa uniforme dos sistemas de referência. O mesmo resultado segue diretamente das duas diferenciações sucessivas das Eqs. 1.3a e se aplica, geralmente, quando ~v tem direção arbitraria, desde que ~v = constante. Vimos que diferentes observadores, em movimento relativo entre si, atribuem velocidades diferentes a uma mesma partícula. Estas velocidades diferem sempre pela velocidade relativa dos dois observadores, que no caso de observadores inerciais é uma velocidade constante. Segue-se então que, quando a velocidade da partícula muda, a mudança será vista da mesma maneira por ambos os observadores. Assim, cada um mede a mesma aceleração para a partícula. A aceleração de uma partícula é a mesma em todos os referenciais que se movem, um em relação ao outro, com velocidade constante. Este resultado é importante pois, na Física Clássica, a massa também não é afetada pelo movimento do referencial e portanto, o produto m~a será o mesmo para todos os observadores inerciais. Se ~F = m~a for tomada como sendo a definição de força, então obviamente cada observador obtém a mesma medida para cada força. Se • ~F for a força medida em um referencial S, e • ~F ′ for a força medida em um referencial S′, 20 A Base Experimentalda Teoria da Relatividade Especial então, se ~a = ~a′, teremos ~F = ~F ′, no caso em que a velocidade relativa entre os dois referenciais for constante. Portanto, as leis de Newton para o movimento e as equações de movimento de uma partícula seriam exatamente as mesmas em todos os sistemas inerciais. Como, na Mecânica Clássica, todos os princípios de conservação - tais como os de energia, momento linear e momento angular - podem ser demonstrados como sendo consequências das leis de Newton, as leis da Mecânica são as mesmas em todas os sistemas inerciais. Este resultado é tão importante que devemos ter certeza de que entendemos exatamente o que este parágrafo diz, e também o que ele não diz, antes de tirarmos dele algumas conclusões importantes. 1. O primeiro tópico a ser discutido é a invariância das leis de Newton, isto é, a afirmação de que elas são as mesmas para todos os observadores inerciais, com sua forma matemática inalterada para referenciais inerciais, que se movem em velocidade constante um em relação ao outro. Sobre este assunto, é bom lembrar que uma enunciação completa das leis de Newton inclui as seguintes afirmações: (a) Forças, na Mecânica Newtoniana, somente aparecem aos pares, pois são o produto de uma interação entre dois corpos. Na Mecânica Newtoniana, qualquer força é uma força de ação ou de reação. Isto nada mais é que uma parte da terceira Lei de Newton, e exemplos que talvez sejam familiares ao leitor são a força gravitacional, que requer dois corpos massivos para que se manifeste, e as forças de contato. (b) As forças de ação e reação, na Mecânica Newtoniana, agem ao longo de uma linha reta, que liga as partículas ou corpos em interação. Mais uma vez, nos referimos às forças que citamos no item (1a): a força gravitacional age ao longo da linha reta que une duas partículas, ou o centro de massa de dois corpos extensos. Para as forças de contato, basta lembrar das trajetórias seguidas por duas bolas de bilhar que se chocam. (c) Para muitas das forças com as quais lidamos, e que agirão sobre corpos de massas fixas, a interação entre elas depende apenas da separação entre os corpos. Novamente, o exemplo escolhido para ilustrar este fato é a força gravitacional. Apesar de a Mecânica Newtoniana descrever corretamente muitos fenô- menos para conjuntos de pontos materiais em interação, como a Mecânica dos corpos rígidos, dos corpos elásticos e a hidrodinâmica, ela deixa de fora uma classe de fenômenos importantíssimos, os fenômenos eletromag- néticos, e falha em descrever boa parte deles. A Mecânica Newtoniana descreve bem os movimentos decorrentes da in- teração entre partículas eletricamente carregadas, que são forças de natu- reza eletrostática, e muitos movimentos decorrentes de interações elétricas dinâmicas, como é o caso das forças de van der Waals, também são corre- tamente descritos pela Mecânica Newtoniana. 1.3 Relatividade Newtoniana 21 No entanto, a Mecânica Newtoniana não consegue descrever, por seus princípios, as forças de Lorentz, que são as forças que aparecem quando uma partícula carregada move-se através de um campo elétrico e/ou um campo magnético. A força de Lorentz, que para uma partícula de carga q tem a forma ~F = q( ~E + ~v × ~B), é um caso que a terceira lei de Newton falha em descrever, pois a força resultante da interação da carga elétrica não atua em uma linha reta unindo a carga e a fonte do campo eletromagnético - lembre-se que o produto vetorial será perpendicular ao plano definido pelos vetores ~v e ~B. De uma perspectiva histórica, isso não é muito surpreendente pois, na melhor das hipóteses, os fenômenos eletromagnéticos eram praticamente desconhecidos à época de Newton; no entanto, é fato que a Mecânica Newtoniana é incapaz de descrever determinados fenômenos elétricos e/ou magnéticos, em que a terceira lei de Newton passa a não ser completamente aplicável. O assunto da eletrodinâmica será retomado em um capítulo posterior deste texto. 2. Embora observadores em diferentes referenciais inerciais possam registrar diferentes velocidades para a mesma partícula, e portanto momenta li- neares e energias cinéticas diferentes, eles concordarão se o momentum linear será conservado ou não numa colisão, que a energia mecânica será ou não conservada, e assim por diante. Uma bola de tênis, na quadra de um transatlântico em movimento, terá uma velocidade diferente para um passageiro do que para um observador em terra firme que a observe. Se você passar de carro em frente ao Bar do Sinuca e observar 4 um jogo de bilhar, tanto você como um jogador dentro do bar, em repouso em relação às bolas, concordarão que o momentum linear e a energia mecânica das bolas de bilhar se conservam, ainda que cada um de vocês diga que as velocidades individuais das bolas são diferentes. No entanto, quaisquer que sejam os valores do momento ou da energia mecânica da partícula ou do sistema, quando um observador chegar à conclusão (pelos meios corretos...) que estas grandezas não mudam numa interação, outro observador deverá concluir a mesma coisa. Embora os números atribuídos a tais coisas, como velocidade, momento e energia ci- nética possam ser diferentes para diferentes observadores inerciais, as leis da Mecânica (por exemplo, as leis de Newton e os princípios de conserva- ção) serão as mesmas em todos os referenciais inerciais. 4Note que aqui a palavra “observar” não tem o simples significado de “olhar”, mas sim de “efetuar medidas”! 22 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial Exemplo 3 Uma partícula de massam1 = 3 kg, se movendo com uma velocidade inicial u1 = +4 m/s ao longo do eixo x de um certo referencial, aproxima-se de uma segunda partícula de massa m2 = 1 kg, que se movimenta com velocidade inicial u2 = −3 m/s, ao longo do mesmo eixo. Depois de uma colisão frontal, encontra-se que, neste referencial, m2 tem velocidade final U2 = +3 m/s ao longo do eixo x, e que a partícula 1 tem velocidade final igual a U1. (a) Calcule a velocidade final U1 da partícula de massa m1, após a colisão. Solução Para este problema, usaremos o princípio da conservação do momentum linear do sistema formado pelas duas partículas. Antes da colisão, o momentum linear total do sistema das duas partículas é Pi = m1u1 +m2u2 = (3 kg)(+4 m/s) + (1 kg)(−3 m/s) = 9 kg m/s Depois da colisão, o momentum linear total do sistema é Pf = m1U1 +m2U2 = (3 kg)(U1) + (1 kg)(+3 m/s) Usando a conservação do momentum linear total do sistema, Pi = Pf , resolve-se para encontrar U2 = +2 m/s. (b) Discuta como a colisão ocorreria para um observador em um segundo referencial com velocidade v = +2 m/s ao longo do eixo x, relativa ao primeiro. Para este observador, o momentum linear total das duas partículas também se conservará? Solução Para saber se o momentum linear total do sistema se conserva no novo referencial, temos que saber as velocidades das duas partículas nesle, tanto antes como depois da colisão. Isto nos 1.3 Relatividade Newtoniana 23 permitirá calcular o momentum linear total do sistema formado pelas duas partículas antes e depois da colisão neste novo refe- rencial; se os momenta antes e depois da colisão forem iguais, é sinal de que, para o observador no novo referencial, o momen- tum linear também se conservará. No nosso problema, temos dois referenciais. Como vamos cal- cular as velocidades das partículas no novo referencial, é ele que consideraremos parado, e chamaremos o novo referencial de S. Agora consideraremos que é o referencial anterior, no qual determinamos que o momentum linear se conserva, que se moverá em relação ao referencial S, e chameremos o referencial anterior de S′. Desde o referencial S, veremos o referencial S′ se mover com velocidade v = −2 m/s. Como sabemos as velocidades dos ob- jetos no referencial S′, o que queremos agora é descobrir as velocidades dos objetos no referencialS, para podermos cal- cular o momentum linear no referencial S antes e depois da colisão. Podemos usar o mesmo método do exemplo anterior: tomando a transformação Galileana de velocidades 1.3a para, por exemplo, o objeto 1: u′1x = u1x − v, (1.17) e isolando u1x, obtemos u1x = u ′ 1x + v. (1.18) Assim, as quatro velocidades, conforme medidas pelo observa- dor em S, podem ser calculadas com equações semelhantes. Obtemos então: u1 =u ′ 1 + v = +4 m/s− 2 m/s = +2 m/s u2 =u ′ 2 + v = −3 m/s− 2 m/s = −5 m/s U1 =U ′ 1 + v = +2 m/s− 2 m/s = 0 m/s U2 =U ′ 2 + v = +3 m/s− 2 m/s = +1 m/s O momentum linear do sistema no referencial S, antes e depois da colisão, é Pf =m1u1 +m2u2 = +1 kg m/s Pf =m1U1 +m2U2 = +1 kg m/s, de modo que para o observador em S o momentum linear to- tal do sistema também se conserva, ainda que as velocidades 24 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial (e momenta) individuais de cada uma das partículas, tanto an- tes como depois da colisão, sejam diferentes das medidas pelo observador em S′. Uma importante consequência da discussão acima é que nenhum experi- mento mecânico, realizado inteiramente em um referencial inercial, pode dizer ao observador qual é o movimento daquele referencial em relação a qualquer outro referencial inercial. Um jogador de bilhar em um vagão fechado de um trem que se mova uniformemente ao longo de um trilho reto, não pode dizer, simplesmente observando o comportamento das bolas, qual é o movimento do trem em relação ao solo. Um jogador de tênis, em uma quadra contida em um transatlântico que se mova com velocidade uniforme (em relação a um mar calmo e sem ondulações) não pode dizer em alto mar, apenas pelo seu jogo, se o transatlântico se move ou não em relação à água. Isto quer dizer que, quer o referencial em que os jogadores se encontrem este- jam em movimento em relação ao solo ou à água, quer ele esteja em repouso em relação ao solo ou à água, resultados de medidas de conservação do momentum linear serão idênticos para os dois. Certamente, podemos dizer qual é a velo- cidade relativa entre dois referenciais, se compararmos medidas de velocidades feitas nos dois referenciais. No entanto, não conseguiremos deduzir a velocidade relativa entre os dois referenciais somente a partir de observações confinadas a apenas um dois referenciais. Além do mais, não há nenhum meio para determinar a velocidade absoluta de um referencial inercial por meio das nossas experiências mecânicas. Nenhum referencial inercial é privilegiado em relação a qualquer outro, pois as leis da Mecânica Newtoniana são iguais em todos eles. Portanto, na Mecânica Newto- niana não há sistema absoluto em repouso, fisicamente definível. Dizemos que todos os referenciais inerciais são equivalentes, no que diz respeito a Mecânica. Uma pessoa viajando de trem não pode dizer, de modo absoluto, se só ele se move, ou se só a Terra se move em relação a ele, ou se alguma combinação deestes dois movimentos está incluída. Com efeito, você diria que está em repouso na Terra, que você se move com uma velocidade de 30 km/s (a velocidade da Terra em sua órbita em torno do Sol), ou que a sua velocidade é ainda maior (por exemplo, a velocidade do Sol em sua órbita em torno do centro da Via Láctea)? Na realidade, nenhuma experiência mecânica pode ser efetuada, por meio da qual se possa detectar uma velocidade absoluta no vácuo. Este resultado, segundo o qual podemos falar somente da velocidade relativa de um sistema em relação a outro, e não de uma velocidade absoluta de um sistema, é, às vezes, chamado de Relatividade Newtoniana. Em geral, leis de transformações mudarão muitas grandezas físicas, mas dei- xarão algumas outras inalteradas. Estas quantidades inalteradas são chamadas 1.4 Eletromagnetismo e Relatividade Newtoniana 25 invariantes da transformação. Por exemplo, nas leis de transformação Galile- ana para a relação entre observações feitas em diferentes sistemas inerciais de referência, a aceleração é uma grandeza invariante (ou, mais simplesmente, um invariante) e - mais importante - as leis de Newton de movimento também são: sua forma matemática permanece inalterada por uma transformação Galileana. Uma afirmação de quais são as grandezas físicas invariantes é chamada de prin- cípio de relatividade; diz-se que para tais grandezas, os sistemas de referência são equivalentes entre si, nenhum deles tendo uma situação absoluta ou privi- legiada em relação aos outros. Newton expressou seu princípio de relatividade como segue: “Os movimentos dos corpos contidos em um espaço dado são os mes- mos entre si, se este espaço estiver em repouso ou mover-se unifor- memente (com velocidade constante) em linha reta.” 1.4 Eletromagnetismo e Relatividade Newtoni- ana Um dos grandes triunfos do trabalho de James Clerk Maxwell foi demonstrar que os fenômenos elétricos e magnéticos são indissociáveis uns dos outros. Em particular, Maxwell demonstrou que a luz é uma onda que se propaga pelo es- paço, possuindo tanto um vetor campo elétrico como um vetor campo magnético associados a ela. Mais ainda, com seu trabalho, Maxwell conseguiu prever cor- retamente a velocidade da luz no vácuo, sendo c = 1/√ε0µ0 = 2,998× 108 m/s, onde ε0 e µ0 são, respectivamente, a permissividade elétrica e a permeabilidade magnética do vácuo. Como muitos resultados marcantes em Física, a determinação teórica da velocidade da luz gerou novas e importantes perguntas. Em particular, as per- guntas que ocuparam as mentes mais brilhantes da Física que vieram depois de Maxwell foram: qual a natureza das ondas eletromagnéticas? Precisariam de um meio para se propagar? Se sim, qual seria? E, a respeito da velocidade da luz, esta velocidade é medida em relação a qual referencial? O trabalho de Maxwell, apesar de ser um passo gigantesco para a ciência, não dizia em relação a qual referencial se especificava a velocidade da luz, nem ia a fundo na natureza das ondas eletromagnéticas. É interessante analisar as questões que se impunham à época, para compre- ender um pouco como avança a ciência. As perguntas que ocuparam as mentes de tantos e brilhantes cientistas, como Michelson, Morley e Lorentz, vinham do fato de que, à época, o único tipo de ondas que se conhecia eram as ondas mecânicas, como o som, e que precisavam de um meio material para se propa- gar. A tendência inicial de todo cientista é, ao deparar-se com um fenômeno novo, tentar acomodar novos fenômenos em um contexto conhecido. Portanto, imaginou-se, inicialmente, que as ondas eletromagnéticas se propagavam através de um meio que foi chamado de “éter”. De algum modo, os cientistas tinham uma postura semelhante à dos gregos, para os quais o vácuo absoluto era algo 26 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial inconcebível. Admitiu-se tacitamente, portanto, que as ondas eletromagnéticas também necessitariam de um meio para se propagar, o éter luminífero. A necessidade de um éter luminífero se explica, em parte, às descobertas de Faraday das linhas de campo elétrico e magnético, que estavam associadas à necessidade da existência de uma carga elétrica que os gerasse. As linhas de campo elétrico estavam associadas à existência de cargas elétricas, e as de campo magnético, ao movimento destas mesmas cargas. O problema é que a existência das cargas elétricas estava associada à existência de matéria, e sem a matéria, se as ondas eletromagnéticas de Maxwell se propagassem pelo vácuo absoluto, elas estariam associadas a cargas sem matéria associada - um absurdo. Além disso, segundo os conhecimentos da época, sendo a luz uma onda, havia a necessidade de um meio que sustentasse o movimento destas ondas. Seria o movimento das cargas do éter que proporcionaria a existência cas cargas que gerariam os campos eletromagnéticos da luz. Nas equações de Maxwell, a velocidade da luz é prevista semnenhuma men- ção a que referencial é usado para medi-la. Portanto, se realmente existisse esta substância, o éter, e as ondas eletromagnéticas de Maxwell realmente se propagassem por este meio com uma única velocidade, então o referencial do éter proporcionaria um referencial absoluto, em relação ao qual todas as outras velocidade seriam medidas. Porém, será que as leis da Mecânica Clássica se aplicam ao eletromagne- tismo? Já vimos, na Seção 1.3, que a Mecânica Clássica não é completamente capaz de descrever forças como a força de Lorentz; a terceira lei de Newton não se aplica à força de Lorentz. Se as leis da Física, além das leis da Mecânica, (tais como as leis de eletromagnetismo) forem invariáveis com respeito a uma transformação galileana, então o principio da Relatividade (Newtoniana) valeria não somente para a Mecânica, mas também, para toda a Física. Dados os conhecimentos científicos da época, o éter era um “bicho estranho”, um problema complicadíssimo. O éter deveria ser um fluido, de modo a preen- cher todo o espaço, mas ao mesmo tempo deveria ser um fluido milhões de vezes mais rígido que o aço, a fim de suportar vibrações tão rápidas quanto as das ondas eletromagnéticas. No entanto, não poderia ter massa, e sua viscosidade teria que ser zero, a fim de que não perturbasse o movimento dos planetas, pois tudo apontava para o fato de que o movimento dos planetas de dava na ausência de atrito de qualquer tipo. Além disso, teria que ser completamente transpa- rente, incompressível, não poderia causar dispersão nas ondas eletromagnéticas, e se fosse formado de partículas, estas teriam que ser muito menores que um comprimento de onda da luz. Os cientistas estavam bastante a par de todos estes problemas, mas no início do século XIX, a teoria do éter estava tão embutida no pensamento da época, que simplesmente se concordava que o éter era uma realidade. Mentes brilhantes deram seminários na Royal Institution de Londres, tentando dar razões pelas quais o éter poderia ter todas estas propriedades evidentemente incompatíveis entre si. O problema é que a não-existência do éter colocaria em xeque todos os conceitos da Mecânica Newtoniana; desta forma, tentava-se (desesperadamente, na opinião deste autor) encontrar a solução que não exigiria a mudança con- 1.4 Eletromagnetismo e Relatividade Newtoniana 27 ceitual radical que a teoria da relatividade de Einstein imporia ao pensamento ocidental e à compreensão da Física. Para ver imediatamente que o eletromagnetismo de Maxwell é incompatível com a Mecânica Newtoniana, basta aplicarmos a mecânica Newtoniana a uma situação envolvendo o eletromagnetismo. Segundo Maxwell, todo o eletromag- netismo poderia ser resumido em quatro equações, que você provavelmente já viu em seu curso de Física III: z ~E · d ~A = q ε0 ,z ~B · d ~A = 0,z ~E · d~` = −dφB dt , (1.19) z ~B · d~` = µ0i+ µ0ε0 dφE dt , onde 1/4piε0 = 9× 109 e µ0 = 4pi × 10−7. ε0 e µ0 são a permissividade elétrica e a permeabilidade magnética, respectivamente, do vácuo, q é a carga elétrica, i é a corrente elétrica, e φB e φE são fluxos de campo magnético e elétrico, respectivamente. Nas equações 1.19 está implícita a equação de continuidade para a carga q e para a densidade de corrente, ~: z ~ · d ~A = −dq dt , (1.20) que expressa que toda a carga que entra e sai de uma superfície deve ter sempre o mesmo valor, senão ou o sistema em consideração está sendo carregado, ou descarregado. As equações de Maxwell tiveram um êxito formidável na explica- ção dos fenômenos elétricos e magnéticos já conhecidos, além de possibilitarem a previsão de outros novos fenômenos. A partir delas, foi possível verificar que os fenômenos ópticos são fenômenos eletromagnéticos e, assim, unificar a óptica e o eletromagnetismo em uma mesma teoria. Consideremos o seguinte problema, então. Suponhamos que temos duas cargas, q1 e q2, de mesmo sinal, em repouso em um dado referencial inercial, que chamaremos de R. Um observador neste referencial dirá que há apenas uma força eletrostática repulsiva ~Fel atuando entre as cargas. A situação é mostrada na Figura 1.4 (a). Consideremos agora as duas mesmas cargas, em repouso no referencial R, mas vistas por um outro observador em um referencial R′, também inercial, que se mova com velocidade vx relativa ao referencial R, conforme mostrado na Figura 1.4 (b). Este outro observador também verá uma força eletrostática repulsiva ~F ′el atuando entre as duas cargas. No entanto, como as duas cargas se movem em relação a ele, ele dirá que, além da força eletrostática ~F ′el, existe uma força magnética ~F ′mag atuando entre as cargas. Isto acontece porque as duas cargas se movem em relação a ele, ambas com velocidade −vx. Como cargas em movimento constituem uma corrente elétrica, para o observador em R′ haverá 28 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial Figura 1.4: Um observador em repouso em (a) um referencial R e outro em repouso em (b) um referencial R′, em movimento um em relação ao outro, analisam as forças exercidas mutuamente por duas cargas elétricas, q1 e q2. uma força magnética atrativa entre as duas, mas em sentido oposto ao da força eletrostática. Assim, a força resultante sobre uma das cargas, conforme vista pelo obser- vador em R, será ~Ftot = ~Fel, (1.21) enquanto a força resultante sobre a mesma carga, vista pelo observador no referencial R′, será ~F ′tot = ~F ′ el + ~F ′ mag. (1.22) De acordo com a Mecânica Newtoniana, como os dois referenciais são inerciais, a força resultante tem que ser a mesma nos dois referenciais, de modo que ~Ftot = ~F ′ tot ∴ ~Fel = ~F ′el + ~F ′mag. (1.23) Note, porém, que o vetor ~F ′mag tem sentido oposto ao sentido de ~F ′el. Então, para que a Eq. (1.23) seja verdadeira, deveremos ter ~Fel < ~F ′ el. (1.24) Digamos que queremos saber a força eletrostática sobre a carga q2. O ob- servador no referencial R, onde elas se encontram em repouso, dirá que a força eletrostática atuando sobre q2 será ~Fel = q2 ~E1, (Força que q1 exerce sobre q2, vista no referencial R) (1.25) 1.4 Eletromagnetismo e Relatividade Newtoniana 29 onde E1 é o campo elétrico devido à presença da carga q1. Por sua vez, o observador no referencial R′, que se move em relação a R, dirá que a força eletrostática atuando sobre q2 será ~F ′el = q2 ~E ′ 1, (Força que q1 exerce sobre q2, vista no referencial R′). (1.26) Usando as equações (1.24), (1.25) e (1.26), obtemos então que q2 ~E 6= q2 ~E′ ∴ ~E < ~E′. (1.27) Até aqui, tudo bem; no entanto, aplicando a primeira das equações (1.19), a lei de Gauss, à Eq. (1.27, e como q2 tem o mesmo valor tanto no referencial R como no referencial R′ (ou seja, a carga elétrica é invariante em relação à transformação entre referenciais), deveremos ter z ~E · d ~A 6= z ~E′ · d ~A ∴ q2 ε0 6= q2 ε0 . (1.28) O fato de termos obtido um resultado logicamente inconsistente nos mostra que a lei de Gauss não é compatível com as transformações galileanas. Portanto, o eletromagnetismo de Mawell é incompatível com a Mecânica Newtoniana, pois nem todas as equações de Maxwell são compatíveis com as transformações galileanas. No entanto, se decidirmos que as transformações galileanas valem mesmo para a luz, então ela terá que depender da velocidade do referencial em que a estivermos medindo, ainda que esta variação tenha que ser ínfima. Desta forma, haverá um - e apenas um - sistema onde a velocidade da luz seja aquela predita pelas equações de Maxwell, que será um referencial em repouso. Este referencial seria, portanto, o referencial do éter. Descobrindo variações, ainda que infinitesimais, na velocidade da luz, pode- ríamos provar a hipótese de Newton, de que o espaço é absoluto. Finalmente, teríamos um meio físico de identificar um sistema em repouso de determinar, por meio de experimentos, qual é a velocidaderelativa daquele sistema em re- lação ao sistema absoluto. Por outro lado, outro problema se apresentaria: a modificação do eletromagnetismo para que levasse em conta a velocidade do sistema. A incompatibilidade da Mecânica Newtoniana com o eletromagnetismo se manifestava também em outro aspecto, que foi o aspecto fundamental para que Einstein formulasse sua teoria da relatividade restrita. Se considerarmos alguns fenômenos eletromagnéticos tais como a lei de Lenz, as explicações da- das a ela, tais como vemos nos livros de Física III para o mesmo fenômeno, visto de diferentes referenciais inerciais, é diferente - e isto incomodava Einstein profundamente. Consideremos uma espira que se move com velocidade ~u para sair de uma região em que há um campo magnético, ~B, como mostrado na Figura 1.5. Para um observador em repouso em relação ao ímã que cria o campo magnético ~B, a força que atua sobre os elétrons da espira é a força de Lorentz, que já mencionamos anteriormente (e que parece ser incompatível com a 3a lei de 30 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial Newton). Do ponto de vista deste observador, então, a força eletromotriz que faz com que surja a corrente elétrica na espira seria de origem puramente magnética, dada por u ~B × d~`. Figura 1.5: (a) Uma espira se move com velocidade ~v constante, medida em um dado referencial, para fora da região onde existe um campo magnético ~B,perpendicular ao plano da espira. Este campo pode ser criado, por exem- plo, por um eletroímã. (b) Em um referencial onde a espira esteja em repouso, são o eletroímã e o campo magnético que se movem. No entanto, devido ao princípio da relatividade Newtoniana, poderíamos muito bem estar no referencial em movimento junto com a espira, mas então diríamos que ela está em repouso. Neste caso, como a velocidade da espira é zero, não há força de Lorentz agindo sobre os elétrons. No entanto, continuaremos a observar uma corrente na espira, e a explicação dada para a existência desta corrente é completamente diferente da explicação dada a partir da força de Lorentz. Para esta caso, é como se o ímã que gera o campo se movesse, e portanto há uma variação no fluxo de campo magnético (o número de linhas de campo por área através da espira) com o tempo. Este fluxo, por sua vez, gera um campo elétrico que faz com que os elétrons dentro da espira se movam, criando assim a corrente. Este caso é previsto, de fato, pela terceira das equações de Maxwell (1.19). Se, em um referencial inercial, movermos uma espira para fora de uma região de campo magnético, ou movermos o ímã para longe da espira, mede-se a mesma corrente. Se aceitarmos a relatividade Galileana, ela nos diz que não há como diferenciar os casos em que o ímã se move, ou que a espira se move. Então, não parece aceitável que existam duas explicações completamente diferentes para um fenômeno que deveria ser o mesmo. Pior: não temos como justificar a preferência da lei de Lenz ou pela lei de Lorentz para explicar o fenômeno. Caímos, portanto, em outro impasse lógico. Einstein, em seu artigo de 1905, apresentava como motivação esta assimetria nas explicações de um mesmo fenômeno físico, que não seriam compatíveis com a crença na validade da relatividade Newtoniana. Os físicos, ao final do século XIX, no entanto, pareciam não estar muito preocupados com esta assimetria; a 1.5 Tentativas para localizar o sistema absoluto - o experimento de Michelson e Morley 31 preocupação era saber se o éter existia ou não, com todas as implicações que isto traria. Supor que o princípio da relatividade Galileana é aplicável às leis de Newton da Mecânica, mas não às leis de Maxwell do Eletromagnetismo, exige de nós a escolha das consequências corretas dentre as seguintes possibilidades: 1. Um princípio de relatividade existe para Mecânica, mas não para a Ele- trodinâmica; em Eletrodinâmica existe um sistema inercial preferencial, isto é, o sistema do éter. Fosse esta alternativa correta, as transformações galileanas seriam aplicáveis, e seríamos capazes de localizar experimental- mente o sistema do éter. 2. Um princípio de relatividade existe tanto para a Mecânica como para a Eletrodinâmica, mas as leis da Eletrodinâmica, como dadas por Maxwell, não são corretas. Se esta alternativa fosse correta, deveríamos ser capazes de executar experiências que mostrassem desvios da Eletrodinâmica de Maxwell e reformular as Equações 1.19. As transformações galileanas seriam, após esta reformulação, aplicáveis também ao Eletromagnetismo. 3. Um princípio da relatividade existe tanto para a Mecânica como para a Eletrodinâmica, porém as leis da Mecânica dadas por Newton não são completamente corretas. Se esta for a possibilidade escolhida, seríamos capazes de executar experimentos que mostrassem os desvios da Mecâ- nica Newtoniana e reformular as leis da Mecânica. Neste caso, as leis de transformação não seriam as de Galileu (pois elas são inconsistentes com a invariância das equações de Maxwell), mas sim, outras que sejam consistentes com o Eletromagnetismo clássico e a nova Mecânica. Por tudo o que já foi dito anteriormente, principalmente que a Mecânica Newtoniana falha a altas velocidades, creio que você não ficará surpreso ao saber que a alternativa 3, que leva à Relatividade de Einstein, é a correta. Nas seções seguintes, veremos as bases experimentais para confirmar que não existe um éter, a fim de rejeitar as alternativas 1 e 2, que se baseiam nesta existência. Como resultado, encontraremos um novo princípio de relatividade, e as leis de transformação resultantes das hipóteses da alternativa 3. 1.5 Tentativas para localizar o sistema absoluto - o experimento de Michelson e Morley Se o éter está em repouso em relação ao espaço absoluto, é claro que pela física clássica, por uma aplicação das transformações de Galileu, ao medirmos a velo- cidade da luz em um laboratório na Terra, poderemos ter diferentes resultados. Por exemplo, se lançarmos um feixe luminoso no sentido do movimento terrestre, teríamos a velocidade da luz dada por v+ c, enquanto que no sentido oposto ao do movimento terrestre, teríamos v−c. A experiência óbvia seria aquela na qual pudéssemos medir a velocidade da luz em uma variedade de sistemas inerciais, notando se a velocidade medida é diferente nos diferentes sistemas. Em caso 32 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial positivo, deveremos procurar evidências de que haja apenas um sistema onde a velocidade da luz seja c = 1/√�0µ0, conforme previsto pela teoria de Maxwell. Este sistema será, então, o referencial do éter. Em 1881, A. A. Michelson e em 1887, A. A. Michelson e E. W. Morley realizaram tal experimento, usando interferência entre feixes de luz. 1.5.1 O “vento do éter” e o movimento através dele Se o éter existisse, a Terra em rotação e revolução mover-se-ia através dele. Um observador na Terra sentiria um “vento de éter”, cuja velocidade é ~v com relação à Terra. Para entender este “vento”, imagine que, em um dia absolutamente sem vento (como os do verão de 2014...), você coloca uma folha de papel contra seu peito quando está parado: a folha cairá. Mas, se colocar a folha de papel e começar a se movimentar, por exemplo, sobre uma bicicleta, a folha ficará presa ao seu peito. A ideia é a mesma para o “vento de éter”: uma vez que eo éter seria um meio material em repouso absoluto, qualquer movimento da Terra em relação a ele causaria um “vento”. Na verdade, então, esse “vento” seria uma resistência que o éter causaria à luz devido ao movimento da Terra. Suponhamos que você se encontra sobre um skate, e que se move com velo- cidade ~v em relação ao solo. Se você atirasse uma bolinha no mesmo sentido do movimento do skate, a bolinha teria velocidade em relação a você, menor que se o skate estivesse parado. Por outro lado, se você jogasse a bolinha no sentido oposto ao do movimento do skate,a bolinha teria com uma velocidade maior que a velocidade que teria, se o skate estivesse parado. No entanto, isso acon- teceria por causa do “vento”. Se você não soubesse que o skate se movimenta, você diria que um vento estaria soprando. A ideia do experimento de Michelson e Morley era medir a velocidade do “vento” do éter medindo não a velocidade de uma bolinha, mas sim, a de um feixe de luz. 1.5.2 O experimento de Michelson e Morley Lembremos que uma das maneiras de se descobrir a velocidade da Terra em rela- ção ao éter, e desta maneira, comprovar se a Mecânica Newtoniana está correta, seria fazermos medidas ópticas da velocidade da luz, c, com diferentes orienta- ções em relação ao “vento do éter”, e verificar pequenos desvios da velocidade da luz com relação ao previsto pela teoria do Eletromagnetismo de Maxwell. Se al- gum desvio fosse detectado, então haveria um referencial absoluto, o “referencial do éter”, e a teoria de Maxwell deveria ser reformulada. No experimento de Michelson e Morley mostrado esquematicamente na Fi- gura 1.6, um feixe de luz (ondas planas ou raios paralelos) de uma fonte S no laboratório (fixa em relação ao instrumento) é dividida por um espelho M , par- cialmente prateado, em dois feixes coerentes, o feixe 1 sendo transmitido através de M e o feixe 2 sendo refletido de M . O feixe 1 é refletido de volta para M por outro espelho, M1, e o feixe 2, pelo espelho M2. Então o feixe 1, ao retornar de M1, é parcialmente refletido por M , e o feixe 2, ao retornar, é parcialmente transmitido de volta por M para um telescópio em T . Haverá uma diferença de 1.5 Tentativas para localizar o sistema absoluto - o experimento de Michelson e Morley 33 tempos de chegada dos feixes de luz que fazem os trajetosM ↔M1 eM ↔M2. Uma possibilidade, então, é medir esta diferença de tempos de chegada, para poder inferir a velocidade relativa entre os referenciais da Terra e do éter. Figura 1.6: O experimento de Michelson e Morley. Um feixe de luz proveniente de uma fonte incide sobre um espelho semi-transparente M , e se divide em dois feixes. Estes dois feixes percorrem trajetos de ida e volta entre o espelho M e outros dois espelhos, M1 e M2. Na volta, os dois feixes se juntam novamente no espelho M e são direcionados para um telescópio. Devido a uma diferença de comprimento dos tempos de trajeto de ida e volta, observa-se um padrão de interferência entre eles. Na figura, cada um dos feixes divididos emM é colocado deslocado no trajeto de ida e volta por questão de clareza. A velocidade de translação da Terra no espaço é denotada por ~v. Do ponto de vista de um observador fixo no referencial do éter, o experi- mento se move no éter. Você pode “passar ao referencial do éter” imaginando que está em uma cápsula espacial, em repouso, longe da superfície terrestre, olhando o experimento com uma luneta superpotente. Para tempos de ob- servação suficientemente curtos, a Terra parecerá se mover em linha reta com velocidade constante, com excelente aproximação, de modo que ela será, para todos os efeitos, um referencial inercial. Assim, toda a Mecânica Newtoniana e as transformações de Galileu poderão ser usadas, sem problemas. O ponto importante para a compreensão desta análise é que, no referencial do éter, a luz se move com velocidade constante, igual a c, em contraste com o que se supôs para a análise do experimento usando as transformações de Galileu, onde 34 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial Figura 1.7: Um padrão de interferência típico de um interferômetro de Michelson e Morley. a luz teria sua velocidade alterada por causa do vento do éter. Vamos calcular a diferença de tempos de chegada entre o feixe que se move paralelamente à Terra, que chamaremos de feixe 1, e o que se move perpendicularmente a ela, que chamaremos de feixe 2. Em nossos cálculos, trabalharemos no referencial do éter. 1.5.3 Tempo de percurso do feixe 1 (paralelo ao movi- mento da Terra) Analisemos, inicialmente, o movimento do feixe na direção paralela ao movi- mento terrestre. Esta direção seria a direção em que Michelson e Morley diriam que sopra o “vento de éter”. Nesta direção, vamos analisar o movimento da luz a partir do momento em que ela atinge o espelho M , calculando o tempo total de percurso para o trajeto de ida e volta entre os espelhos M ↔M1. A luz, no referencial do éter, se move com velocidade c. A partir do momento em que ela parte do espelho semi-prateado M , o aparato inteiro se move com velocidade v, a velocidade de translação da Terra, e portanto, o feixe de luz tem que percorrer uma distância maior que L para chegar ao espelho M1. Se a distância entre M e M1, no referencial da Terra, é L, então no referencial do éter o deslocamento total do feixe de luz entre M e M1 é maior que L: ∆x (ida) 1 = L+ ∆L. (1.29) Como este trajeto é feito em um tempo ∆t(ida)1 e a Terra se move com velocidade vx, ∆L é dado por ∆L = vx∆t (ida) 1 (1.30) e portanto ∆x (ida) 1 = L+ vx∆t (ida) 1 . (1.31) 1.5 Tentativas para localizar o sistema absoluto - o experimento de Michelson e Morley 35 Por outro lado, o deslocamento da luz entre M e M1 pode ser escrito como ∆x (ida) 1 = c∆t (ida) 1 , (1.32) de modo que c∆t (ida) 1 = L+ vx∆t (ida) 1 , (1.33) e encontramos que o tempo que a luz leva para percorrer o trajeto entre M e M1, na ida, é ∆t (ida) 1 = L c− vx . (1.34) Na volta, como o apareto continua se movendo, a luz se deslocará por menos que L. De modo semelhante ao que fizemos para o trajeto de ida, o deslocamento ∆x (volta) 1 é dado por ∆x (volta) 1 = −L+ vx∆t(volta)1 (1.35) e sabendo que ∆x(volta)1 = −c∆t(volta)1 , obtemos ∆t (volta) 1 = L c+ vx . (1.36) O tempo total de percurso M →M1 →M é, finalmente, ∆t1 = ∆t (ida) 1 + ∆t (volta) 1 = 2L c ( 1 1− v2xc2 ) . (1.37) 1.5.4 Tempo de percurso do feixe 2 (perpendicular ao mo- vimento da Terra) Para o cálculo do tempo de trajeto na perpendicular à direção de movimento da Terra, temos que pensar um pouquinho. No laboratório, o observador vai ver o feixe batendo no espelhoM , chegando ao espelhoM2 e batendo nele, para em seguida voltar e bater de novo no espelho M . Entretanto, você, que está no referencial do éter, e que não está se movendo junto com a Terra, deverá ver a mesma coisa: a luz bate no espelho M , depois bate no espelho M2, volta e bate em M novamente. No entanto, o aparato terá se deslocado, logo após bater no espelho M . Isto quer dizer que você verá a luz se mover na diagonal, para que ela consiga bater no espelho M2, pois o espelho M2 terá se movido na horizontal. Como a luz se move com velocidade constante c, então, até que ela atinja o espelho M2, ela percorrerá uma distância, na diagonal, igual a D1 = c∆t (ida) 2 (ou seja, até atingir o espelhoM2) na ida, e D2 = c∆t (volta) 2 (ou seja, até atingir o espelhoM novamente) na volta. Não sabemos quanto vale esta distância, mas podemos esquematizar a situação como na Figura 1.8 e notar que, no intervalo de tempo ∆t(ida)2 , o aparato terá percorrido uma distância horizontal ∆x (ida) 2 = v∆t (ida) 2 (1.38) 36 A Base Experimental da Teoria da Relatividade Especial Figura 1.8: O trajeto do feixe 2 conforme visto por um observador no referencial do éter. e que no intervalo do tempo do trajeto de volta entre M2 e M , o aparato terá se deslocado, na horizontal, de ∆x (volta) 2 = v∆t (volta) 2 . (1.39) Da figura, notamos que, no momento em que a luz bate no espelhoM2, o aparato percorreu metade da distância de percurso necessária para que a luz volte ao espelho M , de modo que ∆t (ida) 2 = ∆t (volta) 2 = ∆t2 2 , (1.40) e assim a luz volte ao espelho M , de modo que ∆x (ida) 2 = ∆x (volta) 2 = ∆x2 2 . (1.41) Estamos quase conseguindo determinar qual o tempo de percurso do
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