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PENHORA ON-LINE: UMA PROPOSTA DE CONCRETIZAÇÃO DA JURISDIÇÃO EXECUTIVA Elaine Harzheim Macedo Doutora em Direito, Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da ULBRA- Canoas, Professora da AJURIS - Escola Superior da Magistratura e da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. SUMÁRIO 1. Notas introdutórias. 2. Penhora de dinheiro. 3. Penhora on line. 4. Cogência x facultatividade do procedimento. 5. Quebra do sigilo bancário. 6. Penhora on line e competência processual. 7. Penhora on line e princípios fundamentais do processo de execução. 8. Penhora de dinheiro pelos meios eletrônicos e as garantias constitucionais do acesso à justiça e da duração razoável do processo. 9. Considerações finais. Referências bibliográficas. 1. Notas introdutórias A execução de crédito de quantia certa contra devedor solvente – e bem assim daquelas que na origem traduziam obrigações de fazer ou de entrega de coisa, mas que resultavam convertidas em obrigação de pagar – sempre representou o calcanhar de Aquiles na efetividade da prestação jurisdicional, irrelevante se o título executivo tivesse origem em sentença condenatória ou nos títulos extrajudiciais, concebidos por fonte legislativa. O devido processo legal para buscar de forma legítima no patrimônio do devedor bens passíveis de constrição judicial ao efeito de satisfação da dívida à qual o devedor 1 se mostra renitente em atender nunca foi tarefa fácil, e nem se pretende o alcance de sua plena superação, sem embargo das recentes Leis n°s. 11.232/05 e 11.382/06, ambos estatutos voltados à reforma do processo de execução. Mas as reformas legislativas são hoje plena realidade, e, ainda que insuficiências possam ser detectadas pelos operadores do direito, no abstrato ou no concreto, cumpre à comunidade jurídica o esforço no sentido de sua plena implementação, até porque presente o princípio da legalidade no sistema jurídico pátrio, conforme art. 5°, inc. II, da Constituição Federal. Entre as novidades trazidas pela Lei n° 11.382/06, inclusive com reflexo direto sobre o cumprimento forçado da sentença condenatória de prestação a pagar, considerando o disposto no art. 475-R, do CPC, está a regulação da penhora on line, conforme art. 655-A1, nas hipóteses do art. 655, inc. I2, cuja nova redação, mantendo o dinheiro como prioritário na ordem dos bens penhoráveis, explicita sua constrição em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira. As novas disposições vêm no alinhamento do que já se regulara no âmbito dos créditos fiscais, com a introdução do art. 185-A do Código Tributário Nacional, pela LC n° 118/05, nos seguintes termos: Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. A jurisprudência, outrossim, já vinha enfrentando a questão da penhora on line nas execuções civis, por provocação dos credores, inúmeros sendo os julgados a 1 Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução. § 1°. As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução. § 2°. Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade. § 3°. ... 2 Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II - ... 2 respeito, tanto em tribunais ordinários como no STJ, ora acolhendo, ora limitando, ora denegando a realização de penhora em dinheiro depositado junto às instituições financeiras pelo sistema eletrônico, cujas razões de decidir serão mais adiante objeto de análise pontual. Nesse sentido, o Banco Central disponibilizou aos tribunais o sistema BACEN JUD, desenvolvida nova versão em 2003 em parceria com representantes dos Tribunais Superiores e entidades de classe do Sistema Financeiro, otimizando a penhora on line e a investigação de ativos financeiros, através do Convênio de Cooperação Técnico- Institucional firmado com o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo apenas aos tribunais estaduais ou regionais aderirem ao mesmo para dele usufruir3. Através desse sistema, libera-se o acesso dos juízes, mediante prévio cadastramento, ao sistema regido pelo Banco Central, expedindo ordens judiciais pela via eletrônica, tanto no sentido de informar como tornar indisponível quaisquer depósitos em conta corrente ou em contas de aplicação existentes em nome do executado. Duas são, portanto, as alterações que merecem maior atenção do intérprete, a saber, a primeira, que diz exatamente com a ordem preferencial que a constrição judicial recaia sobre dinheiro – no que não inovou o estatuto reformador –, e sua taxação em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; a segunda, que trata da penhora on line propriamente dita. 2. Penhora de dinheiro Não há nenhuma novidade na história legislativa do processo de execução pátrio em inaugurar o rol de bens penhoráveis pelo dinheiro, já assim sendo previsto no Código de 19394, mantendo-se o preceito no Código de 1973. E nada mais lógico que assim se tenha regulamentado a previsão de bens penhoráveis e sua respectiva preferência, na medida em que se está tratando exatamente de obrigações de pagar quantia em dinheiro como objeto do título exeqüendo, ou, dizendo de outra forma, como bem da vida perquirido em juízo. 3 A exemplo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já havia aderido ao convênio, na sua forma original, em data de 31.03.01, conforme http://www.tj.rs.gov.br/serviços/bacen_jud/adesao.gif, e Ofício- Circular n° 095/2001-CGJ, datado de 25.07.01 e publicado no BIM n° 289 (Boletim Informativo Mensal da Corregedoria-Geral da Justiça-Estado do Rio Grande do Sul); contudo, a regulamentação da penhora on line só recentemente foi baixada pela Corregedoria, conforme Provimento n° 31/06-CGJ, de 16.11.06, publicado no DJ n° 3.482, fl. 02, de 23.11.06. 4 Art. 930. A penhora poderá recair em quaisquer bens do executado, na seguinte ordem: I – dinheiro, pedras e metais preciosos; II - ... 3 Irrelevante, outrossim, que a jurisprudência e significativa parcela da doutrina5, à luz do Código de 1973, sempre foram favoráveis em interpretar a ordem legal dos bens sujeitos à penhora como mera preferência, negando-lhe rigidez de cogência. Todavia, a experiência forense acusou a ausência de efetividade desta priorização legal do dinheiro como objeto de constrição judicial à satisfação do crédito certo, líquido e exigível, por razões mais de fato do que de direito. De um lado, a situação de devedordo executado já é um indicativo de que o mesmo não possui numerário disponível, ao acesso dos meios processuais de apreensão. De outro, visível a insuficiência da operacionalização de penhora de dinheiro, considerando inclusive as etapas burocráticas que se seguem à citação executiva, permitindo que o devedor solvente, mas resistente ao cumprimento da dívida, desloque eventuais depósitos em dinheiro junto às instituições financeiras, impedindo seja tal patrimônio alcançado pela constrição judicial, situação que perdurou nos mais de trinta anos de vigência do art. 655, do CPC, e que não está imune à nova lei, caso proceda-se a (tentativa de) penhora de dinheiro pelos meios tradicionais. Foi sob o manto da banalização dos sistemas e redes de informatização que se voltou a focar o dinheiro como bem penhorável, passando os tribunais a serem provocados no sentido de localização e conseqüente penhora de valores depositados em nome do executado junto aos bancos e instituições financeiras – depositários por excelência de tal patrimônio na realidade da vida econômica. Curioso que a dificuldade de executar a penhora de dinheiro, que teve como origem apenas uma dificuldade fática de cumprimento do comando legal, passou a ser assimilada pelos juízes com reserva excessiva, mostrando os tribunais uma resistência incompreensível à sua efetivação e à logicidade da satisfação da prestação de pagar pela via da constrição judicial em pecúnia, posicionando-se, contrariamente, em estimular a que o credor busque a garantia de seu crédito em outros bens penhoráveis, privilegiando os demais incisos do art. 655 do estatuto processual, ao ponto, inclusive, de exigir do credor o exaurimento na localização de outros bens e identificando a penhora de depósitos bancários como medida excepcional. A exemplo 5 Por todos, Theodoro Júnior, Humberto. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1978, n. 291, p. 377-378. 4 AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO BACEN. LOCALIZAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR. INDEFERIMENTO. Descabe a expedição de ofício ao Bacen para localização de bens do devedor neste momento, uma vez que se trata medida excepcional, que somente cabe quando esgotadas as diligências do credor, o que não resta caracterizado no caso concreto. DESPROVIMENTO. 6 PROCESSO DE EXECUÇÃO. BLOQUEIO DE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA BANCÁRIA DO DEVEDOR. UTILIZAÇÃO DO SISTEMA BACEN-JUD. FACULDADE. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO BACEN. INDEFERIMENTO. 1. A utilização do Sistema Bacen-Jud constitui mera faculdade do juiz da causa, conforme iterativa jurisprudência desta Corte. 2. A intervenção judicial postulada somente se justificaria se esgotados todos os meios extrajudiciais para se localizarem outros bens de propriedade do devedor, passíveis de expropriação, o que inocorreu no caso sub judice. Agravo de instrumento desprovido. 7 PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FACULDADE DO RELATOR. EXECUÇÃO FISCAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. SISTEMA BACEN-JUD. ESGOTAMENTO DA VIA EXTRAJUDICIAL. 1.... 2. A jurisprudência desta Corte admite a quebra do sigilo fiscal ou bancário do executado para que a Fazenda Pública obtenha informações sobre a existência de bens do devedor inadimplente, mas somente após restarem esgotadas todas as tentativas de obtenção dos dados pela via extrajudicial. 3. ... 4. Recurso especial improvido. 8 Embora até então a penhora sobre depósitos bancários e de investimentos no mercado de capitais não tivesse expressamente regulada, salvo a previsão do art. 185-A, do CTN, antes mencionada, fato é que o sistema normativo da execução de créditos em absoluto se mostrava refratário a tais providências, que nada mais é que mera decorrência da previsão legal do dinheiro como bem penhorável. 6 A.I. n° 70014729180, 12ª Câmara Cível do TJRGS, Relatora Desa. Naele Ochoa Piazzeta, julgado em 01.06.06. 7 A.I. n° 70016679326, 11ª Câmara Cível do TJRGS, Relator Des. Voltaire de Lima Moraes, julgado em 25.10.06. 8 REsp. 790.891/SC. Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 06.12.05, DJ 19.12.05, p. 390. 5 De outra banda, cuida-se também de providência que em muito suplanta a expropriação de outros bens integrantes do patrimônio do devedor, móveis ou imóveis. Apenas para registro, a constrição do dinheiro goza de uma efetividade incomparável, evitando procedimentos e incidentes processuais responsáveis pela fragilidade do processo de execução, tais como a necessidade de nomeação de depositário, inclusive com eventual pagamento de despesas pela prestação desse serviço; a avaliação e seu custo; a defasagem entre o valor da execução e o do bem penhorado (ora labutando em favor do credor e contra o exeqüente, ora em sentido oposto), ensejando redução ou ampliação da penhora; ocorrência de infidelidade no depósito; localização de bens e fraude à execução com alienação ou oneração de bens; intervenção de leiloeiro, com mais despesas a serem suportadas pelo devedor; intervenção de terceiros rotulando-se titulares do bem penhorado, eventualmente até por ação de embargos de terceiro; registro de penhora no álbum imobiliário; desvalorização do valor do bem penhorado entre a sua constrição e a sua alienação, e outros tantos que a enciclopédia forense é pródiga em nos instruir. Esse contexto, por si só, é suficiente para concluir que inadequada a colação do princípio da menor onerosidade consagrado no art. 620, do CPC, para indeferir a penhora de dinheiro junto aos estabelecimentos bancários, até porque o valor da dívida vê-se agregado de todas as custas e despesas que tais procedimentos e incidentes vão acumulando, recaindo a respectiva sucumbência sobre o executado, tema objeto de desdobramento em tópico próprio, mais adiante. Pois bem, a nova disposição legal sobre a penhora de dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira, vem, de certa forma, explicitar o óbvio: dinheiro, bem fungível por definição, é por excelência o patrimônio do devedor a ser expropriado para satisfação de prestação de pagar quantia certa, objeto do título extrajudicial, configurando sua apreensão judicial, para posterior liberação, se for o caso, prestação jurisdicional que atende, em grau máximo, a efetividade e a duração razoável do processo, nos termos do art. 5°, incisos XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal. De outra banda, cediço que dinheiro só é passível de ser encontrado, no mais das vezes, em depósitos de contas correntes ou de investimentos junto às instituições financeiras, daí porque não procede qualquer restrição à sua perquirição junto a esses estabelecimentos. Dinheiro guardado embaixo do colchão é lenda de contos de fada que em nada aproveita o cumprimento da atuação executiva. 6 O novel dispositivo legal veio ao encontra de parcela da jurisprudência, que assim já se manifestava, exorcizando a busca estéril, custosa e morosa de outros bens do patrimônio do devedor, cuja expropriação pode ser até kafkiana. Nesse diapasão AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO COM SEGUIMENTO NEGADO. PENHORA ON LINE. Mostrando-se correta a decisão agravada, do que não há discrepância, justifica-se a negativa liminar de seguimento ao agravo. Reprodução da inconformidade. Razões não suficientes para a reforma da decisão. Cabimento da penhora on line, se evidenciada a existência de valores depositados em nome da devedora em mais de uma instituição bancária, ficando restrito o bloqueio aapenas um dos depósitos e no limite da execução. Embora não absoluta a ordem legal prevista no artigo 655 do CPC deve ser, sempre que possível, respeitada. Havendo dinheiro a ser penhorado, deve este prevalecer sobre os demais bens. Agravo interno improvido. 9 PENHORA ON LINE – o ART. 655 do CPC estabelece que o dinheiro é o bem preferencial para penhora. Dessa forma, não há falar que a penhora on line pelo sistema BACEN-JUD está em desacordo com a Lei. Tampouco há falar em inobservância do disposto no art. 620 do mesmo Diploma Legal. 10 PENHORA ON LINE – DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO – POSSIBILIDADE. O juiz pode impulsionar a execução de ofício, devendo adotar todas as medidas necessárias à satisfação do crédito previdenciário, inclusive a determinação de penhora através do sistema on line, independentemente de iniciativa da parte. 11 Embora as duas últimas decisões supra tenham origem na Justiça do Trabalho, aperfeiçoam-se às execuções da Justiça Comum, porque em se tratando de satisfação de crédito certo, líquido e exigível, os princípios de celeridade e efetividade aproximam os procedimentos. 9 Agravo interno n° 70017374489, 12ª Câmara Cível do TJRGS, relator Des. Orlando Heemann Júnior, j. em 16.11.06. 10 TRT 12ª Região – AG-PET 04204-2001-001-12-86-5 – (04682/2005) – Florianópolis – 3ª T. – Rel. Juiz Gracio Ricardo Barboza Petrone. J. em 26.04.05) JCPC.655 JCPC.620. 11 TRT 20ª Região – AP 01675-2002-920-2085-8 – (2453/04) – Rel. Juiz Carlos de Menezes Faro Filho. J. em 31.08.04. 7 Mas a lei nova não só explicitou a questão da penhora de dinheiro depositado em instituições do mercado bancário e de capitais. Foi além, repudiando a corrente que vinha se alastrando no sentido de transferir para o credor a maior carga do ônus da localização de bens passíveis de penhora, como também o pré-conceito de que o executado é sistematicamente o litigante fragilizado, graças a inúmeras concessões até então consagradas em seu favor. Essa nova faceta12 pode ser identificada nas seguintes alterações: a) nova redação dada ao inciso IV do art. 600, estabelecendo que o executado, intimado, tem o prazo de 5 (cinco) dias não só para indicar que bens do seu patrimônio são passíveis de constrição judicial, como ainda deve declinar a sua localização e os respectivos valores, pena de incidir na prática atentatória à dignidade da Justiça, tudo em conformidade com o art. 652, §§ 3° e 4°, intimação essa que pode ser determinada de ofício pelo juiz, sem prejuízo de seu requerimento pelo credor. Vale dizer, se a penhora sobre bens do devedor configura pressuposto processual de desenvolvimento válido do processo executivo, que se define como processo expropriatório, a responsabilidade pelo seu mais perfeito atendimento não é apenas do credor, mas também do executado, podendo, inclusive, o juiz agir de ofício, já que os pressupostos processuais submetem-se à cogência do § 3° do art. 267 do codex procedimental. b) O § 2° do art. 655-A é explícito, transferindo para o executado o encargo de comprovar que eventuais quantias depositadas em conta corrente – não valendo o mesmo para depósitos de investimento, por razões óbvias – não são passíveis de serem penhoradas porque se encontram excluídas do âmbito da garantia da execução ou que de alguma forma estão protegidas pelas regras de impenhorabilidade. c) Com a atual redação dada ao art. 666 e seus parágrafos, inverte-se a prática de que os bens penhorados fiquem depositados em mãos do devedor, passando essa providência à regra de exceção, mediante expressa anuência do exeqüente ou caso de difícil remoção. Trata-se de mais um dispositivo que retira do réu, no processo de execução, privilégios que até então lhe eram amplamente reconhecidos. Carreando-se essa nova regulamentação para a penhora de valores depositados em instituições que atuam no 12 Trata-se, na verdade, de uma releitura dos procedimentos executivos, a afastar a pecha que se tornou conhecida nos corredores forenses em sede de execução: “o credor ganha, mas não leva”, que tanto pode ser aplicada às execuções de sentença como à satisfação do titulo extrajudicial. 8 mercado bancário e de capitais, nada mais translúcido que o bloqueio ou indisponibilidade de tais quantias, nos limites do valor da execução. d) No art. 659, § 6°, vem delegação expressa para regulamentação de critérios uniformes aos Tribunais quanto ao procedimento da penhora on line tendo por objeto numerário ou ainda as averbações de penhoras de bens imóveis, liberando plenamente os meios eletrônicos para sua efetivação. e) A substituição de bem penhorado – aqui se incluindo também o dinheiro – por iniciativa do demandado, só será possível se devidamente motivada pela menor onerosidade ao devedor e com comprovação de ausência de prejuízo ao credor. Esse contexto de preceitos normativos converge para uma opção de resgate da penhora de dinheiro para satisfação de créditos correspondentes exatamente à prestação de quantia certa, reequilibrando a isonomia processual que, no Código até então vigente e na prática senão unânime, majoritária, estava ausente da jurisdição executiva. 3. Penhora on line A penhora de bens do executado pelo sistema informatizado, denominada de penhora on line, não é uma nova espécie de penhora. O secular instituto que se destina a garantir a execução até sua satisfação final não sofreu qualquer alteração na sua substância, ganhando apenas, agora em sede de legislação processual civil, uma nova forma de operacionalização, ao lado, por exemplo, da tradicional penhora por mandado através de Oficial de Justiça ou da penhora no rosto dos autos, quando o objeto for crédito que se encontra sob discussão judicial em outro processo, ou ainda a penhora por termo nos autos, quando o próprio devedor oferece bem em garantia do juízo. O que já vinha se praticando sustentado por posições doutrinárias, jurisprudenciais e liberado por regulamentação administrativa, passou agora a receber o selo de norma processual federal, ganhando, evidentemente, em grau de segurança jurídica. A regulamentação contemplada nos arts. 655-A (aqui expressamente para penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira) e § 6° do art. 659 (que também inclui o sistema eletrônico para as hipóteses de penhora de bens móveis e 9 imóveis e sua respectiva averbação13) veio de forma sucinta e objetiva, ficando por conta dos tribunais normatização mais detalhada dos respectivos procedimentos. Num primeiro momento, a inclusão da expressão a requerimento do exeqüente no caput do art. 655-A pode representar um engessamento da atividade jurisdicional, excluída qualquer hipótese de agir de ofício do juiz. Contudo, essa disposição deve ser compreendida no contexto geral da reforma, onde se constata exatamente o contrário, a exemplo do disposto nos arts. 652, § 3°, e 685, parágrafo único, que, ao fim e ao cabo, o poder de império do juiz no processamento da execução, que sempre foi reconhecido, encontra-se reforçado na Lei n° 11.382/06. De forma que o preceito deve ser compreendido como regra geral, na medida em que os princípios da demanda e do dispositivo prosseguem imperando na jurisdição e no processo, deles não excluído o processo executivo. Ou seja, a iniciativa, especialmente no impulso da fase inicial da execução, é por conta do credor, sem que esteja o juiz, considerando circunstâncias fáticas e pontuais, completamente desprovido do poder de penhora de dinheiro pelo sistema on line.No tocante à sua operacionalização, a orientação básica é de que a requisição direcionada à autoridade supervisora do sistema bancário (Banco Central) deve conter duplo objeto: informações sobre os ativos em nome do executado e, desde logo, o comando de indisponibilidade de tais valores, em caso de consulta positiva, nos limites do valor da execução, que deverá incluir o principal e seus acréscimos, legais e contratuais, inclusive verbas sucumbenciais. Inspiração de economia processual, pois já na primeira rodada os valores não são só informados ao juízo da execução, como desde logo ficam vinculados, impedindo o esvaziamento da diligência, com o levantamento do dinheiro pelo devedor. É omisso o texto quanto à situação em que o executado disponha de inúmeras contas bancárias, espalhadas por diversos estabelecimentos, surgindo daí o flagrante prejuízo de sofrer dupla ou múltipla indisponibilidade de numerário. Trata-se, portanto, de lacuna a ser preenchida pelas regulamentações a serem expedidas pelos tribunais ou pela própria jurisprudência, mas que na prática já vem sendo suprida, sem ofertar problemas mais sérios ou de difícil de superação, isso porque a versão BACEN JUD 2.0, viabiliza, com bastante agilidade, não só a resposta às 13 Ao autorizar a mera averbação junto ao registro imobiliário da penhora de bens imóveis avançou o texto normativo em relação às disposições pretéritas, que exigiam o registro, facilitando em muito o trato da questão registral, já que o ato de averbação atende o mesmo objetivo – publicidade erga omnes da constrição judicial – com menos custo econômico e procedimental. Cuida-se, porém, de capítulo a parte, que merece estudo próprio, sem espaço nos limites epistemológicos desta empreitada. 10 requisições, como o desbloqueio dos eventuais excessos e a transferência do numerário escolhido como objeto da penhora para o Banco que o juízo indicar como depositário de tais valores, somente esse último representando a constrição judicial. A título de exemplo, o Provimento n° 31/06, expedido pela Corregedoria-Geral da Justiça do tribunal gaúcho, antes citado, orienta o procedimento em seus arts. 2° a 4° nos seguintes termos Art. 2° - As determinações judiciais de constrição de valores em conta e de ativos financeiros, bem como a requisição de informações sobre a existência de contas-correntes e de aplicações financeiras, serão transmitidas pela Internet ao Banco Central do Brasil, segundo os parâmetros do sistema BACEN JUD, por meio do qual o magistrado previamente cadastrado protocolará documento eletrônico determinando o bloqueio de contas e de ativos financeiros existentes em nome do executado, até o valor da dívida. Parágrafo único – Protocolada a ordem eletrônica de bloqueio, os autos deverão permanecer em gabinete até o decurso do prazo de pelo menos 2 (dois) dias úteis, período em que será aguardado o processamento da ordem pelo Banco Central e demais instituições financeiras. Art. 3° - Decorridos 2 (dois) dias úteis da data do protocolo do bloqueio, deverá ser realizada consulta ao Sistema Bacen Jud e, confirmado o bloqueio pela instituição financeira, o magistrado determinará a transferência (procedimento próprio disponível no Bacen Jud) para o BANRISUL S.A., o qual automaticamente gerará depósito judicial, com o envio de e-mail ao magistrado informando os dados do depósito (documento que deverá ser juntado aos autos). Art. 4° - Considerar-se-á realizada a penhora tão logo seja confirmado o bloqueio e determinada a transferência dos ativos financeiros e dos valores constantes na conta do executado, podendo o recibo de protocolamento emitido pelo Sistema Bacen Jud, uma vez juntado aos autos, valer como termo de penhora. De sorte que na medida em que é determinada a transferência dos valores suficientes para garantir a execução, restam liberados quaisquer outros valores acima dessa quantia ou ainda o bloqueio sobre contas ou aplicações que não sofreram constrição judicial, tudo ficando composto no mesmo procedimento e nos mesmos prazos. Ou seja, a penhora on line passa por dois momentos distintos: o primeiro, em que é expedida ordem de informação, autorizando-se desde logo o respectivo bloqueio, e o segundo, quando da resposta, oportunidade em que a ordem restringirá a penhora (ou seja, transferência dos valores necessários para o banco oficial que atua com os depósitos judiciais) àquelas contas e quantias que atendam o valor da execução. O remanescente é desde logo liberado. 11 Por outro lado, o § 2° do art. 655-A divide esta fiscalização com o executado, que não só pode justificar perante o juízo a impenhorabilidade do numerário, como pode tomar a iniciativa e provocar a correção de eventual excesso, base no princípio de quem pode o mais, pode o menos. Vê-se, pois, que o sistema informatizado pelo Banco Central, na forma como está concebido e dos procedimentos que já vinham sendo praticados, mesmo antes da Lei n° 1.383/06, com suas disposições não conflita, merecendo ratificação, sem prejuízo, é claro, de seu aperfeiçoamento com a expansão, que se espera, da utilização da penhora on line frente, agora, ao pleno amparo legal e ao espírito da reforma do processo de execução, em prol de sua plena efetividade. 4. Cogência x facultatividade do procedimento Pecou o texto normativo do art. 655-A quando viabiliza a penhora pelos meios eletrônicos apenas preferencialmente. A realidade forense enfrentada pelos diversos tribunais locais quanto à utilização de sistemas informatizados abrangentes e seguros, o que é de se lamentar, ainda não autoriza um texto impositivo, a exigir de forma compulsória de cada foro a adoção do sistema informatizado. Contudo, a determinação poderia ter vindo em termos mais pungentes, colocando como regra a penhora de dinheiro pelos meios eletrônicos, excetuando as comarcas que ainda não dispusessem de recursos para tanto ou outras situações pontuais, a critério do julgador. Essa reflexão vem da cediça resistência que juízes e tribunais oferecem à modernidade do processo, já destacada alhures, quando inúmeras decisões não só cerceiam a penhora em dinheiro, como ainda limitam sua utilização à faculdade do magistrado em se credenciar junto ao BACEN JUD, como se tal fosse uma ofensa à independência do magistrado na atuação do processo14. A jurisdição, sob a ótica constitucional, é exercício de soberania, cumprindo ao magistrado – agente exercendo mandato popular e não dono do poder – o dever-poder de administrar a justiça do caso concreto. Não é mais possível, nesta fase de 14 A título de exemplo: INDEFERIMENTO. MAGISTRADO NÃO CADASTRADO NO SISTEMA BACEN-JUD.IMPOSSIBILIDADE DE COMPELIR O MAGISTRADO À SUA UTILIZAÇÃO. NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DE TODAS AS MEDIDAS EXTRAJUDICIAIS DISPONÍVEIS PARA A LOCALIZAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR. Não é possível obrigar o Magistrado a se cadastrar no sistema BACEN JUD para realização de penhora “on line”. Ademais, o acolhimento do pedido somente é cabível quando esgotadas todas as medidas possíveis para a localização de bens do devedor, situação inocorrente no caso, não sendo admitida a penhora requerida por estes motivos. Precedentes do TJRGS e STJ. Agravo de Instrumento n° 70014123970, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro, julgado em 23.01.06. 12 constitucionalização e reconstrução do processo, ficar afeito a práticas reconhecidamenteineficazes, como a troca de ofícios entre organismos estatais, a exigir tempo e providências cartorárias, mais operosas, morosas e onerosas do que a comunicação eletrônica, em injustificada homenagem à burocracia do paradigma pretérito. Conforme notícia divulgada no site do Banco Central15, o BACEN JUD encaminhou 1.381.262 de determinações judiciais à rede bancária no ano de 2006, esclarecendo que a ferramenta alcança maior agilidade no cumprimento das decisões judiciais, permitindo que a ordem do juiz para o bloqueio de uma conta corrente, por exemplo, seja cumprida em 24 horas, enquanto o processamento via papel (ofício através do Correio) pode durar até 30 dias. A Justiça do Trabalho é a maior utilizadora do sistema e o Estado de São Paulo o que mais demanda. Segundo a divulgação, embora o absoluto sucesso do sistema informatizado, parte do Poder Judiciário ainda faz uso de ofícios em papel, tendo sido recebido pela instituição, no ano de 2006, 134.116 ofícios, a representar custos elevados de processamento, impondo sua triagem, classificação, digitação e reenvio das solicitações a toda rede bancária. Tais esclarecimentos fazem concluir que, ao fim e ao cabo, os bancos que atuam no mercado de capitais vão receber a ordem de informação e/ou bloqueio pelo sistema eletrônico, processando-se, pois, a busca por dois procedimentos conjugados: o primeiro, arcaico, através de ofício, entre o Poder Judiciário e o Banco Central; o segundo, entre a instituição fiscalizadora e os destinatários finais da ordem, via informatizada, repetindo-se no retorno a mesma “via sacra”. O argumento, outrossim, de que o juiz não pode ser compelido a cadastrar-se no sistema é franciscano e falacioso, representando muito mais apego a práticas cartorárias em que o papel assumia posto soberano. A uma, o cadastramento e obtenção de senha seguem os mesmos padrões para que o juiz, pessoalmente, se comunique via correio eletrônico, obtenha acesso as suas contas bancárias privativas, aos bancos de dados de informação técnica-científica, ao próprio sistema informatizado do Tribunal ao qual integra, além de inúmeras outras oportunidades que a Internet oferece a seus usuários. A duas, a oficialização do sistema está sacramentada pelo convênio firmado entre o Tribunal Superior de Justiça, com as respectivas adesões locais, e o Banco Central, inocorrendo qualquer capitis diminutio no exercício jurisdicional, pois só os tribunais conveniados é que podem fazer uso do BACEN JUD. 15 Site www.bcb.gov.br/?id=Notícias, em data de 19.01.07. 13 Mas certamente a expedição das ordens judiciais para a penhora de ativos financeiros via ofício, ressalvada, é claro situações muito excepcionais, é questão de tempo e estará totalmente suplantada. A cogência de sua utilização não virá da lei, mas da imposição dos fatos. 5. Quebra do sigilo bancário A penhora de ativos financeiros através do sistema eletrônico não representa quebra do sigilo bancário, ainda que possa ser considerada uma relativização do princípio16. O BACEN JUD atende tão somente a informação e o bloqueio de valores limitados ao montante do crédito exeqüendo. Nesse sentido reza o § 1° do art. 655-A que as informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução, não se configurando qualquer invasão ou devassa nas contas bancárias do executado. Não é de se olvidar, outrossim, que as informações e os bloqueios de valores encontram fundamento na própria incúria do executado, que deixa de cumprir com o seu dever de litigar com boa-fé. Tanto é assim que pode ele perfeitamente afastar a investigação, tomando a iniciativa e indicando desde logo bens à penhora, entre os quais se inclui o dinheiro em espécie ou em depósitos bancários. Ainda que a nova redação dada ao caput do art. 659 não mais contenha expressamente a nomeação de bens à penhora pelo devedor, isso em absoluto não significa que este não seja um dever processual seu e que esteja privado de assim proceder. Trata-se não de mera faculdade do devedor, mas de ato que encontra seu amparo maior no art. 14, do CPC, e que vem ratificado pela disposição do art. 600, inc. IV, cuja nova redação impõe ao réu do processo executivo o prazo de 5 (cinco) dias a partir de sua intimação para prestar as informações requisitadas sobre os bens passíveis de penhora, pena de sua omissão ser considerada ato atentatório à dignidade da Justiça. Forçoso, pois, concluir que é de ordem pública, não atendendo apenas o interesse privado, o disposto no § 1° do art. 656, cumprindo ao executado informar, no prazo fixado pelo juiz, onde se encontram os bens 16 Orientando-se nesse sentido, decisão proferida em sede de juízo monocrático, com fundamento no art. 557 do CPC, desprovendo liminarmente o Agravo de Instrumento n° 70017727397, da lavra da Desa. Rejane Maria Dias de Castro Bins, nos seguintes termos ementada: DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PENHORA ON LINE. A jurisprudência tem admitido a quebra do sigilo fiscal ou bancário do devedor de tributos, na execução fiscal, para obtenção de informações sobre a existência de bens do devedor inadimplente e conseqüente penhora on line, através do Sistema BACEN JUD, somente após esgotadas as tentativas extrajudiciais de localização de bens. AGRAVO DESPROVIDO.” 14 sujeitos à execução, demonstrar sua titularidade e isenção de ônus, bem como de abster- se de qualquer atitude que dificulte ou embarace a realização da penhora. Os procedimentos que cuidam das informações de ativos financeiros e do bloqueio de valores até efetivação da penhora representam, ao fim e ao cabo, corolário do dever-poder do juiz em conduzir o processo ao efeito de alcançar-se concreta e efetivamente a sua função. E, no processo executivo, a função jurisdicional é de satisfazer o crédito inadimplente, adentrando compulsoriamente no patrimônio do devedor que se recusa a cumprir sua obrigação certa, líquida e exigível. É ato de império e não mera faculdade, a que o jurisdicionado credor está constitucionalmente garantido. 6. Penhora on line e competência processual Cumpre ao juízo da execução, cuja competência regulada pelos arts. 576 e seguintes do CPC não foi alterada pela Lei n° 11.382/06, apreciar e decidir sobre o pedido de penhora on line de depósitos bancários, não havendo que se falar em carta precatória. Justifica-se a afirmação porque o encaminhamento da ordem judicial, via eletrônica – ou mesmo através de ofício, procedimento que não se encontra vedado, como antes analisado – é processado diretamente ao Banco Central, cumprindo a essa instituição a comunicação com os inúmeros estabelecimentos financeiros, independentemente de sua praça. Também o retorno dessas perquirições se dará mediante informação eletrônica, mais uma vez podendo o magistrado responsável se valer da comunicação em rede para determinar a transferência desses valores para o banco oficial, que presta serviços ao Judiciário local, assumindo a condição de depositário do montante penhorado. Nesse sistema não há espaço para a expedição de carta precatória, que se torna inócua e inútil, reduzida a peça de museu na hipótese. Em sendo caso da execução ter sido objeto de deprecação, aí sim, quem assume a condição de juiz da execução é o do juízo deprecado, cumprindo a esse magistrado as providências acima mencionadas. Admitir o contrário seria neutralizar todasas vantagens de celeridade e simplificação na prática que a penhora on line foi capaz de construir e exatamente sobre uma das mais românticas e etéreas, até então, previsões legais nos códigos reformados: penhora de dinheiro, verdadeira lenda da literatura forense, quase busca do Santo Graal. 7. Penhora on line e princípios fundamentais do processo de execução 15 a) Princípio processual da execução econômica. Entre os princípios fundamentais que inspiram o processo de execução, destaca com unanimidade a doutrina que a execução deve realizar-se pela forma menos gravosa ao devedor. É a imposição do art. 620, do CPC, não alterado pela Lei n° 11.382/06. Não é outra a lição de Humberto Theodoro Júnior17 . Para Araken de Assis, o lado econômico da execução, “evitando maiores sacrifícios ao devedor que os exigidos pelo resultado” expressamente contemplado pelo art. 620, do CPC, é, na verdade, outra face do princípio do resultado, esse mais abrangente, atendendo outros alinhamentos, como a satisfação do credor, a especificidade da execução, a exclusiva responsabilidade do executado pelas despesas processuais, ora voltando-se em favor do credor, ora tutelando o próprio devedor18. A penhora on line vem absolutamente ao encontro da exigência de menor prejuízo ao executado. São inúmeros os benefícios que se lhe agregam, como alhures já ventilado, valendo a pena algumas ratificações, até para chamar a atenção a determinadas particularidades. Assim, o numerário penhorado – não sendo caso de imediato levantamento pelo credor – permanecerá depositado, não sofrendo nenhuma defasagem, porque os depósitos judiciais estão submetidos a rendimentos e juros, de forma que possa o respectivo valor acompanhar a atualização do débito executado. Se isso é uma vantagem em relação a outros bens que vão se desvalorizando ou mesmo deteriorando com o passar do tempo, por outro lado algumas dificuldades deverão ser enfrentadas, a merecer o devido debate na jurisprudência, como, por exemplo, venha se utilizar, para a recomposição da dívida, índices diferenciados daqueles praticados pelo sistema financeiro. Cediço que nos últimos anos o índice de maior utilização na atualização dos valores devidos em ações judiciais é o IGP/M, enquanto que os depósitos judiciais em instituições financeiras têm sido atualizados pelos índices e rendimentos da poupança (TR), que se têm demonstrado inferiores àqueles. Sob pena de ferimento ao princípio da economia e do disposto no art. 620, do CPC, tem-se que não é mais viável, se efetivada penhora on line, este conflito de índices, pagando-se o credor, quando superados os demais questionamentos processuais (embargos ou outros incidentes) pelo montante depositado junto ao estabelecimento bancário, afastadas quaisquer outras atualizações monetárias, a partir do depósito transformado em penhora, pena de se tornar infindável a dívida. De sorte que índices contratuais ou índices que 17 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução, 6ª ed., São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., 1981, p. 24. 18 ASSIS, Araken. Manual do processo de execução, 5ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1998, p. 98/99. 16 sejam acolhidos pelos cálculos judiciais poderão ser respeitados para o acertamento do montante do débito exeqüendo, mas apenas até o momento em que concretizada a penhora on line, pois, a partir daí, os critérios de atualização monetária e do rendimento do valor recolhido e os do crédito a ser satisfeito se unificam, não mais prevalecendo essa duplicidade de atualização da dívida. b) Princípio da sucumbência por conta do executado. A execução corre mediante absoluta responsabilidade do executado, que deverá responder por todas as custas e despesas processuais, inclusive honorários advocatícios. A expropriação de bens móveis ou imóveis enseja inúmeras despesas, como intimações por oficial de justiça, editais a serem publicados em jornais, avaliações por avaliadores ou peritos, despesas de eventual locomoção do bem, despesas com depositário, honorários de leiloeiros. A penhora on line, sem embargo da incidência de algumas taxas bancárias em razão da movimentação financeira, também a serem suportadas pelo executado, dispensa o devedor de arcar com as demais verbas processuais, produzindo resultado favorável ao devedor. c) Garantia da dignidade humana do devedor. As regras de impenhorabilidade asseguram ao devedor que a execução não possa levá-lo e a sua família a uma condição de indignidade. Também nesta seara a penhora on line opera em favor do devedor, pois a apreensão se dará sobre dinheiro e não sobre bens de maior valia, como sua residência ou de sua família ou dos móveis que a guarnecem; instrumentos e utensílios indispensáveis à sua atividade profissional ou de trabalho; propriedade rural de pequena dimensão destinada à sobrevivência da família, etc. De outra banda, se o numerário arrecadado estiver sob o manto da impenhorabilidade, como antes registrado, o texto normativo assegura meios de defesa ao executado (art. 655-A, § 3°), excluindo-o da indisponibilidade conseqüente da constrição judicial. d) Princípio da execução específica. Aqui a penhora on line se supera em consagração. Nada mais específico que constranger dinheiro, ainda que depositado junto a instituições financeiras, para satisfazer crédito de pagar quantia certa. e) Princípio da disponibilidade. Mais uma vez, a penhora por meios eletrônicos alcança grau de excelência. Se a prestação que o credor tem direito é de pagamento de quantia certa, a apreensão judicial de depósitos bancários em nome do devedor é a plena satisfação da prestação jurisdicional. 17 8. Penhora de dinheiro pelos meios eletrônicos e as garantias constitucionais do acesso à justiça e da duração razoável do processo Lembrando Norberto Bobbio, para falar dos direitos dos homens, cujo rol não é estático e se mostram sempre novos e cada vez mais extensos, é preciso descer do plano ideal ao plano real, justificando-os de forma a efetivamente legitimá-los perante a ordem vigente e, assim, garantir sua efetiva proteção, na medida em que o debate dos direitos humanos passou a representar “um sinal do progresso moral da humanidade”, crescimento esse a ser medido pelos fatos e não por palavras, até porque “de boas intenções, o inferno está cheio”19. O ensinamento vale, também, para a devida prestação jurisdicional, que passou a ser contemplada por princípios e garantias constitucionais, entre os quais cumpre, aqui, destacar, o acesso à justiça (art. 5°, inc. XXXV, da CF) e o direito dos litigantes a uma duração razoável do processo (art. 5°, inc. LXXVIII, da CF), ícones da jurisdição deste milênio e que não podem ser olvidados pelo novo processo de execução que se procura estabelecer nos limites de nossas fronteiras jurisdicionais. A utilização da ferramenta dos sistemas e redes informatizados na prática forense já é conquista inarredável, mostrando-se pré-histórica qualquer resistência a sua adoção. A propósito, escreve Clóvis Fedrezzi Rodrigues, em artigo sobre as mudanças na execução de sentença condenatória e de outros projetos visando ao processo executivo nas suas diversas nuanças, conclusão perfeitamente apropriada ao estudo em espécie, ao comentar Há de se referir à adoção de meios eletrônicos para a prática de atos processuais. A tecnologia, atualmente, é usada como ferramenta de agilização, simplificando diversasatividades. Nesse sentido, em pleno século XXI, a tendência é a modernização, devendo, entretanto, ser sempre respeitadas as garantias constitucionais.20 19 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, 15ª tiragem, trad. de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 63/64. 20 RODRIGUES, Clóvis Fedrizzi. As mudanças da Lei 11.232/2005 no processo de execução de título judicial e as mudanças previstas na execução extrajudicial e fiscal, in Aspectos polêmicos da nova execução 3: de títulos judiciais, Lei 11.232/2005, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 176. 18 O processo expropriatório do patrimônio do devedor para satisfazer crédito certo, líquido e exigível sempre foi considerado o “primo pobre”, também já chamado de “Cinderela”, nos círculos processuais, correndo o risco de se agravar sua insuficiência se medidas mais enérgicas não forem tomadas de forma consciente e autêntica. Impõe-se, pois, sua releitura, atingindo regras clássicas que não se pode abstrair da jurisdição executiva, como a de reconhecer o dinheiro no patrimônio do devedor como o bem preferencial a ser objeto de garantia da execução, mas alcançando, também, os progressos de meios operacionais que podem, sem perda de segurança jurídica, dar uma nova roupagem a esta tão decantada, mas vítima de profunda anemia, atividade jurisdicional: a jurisdição executiva. De sorte que tanto o resgate e a valorização da penhora do dinheiro como a positivação no CPC da penhora on line representa passos significativos na prestação jurisdicional executiva, encontrando-se em consonância com as garantias do acesso à justiça, pois o credor só será efetivamente tutelado pelo Poder Judiciário se receber o seu crédito na forma mais completa possível, e se isso for feito em tempo hábil e oportuno, a consagrar a novel garantia constitucional da duração razoável do processo. 9. Considerações finais Em apertada síntese, a penhora de dinheiro e sua formalização via eletrônica, embora não representem propriamente novidades na legislação, doutrina e prática forense, receberam da Lei n° 11.382/06 tratamento e espaço significativo para galgarem novos horizontes na jurisdição executiva, não se divorciando do devido comprometimento que os institutos e procedimentos processuais devem à constitucionalização do processo, sem embargo da indiscutível necessidade de seu aperfeiçoamento quando no embate com a multiplicidade e riqueza de pormenores que os fatos submetidos a julgamento exigirão dos intérpretes e operadores do direito. Sem representar panacéia para todos os problemas do processo expropriatório que atende aos créditos certos, líquidos e exigíveis, revestem-se as duas medidas de áurea positiva, inovadora, esperando-se dos advogados, juízes e tribunais tolerância e confiança na sua aplicação imediata aos trâmites processuais de créditos insolventes, de modo a exorcizar do processo de execução a sua histórica vocação para, mais do que a ineficácia, a absoluta impotência em atuar conflitos de obrigações insatisfeitas. 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSIS, Araken. Manual do processo de execução, 5ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 1998. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos,15ª tiragem, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992. RODRIGUES, Clóvis Fedrizzi. As mudanças da Lei 11.232/2005 no processo de execução de título judicial e as mudanças previstas na execução extrajudicial e fiscal, in Aspectos polêmicos da nova execução 3: de títulos judiciais, Lei 11.232/2005, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao código de processo civil, Rio de Janeiro: Forense, 1978. _________________. Processo de execução, 6ª ed., São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., 1981. 20
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