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1 Curso: Licenciatura em Letras Disciplina: Português VI Conteudistas: Raquel Fonseca e Rívia Fonseca Aula 3: Sincretismo e gêneros discursivos Meta: Apresentar o conceito de sincretismo a partir dos fundamentos teóricos e metodológicos da semiótica discursiva, associando tais noções, posteriormente à abordagem sociodiscursiva dos gêneros textuais Objetivos: Esperamos que, após o estudo desta aula, você seja capaz de: 1. Conceituar sincretismo e diferenciar textos sincréticos de textos não sincréticos. 2. Identificar, no plano do conteúdo, elementos das diferentes linguagens que, articuladas em uma dada materialidade, contribuem para a construção do sentido do texto sincrético. Pré-requisitos: � Leitura dos textos das aulas anteriores. � Compreensão clara acerca da constituição dos gêneros discursivos. Leitura prévia sugerida: Antes de começar, seria bastante proveitoso ler “Noções básicas da semiótica”, em BERTRAND, 2003, p.37-50. A síntese desse capítulo – o primeiro do livro Caminhos da semiótica literária – será reproduzida na introdução desta aula. 2 INTRODUÇÃO Para compreender bem o conceito de sincretismo e sua aplicação prática, você precisará de algumas noções básicas sobre a teoria que lhe dá suporte: a semiótica discursiva. Está pronto para começar? A metodologia da semiótica greimasiana – mais recentemente concebida como semiótica discursiva (BARROS, 2001) se propõe a desvendar as condições de produção do sentido de um texto, seja ele verbal ou não verbal, estabelecendo um modelo de análise que organiza a significação em três níveis: o nível fundamental, o nível narrativo e o nível discursivo. Denis Bertrand, autor da leitura prévia sugerida, explica de que maneira a semiótica trata a questão da significação dos textos: Síntese Noções básicas da semiótica A semiótica apresenta modelos para a análise da significação, para além da palavra, para além da frase, na dimensão do discurso que lhe é inerente. Seu procedimento clássico propõe articular a apreensão do sentido segundo um percurso estratificado em camadas relativamente homogêneas, indo das formas concretas e particulares, manifestadas na superfície do texto, às formas mais abstratas e gerais subjacentes, dispostas em múltiplos níveis de profundidade. Ela mostra, assim, como os percursos de significação se organizam e se combinam, em razão de regras sintáxicas e semânticas que fundamentam, em segredo, a sua coerência. Inversamente, partindo das estruturas profundas para as estruturas da superfície, ela simula a “geração” da significação. Esse “percurso gerativo” distingue, desse modo, as estruturas profundas (os valores inscritos no quadrado semiótico) e semionarrativas (com os dispositivos modais, a sintaxe actancial e o esquema narrativo) das estruturas discursivas que as “discursivizam, por intermédio da enunciação (aparecem, então, as 3 tematizações que se investem ou não em isotopias figurativas, produzindo as figuras do espaço, do tempo e dos atores..., as imagens do mundo). Os diferentes níveis estruturais se convertem uns nos outros, da profundidade à superfície, segundo um percurso de enriquecimento e complexificação: é realmente a superfície do texto que é a mais complexa. (BERTRAND, Denis. 2003, p.49 BOXE DE CURIOSIDADE/ Conheça o professor e pesquisador Denis Bertrand e suas importantes contribuições para o desenvolvimento da teoria semiótica através do link http://denisbertrand.unblog.fr/. Nesta página você terá acesso a inúmeros artigos publicados por ele. FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE Para a semiótica discursiva, cada um dos níveis do percurso gerativo de sentido é composto por uma semântica e uma sintaxe próprias que constituirão o instrumental metodológico de que o analista necessita para explicitar a maneira como o sentido do texto foi construído e como ele poderá ser percebido (GREIMAS & COURTÉS, 2012; BARROS, 2001). Já a enunciação é definida como a instância pressuposta de mediação entre as estruturas narrativas e as discursivas em que se dá a interação entre enunciador e enunciatário. Ela “produz o discurso e, ao mesmo tempo, instaura o sujeito da enunciação” (BARROS, 2001, p.74). A compreensão das noções básicas da teoria semiótica é muito importante para prosseguirmos, mas, agora, será necessário retomarmos um conceito fundamental que foi estudado anteriormente: o conceito de linguagem. Você se lembra desse conceito? Não? Então vamos relembrar! Em um sentido amplo, podemos definir a linguagem humana como a capacidade de expressar os pensamentos por meio de um sistema de códigos 4 que, combinados entre si, possibilitam que estabeleçamos, uns com os outros, uma comunicação. Figura 1: A comunicação pressupõe a relação entre um ‘eu’ e um ‘tu’. Fonte: http://openclipart.org/detail/183631/communication-by-j_iglar-183631 VERBETE Comunicação: como a própria constituição da palavra indica, comunicação, é a ação de tornar comum. O termo apresenta o radical “comun-“, que aparece em diversas outras palavras, tais como: comunidade, comunicado, comunismo. Em todas essas palavras, é possível observar um sentido construído a partir de seu radical “ter ou tornar algo comum para um grupo de pessoas”. Assim, podemos de dizer que Comunicação é a ação de tornar algo, uma idéia, um pensamento, um sentido, comum para um grupo de interlocutores, numa situação socialmente determinada. Comunicar é partilhar e construir sentidos com outros seres humanos em práticas sociais. Fonte: As autoras BOXE EXPLICATIVO De acordo com a definição proposta pelo Dicionário de Semiótica, a linguagem pode ser assim caracterizada (GREIMAS e COURTÉS, 2012, p. 290): 2. [...] qualquer tentativa de definição da linguagem (como faculdade humana, como função social, como meio de comunicação, etc.) reflete uma atitude teórica que ordena, a seu modo, o conjunto dos “fatos semióticos”. O menos comprometedor é talvez substituir o termo linguagem pela expressão conjunto significante. [...] 5 4. [...] A linguagem foi por muito tempo considerada como uma das características fundamentais da espécie humana, sendo o limite entre a comunicação animal e a comunicação humana constituído por certas propriedades das línguas naturais, tais como a dupla articulação, a elasticidade do discurso ou a debreagem (que permite ao homem falar de outra coisa que não seja dele próprio). [...] FIM DO BOXE EXPLICATIVO Podemos distinguir, primordialmente, os diferentes conjuntos significantes, ou as linguagens, em dois grupos: a linguagem verbal e as linguagens não verbais. A linguagem verbal é aquela possibilita a expressão das ideias e a comunicação por meio da seleção e da organização dos códigos de uma determinada língua, ao passo que as linguagens não verbais são aquelas que, para construir estruturas significativas, articulam outros conjuntos de signos como ocorre, por exemplo, com a linguagem visual, a gestual, a cinematográfica, a musical, entre outras. Os textos a seguir ilustram o uso de diferentes linguagens, você seria capaz de identifica-las? Texto I Figura 2: signos não linguísticos Fonte: Coração:http://openclipart.org/detail/10743/love-is-returned-by- johnny_automatic-10743 Fogo: http://openclipart.org/detail/169759/fire-by-cybergedeon-169759 Homem: http://openclipart.org/detail/181678/desperate-man-by-moini-181678 6 Texto II Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar se de contente; é um cuidarque ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor? CAMÕES, Luís Vaz de. Sonetos. Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000164.pdf Texto III 7 Figura 3: cenas do filme norte-americano E o vento levou, de 1939. Fonte: Cartaz de divulgação: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-27782/; Cenas: Imagens retiradas do filme. No texto I, a linguagem visual apresenta-se por meio de signos que, mesmo apresentados isoladamente, remetem a sentidos socialmente já compartilhados, por isso, permitem a comunicação de uma determinada mensagem. O desenho do coração, na forma como se apresenta, conduz à ideia de sentimento amoroso; as chamas à ideia de fogo; e a imagem do homem, na posição em que se encontra, constrói o sentido de preocupação, tensão ou desilusão talvez. Se associadas a outras imagens ou a outros contextos, esses signos poderão adquirir, ainda, outros sentidos. No texto II, a linguagem verbal é magistralmente explorada pelo maior poeta do classicismo português, Luís Vaz de Camões, para definir um sentimento tão abstrato quanto o amor. A linguagem verbal, neste exemplo, é explorada em toda a sua potencialidade de significação, pois o gênero – poema – permite que o autor do texto crie sentidos por meio da associação particular de figuras e temas que compõem o nível discursivo do texto, além de explorar as figuras 8 de linguagem e a plurissignificação da linguagem, características típicas do texto literário. BOX EXPLICATIVO O termo figura é polissêmico, por isso, é importante esclarecer em que sentido está sendo usado nesta aula. No exemplo acima, o termo figura faz referência a um dado conteúdo de uma determinada língua que tenha um correspondente no mundo natural. “Quando se diz que a figura remete ao mundo natural, pensa-se não só no mundo natural efetivamente existente, mas também no mundo natural construído. É o caso por exemplo de um texto de ficção científica em que apareça um ser que em lugar dos pés tenha rodinha para se locomover, que não tenha carne, mas um revestimento de pedra, etc. Esse ser é uma figura de um mundo natural construído. Tema é investimento semântico, de natureza puramente conceptual, que não remete ao mundo natural. Temas são categorias que organizam, categorizam, ordenam elementos do mundo natural: elegância, vergonha, raciocinar, calculista, orgulhoso, etc.”. Na primeira estrofe do soneto de Camões, vemos a temática do amor sendo revestida por exemplo pelas figuras ‘fogo’ e ‘ferida’, por exemplo. (FIORIN, 2005, p.90,91). O sentido de um texto não se estabelece apenas pelas figuras presentes nele, pois elas isoladas não produzem sentido algum, mas pela rede de referentes internos se forma pela associação dos elementos figurativos em tordo de determinado tema e que remetem o receptor de um texto a uma outra significação, menos superficial, no instante em que possibilitam a desconstrução de um enunciado meramente icônico e provocam o que acima chamamos de efeito de profundidade. De acordo com Fiorin (2005, p.97) o que interessa na análise textual é o “encadeamento de figuras”, isto é, as relações que as figuras estabelecem entre si e não seus significados tomados isoladamente: “Para que um conjunto de figuras ganhe um sentido, precisa ser a concretização de um tema, que, por sua vez, é o revestimento de enunciados narrativos. Por isso, ler um percurso figurativo é descobrir o tema que subjaz a ele”. (FIORIN, 2005, p.97). A análise dos elementos figurativos de um texto 9 deve considerar, necessariamente, o fato de que a figuratividade se manifesta em diferentes graus ou gradações, que vai desde o seu grau mais icônico até o seu grau mais abstrato, e ainda o fato de que essas figuras estão revestindo um ou mais temas. Estes procedimentos concretizam o sentido do texto no nível discursivo, por isso, para apreender um dos possíveis sentidos de um texto é preciso estar atento às redes associativas que se estabelecem entre temas e figuras. Na análise de um texto sincrético, é preciso examinar os diferentes níveis de leitura que se superpõem em uma superfície e perceber a formação de uma rede de referentes internos do texto que, ao se associarem, afastam o texto de seu referente externo e permitem, com isso, que ele se transforme num objeto material autônomo e que seja reconhecido pelo seu valor estético. Quando se estabelece uma significação “por trás” ou “por baixo” de uma significação primeira, dá-se o que Bertrand (2003, p.219) chamou de efeito de profundidade. Esta expressão diz respeito ao fato de que uma significação mais profunda pode ser extraída de determinada figura por meio de um processo de desiconização, isto é, o afastamento de um significado icônico de determinados elementos figurativos e a conseqüente aproximação de um significado abstrato a estes mesmos elementos; um procedimento que impede uma leitura referencial do objeto e direciona para uma outra, com significação mais abstrata. FIM DO BOX EXPLICATIVO Já no texto III, a sequência de imagens foi retirada do filme E o vento levou para representar a linguagem cinematográfica. Será a partir deste exemplo que vamos definir sincretismo. Para a semiótica discursiva, sincretismo é a articulação de duas ou mais linguagens para a produção do sentido do texto. Deste modo, a linguagem cinematográfica é sincrética, pois o sentido produzido pelo objeto não pode ser tomado por apenas uma das linguagens envolvidas na enunciação, ele depende da articulação, neste caso, das linguagem verbal e audiovisual. Estão organizados no enunciado, portanto, palavras, sons, imagens e movimentos. 10 Figura: Representação de um frame e uma câmera antiga. Fonte: http://openclipart.org/detail/170978/camera-icon-by-qubodup-170978 BOXE MULTIMÍDIA Acesse o link: http://www.youtube.com/watch?v=Wr6CNeC1eRU e assista ao comercial intitulado Hitler, feito para divulgar o jornal Folha de São Paulo, Dramático e inteligente, foi classificado como um dos cem melhores comerciais brasileiros e é, também, um bom exemplo da articulação entre as linguagens verbal e audiovisual na construção do sentido do texto. Em seguida, leia a análise semiótica da propaganda feita pelas professoras Renata Mancini, Mariana Trotta e Silvia Maria de Souza, da Universidade Federal Fluminense, publicada durante o XIII Colóquio do Centro de Pesquisas Sociossemióticas, disponível em: http://www.sedi.uff.br/content/renata-mancini FIM DO BOXE MULTIMÍDIA VERBETE Sincretismo – Pode-se considerar o sincretismo como o procedimento (ou seu resultado) que consiste em estabelecer, por superposição, uma relação entre dois (ou vários) termos ou categorias heterogêneas, cobrindo-os com o auxílio de uma grandeza semiótica (ou linguística) que os reúne. (...) Num sentido mais amplo, serão consideradas como sincréticas as semióticas que – como a ópera ou o cinema – acionam várias linguagens de manifestação [...]. (GREIMAS & COURTÉS, 2012, p.467). 11 FIM DO VERBETE A leitura de um texto sincrético instaura um sentido que não pode desconectar as linguagens em funcionamento na enunciação, pois o enunciador, ao escolher sincretizar linguagens, não o faz despropositadamente, já que, desse modo, “o sujeito da enunciação captura, de forma mais totalizadora, a adesão do enunciatário, tornando-lhe mais difícil escapar à manipulação” (GOMES, 2008, p.216). Ainda de acordo com Regina Gomes, autora do livroRelações entre linguagens no jornal: fotografia e narrativa verbal (2008), “mesmo que a coexistência das manifestações visuais e verbais seja imprescindível para a significação global do texto, cada linguagem tem um papel e os conteúdos que veicula interagem de maneira específica” (GOMES, 2008, p.217). Isto significa dizer que, em um texto sincrético, cada linguagem é significativa e os sentidos que cada uma instaura se relacionam de modo a produzir novos sentidos e novos modos de dizer. Figura 4: Esquema que representa a articulação das diferentes linguagens que se articulam para a produção de um mesmo sentido na linguagem cinematográfica. Fonte: figura adaptada com base na imagem (disponível para ser adaptada (free to remix – to adapt the work)) http://openclipart.org/detail/185046/camera- icon-by-ousia-185046; http://openclipart.org/detail/190971/talk-by- 12 williamtheaker-190971; http://openclipart.org/detail/184620/audio-icon-by-ousia- 184620. Em síntese, um texto sincrético é aquele em que diferentes linguagens, por meio de uma estratégia comunicativa, se unem para manifestar um conteúdo único e uma única forma da expressão. Segundo Teixeira, a metodologia de análise semiótica deve ser aplicada ao resultado da sincretização, ao objeto sincrético, a fim de explicitar a estratégia comunicativa global que, em sua totalidade, organiza os elementos discursivos que emanam do produto textual tornando-o uma unidade de sentido (TEIXEIRA, 2009). Pode-se analisar as estratégias de sincretização, isto é, de articulação das diferentes linguagens envolvidas em um objeto sincréticos, tanto no Plano do Conteúdo, quanto no Plano da Expressão. Fiorin, ao traçar o percurso de constituição do conceito de sincretismo para a semiótica, afirma que “as semióticas sincréticas constituem um todo de significação e, portanto, há um único conteúdo manifestado por diferentes substâncias da expressão” (FIORIN, 2009, p.35). De acordo com Ana Claudia de Oliveira, os textos sincréticos “materializam, na construção do enunciado, as opções da construção enunciativa do enunciador no seu orientar o percurso do enunciatário em direção à significação” (OLIVEIRA, 2009, p. 88). No entanto, é importante ressaltar que o enunciatário, ao ler um texto sincrético, pode, em seu fazer interpretativo, desconsiderar uma das linguagens, por exemplo: ele pode desconsiderar o texto verbal, mas, ao fazer isso, deixa de lado a unidade da significação sincrética e opta pela parcialidade da compreensão. Essa possibilidade já está prevista pelo sujeito da enunciação que, ciente do enunciatário que espera ter, poderá valer-se de diferentes estratégias de sincretização enunciativa, que vão desde a redundância, passando pela oposição, pelo redimensionamento, até a ressignificação (GOMES, 2008, p.78). As estratégias de sincretização serão retomadas mais adiante. Por hora, veja se você compreendeu o conceito: 13 Atividade 1 – Atende ao objetivo 1 Observe atentamente o texto abaixo e responda às questões propostas a seguir: Fonte: Imagem de divulgação do filme E o vento levou adaptada pela empresa Hortifruti para campanha publicitária de divulgação de seus produtos. Disponível em: http://img3.wikia.nocookie.net/__cb20130901205600/educador- antenado/pt-br/images/2/2e/Hortifruti-E-o-coentro-levou.jpg 1) Identifique as linguagens articuladas no texto acima. Espaço para resposta: duas linhas. 2) Explique por que o texto acima pode ser considerado um texto sincrético de acordo com os pressupostos teóricos da semiótica discursiva. Espaço para resposta: seis linhas. Respostas comentadas 1) No texto há, basicamente, duas linguagens articuladas, funcionando na construção da significação: a linguagem verbal e a linguagem visual. A primeira se observa nas construções lingüísticas que aparecem no cartaz, 14 desde a frase publicitária até mesmo as letrinhas miúdas com informações no rodapé. A segunda, é constituída por toda a imagem do cartaz. 2) Pode-se afirmar que este é um texto sincrético porque para que o sentido se estabeleça de forma efetiva, é necessário que as duas linguagens sejam lidas e interpretadas de forma articulada. Elas trabalham conjuntamente na construção dos sentidos. O plano de fundo do cartaz do Hortifruti remete ao cartaz do filme “E o vento levou”, cujo título nos compreender a relação, pela proximidade fonológica, entre as palavras “vento” e “coentro”, esta última utilizada na publicidade. O inusitado causa um efeito de sentido de humor e provoca um estranhamento, decorrente do deslizamento dos sentidos em jogo. Fim das Respostas comentadas Agora que você conhece o conceito de sincretismo, vamos mostrar como um semioticista usa esse conhecimento na análise dos textos sincréticos. O trecho que reproduzimos a seguir é parte do capítulo “Para uma metodologia de análise de textos verbovisuais”, da professora Lucia Teixeira, publicado no livro Linguagens na comunicação: desenvolvimentos de semiótica sincrética. Leia-o atentamente: 15 Figura 6: Cartaz de divulgação do filme O ano em que meus pais saíram de férias. Fonte: http://hemetec.wordpress.com/2013/01/03/o-ano-em-que-meus-pais- sairam-de-ferias-2006/ “[...] Poderíamos exemplificar essa proposta metodológica com breve análise do cartaz do filme O ano em que meus pais saíram de férias. Do ponto de vista das unidades figurativas do discurso, temos um menino na janela traseira de um carro, olhando para cima e para frente. Focaliza-se apenas seu rosto amedrontado, marcado pelos olhos que buscam alguma coisa. Ao fundo, desfocados, prédios como cenário. Temos aí, na imagem visual, uma sequência narrativa de busca, a partir da debreagem discursiva de um personagem que corresponde, no nível narrativo, a um sujeito em espera, um sujeito de estado, portanto. A atitude passiva de quem é levado, conduzido num carro, reforça o papel actancial proposto. O título, analisado como texto que condensa a história do filme, indica a ação de um sujeito não presente na imagem visual. Apenas o pronome possessivo estabelece uma ligação entre o menino e os pais, sujeitos que estão entretanto, no verbal e no visual, separados. Desenvolve-se, no plano do conteúdo, a narrativa de uma separação e a projeção discursiva de um desses sujeito separados, em estado de espera. Separação e espera configuram-se assim como dois temas do texto anunciado no pôster. Ambos vêm indicados nos dois componentes significantes: no texto verbal, a separação faz supor um retorno e, portanto, a espera; na imagem visual, o menino solitário que olha em torno figurativiza a solidão da separação e a consequente espera do retorno e da companhia. No plano da expressão, há um corte topológico entre alto e baixo que separa o verbal do visual: o destaque dado ao menino vem reforçado também pelos elementos cromáticos (harmonia entre castanhos, beges e cinzas) e eidéticos (enquadramento equilibrado pelo limite superior curvo e o limite inferior reto). A cabeça que pende em movimento diagonal superior lança o menino para fora dos limites da janela e projeta no enunciado a possibilidade de um mundo exterior ainda não descoberto, nem pelo personagem nem pelo espectador. 16 Cria-se aqui um vínculo de comunicação entre os elementos do enunciado e o espectador a quem ele se dirige” (TEIXEIRA, 2009, p.49, 50) Ainda seja apenas uma parte da análise de Teixeira (2009), o trecho acima exemplifica de que maneira um analista do discurso pode valer-se do conhecimento das estratégias de sincretização manifestadas no discurso para percepção do sentido de um texto. Além disso, segundoOliveira, “só o fato de um plano da expressão apresentar-se sincretizado é sinalizador de escolhas do enunciador para a manifestação de conteúdos ao enunciatário” (OLIVEIRA, 2009, p.90), o que significa dizer que a compreensão da articulação entre as linguagens que constituem um objeto sincrético aponta, também, para algumas das intenções discursivas do enunciador. Atividade 2 – Atende ao objetivo 2 Observe atentamente o texto visual reproduzido abaixo e faça o que se pede a seguir: 17 Figura 7: Os retirantes, quadro de Candido Portinari, 1887. Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10686/candido-portinari 1) Identifique no texto visual as figuras que o compõem. Espaço para resposta: dez linhas. 2) Elabore um pequeno texto analítico em que você comente o modo como as figuras, os temas e também o título (verbal) se articulam e contribuem para a construção do sentido do texto. Espaço para resposta: dez linhas. RESPOSTAS COMENTADAS 1) Destacam-se, em primeiro plano, figuras que, apesar da distorção, remetem, essencialmente, às formas de corpos humanos. Observam-se as figuras de quatro adultos e cinco crianças. Uma dessas crianças, no entanto, em posição central no quadro, constitui uma figura tão enigmática que possibilita uma leitura mais aprofundada, isto é, é uma figura mais distante da referência concreta a um elemento do mundo natural e mais próxima da abstração, não se trata apenas uma criança, portanto, mas do que ela representa, esperança, talvez, apesar do seu ar sombrio e seu olhar desolado No cenário de um de um anoitecer, apresentam-se figurativamente o céu escuro, pouca luz ao fundo e a lua distante. A noite indica a hora de parar a caminhada. O movimento sugerido pelas formas das saias das mulheres e dos cabelos do homem mais velho parecem indicar uma brisa leve parece vem detrás das figuras centrais. Observam- se, ainda, as figuras dos pássaros, que vem do fundo em direção ao primeiro plano, como que em revoada. No fundo, vê-se a linha do horizonte e duas montanhas que, relacionadas a posição dos personagens, indicam o ponto de partida, distante, muito distante. Todas as partes dos corpos de todas as figuras humanas aparecem calejadas, envelhecidas, ressecadas. A jornada revela-se exaustiva. Há ossos de homens e bichos quebrados e espalhados pela terra, misturados aos seixos da terra seca, aos quais, 18 provavelmente se juntarão outros, pertencentes a essas família já tão sofrida e cansada. 2) Da perspectiva de quem está de fora e olha para o quadro, percebemos que as figuras centrais pausam uma caminhada, mas não sabemos para que direção estão indo e nem se conseguirão chegar ao seu destino. A pintura congela o cenário, mas não elimina do quadro a noção de movimento. Associadas ao título, todas as figuras ganham nova conotação e, certamente, mais intensidade. Considerando a figura do verbal ‘retirantes’, podemos concluir que os personagens marcham para o Sul, direção contrária a da seca nordestina, em busca de subsistência. O pés descalços, disformes, ora são grotescamente desproporcionais, ora perdem seus contornos e se misturam à terra, como se dela surgissem e a ela pertencessem. Poucas roupas vestem corpos esqueléticos ou subnutridos. A trouxa carregada em varas pelos homens demonstram que aquelas pessoas carregam consigo tudo o que lhes pertence. Carregam sua própria existência. Viver parece ser um fardo. A partir da observação atenta das figuras do texto, podemos identificar alguns percursos temáticos. No quadro de Portinari, o percurso figurativo recobre o tema da seca e da morte ficam muito evidentes, ainda que as figuras, na pintura, estejam mais próximas abstração. FIM DAS RESPOSTAS COMENTADAS Bons estudos!
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