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P 125 O Salvador do Império K. H. Scheer

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O SALVADOR DO IMPÉRIO
Autor
K. H. SCHEER
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
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Roubam o conversor do tempo e fazem uma viagem 
ao passado. — Outra aventura de Atlan.
Crest, o primeiro amigo arcônida de Perry Rhodan, já previra que os terranos, uma raça arrojada e empreendedora, um belo dia governariam o império decadente dos arcônidas e construiriam sobre seus destroços o reino estelar da Humanidade.
Será que já chegou o dia em que a previsão de Crest se transforma em realidade? Será que no ano 2.106, menos de um século e meio depois do dia em que o homem foi ao espaço pela primeira vez, os terranos já se tornaram bastante poderosos para substituírem os arcônidas no governo dos setores conhecidos da Via Láctea? De qualquer maneira Atlan, o imperador, que nunca gozou das simpatias dos seus decadentes cortesãos, enfrenta tamanhas dificuldades, só conseguindo manter sua posição com o auxílio dos terranos, e com o apoio do poderoso computador-regente.
Em princípios do ano de 2.106 o regente subitamente recusa todas as sugestões de Atlan e exige que seja realizado um duelo psicológico, de cujo resultado dependeria a escolha do novo imperador.
Atlan sai derrotado e perde o título!
Mas, numa tentativa de recuperar o poder ou destruir o cérebro positrônico, Perry e Atlan empreendem uma viagem ao passado...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Atlan — Um governante sem poder.
Perry Rhodan — O Administrador do Império Solar, que faz uma visita oficial...
Auris de Las-Toor — Uma mulher que embarca numa espaçonave que já deveria ter deixado de existir há milênios.
Epetran — O maior gênio de todos os tempos.
Allan D. Mercant e Nike Quinto — Que planejaram a “Missão Desespero”.
John Marshall — Chefe do Exército de Mutantes.
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— Deixe-me saltar! Por favor, sir! O senhor não tem condições de fazer o trabalho.
Interrompi-o com um gesto. Ras Tschubai, um dos teleportadores do Exército de Mutantes, lançou-me mais um olhar de súplica. Finalmente retirou-se.
O arco do transmissor ergueu-se à minha frente. Os projetores fixados ao solo despejaram um fogo azulado, que só se tornava vermelho na altura dos pólos.
O rugido dos reatores de energia superava os outros ruídos. Ras Tschubai falara comigo pelo rádio de capacete.
Entre as colunas do arco do transmissor de matéria surgiu o campo de desmaterialização, situado numa categoria espacial de ordem superior. Coloquei as mãos sobre a bomba pendurada ao meu peito.
A mesma fora produzida nos laboratórios nucleares terranos. Seu processo de liberação de energia desenvolvia-se em base térmica. Não haveria uma detonação no sentido convencional do vocábulo. Se tudo corresse conforme se previa, ainda conseguiria sair em tempo da área de perigo.
“Se...!”, transmitiu o setor lógico de minha mente.
Virei a cabeça. Já fechara o capacete pressurizado do meu traje de combate arcônida. O equipamento de climatização estava funcionando, e não havia qualquer problema com o suprimento de oxigênio. Estava preparado para qualquer emergência.
Ainda não poderia ligar o campo defensivo individual. O mesmo não se harmonizava com as linhas energéticas do transmissor arcônida. Segurei mais fortemente a bomba termonuclear.
Os acônidas! Esse povo representava os personagens misteriosos da área dos fundos do palco galáctico. Se não fosse sua colaboração e o auxílio da tecnologia daquele povo, um traidor arcônida jamais teria conseguido enganar o computador-regente.
Cerca de três meses se haviam passado desde o dia da minha fuga. Encontrava-me novamente no interior do grupo estelar M-13, mas desta vez não comparecera na qualidade de imperador em exercício, e sim como governante destituído do poder.
— Desempenho máximo dentro de quarenta e dois segundos — anunciou alguém pelo rádio.
Reconheci a voz de Perry Rhodan, que se encontrava na sala de comando da Ironduke.
Fazia um minuto que a nave linear terrana emergira do semi-espaço kalupiano.
Encontrava-se a vinte anos-luz das linhas defensivas externas. Não podíamos arriscar-nos a chegar mais perto. Provavelmente as fortificações do computador-regente já haviam determinado nossa posição.
“Que vergonha!”, pensei, amargurado.
“Tolice! Isso é uma necessidade estratégica”, disse meu cérebro suplementar.
O ruído dos reatores era ensurdecedor. Encontrava-me só na sala do transmissor. Nos segundos de que ainda dispunha antes que tivesse início a “Missão Desespero” — nome que havíamos dado à operação — os últimos acontecimentos passaram por meu cérebro, como se fossem um filme condensado.
Carba, um membro da família pouco importante dos Minterol, colocara-me fora de ação. Há três meses fora nomeado imperador, com o nome de Minterol I. O Serviço Secreto Solar apurara que, em virtude de um processo de ativação cerebral excessivamente rápido, Carba já não era dono de seu raciocínio. Seu colapso psíquico devia estar iminente.
Isso fazia com que fosse ainda mais apreciado pelas inteligências que se serviam de sua pessoa para alcançar o poder no Império de Árcon.
Essas pessoas dirigiam o computador-regente por intermédio do imperador reconhecido pela tal gigantesca máquina positrônica. O cérebro não sabia distinguir entre as instruções espontâneas de Carba e as que lhe haviam sido impostas.
Surgira exatamente a situação que meus veneráveis antepassados pretendiam evitar por meio da construção de um supercomputador. O império estava caindo nas mãos de gente estranha. Esfacelado, estava sendo repartido entre os diversos grupos de interesses. Era o fim de um império estelar fundado há vinte mil anos. Provavelmente, também seria o fim da Humanidade. Rhodan já fizera milagres com a construção do Império Solar, mas não era capaz de praticar artes de magia. Sem o apoio da frota robotizada, o planeta Terra estaria perdido.
Ao que tudo indicava, planejava-se uma ofensiva. Provavelmente a frota do regente não estaria só. Poucas inteligências apreciavam os terranos, que começavam a tornar-se incômodos. A maior parte delas odiavam-nos, especialmente os mercadores galácticos, os aras, os antis e mais recentemente os acônidas, aos quais Rhodan infligira a derrota mais grave de sua história.
Quanto a mim, já não dispunha da menor parcela de poder. Para os terranos, minha dedicação ao planeta Terra poderia ser uma coisa bela, mas já não se revestia da menor utilidade. Eu, imperador arcônida deposto, representava agora carga e não auxílio em sua política externa.
Tomara a decisão de fazer a caminhada mais pesada que já realizara em minha vida. Estava disposto a fazer aquilo que durante mais de cem anos fizera tudo para evitar: a destruição do cérebro positrônico.
Rhodan compreendia perfeitamente minha ansiedade mental. Não fizera perguntas nem formulara qualquer pedido, até que eu mesmo me declarasse disposto a destruir o regente numa explosão. Só depois disso fiquei sabendo que a Segurança Solar já prepara tudo.
Uma vez eliminado o cérebro, a salvação do império dependeria dos terranos e de mim. Naquele momento nem podia pensar nos problemas que isso acarretava.
O regente comandava as atividades industriais, o abastecimento alimentar e o poderio militar do império. Se fosse colocado fora de ação de um momento para outro, a catástrofe seria inevitável. No entanto, havíamos refletido intensamente sobre as revoltas e as guerras restritas, que se seguiriam, seriam mais graves que a divisão do império entre as potências galácticas que aguardavam avidamente o momento de abocanhar seu pedaço.
Não poderia deixar de fazê-lo. O incremento criminoso da inteligência de Carba acarretaria o fim do império. O regente fora convencido, através de meios desonestos, de que Carba deveria ser o imperador, em virtude de seu elevado Q.I. Por meio de um duelo psicológico travado no plano de uma lógica mecanizada — dificilmente compreensível — meus inimigos conseguiram provarque eu era um mau governante. Disseram que, contrariando a vontade dos antepassados, apoiara o desenvolvimento dos terranos, fornecendo-lhes certos segredos técnicos e acalentando um inimigo praticamente imbatível.
O robô não compreendera minhas preocupações com o futuro do império. Guiara-se pela antiqüíssima programação de emergência denominada Epetus, segundo a qual o imperador seria deposto sempre que não cuidasse exclusivamente do bem-estar do império.
Não consegui provar numa base puramente lógica que a amizade com os terranos, uma raça arrojada e muito inteligente, seria muito útil ao nosso Estado.
Carba fora nomeado imperador. Tive de fugir para a Terra.
— Salto dentro de três segundos. Boa sorte, amigo — comunicou Rhodan.
Sobressaltei-me. A bomba era uma realidade áspera. Teria que detoná-la no setor de controle do regente.
“Você deveria ter enviado um mutante terrano”, disse o setor lógico de minha mente.
Na verdade, um teleportador teria mais facilidade de safar-se em caso de perigo. Todavia, cabia a mim destruir a obra grandiosa dos meus antepassados.
Minha origem e meu cargo impunham-me o dever de tentar a salvação do império.
“Isso é uma atitude muito heróica!”, observou o cérebro suplementar.
Não lhe dei atenção. O setor lógico de minha mente, artificialmente incrementado, não dava muito valor aos sentimentos. A rigor era um computador orgânico que me comunicava os resultados de suas operações. Uma vez feito isso, seus ensinamentos poderiam ou não ser aceitos por mim.
O arco do transmissor tinha cerca de dois metros de altura. As colunas energéticas se adensaram.
A lâmpada roxa acendeu-se e caminhei em direção à boca escancarada que se formara entre as linhas energéticas. Mais um passo, e sairia no computador, situado a vinte anos-luz de distância.
Os terranos souberam aproveitar a técnica acônida. Os transmissores a grande distância, antes cercados de mistério, já não representavam o menor segredo.
Senti a sucção do campo de desmaterialização. Respirei profundamente, afastei de minha mente todas as reflexões sobre a utilidade ou a inutilidade do empreendimento e preparei-me para o salto.
— Pare, recue! — gritou alguém. — Recue, Atlan, há perigo pela frente. A estação receptora está em curto-circuito.
Agi sem pensar, conforme tantas vezes fizera nos últimos anos. Um homem ameaçado constantemente por grupos de assassinos adquire uma espécie de sexto sentido, que no meu caso seria o sétimo.
Antes que entendesse perfeitamente o sentido daquelas palavras, dei um salto para trás. Caí a um metro do arco do transmissor. O equipamento pesado embaraçava meus movimentos. Rastejei até que me visse fora do círculo de perigo assinalado no solo e coloquei-me atrás do campo protetor térmico.
A escotilha abriu-se. Ras Tschubai, seguido de outro homem, precipitou-se para dentro da sala. Sem dizer uma palavra, os dois arrastaram-me para fora da sala do transmissor. Depois disso colocaram-me de pé.
— Tudo bem com o senhor, sir? — perguntou um jovem.
Reconheci o Tenente Brazo Alkher, um dos oficiais da jovem geração que um dia acabaria influindo nos destinos do Império Solar.
— Tudo bem, obrigado. O que houve? 
Falei baixo. Era difícil superar o rugido dos conversores. Repeti a pergunta.
Alkher comprimiu o botão que abria meu capacete, que caiu sobre o ombro, onde ficou preso no suporte magnético. Ras Tschubai pegou a bomba. Sorriu como quem pede desculpas, concentrou-se e desapareceu numa forte luminosidade.
Senti-me perplexo. Meu cérebro recusava-se a absorver os últimos acontecimentos.
Rhodan apareceu juntamente com o comandante. Jefe Claudrin desligara seu microgravitador. Atravessou o corredor a saltos enormes. Até parecia que a bordo da Ironduke não havia nenhuma gravitação.
Mais uma vez fiquei sem resposta. Fui conduzido para fora, como se fosse uma criança. Ao que parecia, os terranos haviam notado minha disposição de espírito, semelhante a um desmaio. No momento em que Rhodan me colocou sobre um leito anatômico, no interior da sala de comando, senti-me sonolento.
Por aqui reinava o silêncio. O zumbido dos aparelhos não incomodava.
Fiquei admirado comigo mesmo. Normalmente deveria estar nervoso. Mas no estado em que me encontrava tinha de fazer um grande esforço para realizar qualquer movimento. Era como se tivesse sofrido um choque. Fora arrancado subitamente de um estado de extrema concentração e de tensão nervosa que durara semanas.
Um médico aplicou-me uma injeção. Alguns segundos depois recuperei a atividade.
Perry estava ajoelhado à minha frente. Os oficiais da Ironduke cercavam meu leito. A figura gigantesca do professor Kalup era inconfundível. Ergui-me sobre o leito.
— Vaso ruim não quebra — disse Kalup, em tom gentil. — O senhor sabia que já se encontrava sob os efeitos do campo de desmaterialização? Como conseguiu voltar em tempo?
— Uma reação automática, o instinto de autoconservação, sei lá!
— Que instinto! O transmissor entrou em curto-circuito no momento exato em que o senhor pretendia entrar... Dessa forma a estação receptora não mais aceitaria qualquer porção de matéria. Qualquer objeto expedido pelo transmissor, enquanto o aparelho se encontra nestas condições, deve ser atirado de um lado para outro umas cem mil vezes, no espaço de um microssegundo.
Rhodan fitou-me com um sorriso. Era um sorriso forçado. Pôs a mão no meu ombro para tranqüilizar-me.
— Esqueça. Percebemos no último instante.
As reflexões atropelaram-se em meu cérebro. Durante os longos anos em que exercera as funções de imperador, sob o nome Gonozal VIII, conseguira instalar um transmissor nos subterrâneos do computador-regente. O cérebro positrônico nunca chegara a desconfiar, pois sua estrutura não lhe permitiria constatar a presença dos campos energéticos de categoria superior. Além disso, o receptor fora construído por especialistas terranos. Havia dispositivos de segurança que eram desconhecidos até mesmo para os acônidas.
Quem provocara o curto-circuito no aparelho? Quem estaria em condições de fazê-lo?
Um som estranho me fez aguçar o ouvido. Parecia um cachorro gemendo. Rhodan Olhou para uma tela que mostrava o recinto da estação transmissora instalada a bordo da nave. Alguns segundos depois, o ruído tornou-se mais estridente, crescendo até transformar-se no chiado de uma serra mecânica.
— Mandamos um robô para o campo de desmaterialização — gritou Perry. — Olhe!
Levantei-me de um salto. Mais uma vez minhas pernas pareciam trabalhar completamente desligadas dos comandos do cérebro. Desconfiei de que estava pálido de susto.
O campo de desmaterialização situado entre as colunas energéticas, que costumava ser negro, brilhava numa luminosidade esverdeada. No centro desse campo destacava-se uma figura de contornos nebulosos, que sofria uma deformação progressiva a cada segundo que passava.
Jefe Claudrin deu uma ordem. O transmissor instalado a bordo da nave foi desligado. Um raio fulgurante saiu da abertura. Alguma coisa bateu contra a parede blindada do recinto em que estava instalado o equipamento energético, e ficou grudada na mesma.
Mesmo quando o rugido dos conversores já ia amainando, continuamos a fitar a tela. O robô transformara-se numa esfera metálica do tamanho de um punho cerrado. Ao que parecia, transformara-se numa porção de matéria altamente condensada. Brilhando numa incandescência branca e pulsando na superfície como se fosse um ser vivo, continuava grudada na chapa de aço.
Não consegui pronunciar uma única palavra. As pessoas da sala de comando podiam imaginar perfeitamente qual seria meu aspecto se não tivesse dado um salto para trás.
Rhodan pigarreou. Kalup passou o lenço pela calva.
— Esses grupos de átomos não estão muito bem arrumados — disse. — Será que o senhor poderia informar o que aconteceu com seu transmissor, sir? Sempre pensei que o senhor o tivesse escondido.
Dominei o nervosismo que ameaçava apoderar-se de mim. Era tudo inútil. Ninguém proferiuuma palavra. Depois de algum tempo principiei em tom hesitante:
— Essa é uma boa pergunta, professor. O regente nunca seria capaz de descobri-lo. Nem Carba. Conclui-se que deve ter havido a interferência de certas inteligências entendidas em transmissores acônidas.
— Em transmissores terranos construídos segundo o princípio dos aparelhos acônidas — retificou Kalup, irritado.
Interrompi-o com um gesto.
— Está bem. Sei perfeitamente que o senhor fez o que pôde. Apesar disso a máquina foi localizada e, segundo parece, sua técnica foi compreendida. Alguém esperou até que nosso transmissor entrasse em funcionamento e irradiasse o impulso de prontidão para o salto e provocou o curto-circuito. Desta vez ainda escapei bem. Resta saber como provocar a explosão no interior do cérebro positrônico.
Kalup retirou-se. Segui o homem corpulento com os olhos, até que desaparecesse na sala dos aparelhos de localização. O tom ruidoso de sua voz não me atingia mais. Sabia que esse tom correspondia ao seu gênio colérico. Não tinha a intenção de ofender-me.
Rhodan estava com as mãos apoiadas numa mesa de mapoteca. Fitava a tampa da mesa como se quisesse perfurá-la com os olhos. Sem erguê-los, fez uma constatação que eu não poderia contestar.
— Foi a última oportunidade de atacarmos o cérebro com um risco relativamente reduzido. Cientistas acônidas penetraram no centro de computação. Obtiveram permissão para fazer alguma coisa que sempre nos foi proibida. Não há dúvida de que houve uma reprogramação no regente, em seus setores de segurança mais importantes. Com isso transformou-se numa máquina que representa um perigo para a comunidade. Constatamos que grandes contingentes da frota robotizada receberam ordem para dirigir-se ao sistema de Árcon. Além de inútil, um ataque frontal representaria uma ameaça à própria existência da Humanidade. Nossos mutantes não conseguem penetrar no cérebro. O transmissor fictício seria a única solução.
Agucei o ouvido. O aparelho encontrava-se a bordo da nave capitania da Frota.
— Já se provou que o campo energético do cérebro não pode ser rompido. As armas defensivas foram modernizadas pelos acônidas, e além disso também possuem naves lineares. O que pretende fazer?
Fitou-me. Jefe Claudrin esquivou-se ao meu olhar. Naquele instante comecei a desconfiar de que os terranos haviam discutido um assunto sobre o qual ainda não fora informado.
— Nada, Atlan, ou melhor, por enquanto não pretendo fazer nada. Tudo depende do que você resolver.
— Sobre o quê?
— Preciso de seu consentimento para provocar um incêndio nuclear em Árcon III. Dali resultaria a destruição do planeta. Um momento — levantou a mão, e procurei dominar minha exaltação. — Deixe-me concluir. Sabemos perfeitamente que isso afetaria o estreito elo gravitacional que liga os três mundos arcônidas. Se a massa do planeta de guerra deixar de existir, os astros capturados por seus antepassados sem dúvida sairão de suas órbitas. Realizamos cálculos sobre isso. Árcon I e Árcon II, o mundo industrial, sofreriam terremotos e maremotos devastadores. Além disso haveria uma modificação das condições climáticas. Não posso deixar de ressaltar este ponto.
Dirigi-me à sala de observação espacial. Sentia-me profundamente atingido pelas palavras de Rhodan.
— Sou de opinião que o plano deve ser rejeitado — disse e virei a cabeça.
O rosto de Perry parecia indiferente, quando concluí:
— Obrigado. Não é possível. O plano poderia representar a morte de bilhões de arcônidas. Se necessário, ainda poderia concordar com a destruição de Árcon III. Por lá quase não vive ninguém. Seria possível evacuar os habitantes. No entanto, não podemos admitir qualquer abalo do mundo de cristal e do planeta número dois. Ainda não desisti de destruir o computador.
A porta blindada abriu-se e atravessei-a. Não tinha a menor dúvida de que chegáramos a um ponto em que já não sabíamos o que fazer.
Rhodan seguiu-me. Paramos diante das telas que retratavam os ecos dos rastreadores de energia. Ouvimos a voz de Jefe Claudrin, vinda da sala de comando. Deu ordens para que os propulsores fossem colocados em funcionamento.
Quando os rastreadores estruturais começaram a rugir, eu já estava preparado. Contara com isso. Rhodan soube interpretar meu sorriso cansado.
Viéramos, para destruir o regente. Se este deixasse de existir, os planos de Carba estariam condenados ao fracasso. Os grupos acônidas não mais se interessariam por sua pessoa. E, o que era mais importante, cerca de cem mil espaçonaves da frota robotizada de Árcon ficariam impossibilitadas de entrar em ação.
“Se!”, observou o setor lógico de minha mente.
Não dei atenção à objeção. Os acônidas, que comandavam a revolta, haviam conseguido o que pretendiam. O regente agia sem a menor lógica. Isso provava que sofrera uma influência decisiva em sua programação.
O rugido indicava a existência de grande número de transições. Isso provava que o cérebro nos atacava.
Não dei atenção ao uivo das sereias de alarma. A Ironduke estava preparada para entrar em combate. Poucos segundos depois da primeira localização a grande distância, começou a deslocar-se pelo espaço. Como sempre acontecia em ocasiões como esta, as ordens pareciam atropelar-se.
Os homens de prontidão correram para os postos de combate. As torres de canhões escamoteadas provavam que o planeta Terra já não estava tão indefeso como estivera há cem anos.
A manobra de imersão das espaçonaves, que acabava de ser registrada, provocou uma segunda onda de choque, também registrada pelos rastreadores superdimensionais.
As telas do sistema de eco dos localizadores de massa mostraram quatro pontinhos verdes. Dali a alguns segundos transmitiram a interpretação dos dados. O sistema de localização terrana de ultraluz baseava-se no princípio da interpretação do eco de hipercomunicação. Conseguira-se provocar um eco, até mesmo nos objetos feitos de substância material comum. Já não se dependia exclusivamente das ondas de impulso energéticas dos propulsores, que permitiam determinar a distância e a posição do objeto, mas não serviam à determinação de seus contornos.
A voz do oficial de plantão saiu dos alto-falantes. Naquele momento a Ironduke precipitava-se pelo espaço, acelerando à razão de 600 km/seg2.
— São quatro supercouraçados da classe Império no vermelho 33,467, vertical 7,27465 graus. Voam em formação e fazem manobra de reunião. Tomam nossa direção. Estão abrindo fogo.
Franzi a testa, contrariado. Não havia dúvida de que as gigantescas naves pilotadas por robôs haviam recebido ordens de destruir a Ironduke.
No entanto, estranhei que o grande cérebro positrônico tivesse dado ordens para abrir fogo. Os quatro veículos espaciais haviam saído do hiperespaço a uma distância de cerca de dez milhões de quilômetros. Deslocavam-se a uma velocidade que equivalia aproximadamente à da luz. Seria ridículo querer alcançar algum efeito com um impacto produzido a essa distância. Além disso, a distância era muito grande para poder atingir um inimigo veloz.
Rhodan não deu a menor atenção às trilhas energéticas invisíveis que passavam por nós.
— As baterias do costado começaram a disparar — comunicou o sistema de observação espacial. — São miseráveis! Perdão, sir.
Corri para a sala de comando. As telas de grandes dimensões mostravam nitidamente os pontos projetados pelos ecos. As espaçonaves do império estavam desacelerando. Os fatores de influência sobre as trajetórias de tiro, resultantes da manobra, não podiam ser solucionados nem mesmo pelos dispositivos positrônicos do regente.
O trovejar dos propulsores de nossa nave não permitia a comunicação normal. Peguei um rádio de capacete, comprimi os fones contra os ouvidos e liguei o aparelho.
Logo ouvi as ordens de Rhodan, que estava sentado na poltrona de comando. O comandante, que se encontrava a seu lado, verificava os controles da artilharia e das máquinas.
— ...devemos tentar. Abrir fogo — disse Perry.
Lancei um olhar de surpresapara as telas de vigilância. Um foguete antiquado, do tipo que utilizáramos na luta contra os antis, saiu da cúpula de disparo.
No momento em que atravessou os campos defensivos invertidos de nossa nave, via-se o chamejar dos seus micropropulsores. Um ponto luminoso verde surgiu nas telas dos rastreadores energéticos. O foguete acelerava com um máximo de 800 quilômetros por segundo ao quadrado.
Possuía um mecanismo de autocontrole. Seu mecanismo direcional baseava-se em três princípios distintos, que dificilmente poderiam ser reconhecidos por uma nave robotizada. Os projéteis armados estavam fora de uso há milênios.
— Será que vai dar certo? — perguntei. 
Rhodan parecia tranqüilo.
— Um ditado terrano diz que mais vale experimentar que pensar. Quero ver como reagirão diante disso. No momento estamos trabalhando com o rastreador de matéria. Se este sofrer alguma interferência, o rastreador energético entrará em ação. Tal aparelho se tornará ineficaz se os propulsores forem desligados. As radiações remanescentes são pouco intensas para permitir a localização a grande distância. O coletor de reflexos reforçado por laser representa o método mais primitivo. Entrará em função assim que penetrar no setor que já tenha sido atingido pelo raio luminoso refletido pelas naves. Dificilmente haverá alguma possibilidade de evitar o reflexo. É bem verdade que o projétil terá de correr atrás da nave que prossegue em seu vôo.
Fiquei impressionado. Esses homens não hesitavam em recorrer às armas adequadas a cada caso, mesmo que essas armas representassem uma “engenhoca” antiquada, que outras inteligências rejeitavam numa atitude de arrogância.
As naves robotizadas continuavam a disparar. Sua rota aproximava-se da nossa, mas haviam desistido de voar em formação.
Antes que penetrássemos no semi-espaço kalupiano, o centro de observação espacial da nave anunciou uma violenta irrupção de energia a uma distância de oito milhões de quilômetros.
Um dos pontos desapareceu da tela que retratava os ecos. No mesmo lugar surgiu uma mancha alaranjada.
— Houve uma liberação de aproximadamente quarenta mil megatons — informou o oficial de plantão no centro de observação espacial. — A nave foi derrubada. É uma perda total. Os combustíveis nucleares dos propulsores participaram do processo.
Rhodan recostou-se na poltrona. Tremi por todo o corpo. Então a incapacidade do regente chegara a tal grau que suas naves podiam ser destruídas por projéteis nucleares primitivos! Haveria pelo menos dez possibilidades de destruir o foguete bem perceptível por meio de um disparo ou de desviar-se do mesmo. Esquivei-me ao olhar de Rhodan.
O uivo do conversor de compensação cessou. O espaço estrelado desapareceu das telas.
Mais uma vez senti-me fascinado pelo fenômeno do vôo linear a velocidade superior à da luz.
Ouvi a voz de Rhodan que saía do alto-falante de meu capacete.
— O computador-regente está no fim. Nunca acreditaria que fosse capaz de atingir uma nave da classe Império, quanto mais destruí-la. Está na hora de destruirmos a máquina pensante, que está causando tanta desgraça. Dentro de alguns minutos toda a Galáxia ferverá em revolta. Até lá, Carba deverá enlouquecer. Daí em diante, o domínio dos acônidas será ainda mais fácil. Por enquanto ainda terão de ter alguma consideração. Já imaginou o que acontecerá quando isso não for mais o caso?
Confirmei com um gesto. Senti-me deprimido. Sim, já havia imaginado. Mas mesmo que o comportamento das quatro naves robotizadas fosse estranho, a Frota Solar não teria condições de enfrentar cem mil unidades desse tipo...
Além dessas unidades as naves dos saltadores penetrariam no sistema solar, além dos veículos espaciais de inúmeros povos coloniais, que continuavam submetidos ao Império de Árcon.
Apesar de tudo, ainda acreditava que seria capaz de pôr o regente fora de ação. Para nós, esse ato representaria o corte do nó górdio.
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Já estava acostumado a ouvir muita coisa do “homenzinho”, nome que se dava ao personagem franzino que desempenhava as funções de chefe da Segurança Solar. Desta vez, porém, o marechal solar apresentou a idéia mais maluca de que já ouvira falar.
Ao que parecia, quanto mais avançava a tecnologia, mais os terranos preferiam as soluções aparentemente impossíveis às outras.
Conhecia o gênero humano há dez mil anos. Sempre haviam sido inteligentes, resolutos e dotados de uma curiosidade amedrontadora.
Essas qualidades me deram o que pensar ao tempo em que era almirante arcônida. Quando pela primeira vez pus os pés no planeta Terra, refleti, com base na minha educação, no meu posto e nas minhas concepções arcônidas, sobre a maneira de redigir o relato da situação.
Achei que deveria informar meus descendentes de que, nesse mundo pertencente ao sistema de nove planetas da estrela denominada Sol, estava crescendo um povo que valia a pena ser observado atentamente.
E agora os terranos se haviam transformado num fator importante no jogo galáctico de forças. Lutavam pela vida, fato que se tornara inevitável com sua apresentação oficial no cenário da grande política estelar.
Allan D. Mercant representava um fenômeno importante no jogo rhodaniano, que visava ao reconhecimento dos terranos, à sua expansão e à ação fulminante. Era semimutante, dotado de reduzidas faculdades telepáticas, e possuía o cérebro de um gênio.
Já fora chefe do Serviço Secreto da OTAN. Foi graças a ele que a chamada Terceira Potência, fundada por Rhodan, no curso do século vinte, não enfrentou dificuldades ainda maiores.
Mercant costumava dizer que seu passatempo predileto era a atividade ligada ao serviço secreto. No meu entender, o uso de um serviço desse tipo era indispensável, mas não podia ser considerado muito limpo. Nenhum chefe de segurança consegue evitar dissonâncias ocasionais na atuação de seu instrumento específico.
Fazia dois dias que havíamos chegado a Terrânia. A cidade crescera e se modernizara ainda mais. Nem mesmo Rhodan conhecia exatamente o número exato de habitantes da cidade.
Atendendo a um convite de Mercant, comparecêramos a uma reunião na pequena sala de conferências. As medidas de segurança eram apavorantes. Além dos robôs que serviam de sentinela, das paredes à prova de som e dos mutantes que andavam pela área, a pequena sala de conferências fora envolta num campo defensivo.
Nenhum serviço de escuta seria capaz de captar nossa palestra. Estávamos reunidos em atitude descontraída. No ambiente que rodeava Mercant, não havia as típicas mesas verdes em ferradura. As reuniões promovidas por Mercant sempre pareciam uma festa.
Os homens mais importantes do Império Solar participavam da reunião. Constatei que, entre as pessoas ali reunidas, não havia ninguém que não tivesse recebido uma ducha celular conservadora da vida.
Até mesmo Homer G. Adams, o chefe onipotente da GCC solar, comparecera à reunião. As iniciais GCC significavam General Cosmic Company e designavam uma organização criada nos anos setenta de um século em que a navegação espacial tripulada dos terranos era praticamente desconhecida; essa situação perdurou até o dia 19 de junho de 1.971, quando Rhodan realizou o primeiro vôo à Lua. Esse dia marcara o início de um jogo cuja fase mais importante começava a desenvolver-se naquele momento.
Continuei a olhar em torno. Os Marechais Solares Mercant e Freyt estavam presentes, bem como os Generais Deringhouse e Kosnow. Também Rhodan e Reginald Bell, Ministro da Defesa, alguns cientistas proeminentes e outros homens que só conhecia por ouvir falar.
O Coronel Nike Quinto, chefe de uma das divisões da Segurança, era um homem cercado de mistério. Dizia-se que era um mestre no jogo de esconder. Sem dúvida a idéia maluca de Mercant provinha ao menos em parte de Quinto, que se mantinha sentado num canto, transpirando profusamente e falando a todas as pessoas que se dispusessem a ouvi-lo sobre suas doenças imaginárias.
Ali estava reunida uma equipe de trabalho que seria capaz de abalar aGaláxia.
Fitei Homer G. Adams com sua GCC, cujo potencial financeiro lhe permitiria levantar uma “doação” especial de quinhentos bilhões de solares com uma simples assinatura, Mercant com sua misteriosa Segurança e Rhodan com a Frota Solar, sobre cuja força verdadeira não dava informações a ninguém.
Há alguns minutos reinava um silêncio tenso. A exposição de Mercant parecia inacreditável.
— Será... será que o senhor está bêbado, meu caro? — perguntou Rhodan, perplexo.
Mercant lançou um olhar para Quinto.
Já conhecia o sorriso gentil do chefe de segurança. Nunca vira um homem tão perigoso, com aspecto tão inofensivo.
— Peço licença para dizer que não — disse Mercant.
De repente Rhodan pareceu sentir frio. Seu corpo foi sacudido por um calafrio. Também tive impressão de que uma corrente de água fria corria pelas minhas costas.
— Isso é uma loucura, Mercant! — observei em tom hesitante, mas no mesmo instante notei, estupefato, que também já me sentia dominado pelo fogo do entusiasmo.
Mercant, que era um hábil psicólogo, piscou os olhos para mim. Parecia saber interpretar o brilho do meu olhar.
— Agora já são dois que se fazem de doidos — afirmou Bell.
— Como? — perguntou o professor Kalup, em voz alta. — Sinto-me fascinado.
— Vejam só como divergem as opiniões das pessoas — disse Rhodan, com uma risada seca. — Quinto, será que foi o senhor que sugeriu essa idéia louca e temerária ao nosso chefe de segurança?
Nike Quinto, um homem baixo e rechonchudo, inflou as bochechas.
— Sir, face à minha pressão sangüínea excessivamente elevada nunca me daria ao luxo de provocar o nervosismo dos meus superiores, pois isso traria conseqüências desagradáveis para mim mesmo. E, como minha pressão sangüínea seria incapaz de resistir a uma ten...
— Tomara que o senhor estoure logo — resmungou Kalup. — Suas bochechas moles andam tremendo demais.
Quinto sorriu. Parecia chocado. Recuperei a tranqüilidade interior. Rhodan olhou para mim. Naquele momento notei que, em seu rosto, também havia a expressão que sempre aparecia quando uma empresa arriscada estava iminente.
— Então, meu velho pirata? — perguntei. — Isso lhe fez cócegas?
Rhodan riu. Estávamos entendidos.
— Encontramos o que queríamos — gracejou Bell. — São dois loucos do mais alto gabarito. Queira desculpar, majestade aposentada.
Fez uma mesura irônica. Comecei a impacientar-me. Mercant deixara que déssemos vazão às nossas reações.
— O senhor mandou fazer uma interpretação cuidadosíssima dos dados que lhe forneci, Mercant? — perguntei de repente. — O senhor sabe perfeitamente que o menor erro poderá representar nosso fim?
O marechal fez um sinal para Quinto. O chefe do chamado “traste de cérebros”, também conhecido como Divisão III, levantou-se fungando. Para Nike Quinto era arriscado tocar o chão com os dois pés ao mesmo tempo. “Rolou” agilmente em direção a um painel de controle. A poltrona rangeu, quando se deixou cair na mesma.
Uma chave estalou. As luminárias existentes no recinto sem janelas apagaram-se. A imagem tridimensional de uma espaçonave surgiu na tela do tamanho de uma parede.
Levantei-me de um salto. Perplexo, segurando firmemente a mesa que se encontrava à minha frente, fitei a tela. Não era possível, a não ser que os terranos tivessem aprendido a arte da magia.
— Mercant...! — disse com um gemido. — Tenha pena de mim. Um arcônida também possui nervos.
— O que lhe estamos mostrando é um fato, sir. Este filme foi rodado hoje de manhã. O que o senhor está vendo é um cruzador pesado de Sua Majestade Tutmor VI, chamado Sotala, que é comandado pelo Capitão de Segunda-Classe Tresta, pertencente à família nobre dos Efelith.
“No dia 10 de fevereiro de 2.106 fará exatamente 6.023 anos terranos que o Grande Conselho de Árcon recebeu uma mensagem de hiper-rádio expedida pela nave Sotala. Era uma notícia tão importante que foi apresentada ao Imperador Tutmor VI. — O Capitão Tresta conseguira libertar do inimigo dois mundos situados no setor das nebulosas. Seu cruzador foi destruído durante a operação. A Sotala nunca mais voltou a Árcon. O Capitão Tresta passou a ser considerado um herói na história de seu povo, sir.
“Recorremos a todos os nossos especialistas e não medimos os custos para adaptar uma espaçonave, transformando-a na velha Sotala. O veículo espacial é igual ao seu protótipo até a última solda. A Segurança Solar garante que não há nenhuma falha. Durante a adaptação tivemos de considerar vários detalhes. As dimensões externas da nave tiveram de ser reduzidas para cento e oitenta e nove metros. Os dispositivos positrônicos modernos tiveram de ceder lugar ao sistema de computação então em uso. Os propulsores, as unidades energéticas, o armamento, os circuitos elétricos, os centros de cálculo, os alojamentos dos oficiais e tripulantes, tudo teve de ser copiado, tal qual dezenas de milhares de outros detalhes. Até mesmo a potência dos propulsores foi imitada da antiga nave. Qualquer técnico arcônida dos tempos do Imperador Tutmor VI poderia fazer uma inspeção detalhada da espaçonave e não encontraria a menor divergência. Examinamos cuidadosamente as plantas da nave, que encontramos nas microfitas magnéticas salvas pelo senhor.”
Tremi que nem uma pessoa febril. Meu cérebro suplementar, que se identificava com minha memória fotográfica, deu sinal de vida. Sabia como meus antepassados costumavam construir suas naves.
Caminhei em direção à tela; até parecia hipnotizado. O nome Sotala fora pintado em caracteres arcônidas em dois pontos do envoltório esférico. Estava escrito no vermelho-chamejante então em uso.
— A composição da tinta é correta — disse Mercant com tranqüilidade de quem faz uma observação sobre o tempo.
De repente senti medo. Os terranos eram mestres na arte do disfarce, mas desta vez Mercant quebrara seus próprios recordes.
A protuberância pontuda que abrigava os propulsores correspondia ao tipo de nave da Sotala. As eclusas destinadas à passagem dos tripulantes e passageiros eram hexagonais. Também neste ponto a construção fora correta. As colunas de apoio possuíam a protuberância típica na articulação inferior, que abrigava o dispositivo hidráulico adicional. As torres de canhões ainda estavam equipadas com as antenas de rastreadores individuais, destinadas a orientar o fogo concentrado das peças isoladas. Preferia-se não confiar exclusivamente no comando centralizado.
Examinei os menores detalhes, mas não encontrei qualquer erro.
— Por dentro a nave também é assim, Mercant? Foi tão bem imitada quanto do lado de fora?
— Posso dar-lhe minha palavra de que foi — asseverou Quinto.
Concluí que ele tinha algo a ver com aquilo.
— Seu hipócrita — observou Kalup. — De qualquer maneira dou-lhe meus parabéns.
Estupefato, voltei a acomodar-me na minha poltrona anatômica. O ativador celular pendurado ao meu pescoço produzia um ruído mais forte que de costume. Aquilo representava mais um lembrete da minha idade avançada. Parecia que, nos momentos de nervosismo, tornava-se necessário ativar a regeneração celular.
Rhodan ofereceu-me uma bebida.
— Está satisfeito? Não descobriu nenhum defeito?
— Nenhum — respondi. — Naturalmente ainda falta examinar o interior da nave. Mercant, para que servirá isso?
Até então o chefe de segurança falara pouco. Apesar disso — seu plano ligado aos temas da correção das linhas temporais e da penetração no cérebro — deixara-nos bastante perplexos. E o que veio depois fez com que, vez por outra, prendesse a respiração.
Mercant foi objetivo. Nem mesmo quando abordava os pontos mais importantes revelava qualquer paixão. Além disso usava um estilo telegráfico, motivo por que sua exposição se tornava fragmentária. Isso, porém, fazia com que fosse ainda mais impressionante. Nem por um instante tivemos a impressão de estarmos ouvindo um sonhador.
— Depois de a Sotala ter transmitido a notícia do êxito alcançado, não se recebeu mais nenhuma mensagem daquela nave. Segundo relatos posteriores da sededa frota arcônida, o cruzador foi destruído. Assumiremos o papel da Sotala. Regressaremos a Árcon três dias depois do recebimento da mensagem já conhecida e pousaremos. Atlan desempenhará o papel de comandante. Estamos providenciando os uniformes, a documentação de todos os tipos e os mantimentos então em uso, que assumiam a forma de alimentos desidratados e de conservas. Os números das peças de munição correspondem aos que o chefe de armamento da Base 187 forneceu à nave. Não esquecemos o menor detalhe. Até mesmo o nome do fabricante, impresso na parte interna da gola dos uniformes, corresponde ao original. Os arcônidas eram gente muito minuciosa, e dispomos da série completa de dados antigos sobre o assunto. Quando pousarem em Árcon III, os senhores realmente serão os tripulantes da Sotala. Não existe a menor possibilidade de erro.
— Quando pousarmos? — repetiu Rhodan, em tom enfático. — Quando será isso? Não venha me dizer que a correção das linhas temporais tem alguma relação com isso.
— A mesma constitui a condição básica, sem a qual o plano estará condenado ao fracasso, sir — respondeu Mercant no mesmo tom gentil de antes. — A adaptação de um cruzador terrano e a transformação de seus tripulantes em velhos arcônidas da época de Tutmor VI só terão alguma utilidade se conseguirmos penetrar na época correspondente. Acho que conseguiremos isso por meio de um aparelho especial acônida, que os mutantes e agentes do serviço secreto da Segurança descobriram no planeta central do Sistema Azul.
— Não é possível! — observei, estupefato.
— É isso mesmo, sir. Lembro-me perfeitamente do ataque acônida contra o computador-regente, realizado pouco depois da descoberta do planeta Sphinx. Naquela oportunidade houve uma tentativa de alterar as linhas temporais. A Frota-Fantasma ficou atacando a Terra, até que conseguimos destruir o aparelho de conversão do tempo. No planeta central dos acônidas existe outra máquina desse tipo.
— Trata-se de um deslocamento do tempo? — perguntou Rhodan, inclinando o corpo para a frente.
— É mais ou menos isso, sir. Não será uma viagem pelo tempo, do tipo sobre o qual já se fizeram diversas conjeturas. O aparelho produz um campo de absorção na quinta dimensão, em cuja área de influência se torna possível produzir uma modificação na condição temporal, ligada ao terreno do conceptual. Não é possível abandonar realmente o tempo em que vivemos, para irmos viver em outra época.
“Não se pode viajar pelo tempo, desempenhando o papel do visitante, vindo do futuro. De qualquer maneira, o raio de ação do aparelho, bastante limitado, deverá ser suficiente aos nossos objetivos.”
Kalup forneceu outras explicações técnicas. O princípio era perfeitamente compreensível, muito embora ninguém conseguisse explicar de que maneira os acônidas influenciavam as linhas temporais existentes.
Mercant esperou pacientemente. Aos poucos, a conferência ia-se transformando numa reunião descontraída. Vários grupos discutiam animadamente. Os presentes só voltaram a dedicar sua atenção ao tema central, quando Rhodan pediu que se fizesse silêncio.
— Prossiga, Mercant. Estamos preparados para qualquer coisa.
— Obrigado, sir. Descobrimos que se trata de uma máquina estacionaria. Seria necessário transportá-la numa nave e, transferi-la para o cruzador adaptado, quando este se encontrasse no espaço. Já conhecemos a equipe que lida com o conversor. Trata-se de quatro cientistas acônidas, que ainda hoje estão em condições de comandar o aparelho. Mas não são capazes de reparar eventuais avarias do mecanismo. O segredo da construção perdeu-se nas brumas do tempo. Um eventual defeito do aparelho não representará nenhum perigo. Não existe o risco de ficarmos presos numa época temporal diversa. Assim que o campo energético se apaga, o sistema estabilizador entra em ação. Nosso comando em Sphinx já recebeu instruções de vigiar os quatro cientistas. Os mutantes tomarão todas as providências para que eles compareçam na hora exata ao lugar em que se encontra o conversor. Este encontra-se num museu. Sua utilização é proibida sob pena de morte. Só se permitem experiências realizadas sob controle governamental. Para nós, Isso representa um ponto de ataque.
“Consiga o aparelho, instale-o na imitação da Sotala e saia voando por aí. Antes de chegar ao sistema de Árcon, ligue o campo temporal. Este deve ser cuidadosamente regulado. Capte a mensagem de rádio da verdadeira Sotala, espere dois dias e avise pelo telecomunicador que está voltando de uma missão bem-sucedida. O cruzador verdadeiro não lhe poderá causar problemas. No momento em que pousarem no planeta, a nave primitiva já terá sido destruída.”
Respirei apressadamente, que nem uma pessoa, gravemente enferma. Mercant só podia estar louco. Uma viagem pelo tempo, no sentido literal da expressão, seria um absurdo. Talvez houvesse a possibilidade de um deslocamento do campo temporal, mas tal acarretaria problemas que não poderiam ser solucionados nem pelos terranos, nem por mim.
Não havia mais ninguém que compreendesse o aparelho deixado pela velha ciência acônida.
Quem comprimisse o respectivo botão iniciaria uma operação que não oferecia a menor segurança quanto ao bom funcionamento do aparelho ou quanto à segurança da nossa missão.
Além dessas dificuldades, ainda havia o problema da necessária subtração da máquina e do seqüestro de alguns cientistas. Estes provavelmente haviam descoberto, depois de anos de experiências, que chave teria de ser acionada para alcançar este ou aquele efeito.
Nem por isso se poderia dizer que sabiam lidar com a máquina. Além disso não sabíamos que efeitos a mudança do estado temporal produziria sobre nós.
Mesmo que fôssemos pousar em Árcon III, 6.023 anos antes do nosso tempo, continuaríamos a ser componentes energéticos de nosso tempo. Mercant confessara que seria impossível penetrar de forma estável na época de Tutmor VI ou fazer uma viagem pelo tempo. O plano era absurdo.
A voz de Mercant arrancou-me do estado de rigidez em que me encontrava. As palavras finais de sua exposição deixaram claro que os cientistas da Segurança não ignoravam as dificuldades.
— O alcance do campo temporal chega, a uns duzentos quilômetros, isto quando o conversor é ativado ao máximo de sua potência. Ninguém deve afastar-se a mais de duzentos quilômetros do aparelho. A falsa Sotala deverá pousar o mais perto possível do cérebro positrônico, no qual naquela época havia um trecho aberto. O campo defensivo energético ainda não existia. Os senhores terão de penetrar no labirinto com muita habilidade e com o auxílio dos mutantes e esconder uma bomba nuclear de tal forma que não seja encontrada. Essa bomba possui um relógio de urânio que desempenha as funções de detonador. O processo de fusão será desencadeado exatamente 6.023 anos depois. Isso corresponde ao dia 15 de fevereiro de 2.106. Em outras palavras, a detonação se verificará dentro de poucos dias.
Rhodan levantou-se. Enfiou as mãos nos bolsos do uniforme, dirigiu-se ao projetor de filmes e parou junto ao mesmo.
— Mercant, desta vez suas especulações são muito loucas. Se a bomba deve explodir no dia 15 de fevereiro, teoricamente a mesma já deve encontrar-se no interior do cérebro positrônico.
— Existe uma explicação relativista — observou Kalup, em tom apaixonado. — Pode estar, mas não se pode dizer que tenha de estar. O funcionamento do aparelho acônida é por ora fictício.
— Professor, acho que minha inteligência não foi turvada. Acontece que não consigo acompanhar seu raciocínio.
— Nós também não conseguimos — confessou Mercant. — Apesar disso devemos tentar. Não vejo outra possibilidade de destruir o cérebro. Os acontecimentos mais recentes provam que as alterações nos seu controles mais importantes transformaram o centro de computação num grave perigo. Descobriram-se comandos energéticos acônidas. Teria sido possível prender os oito cientistas, se o cérebro não tivesse tomado uma decisão precipitada e provocado um curto-circuito. Atlan não pôdeutilizar seu transmissor. Não se pode cogitar da utilização da arma mais perigosa que possuímos, pois isso representaria o fim do sistema de Árcon. Os mutantes não são capazes de atravessar o campo energético modernizado. Será que o senhor poderia dizer como afastar o perigo que nos ameaça?
— A Divisão III é de opinião que sei deve arriscar alguma coisa — disse Nike Quinto. — Diante de acontecimentos extraordinários deve-se recorrer a meios extraordinários. Já elaboramos um plano que prevê como se deve agir. Nossa missão ainda encontrará vivo o maior cientista dos arcônidas, o membro do Grande Conselho chamado Epetran. O mesmo faleceu oito anos depois. Talvez se consiga influenciar Epetran de maneira a levá-lo a modificar a programação do robô, e isso desde o início.
— Tolice! Se isso tivesse acontecido, hoje teríamos de agir de forma diferente — afirmou Rhodan.
Concordei com sua opinião.
— Talvez não — replicou Nike. — Da situação atual podemos concluir tudo ou nada. Ainda não sabemos se o senhor esteve no cérebro há 6.023 anos ou não. Teremos de aguardar o dia 15 de fevereiro.
— Pois aguardemos! — respondi num gemido.
Mercant fez um gesto. De repente pareceu muito decidido.
— Isso é impossível, majestade! Dessa forma perderíamos o momento adequado. A mensagem de hiper-rádio da Sotala é recebida no dia 10 de fevereiro, há 6.023 anos. O comandante da nave recebe ordens para regressar imediatamente. Terá de chegar ao sistema de Árcon dentro de dois dias. Isso corresponderia ao dia 12 de fevereiro, falando em termos terranos. Os senhores receberão a tabela de conversão para os dados arcônidas. Disporão, então, de dois dias, no máximo de dois dias e meio, para esconder a bomba ou obrigar Epetran, que dirigiu a construção do grande centro de computação, a montar um outro dispositivo de segurança. A bomba deverá explodir no dia 15 de fevereiro. Se perdermos esses momentos decisivos, não teremos mais nenhuma possibilidade de fazer com que os senhores pousem em Árcon na época do Imperador Tutmor VI. A circunstância de a Sotala ter transmitido a notícia de um grande êxito e não ter regressado representa um fato único. Não se poderá copiar outra espaçonave.
— Por quê? Nas batalhas que se travaram naqueles tempos foram destruídas milhares de naves arcônidas.
— Sem dúvida, sir! Acontece, porém, que, nos poucos dias que são importantes para nós, isso só aconteceu com a Sotala.
Meu cérebro adicional avisou-me de que Mercant cometera um erro de lógica. Levantei-me. Rhodan fitou-me com uma expressão indagadora. Dirigi-me ao chefe de segurança.
— Mercant, o senhor sabe quanto tempo demora a programação da frota robotizada. Deverá haver um ataque à Terra, mas este não será realizado amanhã nem dentro de vinte dias. Por isso pergunto-lhe por que motivo o dia 15 de fevereiro, o cruzador Sotala e os outros detalhes assumem uma importância tão decisiva. Acontece que com o conversor acônida podemos influenciar o tempo. Se a operação for iniciada mais tarde, ainda poderemos aproveitar o momento adequado.
Tive a impressão de que acabara de desenvolver uma argumentação lógica, mas estava enganado. Os terranos sabiam pensar.
— Sem dúvida poderíamos partir dentro de trinta dias e atingir o ponto decisivo, sir. Mas sempre se teria de chegar a Árcon no dia 12 de fevereiro. Nenhum aparelho pode mudar isso. E, para conseguir tal coisa, deve-se recorrer à Sotala.
— Não compreendo.
— Sir, há 6.023 anos, nestes mesmos dias, foram realizadas as últimas manipulações com o regente. Se chegarmos um pouco mais tarde, o campo energético defensivo já existirá. Quer dizer que o dia do pouso deverá corresponder a um momento que seja anterior à ativação desse campo e ainda corresponda à possível chegada da Sotala. Esse momento corresponde ao dia 12 de fevereiro. Para nós, a perda dessa nave representa uma feliz coincidência. O dia 15 de fevereiro representa uma referência de cálculo para o detonador de urânio da bomba. Foi difícil fixar o momento exato, face ao semitempo intercorrente. Para que modificar esse ponto e começar tudo de novo? Afinal, ainda existe a possibilidade de subtrair o aparelho dos acônidas e dar início à operação. De qualquer maneira, não podemos dispensar a Sotala.
Senti que acabara de receber uma lição do chefe de segurança. E estava com a razão! Dali a mais alguns dias, o campo energético do computador já teria sido levantado, motivo por que qualquer atraso poderia ter conseqüências catastróficas. Os terranos não se haviam esquecido de nenhum detalhe.
Rhodan voltou para a poltrona. Também voltei a acomodar-me. Fitamo-nos atentamente. O silêncio reinava na sala.
Fiz um gesto hesitante de assentimento. Rhodan suspirou, aliviado.
— Mr. Mercant, mande apresentar o filme mais uma vez. Queremos ver também as instalações internas do cruzador.
Senti-me reconfortado. Rhodan tomara uma decisão. A operação teria início. Meu cérebro adicional transmitiu um impulso que não me dizia nada. Provavelmente quis chamar-me de idiota.
A imagem da Sotala voltou a surgir na tela. Reginald Bell disse em tom de resignação:
— Já vi muita coisa depois que surgiu a Terceira Potência, mas esta é a operação mais louca em que já estive envolvido.
— Pois você está enganado — retificou Rhodan, com voz trêmula. — Você assumirá o comando da Frota e esperará até que o regente tenha sido destruído. Quando isso tiver acontecido, você começará imediatamente a capturar as naves robotizadas desgovernadas do regente.
— O quê...?
— Isso mesmo; comece imediatamente — confirmou Rhodan. — Temos uma vantagem: sabemos que alguma coisa vai acontecer. Devemos agir antes que as outras inteligências descubram como é fácil apoderar-se das preciosas unidades espaciais da frota do regente. Você terá de cuidar desde logo de verificar onde podem ser encontradas as maiores aglomerações de naves. Cuide delas em primeiro lugar. As naves solitárias que se acham nas profundezas do espaço ficarão para depois. Mercant, passe adiante. Quero ver o interior da nave.
Senti-me bem tranqüilo. Os dados haviam sido lançados. Rhodan começou a agir com a desenvoltura de sempre. Já pensava em coisas de que até então nem me lembrara.
Era claro. Se o cérebro positrônico fosse destruído, cem mil naves da frota arcônida estariam indefesas. Qualquer pessoa poderia facilmente apoderar-se das mesmas.
“Se!”, observou o setor lógico de minha mente. Nem sei quantas vezes chegara a usar essa expressão ilusória.
Dali a duas horas, os arranha-céus da Segurança Solar pareciam um hospício. Era impossível falar com Rhodan. Encontrava-se numa sala de controle na qual havia pelo menos cinqüenta aparelhos de comando. Na sala ao lado estava reunido o estado-maior da Frota. Senti-me perdido em meio a essa lufa-lufa, que só poderia acontecer na Terra. Um reino estelar pequeno, mas muito ativo, preparava-se para desferir seu golpe. Um caminho fora descoberto, e passou-se a trilhá-lo resolutamente.
Era exatamente isso que eu admirava nos homens. Uma vez tomada uma decisão, não desistiam enquanto não alcançassem seus objetivos.
Retirei-me aos meus alojamentos. Quase de hora em hora, alguém me chamava pelo videofone para pedir alguma informação.
Quiseram saber, por exemplo, qual era a posição social de um capitão arcônida de segunda-classe.
Um alfaiate da Segurança incumbido da feitura dos uniformes pediu as medidas exatas de meu corpo. Os especialistas em armamentos indagaram se os oficiais da frota arcônida daqueles tempos tinham permissão para portar pistolas muito enfeitadas.
Durante dois dias ocupei-me exclusivamente em satisfazer a curiosidade dos terranos. Convenci-me cada vez mais de não estar lidando com um grupo de sonhadores. Esses homens eram especialistas de primeira categoria, que pensavam em coisas que geralmente passavam despercebidas.
Mais uma vez fiquei à espera. Preferi não dar conselhos que pudessem influenciar as medidas tomadas por Rhodan. Ainda haveria tempo para isso, se notasse alguma coisa.�
3
Os acontecimentos começaram a precipitar-se. Quando partimos na Ironduke a fim de fazer uma visita oficial de cortesia ao Grande Conselho de Ácon, a imitação da velha Sotala também decolou.
O comandante-substituto da nave era o Major Heintz, um especialista da Segurança Solar que possuía treinamento cosmonáutico.
A tripulação era formada por setecentos e cinqüenta homens, o que correspondia ao número costumeiro nos cruzadores pesados do império. Na época ainda dispúnhamos de soldados para isso. O povo dominante mal começara a degenerar.
Rhodan, eu, Jefe Claudrin e alguns oficiais do comando da Ironduke só seriam transferidos mais tarde para o cruzador. Nosso equipamento especial, formado principalmente por uniformes, armas, documentos pessoais e outras coisas mais já se encontravam a bordo da Sotala.
Avançamos em vôo linear direto até os confins da área central da Via Láctea. Uma vez lá, expedimos uma mensagem de rádio destinada ao Grande Conselho.
Quando recebemos a resposta, o gigantesco sol azul denominado Ácon, cujo quinto planeta era o mundo dos acônidas, já brilhavam nas telas de nossa nave.
Claudrin só iniciou a manobra de frenagem dali a dez horas. Mais uma vez tive oportunidade de admirar Ácon V.
Rhodan batizara o planeta com o nome Sphinx. Os acônidas costumavam chamá-lo de Drorah.
A recepção que nos foi dispensada por alguns delegados do Conselho foi de uma frieza impressionante. Assim que chegamos ao planeta, recolhemo-nos à base comercial terrana, onde encontramos quase todos os membros do Exército de Mutantes.
Dois dias foram consumidos em festividades e excursões. Os acônidas não deixaram de dispensar as devidas atenções ao chefe do governo do Império Solar. Tornou-se, cada vez mais claro que os membros do Grande Conselho apoiavam os rebeldes arcônidas.
Fizeram-me saber que minha presença em Sphinx poderia ser tolerada, mas que, para facilitar os entendimentos com o novo imperador, minha visita teria de ser a mais breve possível.
O serviço de escuta de rádio do entreposto comercial captou e decifrou algumas mensagens de hiper-rádio. Nessas mensagens comunicou-se ao meu sucessor, Minterol I, que infelizmente fora impossível evitar que eu aparecesse em Sphinx, uma vez que fazia parte do séquito do chefe de governo terrano.
Naquela altura não me importava o que pensassem ou decidissem a meu respeito. Sabia que a Sotala se mantinha à espera a dez mil anos-luz de distância, num setor espacial praticamente desconhecido. Só estávamos interessados em apoderar-nos do conversor de tempo.
Os mutantes haviam tomado todos os preparativos. Fazia uma hora que Rhodan voltara de uma recepção. Cansado, estava tentado em sua poltrona e ouvia o relato de John Marshall, Chefe do Exército de Mutantes.
Gucky, o rato-castor, saíra no cumprimento de uma missão. Transportava o mutante Kitai Ishibashi, que deveria “preparar” os quatro cientistas acônidas.
O dom especial de Ishibashi consistia na capacidade de, numa variante do hipnotismo, impor sua vontade a outros indivíduos. O sugestionamento global era persistente e praticamente imperceptível.
Até ali fizera-se tudo para possibilitar a subtração do aparelho. Mas ainda havia alguns lances perigosos que teriam de ser considerados.
As telas do chamado entreposto comercial — na verdade um posto de Segurança Solar, dotado dos equipamentos mais modernos — mostravam os edifícios principais do porto espacial central de Sphinx.
Desde o dia em que o Sistema Azul fora descoberto por Perry Rhodan, os acônidas se esforçavam para praticar novamente a navegação espacial. Continuavam a realizar o tráfego interestelar por meio de gigantescos transmissores de matéria que, embora muito bem construídos, não eram muito eficientes sob o ponto de vista militar.
Rhodan não teve a menor dificuldade em conquistar o sistema com a Frota Solar, destruindo as usinas energéticas espaciais. Depois disso, o campo energético azul deixara de existir.
Os acônidas perceberam claramente que apesar de sua avançada tecnologia de transportes não poderiam desempenhar seu papel na política galáctica, enquanto não dispusessem de uma navegação espacial.
Sem dúvida não se teriam mostrado tão pacíficos se estivessem em condições de convocar dez mil couraçados espaciais. Os terranos eram considerados intrusos. Sabia perfeitamente o que pensavam a respeito de mim, que era o antigo governante de um povo colonial que se separara. Para os acônidas, os arcônidas eram selvagens degenerados e uma praga estelar, que não devia merecer qualquer atenção.
Tudo estava em calma no novo porto espacial da cidade. Não se viam espaçonaves robotizadas do regente. As naves mercantes de outros povos não tinham permissão de pousar. Os acônidas guardavam zelosamente suas áreas de influência, que se estendiam por um número desconhecido de planetas coloniais. Esses mundos eram atingidos e abastecidos exclusivamente por meio dos grandes transmissores. Criara-se um sistema de transporte que funcionara até que Rhodan descobrisse o Sistema Azul.
Com isso os acônidas foram perturbados em sua calma. E naquele momento estávamos sentindo as conseqüências disso. Os agentes terranos haviam apurado que o Grande Conselho mantinha relações com os rebeldes de Árcon. Há alguns meses ainda costumavam negar o fato. Mas neste meio tempo a situação se modificara.
Rhodan acompanhou meu olhar e disse em tom pensativo:
— Lá fora está tudo muito quieto. Dentro de alguns anos, as espaçonaves de todos os tipos enxamearão por ali. A produção acônida será iniciada em breve. Face ao elevado nível de adiantamento científico dessas inteligências, devemos contar com o aparecimento de versões sensacionais de espaçonaves.
— Não precisamos esperar por isso, sir — observou Marshall. — Já começaram a fazer nossa caveira. O Imperador Minterol foi “reconhecido” politicamente: sabe-se que não passa de um boneco. As investigações mais recentes revelaram que o governo enviou equipes científicas para Árcon. A fase das guerrilhas passou. Daqui a alguns meses, os comandos do regente serão modificados de forma tal que se transformarão numa gigantesca calculadora, não desempenhando nenhuma função de comando. Com isso os acônidas deverão transformar-se na nação dominante da Galáxia. Já estão tomando preparativos para apoderar-se da frota do regente. A tarefa principal de novos estaleiros espaciais, construídos cor enormes dispêndios, consistirá na adaptação das naves automáticas. A situação está ficando séria, sir!
Rhodan levantou-se. As linhas energéticas do campo defensivo brilhavam nos limites da área extraterritorial do entreposto terrano. Nossos rastreadores estruturais reagiam ininterruptamente. Os transmissores acônidas voltaram a entrar em atividade.
— Estão enviando tripulações para Árcon, e o cérebro positrônico aceita esse procedimento — constatou Rhodan. — Pois bem, John. Quais foram as providências que tomou? A “Missão Desespero” está entrando na fase crítica.
Lancei um olhar atento para a Ironduke, estacionada na parte do campo de pouso pertencente à área de influência terrana. Jefe Claudrin e a tripulação estavam a bordo. O couraçado espacial estava pronto para entrar em combate. Por enquanto não havia no Sistema Azul nenhuma espaçonave capaz de enfrentar o gigante terrano. Os poucos veículos espaciais de reduzidas dimensões dos comandos energéticos acônidas haviam sido destruídos em dezembro de 2.102. Na oportunidade sabíamos perfeitamente que os acônidas não se manteriam passivos diante de tamanho golpe. No entanto, contáramos com uma pausa de pelo menos trinta anos. Nem mesmo com os recursos de que dispunham, ser-lhes-ia possível levar avante um programa de construção de espaçonaves em grande estilo, num prazo menor que este.
E agora haviam encontrado um caminho mais propício, com o auxílio de meus patrícios rebelados. O império possuía cerca de cem mil unidades robotizadas dos tipos mais modernos, que poderiam ser adaptadas rapidamente para serem comandadaspor uma tripulação. Era um plano diabólico, que correspondia perfeitamente ao caráter dos acônidas.
O relato oferecido por Marshall foi breve. Só se tratava de fixar os últimos detalhes.
— O conversor de tempo está guardado em Impton. O orgulho dos acônidas pelas realizações dos antepassados levou-os a construir uma cidade-museu, que recebeu o nome de um físico importante chamado Impton. O aparelho é de forma cúbica com cerca de 8,3 m de aresta. Está colocado sobre uma plataforma quadrada de 5 m de espessura. A unidade energética está montada nessa plataforma. Trata-se de um reator de alta potência de características estranhas. Aplicou-se um processo de fusão que os cientistas acônidas dos nossos dias ainda não conseguiram imitar. A potência da usina é desconhecida. Pelos nossos cálculos deve chegar a uns cinqüenta milhões de quilowatts.
Fiquei impressionado. A cifra nada tinha de extraordinário e, a bordo de uma grande espaçonave, até chegava a ser corriqueira, mas para uma unidade de dimensões tão reduzidas a potência era tremenda.
— A cidade-museu é trancada por grades energéticas. O respectivo espaço aéreo é mantido sob vigilância ininterrupta. A subtração da máquina só será possível se usarmos nossas qualidades especiais. Em outras palavras, devemos recorrer aos mutantes para penetrar na cidade sem sermos notados e podermos ligar a máquina. O conjunto que abriga o museu foi construído há uns três mil anos. Devemos dar um salto de quatro mil anos no passado. Provavelmente acabaremos numa área não construída. Devemos levar veículos antigravitacionais de transporte. Sob os efeitos do campo temporal, o conversor poderá ser facilmente levado ao lugar em que quatro mil anos mais tarde surgiu o entreposto terrano. Dessa forma traríamos a máquina para cá. O museu terá de ser destruído numa explosão atômica. Tal fato explicaria o súbito desaparecimento do conversor.
— Destruído como? — perguntou Rhodan.
— Um comando está pronto para entrar em ação. Os órgãos oficiais acônidas já foram informados de que, há dias, agentes desconhecidos tentaram penetrar em Impton, a fim de roubar os objetos produzidos pelos acônidas antigos. Falou-se na atuação de terranos, e os funcionários do Serviço de Segurança de Ácon acreditaram nisso.
— Não é de admirar — disse num sopro.
Rhodan soltou uma risada. Marshall olhou para o relógio e prosseguiu:
— Os cientistas que sabem lidar com o conversor chegarão pontualmente. Kitai já entrou em ação. É só, sir.
Olhei em torno. A sala de observação espacial parecia um acampamento militar, com a diferença de que os guerreiros presentes não possuíam lanças ou espada, mas estavam equipados com as armas energéticas mais recentes da Via Láctea.
Usava uniforme terrano. Meus cabelos de arcônida louro-claros estavam cobertos pelo capacete de rádio. Os especialistas mais competentes do planeta Terra aguardavam o momento de dar início a ação que seria decisiva para os destinos do sistema solar.
Começou a escurecer. O sol azul do Sistema Azul desapareceu embaixo da linha do horizonte. A profusão de estrelas do centro da Via Láctea surgiu diante de nossos olhos tão de repente que até parecia que alguém tinha levantado uma cortina.
— Vamos acertar os relógios — disse Rhodan. — Os cientistas chegarão dentro de duas horas.
Meu cérebro adicional manifestou-se. Não havia dúvida de que os homens do Serviço de Segurança haviam feito um trabalho cuidadoso. Apesar disso tinha meus receios. O plano era muito ousado, ainda mais que ninguém sabia prever os efeitos do deslocamento temporal.
Mesmo que o plano fosse bem-sucedido, restaria saber se a explosão seria capaz de disfarçar o desaparecimento do aparelho, a tal ponto que ninguém se lembrasse do que poderia ter acontecido.
Só mais tarde descobri que outra vez subestimara Mercant. Esse homem conhecia o jogo que se travava atrás dos bastidores. A idéia de fazer com que os órgãos acônidas de segurança fossem informados sobre as atividades de agentes terranos fora genial.
* * *
O comando era formado por vinte homens dirigidos pelo telepata John Marshall.
Rhodan e eu fomos os últimos a saltar. Fomos transportados pelo rato-castor Gucky e pelo teleportador Tako Kakuta.
O neutralizador gravitacional já desaparecera. Os três teleportadores haviam unido suas forças para levá-lo à cidade-museu.
Usávamos trajes de combate terranos, fabricados segundo o modelo arcônida. Apenas, os homens haviam introduzido aperfeiçoamentos notáveis nos mesmos. Os campos de reflexão, por exemplo, já não podiam ser registrados por aparelhos. Suas vibrações eram captadas e absorvidas por um aparelho especial.
Os olhos fiéis de Gucky estavam pousados em mim.
— Está nervoso? — perguntou com sua voz aguda.
— Lógico; nem poderia deixar de estar. — respondeu Rhodan em tom mais áspero do que pretendera.
A pequena criatura, ofendida, torceu o nariz pontudo de camundongo.
— Gostaria de saber por que todo mundo está perdendo os nervos por aqui. Afinal, chegamos bem. É bem verdade que os acônidas postaram sentinelas e colocaram aparelhos de espionagem nas entradas, mas só a Seção de Física do museu possui umas mil salas. Não é possível exercer uma vigilância cuidadosa em todas elas.
— Existe uma vigilância mais forte na sala em que fica o conversor?
— A vigilância não é mais nem menos forte que em outras salas. Provavelmente acreditam que não saberíamos o que fazer com a máquina.
— Isso logo mudará — disse Rhodan. — Está pronto, Atlan?
Fiz que sim, abaixei-me e coloquei o pequeno nos meus braços. Gucky usava seu traje especial, que até possuía um estojo: para a cauda.
O rato-castor beliscou meu nariz. Nós nos entendíamos muito bem.
Alguns segundos depois, verificou-se a desmaterialização. Antes que tivesse uma percepção nítida da dor aguda, já me encontrava no destino.
Num movimento automático comprimi o botão do campo de deflexão. O funcionamento do microreator era totalmente silencioso. Gucky agarrava-se a mim. Era a única criatura viva que conseguia enxergar naquele momento. Os homens do comando, já presentes, deslocavam-se sob a proteção de seus campos de deflexão de luz. Eram invisíveis.
Meu coração batia forte e ruidosamente. Em meio ao silêncio, a arma que trazia na mão parecia ridícula. Guardei a pistola e olhei em torno.
Viéramos ter a um gigantesco salão. Em todos os cantos viam-se máquinas e aparelhos, cuja finalidade desconhecia. No entanto, as placas com letreiros escritos na antiga língua arcônida revelavam a finalidade que esses objetos desempenhavam antigamente.
— Coloque os óculos de absorção — cochichou a pequena criatura que eu trazia nos braços.
Pus a mão no capacete e puxei para baixo o visor móvel. O mesmo eliminava o efeito defletor dos campos energéticos que nos envolviam, e ainda permitia uma visão perfeita.
Vi os homens que haviam procurado um abrigo. Estavam dispostos em semicírculo junto à passagem formada por um grande arco.
Num movimento cuidadoso coloquei Gucky no chão. Ras Tschubai e o terceiro teleportador do Exército de Mutantes, Tako Kakuta, fizeram um sinal para que nos aproximássemos. Rhodan caminhou silenciosamente para onde estava Marshall, que se encontrava atrás de uma máquina alongada.
Só nos comunicávamos por meio de gestos. Todos sabiam o que tinham a fazer. E o espia? Wuriu Sengu estava parado junto à parede que nos separava da sala contígua. Era lá que estava guardado o conversor. Os filmes feitos pelos mutantes provavam que um lugar especial fora reservado a esse aparelho. Era uma sala relativamente pequena, na qual não se exibiam outros objetos.
Sengu olhava fixamente para a parede. A luz das poucas lâmpadas de neon parecia incomodá-lo. Depois de algum tempo levantou a mão. Os quatro dedos abertos em leque revelavam que, provavelmente, a segurança acônida mandara vigiar a peça mais preciosa deixada por seus antepassados, mais intensamente que os outros objetos.
Gucky tocou-me com a mão. Antes de dirigir-me ao lugarem que estava Rhodan, vi-o desaparecer juntamente com os outros teleportadores.
Haviam recebido a incumbência de trazer os quatro cientistas familiarizados com o funcionamento do conversor. Se as coisas estavam correndo conforme o plano, esses quatro homens deviam ter-se encontrado há poucos minutos, a fim de discutir um assunto que lhes fora sugerido por Ishibashi.
Sob o aspecto prático nosso objetivo não era muito difícil. Acontece que os fatores psicológicos assumiam uma importância extraordinária. Teríamos de impedir que se notasse o desaparecimento do aparelho, pois isso levaria a certas conclusões óbvias.
A base do fator psicológico, segundo Marshall, eram os quatro cientistas. A Segurança Solar resolvera levá-los à força para dentro do museu.
O seqüestro seria comunicado ao Serviço Secreto de Ácon assim que a máquina estivesse em condições de entrar em funcionamento. Para esse fim combinara-se um contato telepático entre Marshall e um mutante que esperava do lado de fora.
A primeira conseqüência de uma dica recebida de pessoa desconhecida seria a ocupação de toda a área em que estava instalado o museu. Quando isso acontecesse, já deveríamos ter desaparecido juntamente com o aparelho, mas um grupo de robôs especiais se envolveria numa batalha no curso da qual se verificaria a explosão atômica.
Era um plano complicado, que envolvia vários pontos de risco, que não poderiam deixar de ser considerados.
Antes de mais nada, o seqüestro dos cientistas não deveria ser descoberto antes do momento adequado. Estes encontraram-se na casa de campo de um físico chamado Artol de Penoral. Nesse lugar seriam dominados e levados pelos teleportadores à cidade-museu, sem que ninguém o percebesse.
Perry apontou para a passagem. Alguém proferiu um comando em voz alta. Outra voz respondeu.
— Os guardas receberam ordem de atirar — cochichou. — Está dando certo.
Rhodan examinou sua arma de choques. Não deveríamos atacar antes que os cientistas estivessem presentes. Se não pudéssemos contar com o auxílio dos mesmos, a utilização do conversor seria impossível. Até parecia que o ponteiro de segundos de meu relógio não andava mais. Era sempre a mesma coisa quando se verificava uma situação como esta: o tempo não passava.
Um sargento ruivo caminhou cuidadosamente em direção à passagem. Sengu entregou-lhe um bilhete em que explicava a posição dos guardas acônidas. Outros especialistas pertencentes ao comando fitavam os instrumentos de localização. Do outro lado da parede não aconteceu nada que indicasse uma liberação mais intensa de energia. Ao que parecia, ninguém esperava um ataque ao conversor de tempo.
Só dali a alguns minutos apareceram os teleportadores. Em dois saltos trouxeram os cientistas e Kitai Ishibashi, cuja atividade sugestionadora fez com que os acônidas tivessem a impressão de que sua chegada ao museu era um fato corriqueiro.
Tako Kakuta aproximou-se. O ranger das suas botas era quase imperceptível, mas tive a impressão de que era ouvido em todos os cantos do museu.
Rhodan levantou a mão. Kakuta parou e passou um pano pela sola das botas. Ao que parecia estas, haviam entrado em contato com alguma substância semelhante à cera. Quando prosseguiu, caminhou tão silenciosamente quanto os outros.
— Com licença — cochichou. — O seqüestro foi bem-sucedido. Betty foi informada. Podemos começar.
Fitei os acônidas. Usavam mantas vermelhas que representavam o sinal externo de sua dignidade. Por enquanto havia um vazio em seus olhos, mas logo mudaria. Perguntei-me se um sugestionamento integral não poderia produzir conseqüências indesejáveis. Se os acônidas não manipulassem o aparelho com toda precisão, a missão seria impossível. Nesse caso só nos restaria a fuga.
Rhodan saiu de trás da máquina. A um sinal seu, os membros do comando entraram em atividade. Penetrei no recinto contíguo, juntamente com Marshall.
Era um pavilhão grande e abobadado, no qual estava guardado o aparelho mais estranho em que já pusera os olhos.
Realmente parecia um cubo que descansava sobre uma plataforma de um metro de espessura. De uma das faces do “alicerce” quadrado, havia degraus. Ao lado desses degraus via-se uma escotilha de aço que permitia o acesso à unidade energética. Olhei em torno para ver se descobria os guardas. Dois deles estavam junto à porta que ficava do lado oposto. Outro estava agachado embaixo da escada, enquanto o último se encontrava tão perto de mim que poderia tê-lo tocado.
Os terranos agiram rapidamente e em silêncio. Dois soldados de cada vez saltavam sobre um dos guardas e impediam que gritasse, enquanto o outro colocava uma máscara de anestesia em seu rosto. Depois disso os acônidas, inconscientes, eram entregues aos médicos, que os colocavam num estado de sono profundo.
Ainda desta vez não se pronunciou uma única palavra em voz alta. Kitai Ishibashi exercia um domínio total sobre os cientistas. Imaginava perfeitamente como as faculdades paramentais do mutante os obrigavam a esquecer as circunstâncias exteriores. Acreditavam que tinham vindo espontaneamente, a fim de realizar uma experiência permitida pelo Grande Conselho. Moviam-se com a segurança de quem se encontra na companhia dos mais altos dignitários.
Além disso não falavam uns com os outros. Marshall e Gucky levaram-nos para junto da máquina. Um deles, chamado Artol de Penoral, tirou do bolso o pequeno emissor de código que desligava a grade energética de dois metros de altura que cercava a máquina.
Fiz um gesto de aprovação. Os terranos não se haviam esquecido de nenhum detalhe. Um projeto como o nosso poderia fracassar em virtude de insignificâncias desse tipo.
Fiquei parado até que o plano elaborado em todas as minúcias tivesse sido executado. Os técnicos planaram para dentro do recinto, com o auxílio dos potentes aparelhos gravitacionais.
Vinte robôs de combate tomaram posição nas entradas do recinto. Estavam equipados com potentes armas energéticas. Sua programação especial correspondia a uma ordem de extermínio. Deviam manter a posição até que tivéssemos desaparecido juntamente com o conversor de tempo. Após isso a bomba seria detonada. Se o destino da Terra estivesse em jogo, Rhodan não teria a menor dúvida em sacrificar vinte robôs.
Do lado de fora só ficaram uns poucos soldados. Subi os degraus e passei por uma eclusa de ar. Ouviram-se palavras vindas do corredor. John Marshall instruiu seus homens.
— Por aqui, sir — disse o sargento ruivo. — Faça o favor de desligar o campo de deflexão.
Comprimi o botão. O zumbido do projetor cessou. Empurrei para cima o visor do capacete e voltei a enxergar normalmente.
O corredor levava para a unidade energética, protegida por uma série de escotilhas. Tratava-se de um recinto que também tinha formato cúbico e estava recheado de aparelhos de todos os tipos. Ali só cabiam poucas pessoas.
Ninguém me deu a menor atenção. Abriguei-me num canto, atrás de três telas de imagem triangulares, e acompanhei o trabalho dos acônidas. Nem pensavam em desobedecer às instruções de Ishibashi. Além disso realmente pareciam estar familiarizados com aqueles controles misteriosos.
Ouviu-se um zumbido. No mesmo instante, meu cérebro adicional emitiu um impulso de advertência e eu falei:
— Acho preferível esperarmos até que a segurança acônida ataque. Existe a possibilidade de localização energética.
Rhodan confirmou com um gesto. Mandou que o ritmo das máquinas fosse reduzido.
O sugestor transmitiu a ordem aos acônidas. Dali a alguns segundos chegou uma mensagem telepática. Marshall e Gucky captaram-na ao mesmo tempo.
— Betty está chamando — disse a pequena criatura. — A segurança local foi informada do seqüestro dos cientistas. Comandos aéreos estão sendo acionados. O estado de alarma total foi proclamado para a cidade-museu.
Mal acabara de falar, quando se ouviram ruídos vindos de fora. Agucei o ouvido.
Escutamos o rugido típico de arma energética. Rhodan olhou para o relógio. Finalmente os cientistas receberam permissão

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