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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I PEDAGOGIA – ANOS INICIAIS NAIANA SANTOS CARVALHO SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA EDUCAÇÃO PARA SURDOS SALVADOR 2010 NAIANA SANTOS CARVALHO SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA EDUCAÇÃO PARA SURDOS Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de graduação em Pedagogia Anos Iniciais do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª Dr. Ana Portela. SALVADOR 2010 FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Prof. Edivaldo Machado Boaventura Bibliotecária : Jacira Almeida Mendes – CRB : 5/592 Carvalho, Naiana Santos Surdez e Bilingüismo : perspectivas, possibilidades e práticas na educação para surdos / Naiana Santos Carvalho . – Salvador, 2010. 103f. Orientadora: Ana Portela. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2010. Contém referências e anexos. 1.Surdez - Educação. 2. Bilingüismo. 3. Estudantes surdos - Educação. 4.Língua de sinais. 5. Educação inclusiva. I. Portela, Ana. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação. CDD: 371.912 NAIANA SANTOS CARVALHO SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA EDUCAÇÃO PARA SURDOS Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de graduação em Pedagogia Anos Iniciais do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª Dr. Ana Portela. Aprovado em 11 de Março de 2010 BANCA EXAMINADORA Profª . Ana Portela Profª. Jaciete Barbosa Profª. Márcia Araújo Dedico este trabalho a toda comunidade surda, pois eles (os surdos) foram à inspiração e a razão para a realização deste. AGRADECIMENTOS Em especial... À Deus, pela vida e por me presentear está ao lado de pessoas admiráveis a qual respeito e tanto amo. Família... À minha mãe Noélia, pela preocupação com a minha formação, pela paciência e compreensão em entender - às vezes - a minha falta de humor e principalmente pelo incentivo na minha busca por novos caminhos e descobertas. À minha vó Marlene, que juntamente com a minha mãe, contribuíram para a minha formação como pessoa, ensinando-me valores e atitudes onde o principal lema era: não faça nada para os outros que você não queria para si própria. Aos meus dois pais, Elisio (in memoriam) pela existência e Ailton (in memoriam) pela criação e pelos mimos. Professora... À minha orientadora Profª Ana Portela, pela compreensão das nossas dificuldades, valorização de nossos esforços, apoio e incentivo para a construção deste trabalho. A Turma... Em particular a minha equipe Boutinet (Arianne Lima, Isabel Gomes, J. Jorge Santana, Nivia Cataline e Tauana Dias) que com nosso lema de “lançar pra frente e jogar pra cima” produzimos e apresentamos trabalhos de extrema competência e qualidade. Aos amigos que ganhei nesse percurso: Juliana Moreira, Ana Carla Silva, Iracema de Jesus, Fabiana Nascimento, Soraya Leiro, Rafaela Franco, Dú (Durval de Jesus), a Bin (Diogo Pinho), Sidney Michel, Alberto Novais, Alessandra Silva, Anne Caroline, Alda Lobo, Márcia Bispo, Renata Uchoa, Maiana Caldas, Ana Paula Fiais, Clara Torres, Noeli Santos, Sandra do Vale... Aos diretores, coordenadores, funcionários e instituições... À diretora Maria Luiza Godinho, por me permitir fazer trabalho voluntário na Escola João das Botas e a professora Cyrene Miranda Silva; À fundadora e presidente da APADA Marizanda Dantas, a coordenadora Jâmara Cardoso, bem como meus professores de LIBRAS Ronaldo Freitas e Aline Porto e Márcia Schiavon; À professora Simone Andrade do CAS – Wilson Lins, pela contribuição teóricas e auxílios nas observações, a professora Ana Maria Menezes pela assistência em me demonstrar como ocorre o ensino com os alunos surdos. “O futuro não é apenas a conquista de metas estabelecidas a priori, mas, principalmente, a possibilidade de novas respostas a novas perguntas que escapem a todo e qualquer critério de previsibilidade”. (Cláudio Roberto Baptista) RESUMO Este trabalho tem como objetivo apresentar as perspectivas e possibilidades que permeiam a educação para surdos em uma proposta educativa bilíngue. A função desta pesquisa é destacar a relevância de uma nova concepção sobre a surdez e suas contribuições tanto no processo educacional dos discentes surdos, com a valorização da LIBRAS, quanto na construção da identidade e cultura surda. O presente trabalho, de cunho qualitativo, visa através do estudo de caso, investigar como ocorrem as práticas educativas para surdos na escola regular de ensino e nas escolas para surdos. Participaram desta pesquisa alunos surdos e ouvintes, coordenadores, professores, diretores e funcionários da Escola Estadual João das Botas, da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos (APADA – BA) e do Centro de Atendimento ao Surdo – CAS – Wilson Lins. A partir dos resultados pode-se inferir que uma proposta educativa baseada em uma perspectiva bilíngue possibilita ao estudante surdo uma melhor educação, no sentido em que prioriza em uma metodologia a utilização de recursos visuais para o ensino a esses alunos. Palavras chaves: Educação de Surdos – Surdez – Bilinguismo. ABSTRACT This paper aims to present perspectives and possibilities that permeate the education for the deaf in a bilingual educational program. The function of this research is to highlight the importance of a new conception of deafness and its contributions both in the educational process of deaf students, with valuation of LIBRAS, as in the construction of identity and deaf culture. This study, using a qualitative approach aims at using the case study, investigate and place the educational practices for deaf students in mainstream education and schools for the deaf. Participants were deaf and hearing students, co-ordinators, teachers, directors and employees of the State School João das Botas, the Association of Parents and Friends of Auditory Deficient (APADA - BA) and the Center for Deaf Service - CAS - Wilson Lins. From the results it can be inferred that an educational approachbased on a bilingual perspective enables the deaf student a better education, in that it emphasizes a methodology to use visual recourses to teach the students. Key words: Education of the Deaf - Deafness - Bilingualism LISTA DE ILUSTRAÇÕES IMAGEM 1 – Fachada da Escola Estadual João das Botas......................................................85 IMAGEM 2 – Sinalização da Sala de Apoio............................................................................85 IMAGEM 3 – Sala de Apoio................................................................................................... 85 IMAGEM 4 – Atendimento na Sala de Apoio..........................................................................85 IMAGEM 5 – Atendimento na Sala de Apoio (2)....................................................................85 IMAGEM 6 – Dicionário Capovilla.........................................................................................86 IMAGEM 7 – Representação Trilíngue....................................................................................86 IMAGEM 8 – Vídeo de História Infantis em LIBRAS..........................................................86 IMAGEM 9 – Vídeo “Contando História em Libras”..............................................................86 IMAGEM 10 - Coleção Fala Sério...........................................................................................86 IMAGEM 11 – Refeitório e Pátio.............................................................................................86 IMAGEM 12 – Mesa de jogos Lanches....................................................................................86 IMAGEM 13 – Quadra de Esportes..........................................................................................86 IMAGEM 14 – Fachada da APADA – BA...............................................................................87 IMAGEM 15 – Símbolo da APADA – BA..............................................................................87 IMAGEM 16 – Sala do Curso de Libras..................................................................................87 IMAGEM 17 – Intérprete/Professor de LIBRAS e Assistente Social da APADA .................87 IMAGEM 18 – Certificado e Conteúdo Programático (Módulo I)..........................................87 IMAGEM 19 – Certificado e Conteúdo Programático (Módulo II).........................................87 IMAGEM 20 – Sala de Aula.....................................................................................................88 IMAGEM 21 – Sala de Aula (1)...............................................................................................88 IMAGEM 22 – Sala de Aula (3)...............................................................................................88 IMAGEM 23 – Sala de Informática..........................................................................................88 IMAGEM 24 – Parquinho/Área de Lazer.................................................................................88 IMAGEM 25 – Brinquedoteca (1)............................................................................................88 IMAGEM 26 – Brinquedoteca (2)............................................................................................88 IMAGEM 27 – Livro “Cinderela Surda”..................................................................................88 IMAGEM 28 – Cena do livro (Momento da transformação)...................................................88 IMAGEM 29 – Cena do Livro “Cinderela Surda” (Quando ela esquece a Luva)...................88 IMAGEM 30 – Vídeo “Contando História em LIBRAS” (Literatura Mundial – Fabula).......89 IMAGEM 31 – Vídeo “Contanto em LIBRAS” (Lendas Brasileiras)......................................89 IMAGEM 32 – Sinalização das atividades desenvolvidas na Brinquedoteca..........................89 IMAGEM 33 – Sinalização Sala da Direção............................................................................89 IMAGEM 34 – Sinalização sobre Higiene...............................................................................89 IMAGEM 35 – Sr. Wilson Lins................................................................................................90 IMAGEM 36 – Fachada CAS – Wilson Lins...........................................................................90 IMAGEM 37 – Símbolo CAS – Wilson Lins...........................................................................90 IMAGEM 38 – Sinalização do Sanitário de Aluno..................................................................90 IMAGEM 39 – Sinalização do Sanitário Feminino..................................................................90 IMAGEM 40 – Sinalização do Sanitário Masculino................................................................90 IMAGEM 41 – Sala de informática..........................................................................................91 IMAGEM 42 – Sala de informática (2)....................................................................................91 IMAGEM 43 – Prof.. Informática............................................................................................91 IMAGEM 44 – Figura, configuração de mãos e escrita em português dos componentes do computador................................................................................................................................91 IMAGEM 45 – Prof.ªs do CAS – Wilson Lins..........................................................................91 IMAGEM 46 – Prof.ªs do CAS – Wilson Lins (1)....................................................................91 IMAGEM 47 – Interprete e Instrutora de LIBRAS..................................................................91 IMAGEM 48 – Funcionárias Surdas do CAS...........................................................................91 IMAGEM 49 – Sinalização Sala de Aula.................................................................................91 IMAGEM 50 – Sala de Aula.....................................................................................................91 IMAGEM 51 – Sala de Aula (1)...............................................................................................91 IMAGEM 52 – Sinalização luminosa.......................................................................................92 IMAGEM 53 – Desenho dos alunos do Patinho Feio...............................................................92 IMAGEM 54 – História do Patinho Surdo...............................................................................92 IMAGEM 55 – História da Turma da Mônica..........................................................................92 IMAGEM 56 – Desenho dos alunos da Turma da Mônica.......................................................92 IMAGEM 57 – Espaço de Convivência...................................................................................92 IMAGEM 58 – Espaço de Convivência (1)..............................................................................92 LISTA DE SIGLAS APADA – Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos APAS – Associação de Pais e Amigos dos Surdos CAS – Centro de Atendimento ao Surdo FENEIDA – Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais LSCB– Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros UNEB – Universidade do Estado da Bahia UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................13 2. CAPÍTULO I – EDUCAÇÃO DE SURDOS......................................................17 2.1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS...........................................................17 2.2 EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL.......................................................................22 3 . CAPÍTULO II – ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS...27 3.1 ORALISMO......................................................................................................................27 3.2 COMUNICAÇÃO TOTAL..............................................................................................29 3.3 BIMODALISMO..............................................................................................................31 3.4 BILINGUISMO................................................................................................................33 3.4.1 Educação Bilíngue.........................................................................................................35 4 . CAPÍTULO III – CULTURA, IDENTIDADE E SURDEZ.........................41 4.1 SURDO: DIFERENTE OU DEFICIENTE?..................................................................41 4.2 CULTURA SURDA..........................................................................................................45 4.3 IDENTIDADE SURDA....................................................................................................48 4.4 LÍNGUA DE SINAIS.......................................................................................................51 4.4.1 Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS .......................................................................53 5 . CAPÍTULO IV – ANÁLISES DE DADOS.........................................................57 5.1 PROPOSTA METODOLÓGICA...................................................................................57 5.1.1 Recursos Metodológicos................................................................................................60 5.2 ESPAÇOS EMPÍRICOS................................................................................................ 60 5.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA......................................................................................61 5.4 ANÁLISE DOS DADOS..................................................................................................61 5.4.1 Escala Inclusiva..............................................................................................................62 5.4.2 Escola para Surdos.........................................................................................................67 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................77 REFERENCIAS......................................................................................................................80 ANEXOS..................................................................................................................................85 1. INTRODUÇÃO A educação para surdos ao longo do tempo vem ganhando destaque no cenário educacional brasileiro. Apesar disso, ainda não podemos afirmar que os direitos conquistados pela comunidade surda estão sendo respeitados e, dentre esses direitos, está o reconhecimento da língua sinais como língua natural dos surdos. Direito garantido pelo Congresso Nacional que decretou e sancionou a Lei Nº 10.436 de 24 de abril de 2002 que profere no Art. 1 “É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados”. Em parágrafo único complementa: Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.”( BRASIL, 2002) Para Quadros (1997), a postura educacional perante a língua de sinais interfere no processo histórico das comunidades surdas. O fato de “permitir” e/ou “não permitir” que as pessoas surdas usem a língua de sinais provocam profundas mudanças na vida das pessoas que interagem com tais comunidades. Percebe-se que os surdos passam a ter um papel importante no processo educacional no momento em que a língua de sinais passa a ser respeitada como uma língua própria dos membros deste grupo social (p. 45). Diante disto, este trabalho tem como propósito estudar os pressupostos teóricos que permeiam os conceitos de bilinguismo e surdez na educação para surdos. Teóricos como Skliar (1999), Quadros (1997, 2004), Sá e Botelho (2002) irão, dentre outros autores, subsidiar essa pesquisa, pois destacam em suas obras aspectos que dizem respeitos à educação dos surdos; a relação dos surdos com os ouvintes nos ambientes escolares, conceitos antagônicos como normalidade e anormalidade, diferença e deficiência, maioria e minoria, língua oral e língua de sinais; a importância da língua de sinais na construção da identidade surda, tendo como conseqüência a formação de uma comunidade própria; metodologias para o ensino dos alunos surdos, bem como a preocupação com a formação dos professores para o ensino destes discentes surdos. As limitações na organização de projetos políticos educacionais, de cidadania, dos direitos lingüísticos, e as dificuldades no processo de reorganização e de reconstrução pedagógicas, ainda sugerem a existência de uma problemática educacional não revelada totalmente. Em outras palavras, a questão não está no quanto os projetos pedagógicos se distanciam do modelo clínico, mas no quanto realmente se aproximam de um olhar antropológico e cultural (SKLIAR,1998, p. 8). Assim, esta pesquisa tem como objetivo geral conhecer os métodos de ensino necessários para o desenvolvimento na formação dos alunos surdos numa perspectiva bilíngue. Os objetivos específicos são: identificar as abordagens teóricas que oferecem subsídios aos profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem dos alunos surdos; apontar estratégias que permitam a aquisição e o desenvolvimento da língua de sinais como primeira língua na educação dos surdos; identificar como a educação em uma perspectiva bilíngue possibilita ao sujeito surdo construir uma identidade surda; apontar as representações sociais sobre a surdez em uma proposta educacional baseada no bilinguismo. A construção dos objetivos desta pesquisa se deu através da formulação do seguinte problema: a prática educacional na perspectiva bilíngue possibilita um melhor desenvolvimento na construção da identidade do surdo e no aperfeiçoamento do processo de ensino e aprendizagem para os discentes surdos? A escolha do tema Surdez e Bilinguismo: perspectivas, possibilidades e prática na educação para surdos se justifica por duas razões. A primeira por causa da elaboração do projeto de pesquisa, no 1º semestre, que tinha como tema a inclusão dos deficientes auditivos no ensino regular, em função disto surge o interesse em aprender a língua de sinais, a partir disto, começo a fazer um curso de LIBRAS na APADA- BA (Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos). Durante este curso tive, então, a oportunidade de conhecer a diretora da Escola Estadual João das Botas, uma escola é denominada inclusiva, pois atende alunos surdos em suas salas regulares.Com permissão desta diretora comecei, a partir daí, a realizar um trabalho voluntário na sala de apoio desta mesma instituição. Neste período, vivenciei o cotidiano educacional dos alunos surdos nas salas regulares e de apoio, e com isso acabei, constatando quão era difícil o processo de ensino e aprendizagem dos alunos surdos. A falta de profissionais especializados era a principal razão para se explicar esta situação. O único auxílio que os discentes tinham de professores com conhecimentos da LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais era na sala de apoio, na própria escola, que os mesmos freqüentaram no turno oposto. Este atendimento, realizado por duas professoras, consistia em ajudar os alunos a responder e desenvolver seus exercícios e trabalhos escolares. Uma outra razão para a escolha deste tema foi que, neste mesmo período de construção do projeto de pesquisa, ocorreu o Congresso Nacional de Educação para Surdos, no qual a comunidade surda manifestou-se favorável a uma inclusão social e não educacional. Neste momento, surge a inquietação em investigar as metodologias de ensino e o cotidiano educacional dos discentes surdos em escolas especificas para o ensino de surdos, ou seja, em escolas que seguem uma proposta educacional baseada na perspectiva bilíngue. A partir de então deixo de pensar como uma ouvinte preocupada com a educação desses alunos, crendo que o melhor para eles era estudar com os ditos “normais”. Assim, deste modo, ficou evidente perceber que a principal questão era fazer com que existisse, de fato, um processo de ensino e aprendizagem na educação dos alunos surdos e a primeira atitude para viabilizar este objetivo, era que fossem respeitadas as diferenças lingüísticas entre surdos e ouvintes. Assim sendo, a relevância dessa pesquisa sobre a Surdez e o Bilinguismo na educação para surdos surge da necessidade tanto do reconhecimento da LIBRAS como língua materna do surdos, e assim sendo, ela deve ser ensina para eles nos ambientes escolares como primeira língua quanto do recolhimento de uma nova concepção da surdez que, diferentes dos modelos clínico-terapêutico, a surdez é entendida na perspectiva de uma educação bilíngue de acordo com os pressuposto do modelo sócio-antropológico. Para poder investigar esta problemática a proposta metodológica escolhida para subsidiar este trabalho segue a linha de pesquisa qualitativa, com a utilização da técnica do estudo de caso, uma vez que esta, permite ao pesquisador observar e analisar o espaço empírico e os sujeitos estudados. Os espaços empíricos desta pesquisa são as instituições: Escola Estadual João das Botas (escola inclusiva); APADA-BA e CAS – Wilson Lins (escolas para surdos). Os sujeitos desta pesquisas são: os diretores ou coordenadores das instituições; os professores das escolas inclusivas e para surdos; os funcionários surdos e os ouvintes e alunos surdos da 3ª, 6ª e 8ª série do ensino médio e fundamental com faixas etárias entre 12 a 18 anos. Posto isto, o presente estudo foi dividido em quatro capítulos: CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO DOS SURDOS; este capítulo tem como finalidade demonstrar as representações histórico-sociais sobre os surdos desde a antiguisdade, bem como apresentar como se iniciou a educação para surdos, os primeiros educadores e métodos de ensino de alunos surdos e as primeiras instituições criadas para educar estes alunos. Com relação ao Brasil, iremos destacar como se iniciou a educação de surdos no país, enfatizando os educadores que tornaram isso possível; a criação das federações e associações para surdos; as escolas para surdos e as primeiras metodologias utilizadas para o ensino destes alunos. CAPÍTULO II – AS ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS; este capítulo tem como finalidade demonstrar de forma detalhada as metodologias de ensino para surdos. Nele, serão analisadas as abordagens oralista, a comunicação total, o bimodalismo e por fim o bilinguismo e a educação bilíngue; CAPÍTULO III – CULTURA, IDENTIDADE E SURDEZ; a função deste capítulo é, a princípio, esclarecer questões sobre a surdez como deficiência ou diferença, bem como esclarecer alguns conceitos antagônicas que permeiam este assunto. Em seguida, serão abordados temas a respeito de como se constituem e se formam a cultura e a identidade surda e, por fim, mas não menos importante, discutiremos como se constituem as línguas de sinais e a Língua Brasileira de Sinais. CAPÍTULO IV – AS ANÁLISES DOS DADOS; este capítulo tem como finalidade apresentar a metodologia escolhida para subsidiar a pesquisa, as características dos espaços empíricos e seus sujeitos, juntamente com os resultados das análises feitas através de pressupostos teóricos dos dados coletados. 2. EDUCAÇÃO DE SURDOS 2.1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS Os relatos sobre a história da educação de surdos, na maioria das vezes, foram narradas por ouvintes e poucas vezes contadas por surdos. Qualquer que seja a época, a educação de surdos não é contada por seus principais protagonistas os surdos, este se encontram em papéis de coadjuvantes de sua própria história. O que verificamos na maioria das vezes são as impressões dos ouvintes em relação à vida e a relação ouvinte/surdo, a partir de contatos que ocorreram por causa do trabalho dos ouvintes com os alunos surdos ou por um interesse particular dos ouvintes na educação de surdos. A história da educação do surdo tem seus primeiros relatos acerca de 400 anos, sendo que no início havia pouca compreensão do problema, e os indivíduos deficientes eram colocados em asilos. Ao longo da historia, a idéia que a sociedade fazia sobre os surdos quase sempre assumiu uma forma negativa, na antiguidade eram consideradas pessoas castigadas pelos deuses, e por isso eram abandonados ou sacrificados. Por essa razão, existia a crença de que o surdo era uma pessoa primitiva, daí então não haveria a necessidade de educá-los. No Egito, acreditava-se que o surdo era um sujeito incapaz de aprender e nem mesmo era considerado ser humano, uma vez que estavam desprovidos da capacidade da fala não poderia se comunicar/exprimir através da língua oral. De 2000 a 1500 a.C ,no Egito, as leis judaicas vigentes começaram a proteger o surdo. No entanto, essas leis apenas reconheciam o direito do sujeito surdo à vida e não à educação. Os romanos, por sua vez, acreditavam que os surdos não deveriam ser educados, sendo assim privados de qualquer possibilidade de desenvolvimento intelectual e moral. Segundo o código Justiniano, em Roma, no ano de 483 a.C., o surdo de nascimento também não poderia ser educado. Foi nesta época que se estabeleceram as primeiras diferenciações dos tipos de surdez: a surdez congênita (nascimento) e a surdez adquirida. Para Aristóteles, o surdo não era capacitado para a fala, e sendo essa uma condição sem a qual não poderia ocorrer o desenvolvimento dos processos cognitivos, era inadmissível para o surdo a possibilidade de construção de pensamento. Segundo Lima (2004), “Essa impossibilidade de pensar, pois não falava, tornava o surdo um sujeito incapaz de ser educado, pois ele não conseguiria se expressar oralmente. Sendo assim, o sujeito surdo em uma palavra era considerado um ‘não humano’” (p.24). Essa concepção de o surdo como um “não humano” persistiu por mais de mil anos. De acordo com Sacks (1989, p. 31) apud Lima (2004, p.15): “A condição sub-humana dos mudos era parte do código mosaico e foi reforçada pela exaltação bíblica da voz e do ouvido como a única e verdadeira maneira pela qual o homem e Deus podiam se falar”. Durante esse período, o surdo viveu épocas de grande sofrimento, privações e pobreza e, até o século XV, o surdo não encontrava meio de desenvolvernenhuma atividade que lhe permitisse a sobrevivência, pois, como não tinha acesso à educação, o trabalho lhe era vetado. No século XVI, essa percepção de que o surdo não merecia ser educado começa a mudar e na Europa surgem os primeiros educadores de surdos que, assim como se faz atualmente, criaram diversas metodologias para ensinar surdos, utilizando-se da língua auditivo-oral nativa, língua de sinais, datilologia (alfabeto manual) e outros códigos manuais. Em 1579, Girolamo Cardano, um médico italiano interessado em estudar o caso do filho surdo, foi o primeiro a afirmar que o surdo poderia ser educado, uma vez que o mesmo tinha a total capacidade de pensar, compreender e estabelecer relações entre as coisas e fazer representações de objetos. Cardano defendia a idéia de que para que essas ações pudessem ocorrer não seria necessária a utilização da fala. Suas declarações eram pautadas em um método de aprendizagem que fazia a associação entre figuras desenhadas para demonstrar a realidade, construindo um sistema lógico que possibilitaria a construção coerente de pensamento, demonstrando assim uma mente racional capaz de analisar idéias e elaborar conceitos a partir delas. Neste sentido, Cardano conclui que “seria um crime não instruir o surdo-mudo”. Nesse momento da história na educação de surdos, as primeiras contribuições metodológicas estão relacionadas diretamente a membros constitutivos da igreja, é ela que vai pensar no surdo como um “ser humano” que tem o direito, assim como os ouvintes, à educação. Entre uma das principais referências nos primórdios na educação de surdo está o monge beneditino Pedro Ponce de Leon que, no século XVI, na Espanha, é reconhecido como o primeiro professor de surdos. Seu trabalho serviu como ponto de partida para diversos educadores de surdos. Sua trajetória de trabalho foi consolidada com o ensino dos filhos surdos da aristocracia espanhola. Ponce de Leon desenvolveu uma metodologia de educação para surdo que utilizava a datilologia – representação manual do alfabeto – escrita e oralização. Dentre suas principais contribuições para a educação de surdos estão a criação do alfabeto manual e a escola de professores surdos. Na Espanha, em 1620, Juan Martin Pablo Bonet publicou o primeiro manual de educação de surdos, o livro Reduccion de las letras y artes para enseflar a hablar a los mudos (Redução das letras e arte de ensinar a falar os mudos), que trata da invenção do alfabeto manual de Ponce de Leon. Outra referência importante na educação de surdos foram as contribuições do abade1 francês Charles Michel de L´Epée que, no século XVIII (1750), é considerado um dos maiores precursores na história da educação de surdos, sendo o primeiro o reconhecer a necessidade de utilizar sinais como o primeiro passo para o ensino do surdo. Neste mesmo ano, L´Epée iniciou a instrução formal de duas irmãs gêmeas surdas obtendo, com essa instrução, um grande sucesso. Depois de algum tempo, em contato com surdos pelas ruas de Paris, aprendeu com eles a língua de sinais criando assim o “Sinal Metódico2”, que é uma combinação da língua de sinais com a gramática francesa. Segundo Reily (2007), o monge Ponce de Leon foi designado “anjo de guarda dos meninos e foi aí que se deu o cruzamento histórico dos sinais metódicos com os sinais surdos”. O principal objetivo dessa metodologia era fazer com que o surdo se aproximasse da língua francesa. Devido ao imenso sucesso do sistema desenvolvido e o êxito na educação de surdos, L´Epée transforma sua residência na primeira escola pública para surdos. Em poucos anos passou a atender cerca de 80 alunos, utilizando em seu trabalho pedagógico uma abordagem gestualista. Ainda assim, essa nova tendência metodológica educacional para surdos não era uma realidade na maioria dos países. Na França, por exemplo, era cada vez mais comum a utilização do método manual para a educação de surdos, mas, em contrapartida, em alguns países da Europa o método oral vinha ganhando força, sobretudo na Alemanha e Inglaterra. Esse método oral, concepção que surgiu a partir das idéias de Samuel Heinick e o método manual defendido por L´Epée, deu início a uma das principais discussões relacionadas à metodologia educacional que seria utilizada no ensino dos alunos surdos. Mesmo com todos esses debates sobre a melhor metodologia para o ensino de surdos, a utilização dos sinais continuou a ser permitida na educação de surdos, bem como a 1 Superior de ordem religiosa, etimologicamente o termo significa pai e tem sido utilizado como título clerical, no Cristianismo, com diversas acepções (pároco, cura de almas, monge, etc). 2 Surgiu através do voto de silêncio impostos pelos mosteiros (ordem beneditina) aos noviços. Essa forma de comunicação era a única permitida, pois acreditava-se que através do silêncio os noviços se purificariam aprendendo um nova maneira de viver. Entendia-se que o contato com o mundo mundano contaminaria a alma, e o silêncio tinha a função de apagar as lembranças da vida pregressa. participação dos professores nesse ensino. O oralismo3, porém o foi ganhando força e modificando o cenário da educação de surdos mundialmente. Dois marcos históricos contribuíram decisivamente para a adoção do oralismo como metodologia educacional no ensino de surdos: a realização do VII Congresso da Sociedade Pedagógica Italiana e o I Congresso de Professores Italianos Surdos. O VII Congresso da Sociedade Pedagógica Italiana foi realizado em Veneza (1872). As propostas levantadas por este Congresso corroboram com as mesmas idéias de Aristóteles que atribui ao ato de falar como sendo uma condição essencial para qualquer ser humano desenvolver-se cognitivamente, uma vez que a fala é responsável pelo processo de construção do pensamento. Sendo assim, a única forma pela qual os surdos mudos se desenvolveriam seria através da leitura dos lábios, juntamente com a técnica de oralização. As idéias levantadas por esse Congresso deixaria cada vez mas evidente que o oralismo estava ganhado força e seria o possível substituto do ensino por meio dos sinais. Com o texto do congresso aprovado – agora era oficialmente – foi determinado que a metodologia Oralista fosse a forma mais adequada para a educação de surdos. Esse congresso influenciou diretamente na postura ideológica dos representantes do I Congresso de Professores Italianos Surdos, realizado em Siena, em Setembro de 1873. As propostas não se modificaram em relação as idéias do congresso realizado um ano antes, embora este congresso não tenha trazido novos conceitos e metodologias educacionais no ensino de surdos, foi de extrema importância tanto para a consolidação do Oralismo como metodologia educacional quanto como referencial para o Congresso de Milão. Dando continuidade as discussões sobre qual metodologia deveria ser adotada na educação de surdos (oral e gestual), outros congressos foram realizados na França (Paris) e na Itália (Veneza e Siena). Na França, algumas escolas particulares resolveram adotar o método misto, baseando-se no ensino do língua oral e da escrita, na Itália a abordagem oralista foi ganhando cada vez mais adeptos. Na Itália (Milão), em 1880, aconteceu o segundo Congresso Mundial sobre Educação de Surdos. E seguindo uma tendência em relação as propostas dos congressos anteriores, neste Congresso foi decidido que o método oral – e somente ele – deveria ser adotado como forma oficial e definitiva para o ensino dos alunos surdos. O argumento apresentado pelos congressistas era de que a utilização dos sinais e da língua oral de forma simultânea 3 O Oralismo será retomado no segundo capítulo. “atrapalharia” o desenvolvimento da fala e da próprialeitura labial e, em conseqüência, ocorreria uma confusão no processo de construção das idéias. Por essa razão o Congresso de Milão é considerado um marco na história das políticas educacionais para surdos, pois além de determinar a erradicação da língua de sinais como forma de metodologia educacional no ensino dos surdos, proíbe que todos os profissionais surdos trabalhem no ambiente educacional. Cabe ressaltar, que esse congresso reuniu profissionais ligados à educação de surdos, sendo que do total de 174 congressistas, 112 eram italianos. O restante estava dividido entre franceses, suecos, ingleses, alemãs, suíços e americanos. Vale salientar, que dentre todos os esses congressistas, apenas um era surdo! Os professores surdos foram excluídos da votação, o oralismo saiu vencedor e o uso da língua de sinais foi “oficialmente” abolido. Os alunos surdos foram proibidos de usar sua própria língua “natural” e, dali por diante, forçados a aprender, o melhor que pudessem, a (para eles) “artificial” língua falada. E talvez isso seja condizente com o espírito da época, seu arrogante senso da ciência como poder, de comandar a natureza e nunca se dobrar a ela. (SACKS, 1989:40 apud LIMA, 2004, p. 20) Decisão tomada, o ambiente escolar começa a ter suas primeiras modificações. A primeira medida educacional aplicada foi a proibição do uso da língua de sinais entre os alunos, em seguida foi a aterrorizante medida de obrigar os alunos a sentarem sobre as próprias mãos. Não se dando por satisfeitos, posteriormente foram retiradas da sala de aula as janelas de vidro das portas, com a intenção de impedir a comunicação sinalizada entre os alunos. E por último, como já era óbvio, todos os professores surdos e seus auxiliares foram dispensados de todas as escolas e instituição. Agora, a educação dos surdos estava a cargo dos ouvintes. Diante dos fatos enfatizados nesses momentos históricos, muitos foram os mentores que se dedicaram a educação de surdos. Os que mais se destacaram com contribuições humanitárias e metodológicas na vida e na educação para surdos foram o cientista e médico Girolamo Cardano, que foi o primeiro a reconhecer que o surdo seria capaz de ser educado independentemente da falta de audição, Pedro Ponce de Leon e Charles Michel de L´Epée, um monge e outro abade respectivamente que, trazem a importância da igreja como precursora nos métodos utilizados na educação de surdos, bem como o reconhecimento do surdo como ser humano. Destacados alguns dos principais mentores e fatos que deram início a educação de surdos, ao longo de quatro décadas, passaremos a focalizar os acontecimentos mais relevantes, que contribuíram para o início do trabalho com surdo, no Brasil. 2.2 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL No Brasil, a educação de surdos teve inicio durante o segundo império (1855), com a chegada do educador francês Hernest Huet, portador de surdez congênita. Huet foi ex-diretor do Instituto de Surdos de Paris, ele foi trazido com o objetivo de ajudar através de sua vasta experiência obtida através do trabalho com alunos surdos, nos primeiros passos e ações do Brasil em direção a educação de surdos. A iniciativa em trazê-lo partiu do imperador D. Pedro II, que contou com o apoio de Huet para trabalhar na educação de duas crianças surdas, com bolsa auxilio patrocinada pelo governo brasileiro. O professor Hernest Huet durante seu trabalho em prol da educação de surdo no Brasil deixou-nos várias contribuições como a criação do 1º Instituto de Surdo Mudo, situado no Rio de Janeiro. Mas, a grande contribuição do francês foi a fundação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), em 26 de Setembro de 1857, – data na qual se comemorado o dia nacional do surdo. Atualmente se encontra em Laranjeira, no Rio de Janeiro. Foi através de Huet que a Língua de Sinais de difundiu e se desenvolveu no Brasil. Durante alguns anos o INES permaneceu sendo a única escola para surdos. Tanto que até hoje é considerado como uma referência nacional na educação de surdos. Mesmo com tanto progresso em relação a educação, os surdos enfrentaram bastante dificuldade, haja vista, que após o Congresso Mundial de Milão em 1880, foi determinado a imposição do oralismo como metodologia a ser seguida na educação de surdos. Com a educação de surdos ganhando cada vez mais espaço no cenário educacional brasileiro, vários surdos começam a se mobilizar criando grupos para reivindicar seus direitos sociais e educacionais. E dentre 1923 a 1929, surgiu a Associação Brasileira de Surdos que tinha entre uma das suas principais exigências o direito do estudante surdo ser ensinado através da Língua de Sinais. Durante esse período os movimentos sociais em defesa do surdo ganharam cada vez mais adeptos e, conseqüentemente, cada vez mais força, de modo que durante o período de ditadura militar, a comunidade surda reivindicou melhores condições e qualidade de vida. A igreja foi uma das instituições que mais colaboraram, seja na vida ou na educação dos surdos e, no Brasil, isso não foi diferente. Em 1971 foi fundada a Federação Brasileira de Surdos, presidida pelo Padre Vicente P. Bournier, mas só depois de seis anos em 1977, foi criada a FENEIDA, Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos, cujos membros eram compostos apenas por ouvintes e tratavam apenas da problemática da surdez (falta de audição). Em 1983, a comunidade surda cria uma Comissão de Luta pelos Direitos dos Surdos que, apesar de não ser legitimada, apresenta em suas propostas questões bastante significativas, pois reivindicam os direitos das pessoas surdas como cidadãos. Nessa época, a Comissão desejava a participação – efetiva – das pessoas surdas como membros da Diretoria da FENEIDA, o que de imediato foi negado pelos membros da atual diretoria que consideravam os surdos incapazes para comandar a instituição. Para insatisfação dos membros ouvintes, a Comissão formou uma chapa e conquistou em Assembléia Geral a presidência por um ano que, com a reestruturação do Estatuto e a Entidade, ganhou a denominação de FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo). Em 1990, foi fundada a Federação Nacional da Associação de Pais e Amigos dos Surdos (APAS), representada por pais de surdos. Esta iniciativa dividiu um pouco o grupo de trabalho, mas a FENEIS considerou que o trabalho entre surdos e ouvintes (pais e amigos) elevaria o patamar da educação de surdos. Tendo em vista os fatos históricos apontadas anteriormente, é possível constatar que a trajetória da educação de surdos, no Brasil, está relacionada diretamente com a história do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). A criação desta entidade é um marco histórico na Educação de Surdos, pois é através dela, juntamente com a comunidade surda, que outros grupos de surdos começaram a se sentirem constitutivos de um grupo social, fazendo assim com que o surdo se reconhecesse e identificasse como cidadão pertencente a uma nação. Mesmo com todas essas conquistas obtidas pela comunidade surda, é fato que no século XIX o Brasil não possuía uma política educacional que legitimasse a educação para surdos, motivo pelo qual pode ser explicado pela resistência de alguns pais a educarem seus filhos surdos. Esta resistência dos pais dos surdos brasileiros dificultava um pouco o trabalho de Hernest Huet que, através de uma carta de recomendação emitida pelo Ministro de Instrução Pública da França, obteve as condições para criar a primeira escola de surdo do país, sem esquecer de que, para desenvolver o seu trabalho, o professor Huet contava com o auxílio da nobreza ligada ao governo” (PERLIN, 2002 apud LIMA 2004, p.24). A metodologia educacional para o ensino de surdo desenvolvida por Huet, era a “didática especial dos surdosmudos” Ainda segundo PERLIN apud LIMA 2004 “ tratava-se do mesmo processo utilizado por L´Epée e Sicard no Instituto de Surdos em Paris.” Huet também se interessava pela formação de professores surdos, porém o pouco tempo de permanência no Brasil não foi o suficiente para que essa profissão pudesse de desenvolver. Além da criação do INES o francês Hernest Huet também foi responsável por um dos principais marcos históricos da educação de surdos no Brasil que foi a criação de uma escola, em 1857, cuja função principal era o desenvolvimento da Língua de Sinais. Seguindo uma tendência mundial, o INES, em 1911, estabeleceu no seu currículo o Oralismo como modalidade de ensino. A língua de sinais, mesmo com todas as proibições, sempre foi utilizada pelos alunos nos pátios e corredores da escola (REIS,1992 apud GOLDFELD,2001, p.29). Esta resistência, com a utilização dos sinais, durou até 1957, quando a diretora Ana Rimola de Faria Doria, assessorada pela professora Alpia Couto, proibiu oficialmente o uso dos sinais em classe. A partir daí, todos os estudantes que utilizassem a língua de sinais nas salas de aula eram punidos, ainda assim, fora do instituto os surdos continuavam a “falar” através de sinais principalmente nas comunidades que se formavam nos grandes centros urbanos do país. Todavia, a história da educação de surdos no Brasil não se limita apenas a fundação da escola e do Instituto, no Rio de Janeiro por Huet. Várias outras iniciativas foram adotadas em outros estados brasileiros. Conforme Baleiro (1989), na cidade de São Paulo, foi a iniciativa particular e religiosa que marcou o início do atendimento educacional do surdo (1933), tornando-se único por duas décadas. É somente a partir de 1950 que surgiram as primeiras iniciativas da rede municipal de ensino e de pais de surdos e as primeiras delas foram o Instituto Hellen Keller4 e o Instituto Educacional de São Paulo. A rede estadual de ensino manifestou-se apenas em 1957, criando classe especial para atendimento dos alunos surdos, em escala regular. Tanto o Instituto Hellen Keller quanto o Instituto Educacional de São Paulo utilizavam-se do método oral. Todas as instituições - escolas especiais - brasileiras que se dedicaram a educação de surdos tinham por metodologia de ensino o oralismo. A meta dessas escolas era desenvolver um trabalho na primeira fase do ensino fundamental e posteriormente encaminhar esses alunos para as escolas regulares a fim de integrá-los juntos aos ouvintes. O objetivo dessa integração era fazer com que houvesse um “treino da fala” pelos estudantes surdos, através da oralização. De acordo com Silva (1998): 4 Helen Adams Keller foi uma mulher que, apesar de cega e surda desde a infância superou todos os obstáculos tornando-se uma escritora e jornalista, obteve ainda o título de bacharel em filosofia e ao longo de sua vida ganhou vários títulos e diplomas honorários, como o da universidade de Harvard. No Brasil, foi condecorada com a ordem do Cruzeiro do Sul. A educação de surdos ocorreu em ambientes especiais, separados de crianças ouvintes, pelo menos para o ensino básico. Apenas eram encaminhadas para a escola comum aquelas crianças que se mostrassem aptas a acompanhar rede regular de ensino, isto é, que tivessem adquirido uma fala boa e inteligível e tivessem também uma boa leitura labial, além de já estarem alfabetizadas... A esses surdos não era permitido usar qualquer gesto além dos naturais, com a justificativa de que esses acabavam por inibir a iniciativa, ou o desejo, da criança pela fala. ( p. 14 ) A educação, nesse período, era feita para os surdos, mas pensada por e para os ouvintes, ou seja, os surdos tinham que se dar por satisfeitos pelo simples fato de serem educados, ainda que essa educação se desse em função dos ouvintes. Como vimos, ao longo da história da educação de surdos, a falta de audição sempre fez com que o sujeito surdo sofresse grandes privações e como conseqüência disso os surdos não tinham uma vida social ativa como alguns ouvintes. Assim, o fato de a educação de surdo no início ser baseada no oralismo ou na tentativa grosseira de fazer o surdo falar, no Brasil e no resto do mundo, era simplesmente para que eles pudessem sentir o “gostinho” de viver e ser como os ouvintes. Desde o final do século XIX até a década de 60 o método oral predominou na educação dos surdos brasileiros. A língua de sinais foi pouco ou quase nunca utilizada nas salas de aula, pois os professores acreditavam que os surdos deveriam primeiro aprender a “falar” tanto para serem alfabetizados quanto para serem integrados aos ouvintes. Na década de 70, chega ao Brasil a Comunicação Total5, em conseqüência da visita de Ivete Vasconcelos, uma educadora de surdos da Universidade de Gallaudet. Segundo Ciccone 1996, p. 7 apud Lima 2004, p. 27 a Comunicação Total é uma “completa liberdade de quaisquer estratégias, que permitem a resgate de comunicação, total ou parcialmente bloqueadas”. Com essa nova metodologia é permitido ao surdo “escolher” quais os recursos que eles utilizam para se comunicar, como gesto, mímica, língua de sinais, fala, leitura labial e leitura-escrita. O grande questionamento em relação a Comunicação Total é que como uma criança surda poderá “optar” por língua de sinais, fala, leitura labial e leitura-escrita se a mesma ingressam a escola desprovida dessas técnica/habilidades? Ainda que a criança saiba alguns gestos muitas vezes inventados para o interlocução mãe-criança esses serão utilizados apenas nesse contexto. Marchesi (1987) argumenta que não é importante somente apresentar ao surdo diferentes formas de se comunicar (diferentes códigos) para que este faça a sua escolha. É 5 A Comunicação Total será retomada no segundo capítulo. necessário que, além disso, saber se o conhecimento e a incorporação de tais códigos, por parte do aluno, estão se dando de modo eficiente. Diversas foram as críticas a Comunicação Total na educação de surdos no Brasil. Na década de 80 começam as primeiras discussões sobre o Bilingüismo6 decorrentes das pesquisas da professora lingüista Lucinda Ferreira Brito, sobre a Língua Brasileira de Sinais. E seguindo o padrão internacional de abreviação das línguas de sinais, a professora abreviou a língua de LSCB (Língua de Sinais dos Centos Urbanos Brasileiros). Só a partir de 1994, que Brito passa a utilizar a abreviação LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), que foi criado pela própria comunidade surda para designar LSCB. Atualmente, essas diferentes abordagens (Oralismo, Comunicação Total e Bilingüismo) ainda causam bastante discussão entre os profissionais de educação para surdos. No capítulo seguinte serão minuciosamente descritas as principais características de tais metodologias, juntamente com as propostas apresentadas por cada uma delas para que haja uma educação para surdo com qualidade. 6 O Bilingüismo será retornado no segundo e terceiro capítulos. 3. ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS Vistas as primeiras ações no decorrer da história da educação para surdos, faz-se necessário destacar os fatos mais relevantes que contribuíram para o surgimento das abordagens educacionais (oralismo, comunicação total e bilinguismo), em diferentes épocas. Se feita uma retrospectiva acerca das abordagens educacionais para surdos, notam-se, a princípio, duas fases distintas, o oralismo e a comunicação total respectivamente e uma terceira fase essa mais contemporânea o bilinguismo. A primeira fase é constituída pelo oralismo, uma abordagem educacionalque tem como principal objetivo a aquisição da linguagem oral pelo surdo. Nesse sentido, o espaço escolar atua como um laboratório de fonética, no qual se utiliza da técnica de terapia de fala para que o aluno supere seu déficit (a surdez), fazendo assim com que se assemelhe a um membro da comunidade ouvinte. A segunda fase baseia-se na ideia da comunicação total. Nessa abordagem educacional o uso dos sinais é permitido com a finalidade de propiciar o desenvolvimento da linguagem da criança surda, ainda assim estes sinais aprendidos têm como objetivo principal a aquisição da linguagem oral por parte dos sujeitos surdos. Vale salientar que esses sinais eram ensinados na escola dentro de uma estrutura da língua portuguesa. A terceira fase é composta pela educação bilíngue. O bilinguismo é uma proposta que possibilita ao estudante surdo a aprendizagem no espaço escolar de duas línguas: a língua de sinais e a língua portuguesa, essa última na modalidade escrita. Diante dessa breve introdução, faremos agora um apanhado mais detalhado sobre todas as abordagens educacionais para surdos, a fim de mostrar e esclarecer suas funções e objetivos diante da educação para surdo. 3.1 ORALISMO O oralismo que surge no século XVIII defendendo a idéia da fala (comunicação oral) como a única forma de comunicação entre surdos/ouvinte e surdos/surdos. Os defensores dessa abordagem educacional combatem a língua de sinais, por considerarem que o uso dos sinais atrapalha o desenvolvimento do surdo na aquisição da língua oral. Essa abordagem educacional tem como principal função levar o surdo a se adaptar ao mundo ouvinte, ou seja, impõe ao sujeito surdo que ele se comporte como se não fosse surdo, em outras palavras que negue a própria surdez. Segundo Sá (1999), o oralismo: Visa capacitar a pessoa surda a utilizar a língua da comunicação ouvinte na modalidade oral como única possibilidade lingüística, de modo a que seja possível o uso da voz e da leitura labial tanto nas relações sociais como em todo o processo educacional. A língua na modalidade oral é, portanto, meio e fim dos processos educativos e de integração social. (p. 69) A abordagem educacional oralista propõe a integração do surdo na comunidade ouvintes, sendo assim, os defensores dessa filosofia acreditam que se o surdo tiver contato direto com os ouvintes o processo de desenvolvimento de aquisição da língua oral será melhor aprendido pelos membros da comunidade surda. Esta noção de linguagem restringe á língua oral, como sendo o único meio possível de comunicação entre sujeitos surdos. Assim sendo, para que a criança surda possa se comunicar é necessário que ela oralize que ela seja uma “falante” da língua portuguesa. De acordo com Skliar (1995) apud Lima (2004), o congresso de Milão (1880): “(...) impôs a superioridade da língua falada com o respeito a Língua de Sinais, e decretou, sem fundamentação cientifica alguma, que a primeira deveria constituir, como se tem dito o único objeto de ensino”(p.30) (grifo do autor). A filosofia oralista entende a surdez como uma deficiência que deve se minimizada através da estimulação auditiva, assim essa estimulação irá viabilizar a aprendizagem da Língua Portuguesa levando o surdo a integra-se com a comunidade ouvinte. Ou seja, segundo Goldfeld (2001, p. 31) o objetivo do Oralismo “é fazer uma reabilitação da criança surda em direção á normalidade, á não-surdez”. Nesse sentido, o oralismo almeja que, dominando a língua oral, o surdo esteja apto para se integrar aos membros da língua majoritária os ouvintes. Para o oralismo, como mostra Souza (1998): A linguagem é um código de formas e regras estáveis que tem na fala precedência histórica e na escrita sua via de manifestação mais importante. Gestos ou sinais, não importa de que natureza fossem, eram e ainda são considerados acessórios dependentes da fala e/ou inferiores a ela do ponto de vista simbólico. O oralismo defende essencialmente a supremacia da voz, transformado-a em nuclear do que consideram ser o “tratamento educativo interdisciplinar” da pessoa surda. (p. 04) Uma das questões centrais do oralismo é o fato dele ser uma imposição social de uma maioria lingüística (os falantes das línguas orais) sobre uma minoria lingüística que nesta perspectiva não tem seu direto ao uso da língua própria respeitados. Muito além de um problema educacional, a imposição do oralismo como metodologia na educação de surdos é um problema de natureza social entre maioria (ouvintes/língua oral) e minoria (surdos/língua de sinais). Fato notório é que a história da educação para surdos nos mostra que a língua oral não dá conta de todas as necessidades da comunidade surda. No momento em que a língua de sinais passou a ser mais difundida, os surdos tiveram maiores condições de desenvolvimento intelectual, profissional e social. 3.2 COMUNICAÇÃO TOTAL Os debates e questionamentos que se instauraram no percurso da educação para surdos, o descontentamento com a abordagem oralista e os argumentos sobre os estudos da língua de sinais, iniciados na década de 60, colaboraram para a elaboração de uma nova proposta educacional para surdos que, na década de 70, foi denominada de comunicação total. A comunicação total tem como finalidade oferecer aos alunos surdos a possibilidade de desenvolver uma comunicação de forma mais social, e assim a partir de disso, torna possível uma interação dos surdos com os próprios surdos, com seus familiares, professores e ouvintes. A oralização não é o objetivo central da comunicação total, mas por outro lado, serve como um dos recursos que possibilitam essa comunicação entre surdos e ouvintes. O recurso oral não seria a única forma para que possa ocorrer essa interação existe também a técnica de estimulação auditiva – abrange a adaptação de aparelho de amplificação sonora individual, a leitura labial, a leitura e escrita. Na comunicação total as maneiras, formas e metodologia de comunicação são ilimitadas, existe uma completa liberdade nas estratégias que permitam o resgate da comunicação. Seja por meios da língua oral, seja pela língua de sinais ou a mescla delas, deve-se priorizar a comunicação. Ciccone (1990) apud Santana (2007) afirma em relação à comunicação total que “(...) seus programas estão interessados em aproximar pessoas e permitir contatos e, para tanto, pode-se utilizar qualquer recurso lingüístico comunicativo. Em suma, privilegia-se a interação entre os surdos e os ouvintes, e não o aprendizado de uma língua” (p.180). No Brasil, além da língua brasileira de sinais, a comunicação total ainda usa o alfabeto manual (datilologia) – representação manual das letras – o cued speed (sinais manuais que representam os sons da língua portuguesa), o português sinalizado (língua artificial que utiliza o léxico da língua de sinais com a estrutura sintática do português e alguns sinais inventados para representar estruturas gramaticais que não existem na língua de sinais) e o pidgin (simplificação da gramática de duas línguas em contato, no caso a língua de sinais e a língua portuguesa). (GOLDFELD, 2001, p. 37; LIMA, 2004, p.32; SANTANA, 2007, p. 181). A comunicação total se opõe a abordagem oralista, na medida em que considera que somente a aprendizagem da língua oral não sustenta o pleno desenvolvimento do surdo. Segundo Ciccone (1996), os profissionais que adotam a comunicação total concebem o surdo de maneira diferente dos oralistas: ele não é concebido somente como um portador de uma patologia de ordem médica, que deveria ser dizimada, mas sim como uma pessoa, e a surdez como um traço que repercute nas relações sociais e no desenvolvimento afetivo e cognitivo desse sujeito. Essa filosofia também se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela criança surda, masalém de tudo acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não devem ser desconsiderados em prol da aprendizagem exclusivos da língua oral. Por essa razão a comunicação total defende a utilização de recursos espaços-visuais como facilitadores de comunicação. Nessa lógica, a abordagem da comunicação total, visa em seus ideais e propostas pedagógicas a junção dos diferentes tipos de recursos e instrumentos que ofereçam subsídios ao ensino de surdos no ambiente escolar. Mas alguns opositores da comunicação total acreditam que a intenção da comunicação total ainda é da aprendizagem da língua oral. Goldfeld (2001) critica a comunicação total ressaltando que a língua de sinais não é utilizada de forma plena. Logo, não se leva em conta o fato de ela ser natural (ter surgido de forma espontânea na comunidade surda) e de carregar uma cultura própria. A criação de recursos artificiais para facilitar a comunicação e a educação dos surdos dificulta a comunicação entre aqueles que dominam códigos diferentes da língua de sinais. Brito (1993) também argumenta que a comunicação total vem a ser apenas uma visão oralista camuflada, e que o oralismo e a comunicação total entendem a surdez como um problema. Ainda em relação aos opositores da comunicação total Santana (2007) complementa: A comunicação total parece ser do tipo de “vale tudo”. Assim, não se questiona o papel da linguagem oral, tampouco o da língua de sinais nesse contexto. Criou-se uma língua “artificial” com o objetivo de ensinar à gramática da língua falada ao surdo, como se a língua fosse um processo individual, e não social (...) A ideia de que o que vale é comunicar acaba por prejudicar a aquisição de uma matriz de significado que possa ser a base para a aquisição da linguagem e para o desenvolvimento cognitivo. (p. 182) Ainda que o objetivo central da comunicação total não seja a aprendizagem da língua oral – apesar da discordância de alguns autores – fica claro que nessa abordagem a língua de sinais não é vista como uma língua própria e materna dos surdos, o uso dos sinais ainda são entendidos como “mímicas” que servem para manter ou tentar uma relação/interação/comunicação entre surdos e ouvintes. Só que, em todo caso, quem tem que se adequar em prol dessa tão desejada “comunicação a qual preço” sempre – e isso é historicamente comprovado - é o surdo. Nesse sentido, pode-se afirmar que as abordagens oralista e da comunicação total comungam de um mesmo ideal educacional que é a negação do uso da língua de sinais como uma única possibilidade, e somente ela, de comunicação entre surdos/surdos e surdos/ouvintes. O grande questionamento não esta no sentido de definir qual seria a melhor maneira de se educar o surdo, a problemática está no fato de um grupo de pessoas – geralmente a maioria – determinarem como um outro grupo irá ser educado sem nem ao menos ter feito o básico que seria perguntar a eles, ou seja, contar com a participação direta e ativa das decisões que forem tomadas em prol deles. Por essa e por outras razões, a palavra de ordem da comunicação total era: não importa qual recurso comunicativo o surdo lançará mão para se comunicar, o importante é que haja comunicação. (Lima, 2004). Este lema não respeita nem um pouco o surdo como sujeito capaz de tomar decisões, ter pensamentos e formular idéias. Por essa razão a comunicação total é considerada uma abordagem que não considera a questão lingüístico-cognitiva relevante (p. 33). Ainda que a comunicação total, mescle recursos lingüísticos e pedagógicos visando proporcionar para os alunos surdos melhores condições de ensino, não irá conseguir minimizar as dificuldades apresentadas pelos estudantes surdos em sala de aula, a principal delas é a defasagem na leitura é escrita além do conhecimento dos demais conteúdos ministrados em sala de aula. 3.3 BIMODALISMO O Bimodalismo é um exemplo de estratégia educacional que surgiu a partir da abordagem da comunicação total. Esta modalidade é reconhecida como uma abordagem educacional própria para o ensino e comunicação dos surdos, pelo fato de ter se tornado “comum”, ou melhor, o mais freqüente meio de comunicação entre surdos e ouvintes. Esse fato pode ser explicado pelo próprio significado da palavra bimodalismo ou educação bimodal, mas conhecido como português sinalizado. A partir de agora será demonstrada por que essa modalidade/estratégia educacional ganhou e vem ganhando cada vez mais adeptos no cenário educacional brasileiro no ensino de surdos. O bimodalismo ou educação bimodal são termos utilizados para se referir a forma de comunicação simultânea entre a língua oral e a língua de sinais. Como afirma Felipe (1989, p. 102 apud Lima 2004, p. 35): “Na comunicação bimodal há a utilização das duas línguas a oral auditiva e a gestual-visual, é uma espécie de ‘pidgin’... que desestrutura a língua natural dos surdos, inserindo estruturas gramaticais da língua majoritária”. Nesta passagem, Felipe se refere ao uso simultâneo da língua de sinais e do português, essa mescla feita pela comunicação bimodal, evidencia que os estudantes surdos não adquirem nem uma língua nem outra. Os opositores a essa abordagem acreditam que a criança não é capaz de processar duas línguas completamente diferentes, o que podemos perceber na prática é a utilização das duas línguas conjuntamente sempre é claro, com essa modalidade não seria diferente, a preocupação era com o desenvolvimento da língua oral. Para Botelho (2005), uma das maneiras refinadas de sustentar a prática bimodal consiste em reduzir a importância de dizer; argumentando não ser importante como se diz, e sim o que se tem a dizer, assim é permitido aos interlocutores uma baixa exigência em relação à forma lingüística (p. 122). Nessa prática, a criança surda encontrará dificuldades em construir pensamentos simples, pois a todo o momento ela tentará se ajustar entre a fala e o sinal, e esta simultaneidade veiculada pelo bimodalismo acaba por transformar o enunciado, que como conseqüência construída de maneira artificial, e sempre baseada na língua oral. A comunicação bimodal omite parte do enunciado, por que muitos sinais não são conhecidos pela pessoa que enuncia bimodalmente. Fato muito bem explicado por Ferreira Brito (1993) “não há isomorfismo de categorias lingüísticas, isto é, cada sinal não corresponde exatamente um signo verbal ou escrito” (p.36). Por desconhecerem a estrutura gramatical da língua de sinais, e até mesmo os sinais, os usuários que se comunicam por meio do bimodalismo acham que cada sinal equivale a uma palavra na língua portuguesa. Dois pontos devem ser destacados em relação a essa situação, o primeiro deles é que se os ouvintes usam a língua de sinais – erroneamente – por desconhecerem realmente a estrutura da língua ou mais uma vez querem que os surdos se adaptem a uma necessidade deles, ou seja, que o surdo ajuste seu meio de comunicação de forma a melhor atender aos ouvintes. Esses questionamentos são, de toda forma, difíceis de serem respondidos, mesmo por que na prática é possível presenciar os dois tipos de situação. Por outro lado, os defensores do bimodalismo estão mais próximos da segunda opção, pois acreditam que essa abordagem é uma expressão da solidariedade e reciprocidade nas relações entre ouvintes e surdo. De fato, o bimodalismo mantém a língua do ouvinte. A prática bimodal, mesmo com o discurso de respeito e valorização da diversidade, representa um sistema de facilitação para o ouvinte em comparação a demanda da língua de sinais. Acrescenta Ciccone (1990) que “a melhor forma de linguagem a ser eleita deverá ser aquela que os familiares ouvintes puderem aprender com maior rapidez e maior facilidade, e da qual puderem fazer uso mais confortável, quando a praticaremcom os filhos surdos” (p. 81). Deve-se ressaltar também que existem sujeitos surdos que se utilizam do bimodalismo por terem uma idéia preconceituosa da surdez e da língua de sinais, assim eles constroem suas identidades a partir da identificação com os ouvintes, ignorando deste modo a surdez como uma diferença buscando a normalidade. Para Allport (1962) apud Botelho (2005) nesta perspectiva, “o surdo constitui identificação com o opressor” (p. 134). Em relação a essa citação, não podemos deixar de lembrar que a grande maioria dos surdos nascem em família de ouvinte, e que mesmo após seus filhos serem diagnosticados com um déficit auditivo é comum que num instinto de proteção os pais tendam a educar seus filhos surdos como se fossem ouvintes. É necessário que se entenda tanto a atitude dos pais, pois por desconhecerem outras opções de educação para seus filhos, escolhem aquelas que possibilitam a eles um contato maior com o mundo dos ouvintes, e a razão desta escolha pode ser explicada pelo desejo dos deles em proporcionarem aos seus filhos um convívio em um ambiente dito normal, quanto devemos também compreender as atitudes de alguns surdos, uma vez que nasceram, cresceram e foram educados numa cultura ouvinte acreditando que aquela fosse a sua cultural natural. Devemos pensar a prática bimodal como mais uma das possibilidades de comunicação e de educação para surdos. Contudo, não podemos acreditar que essa é a melhor opção de abordagem educacional para surdo, uma vez que ela ainda e feita e pensada por/para ouvintes. 3.4 BILINGUISMO Antes de explicar os conceitos e idéias da educação bilíngue, faz-se necessário um esclarecimento do termo bilinguismo, pois diferentemente das outras abordagens educacionais (oralismo, comunicação total e bimodalismo) esse termo não é utilizado apenas na educação para surdos. O Brasil é considerado um país monolíngue, assim como diversos outros países do continente sul-americano. No entanto, sabemos que existem vários grupos que falam diversas outras línguas caracterizando assim, o Brasil como bilíngue, embora não reconhecido como tal. Acredita-se que no Brasil todo falante adquire a língua portuguesa como primeira língua (L1), ignorando o fato de termos falantes de famílias imigrantes (japoneses, italianos, e t c) e as várias línguas das comunidades indígenas. Todas essas línguas faladas no Brasil também são línguas brasileiras caracterizando-o como um país multilíngue. Neste contexto, percebe-se que definir bilinguismo depende de várias questões de ordem política, social e cultural. As políticas lingüísticas no Brasil têm a tendência de subtrair as línguas, ao invés de utilizar uma política lingüística que possibilite a adição dessas diversas línguas na construção do capital cultural do país. Assim, não é incentivado o ensino de uma língua com qualidade, não é trazida para o espaço escolar a multiplicidade lingüística brasileira. Pelo contrário, o que existe é quase que o ensino exclusivo da língua portuguesa, uma vez que é a língua oficial do país. Por estas razões, políticas, sociais, entre outras, ainda não há um consenso no que se diz respeito ao conceito e classificação do bilinguismo. Os autores ainda não encontraram o ponto em comum do que deve ser considerado ou não quando se discute sobre sujeito bilíngue, contexto bilíngue e bilinguismo. Para Quadros apud Fernandes (2005), “O Bilinguismo, entre tantas possíveis definições, pode ser considerado: o uso que as pessoas fazem de diferentes línguas (duas ou mais) em diferentes contextos sociais” (p. 28). Para SKUTNABB-KANGAS, 1983 apud LIMA (2004): Nos dias de hoje, o bilinguismo não é mais visto como uma passagem transitória de uma língua para outra, porém um estado permanente valorizado per se, qual ocorre quando dois grupos que falam uma língua diferentes ou diferentes variedades de uma mesma língua entram em contato, e, com o intuito de se comunicarem, um deles tem que aprender a língua do outro (p. 79). O que podemos perceber é que mesmo o bilinguismo sendo utilizado como meio de comunicação e interação social, ainda pode ocorrer uma espécie de subordinação (da maioria falante) sobre um outro grupo social. Isso nos reporta a uma situação que, provavelmente já foi mencionada nesse capítulo, que é a imposição de uma língua sobre a outra, na qual se impunha ao sujeito surdo o domínio da língua portuguesa e a negação da língua de sinais. desta forma, um questionamento deve ser feito: Em que o bilinguismo se difere das outras abordagens educacionais para surdos vistas até então? Esta pergunta será respondida através do que, até então, vemos nas idéias do bilinguismo, mas só que desta vez na perspectiva da educação para surdos, ou seja, na educação bilíngue. 3.4.1 Educação Bilíngue Dentre as novas propostas sugeridas para a educação de surdos, é o bilinguismo que atualmente tem sido alvo de reflexões pelos profissionais que se dedicam ao atendimento de estudantes surdos. A educação bilíngue para surdos ganhou destaque no cenário educacional como uma abordagem que visa não somente os aspectos relacionados à mudança na escolarização para surdos, mas também por ir de encontro às práticas pedagógicas apresentadas pelas abordagens educacionais anteriores que permearam a educação de surdos. Dito de uma outra forma, o bilinguismo é visto como a “salvação da lavoura” que tende a minimizar as dificuldades escolares vivenciadas pelos alunos surdos, principalmente na aquisição da língua portuguesa. Nesse sentido, os primeiros passos que apresentavam o bilinguismo como uma proposta educacional possível e viável na educação para surdos foram dados , no Brasil, por Lucinda Ferreira Brito em um artigo datado de 1986. Segundo Brito apud Lima 2004) “o bilinguismo é a única solução para o surdo brasileiro... E o bilinguismo implica na aceitação sem restrição da LSCB7” (p. 37). No mesmo artigo, Brito aponta uma das questões que considero primordial para a adoção do bilinguismo, ou melhor, da educação bilíngue como uma abordagem educacional para o ensino de surdos que, é o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS como o único meio, e somente ele, de comunicação entre surdos/surdos e surdos/ouvintes. Brito (2004) afirma que: As línguas gestuais-visuais são a única modalidade de língua que permite aos surdos desenvolver plenamente seu potencial lingüístico e , portanto, seu potencial cognitivo, oferecendo-lhes, por isso mesmo, possibilidade de libertação do real concreto e de socialização que não apresentaria defasagem em relação àquela dos ouvintes. São o meio mais eficiente de integração social do surdo. (Brito apud Lima 2004, p.37) Estas são as primeiras iniciativas em favor da língua de sinais como primeira língua a ser adquirida pelo surdo. Brito, foi mais longe, e esclareceu que o português seria apenas visto como segunda língua (L2). 7 Na época, a língua de sinais era chamada de Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros (LSCB), essa era uma maneira de distinguir a Língua de Sinais Uruku-Kaapor (LSKB), língua utilizada entre os surdos e ouvintes da comunidade indígena Uruku-Kaapor. Hoje, a Língua de Sinais Brasileira é denominada de LIBRAS. Essas novas propostas, na defesa e implementação do bilinguismo para surdos, serviram como ponto de partida para gerar uma nova abordagem educacional para surdos, no Brasil. Se, no Brasil, as primeiras propostas da educação bilíngue só apareceram com Brito em 1986, a UNESCO em 1954, Skliar (1998) e Botelho (2005, p. 111) já definiam a educação bilíngue como “o direito que têm as crianças que utilizam uma língua diferente da língua oficial de serem educadas na sua língua”. O que a UNESCO e Brito anteviram
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