Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TEIXEIRA, M. A. LAGES, V. N. Transformações no Espaço Rural e a Geografia Rural: Idéias para discussão. Revista Geografia. (São Paulo), v 14. P. 9-33. 1997. Marcio Antonio Teixeira possui Graduação em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1966), Mestrado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (1979) e Doutorado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (1989), Pós-Doutorado pela "École des Houts Etudes em Scienses Sociales", EHESS Paris, França. Atualmente é Professor Doutor III do Centro Universitário Eurípides de Marília, mantido pela Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha Marília/SP. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana, atuando principalmente nos seguintes temas: estrutura fundiária, agroindústria, cadeias produtivas, crédito rural, política agrária, desenvolvimento sustentável e estudos sobre territorialidade. Vinicius Nobre Lages é Doutor em Socio-economia do Desenvolvimento, pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), Paris, titulação em 1997, com tese sobre estratégias comparadas de desenvolvimento Índia-Brasil. Validação do diploma pela UNB. É Mestre (M.Sc.) em Gestão Ambiental, pela Universidade de Salford, Inglaterra (titulação em 1988), Engenheiro Agrônomo, pela Universidade Federal de Alagoas (graduação em 1981). (Fonte: Currículo Lattes) Os autores expressam as inquietações e questões sobre os problemas agrários brasileiros, sobre a ótica Geografia Agrária ou Rural. O cenários acadêmico se questionava sobre o mal desenvolvimento no mundo contemporâneo, a globalização da economia e a cultura da globalização, o capital mundializado, as relações cidade campo e novas configurações rurais urbanas. O fenômeno rural Para os autores o fenômeno rural se dar no caráter histórico da designação de papeis social do trabalho, no qual a cidade e o campo se legitimam e se estruturam de formas diferentes, com base em relações sociais específicas, particularidade nos conflitos sociais e características políticas e ideológicas diferentes. Identificando as disparidades no território que fazem parte do processo geral do desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo, inerentes as formas de reprodução do desenvolvimento. Os autores questionam a existência da geografia rural e porque ainda existe um espaço rural. Segundo os autores, o conceito de rural é polissêmico e a noção de espaço rural é estreitamente tributária e se define por um modo particular de utilização do espaço e de vida social, caracterizado por densidade populacional relativamente baixa, por usos econômicos predominantes agro-silvo-pastoril, por um modo de vida marcado pelas relações com o espaço e uma identidade específica fortemente consolidada pela cultura do campo e as atividades agrícolas. Esta, por sua vez configurou-se como sendo fundamental para a vida rural durante um longo período, sobretudo em países industrializados, se diferenciando de outras humanas. Segundo George (1978), na atividade agrícola durante algum tempo, a base material da produção exprime-se em termos de superfície. Isso significa dizer que na economia agrícola, o tempo de trabalhos e as técnicas, são definidos segundo aos limites geográficos, ou seja, características pedológicas, biológicas no tocante a influência dos solos em seres vivos, particularmente com a finalidade de proporcionar o desenvolvimento das plantas, e sobretudo aspecto climáticos que definem os regimes térmicos e hidrológicos. Hoje em dia, esses limites geográficos tem influência cada vez menor, em detrimento dos avanços na hibridação e na engenharia genética, assim como avanços tecnológicos que permitem modificações de elementos do meio físico, como irrigação, drenagem, cultivo em estufas, quebra-ventos etc. Para Dollfus (1980), o termo rural, implica não somente em uma localização, campo em oposição a cidade, como em uma atividade e modo de vida específico, dado a "terra" como norma e estruturação das relações sociais. Dai o papel central da propriedade fundiária. O espaço rural se configura em uma organização social e o fator agrícola, é uma especialidade do rural. A natureza da atividade agrícola, esta atrelada profundamente ao espaço geográfico de forma endêmica. Por exemplo, onde existe certo tipo de solo e clima, um agricultor que cria certa raça de vaca, que come certo tipo de grama, produz certa qualidade de leite, que serve para a produção de determinado tipo de queijo, que cria sua significação econômica para disputa de mercado. Outro exemplo seriam os vinhedos da França, que devido sua sazonalidade climática, suas características litologia e pedológicas, e as especificidades e necessidades das videiras, produz um vinho único como em nenhuma outra parte do mundo. Mesmo que estas videiras sejam cultivadas em outras regiões com globo, não constitui o mesmo tipo de vinho como o produzido na França. No século XIX as cidades e aglomerações urbanas, a industrialização e as grandes mutações sociais e econômicas, modificaram as práticas e os usos de solo. O rural então passa a se definir pela população que ocupa e transforma o espaço, por usos diversos que não são unicamente agrícolas. O rural é, dessa forma, uma abstração, uma construção social. O autor analisa que as transformações observadas no decorrer das décadas, não fizeram do campo um lugar de formas extemporâneas, fossilizadas através do tempo. O espaço rural não é mais o que ele era, pois existe uma gama de estruturas agrárias e tecnológicas, evocando formas de agriculturas, das mais "primitivas" até outras ligadas as técnicas mais modernas de mundo contemporâneo. Existem diversos espaços rurais dinâmicos e em permanente mutação. As paisagens e as populações se transformam, dai o "rural" torna-se polissêmico. A imagem do "rural" é confundida com o "agrícola" em virtude do peso da agricultura. Transformações no espaço rural O autor comenta, tomando como base Levy (1994), que o campo e rural como espaços estruturados somente pela agricultura e ela associados, estão definitivamente mortos. A agricultura vive uma crise de paradigmas, e a discussão sobre sustentabilidade agroecológica, sociocultural e econômica passam a ser imperativos de definição de sua solução. Os modos de vida contemporâneos separam cada vez menos o rural do urbano. Os discursos sobre o modo de vida específico e o isolamento rural, mudaram em detrimento da mobilidade e a acessibilidade, com maior oferta de serviço, informação e infra- estrutura. O autor analisa a mundialização como fator que afeta os fundamentos econômicos dos espaços rurais que ainda são predominantemente agrícolas. Segundo o autor, o acelerado processo de urbanização ocorrido nas últimas décadas, nos países periféricos (America Latina e África), denominado "explosão urbana", causa profundas transformações na população mundial, que passará em alguns anos a ser majoritariamente urbana. O espaço rural não são deixa de ser um espaço monofuncional, estritamente ligados às atividades primárias, como também as novas configurações espaciais do processo de globalização da economia e os avanços tecnológicos sobretudo na área de comunicação e informação, superam a cidade campo/rural urbano que marcam os estudos rurais por longas datas. O próprio espaço rural, torna-se facultativo, na medida em que se pode cultivar cada vez mais em áreas menores. O autor permeia sobre o cultivo "hiperintensivo" que resolvem os problemas de produção agrícolas para o mercado internos de alguns países pequenos ou países grande com vários estratos de produção e das biotecnologias que dependem cada vez menos da força detrabalho humano para atingirem elevados níveis de produção. Para o autor, essa busca da produtividade máxima, infelizmente acompanhada da "biossimplificação", coloca o mundo em um patamar em que dois terços da produção mundial de alimentos dependem de cerca de 30 espécies de vegetais e animais. Nessa corrida pela performance no enfoque produtivista, na competição desenfreada do livre mercado, não somente espécies menos interessantes foram deixadas de lado, como também os agricultores e conseqüentemente os espaços. Os espaços litorâneos ou de melhor acessibilidade, como as áreas de melhor fertilidade, são privilegiados. Aos poucos, as áreas de solos rochosos ou menor qualidade, são enquadradas como zonas de agricultura marginal. Daí o surgimento do "rural idílico", o rural figurado, utópico ou fantasioso, fortemente representado por seu imaginário estatizante de paisagem e beleza, com o turismo rural, o agroturismo ou o turismo verde que invadem o campo, os vilarejos, as trilhas, as estradas e as florestas. Na Europa, assim como no Brasil, isso vem como alternativa de emprego e renda para os agricultores que guardaram certas identidade "rural/camponesa/tradicional". Esses agricultores tem essa identidades questionadas a medida que as demandas sociais não são mais pelo fruto do seu trabalho agrícola. Dado esse contexto, alguns geógrafos Bailly, 1994, Kayser, 1987, questionam se existem ainda uma geografia rural, chegando a afirmar que a mesma perdeu toda sua significação, dada a mutualidade de interesses heterogêneos quanto ao método de construção teórico. O autor mencionar sobre a desertificação do espaço rural, pela inevitabilidade do processo de urbanização, da concentração de capital e globalização. Nessa perspectiva, coloca o rural como espaço periférico das cidades, onde se alocam usinas de tratamento de lixo, lixões ou aterros sanitários. O autor conclui a discussão destacando as categorias que caracterizam o rural e o urbano, a partir das dinâmicas dos processos espaciais e sociais contemporâneos. Para o autor, identifica o rural ou o urbano a partir de critérios estatísticos, mascaram o fato de que o modo de vida urbano no campo e a vinculação das atividades primárias e o modo de vida rural que também pode coexistir nas cidades possuem suas ambigüidades. Evolução dos estudos rurais No surgimento da geografia humana, em meados do século XIX, o mundo ocidental ainda era amplamente rural e as atividades agrícolas eram preponderantes. O geógrafos interessavam-se mais pelo campo, do que pela cidade e as disciplinas estudadas analisavam a relação entre o homem e o meio natural. Essa Geografia essencialmente agrária, interessava-se particularmente pela morfologia agrário e o habitat. A Geografia Rural torna-se uma peça mestra da Geografia Humana, e continua assim até a primeira metade do século XX. É na École Française de Geographie, com suas grandes teses de amplo conteúdo rural, trabalhando os problemas agrários, que atinge seu apogeu no fim dos anos 50, que podemos tributar o elevado status atingido pela chamada Geografia Rural. Esta emergiu de forma mais expressiva entre a primeira e a segunda guerra mundial. As temáticas que marcaram o período, foram as paisagens agrárias, as relações entre os tipos de agricultura, a pressão demográfica e o valor explicativo do meio natural. Marcaram o período e a produção científico-acadêmico, os estudos dos elementos constituintes da paisagem, os 500 anos de evolução histórica, antropogênico-ambiental. No início dos anos 60, haviam ocorrido transformações significativas, que deslocaram o centro de gravidade das pesquisas para o urbano. A intensa mobilidade da população no sentido rural-urbano, as atividades motoras do modo de produção vigente e a cidade que permite que o dinheiro reproduza-se com mais intensidade e etc, são os novos enfoques que causam uma grande divisão intelectual e social do trabalho científico. O território rural, que viveu nas últimas três décadas intensas e profundas transformações tem sido insubstituível como espaço para investigações interessando à gestão ambiental, a compreensão global do social, e as novas configurações espaciais. Assim, muitos geógrafos hoje tem investigado as inúmeras transformações ocorridas no rural. A Geografia Agrária brasileira, que por um longo período foi responsável pela maior parte dos trabalhos de Geografia Humana, ao fim dos anos 60, durante a década seguinte é posta num segundo plano, em decorrência do intenso processo de urbanização, que provoca uma explosão nos estudos urbanos pela Geografia. Houve assim, um divórcio entre a Geografia Rural e a Geografia Urbana. Fundamentalmente a Geografia Humana estuda as relações entre o homem, suas atividades e suas obras e relaciona uma com a outra. Hoje, esta situação mudou profundamente e é possível perceber a supervalorização de uma atividade em relação à outra, no tocante aos estudos científico-acadêmico. Questões para debater O autor parte da constatação de que o mundo rural não pode ser estudado como um mundo fechado, como um objeto de estudo isolado. O autor indaga os problemas da sociedade global, os estudos transversais e interdisciplinares que desenvolveram trocas entre ruralistas e pesquisadores sociais. A homogeneização do comportamento, de valores, das convergências entre o rural e o urbano, leva a dizer que o "campo deve ser visto como cidade dispersa" Claval (1984), na preocupação em assegurar serviços a população puramente residente em zonas urbanas, e conciliar com os interesses com a fração da população que não tira seu sustento diretamente do ambiente local. O autor convida a debater os conflitos de classes nos países pobres não entre o capital e o trabalho mas entre o rural e o urbano. Nas palavras de Michael Lipton, "o mais importante conflito de classes nos países do mundo, hoje, não é entre o capital e o trabalho. Nem e entre os interesses nacionais e estrangeiros. É entre as classes rurais e as classes urbanas. O setor rural contém a maior parte da pobreza e a maior fonte de recursos de baixo custo, porém, o setor urbano contém a maior articulação, organização e poder. Desta maneira, as classes urbanas foram capazes de vencer os diversos rounds m luta contra o campo". Alguns geógrafos analisam o espaço rural no Terceiro Mundo como sendo determinado pelas relações de assimétricas de poder entre dominantes (grupos privilegiados urbanos) e dominados (massa de trabalhadores rurais), dentro de cada país, e por relações desiguais entre um centro e uma periferia. Como observam Teixeira e Lages (1997), o espaço rural não é mais o que ele era, as paisagens e as populações rurais se transformaram profundamente. O meio rural torna-se cada dia mais polifuncional, daí polissêmico. Por isso, a imagem do rural unifuncional centrado no agrícola, em função do peso da agricultura, não mais se aplica nos dias de hoje, especialmente nos países desenvolvidos, bem como em determinados lugares nos países em desenvolvimento como é o caso do Brasil. A indagação sobre o papel da então chamada Geografia Rural ou Geografia Agrária, que vem sendo contra-producente com a seu papal primordial de analise dos problemas de campo, é uma reflexão sobre a crise do desenvolvimento contínuo e as fraturas sociais e suas conseqüências espaciais, onde o rural cada vez mais perde seu espaço e suas características. A mundialização e a economia globalizada, através da competição desenfreada, tem como sua "ideologia" o crescimento sem motivo aparente, ou crescer por crescer. Essa ideologia, assim colocada, de crescimento globalizado é análoga a aberração da fisiologiahumana que a medicina conhece câncer. Nociva para todas as relações sociais, mais que qualquer outra as relações do espaço rural. Rodrigo Cavalcante, discente do curso de Geografia da UFMG.
Compartilhar