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42 “Os homens são bons de um modo apenas, porém são maus de muitos modos” (Aristóteles, Ética a Nicomaco) II - Noções Sobre Razão e a Dialética Socrática O que é a Razão? “Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade humana”. (CHAUÍ, 2003, p.17) De outro modo, podemos afirmar que a Filosofia pela composta pela razão: A Filosofia surge, portanto, quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos e as coisas da Natureza, os acontecimentos e as ações humanas podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma (CHAUÍ, 2003, p.24) Já falamos anteriormente que a Filosofia marcou, enquanto ciência a tomada da consciência racional, a relação do homem com o conhecimento racional, ou seja, a passagem da intuição para a razão, assim como do senso comum para conhecimento racional. Para muitos filósofos, porém, a razão não é apenas a capacidade moral e intelectual dos seres humanos, mas também uma propriedade ou qualidade primordial das próprias coisas, existindo na própria realidade. Para esses 43 filósofos, nossa razão pode conhecer a realidade (Natureza, sociedade, História) porque ela é racional em si mesma. Fala -se, portanto, em razão objetiva (a realidade é racional em si mesma) e em razão subjetiva (a razão é uma capacidade intelectual e moral dos seres humanos). A razão objetiva é a afirmação de que o objeto do conhecimento ou a realidade é racional; a razão subjetiva é a afirmação de que o sujeito do conhecimento e da ação é racional. Para muitos filósofos, a Filosofia é o momento do encontro, do acordo e da harmonia entre as duas razões ou racionalidades. (CHAUÍ, 2003, p.71) Mas de onde vem a origem da palavra Razão? Na cultura da chamada sociedade ocidental, a palavra razão origina-se de duas fontes: a palavra latina ratio e a palavra grega logos. Essas duas palavras são substantivos derivados de dois verbos que têm um sentido muito parecido em latim e em grego. Logos vem do verbo legein, que quer dizer: contar, reunir, juntar, calcular. Ratio vem do verbo reor, que quer dizer: contar, reunir, medir, juntar, separar, calcular. Que fazemos quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos? Pensamos de modo ordenado. E de que meios usamos para essas ações? Usamos palavras (mesmo quando usamos números estamos usando palavras, sobretudo os gregos e os romanos, que usavam letras para indicar números). Por isso, logos , ratio ou razão significam pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo compreensível para outros. Assim, na origem, razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são. A razão é uma maneira de organizar a realidade pela qual esta se torna compreensível. É, também, a confiança de que podemos ordenar e organizar as coisas porque são organizáveis, ordenáveis, compreensíveis nelas mesmas e por elas mesmas, isto é, as próprias coisas são racionais. (CHAUÍ, 2003, p.71) Fazendo um paralelo destes conceitos com o que já vimos sobre Sócrates, há uma coerência prática no discurso: as verdades de Sócrates eram postas à prova pela ação moral. A razão estabelecida em comum é uma razão prática segundo ele. “as particularidades do modo de Sócrates se dirigir aos seus ouvintes, seu "método" se quisermos: ele supõe o face a face como outro, repousa sobre o princípio dialético do estabelecimento das verdades, põe à prova a coerência de seus propósitos e implica sua adesão à verdade desses mesmos propósitos.” (REALE, 2007) Sócrates foi um mestre, dentre os que, ao seu tempo, tinham seus pensamentos mergulhados na ignorância humana, que se destacou, arguindo a verdade através da 44 dialética aplicada face aos falsos filósofos que, munidos do poder político, insistiam em propagar falsos conceitos e ideias que iludiam e, ironicamente, apesar de em menor intensidade, continuam a iludir a humanidade no mundo Terra. A dialética, instrumento utilizado por Sócrates para questionar e dilacerar a ilusória retórica dos que detinham o poder em sua época, trazia à tona a verdade das coisas, verdade esta que Sócrates, com atribuição e singularidade únicas ao seu tempo, trazia em seu espírito, razão pela qual não se conformava com ilusões, as falsas ideias, peculiaridades daqueles que se entregavam ao prazer das mazelas próprias deste mundo. O método dialético de Sócrates está ligado à sua descoberta da essência do homem como alma (psyché) e tendo o modo consciente a despojar a alma da ilusão do saber. Como sistema de ensinamento usava o diálogo em sintonia com a razão para levar o interlocutor ao encontro da sua alma, fundamentalmente de natureza ética e educativa. (REALE, 2007) PARA SABER MAIS Segundo Chauí (2003, pp. 72-75): Os princípios racionais Desde seus começos, a Filosofia considerou que a razão opera seguindo certos princípios que ela própria estabelece e que estão em concordância com a própria realidade, mesmo quando os empregamos sem conhecê-los explicitamente. Ou seja, o conhecimento racional obedece a certas regras ou leis fundamentais, que respeitamos até mesmo quando não conhecemos diretamente quais são e o que são. Nós as respeitamos porque somos seres racionais e porque são princípios que garantem que a realidade é racional. Que princípios são esses? São eles: Princípio da identidade, cujo enunciado pode parecer surpreendente: “A é A” ou “O que é, é”. O princípio da identidade é a condição do pensamento e sem ele não podemos pensar. Ele afirma que uma coisa, seja ela qual for (um ser da Natureza, uma figura geométrica, um ser humano, uma obra de arte, uma ação), só pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com sua identidade. Por exemplo, depois que um matemático definir o triângulo como figura de três lados e de três ângulos, não só nenhuma outra figura que não tenha esse número de lados e de ângulos poderá ser chamada de triângulo como também todos os teoremas e problemas que o matemático demonstrar sobre o triângulo, só poderão ser demonstrados se, a cada vez que ele disser “triângulo”, soubermos a qual ser ou a qual coisa ele está se referindo. O princípio da identidade é a condição para que definamos as coisas e possamos conhecê-las a partir de suas 45 definições. Princípio da não-contradição (também conhecido como princípio da contradição), cujo enunciado é: “A é A e é impossível que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação, não -A”. Assim, é impossível que a árvore que está diante de mim seja e não seja uma mangueira; que o cachorrinho de dona Filomena seja e não seja branco; que o triângulo tenha e não tenha três lados e três ângulos; que o homem seja e não seja mortal; que o vermelho seja e não seja vermelho, etc. Sem o princípio da não-contradição, o princípio da identidade não poderia funcionar. O princípio da não -contradição afirma que uma coisa ou uma ideia que se negam a si mesmas se autodestroem, desaparecem, deixam de existir. Afirma, também, que as coisas e as ideias contraditórias são impensáveis e impossíveis. Princípio do terceiro-excluído, cujo enunciado é: “ Ou A é x ou é y e não há terceira possibilidade”. Por exemplo: “Ou este homem é Sócrates ou não é Sócrates”; “Ou faremos a guerra ou faremos a paz”. Esteprincípio define a decisão de um dilema - “ou isto ou aquilo” - e exige que apenas uma das alternativas seja verdadeira. Mesmo quando temos, por exemplo, um teste de múltipla escolha, escolhemos na verdade apenas entre duas opções - “ou está certo ou está errado” -e não há terceira possibilidade ou terceira alternativa, pois, entre várias escolhas possíveis, só há realmente duas, a certa ou a errada. Princípio da razão suficiente, que afirma que tudo o que existe e tudo o que acontece tem uma razão (causa ou motivo) para existir ou para acontecer, e que tal razão (causa ou motivo) pode ser conhecida pela nossa razão. O princípio da razão suficiente costuma ser chamado de princípio da causalidade para indicar que a razão afirma a existência de relações ou conexões internas entre as coisas, entre fatos, ou entre ações e acontecimentos. Pode ser enunciado da seguinte maneira: “Dado A, necessariamente se dará B”. E também: “Dado B, necessariamente houve A”. Isso não significa que a razão não admita o acaso ou ações e fatos acidentais, mas sim que ela procura, mesmo para o acaso e para o acidente, uma causa. A diferença entre a causa, ou razão suficiente, e a causa casual ou acidental está em que a primeira se realiza sempre, é universal e necessária, enquanto a causa acidental ou casual só vale para aquele caso particular, para aquela situação específica, não podendo ser generalizada e ser considerada válida para todos os casos ou situações iguais ou semelhantes, pois, justamente, o caso ou a situação são únicos. A morte, por exemplo, é um efeito necessário e universal (válido para todos os tempos e lugares) da guerra e a guerra é a causa necessária e universal da morte de pessoas. Mas é imprevisível ou acidental que esta ou aquela guerra aconteçam. Podem ou não podem acontecer. Nenhuma causa universal exige que aconteçam. Mas, se uma guerra acontecer, terá necessariamente como efeito mortes. Mas as causas dessa guerra são somente as dessa guerra e de nenhuma outra. Diferentemente desse caso, o princípio da razão suficiente está vigorando plenamente quando, por exemplo, Galileu demonstrou as leis universais do movimento dos corpos em queda livre, isto é, no vácuo. Pelo que foi exposto, podemos observar que os princípios da razão apresentam algumas características importantes: não possuem um conteúdo determinado, pois são formas : indicam 46 como as coisas devem ser e como devemos pensar, mas não nos dizem quais coisas são, nem quais os conteúdos que devemos ou vamos pensar; possuem validade universal, isto é, onde houver razão (nos seres humanos e nas coisas, nos fatos e nos acontecimentos), em todo o tempo e em todo lugar, tais princípios são verdadeiros e empregados por todos (os humanos) e obedecidos por todos (coisas, fatos, acontecimentos); são necessários, isto é, indispensáveis para o pensamento e para a vontade, indispensáveis para as coisas, os fatos e os acontecimentos. Indicam que algo é assim e não pode ser de outra maneira. Necessário significa: é impossível que não seja dessa maneira e que pudesse ser de outra. II.I A Dialética de Sócrates; O objeto da filosofia socrática é o homem como ser moral. Desta maneira Sócrates dá início ao período antropológico da filosofia grega de forma magnífica. A consideração do mundo e de Deus não é inteiramente descuidada, mas é somente empregada quando necessária e subordinada ao objeto primário, como dito, o homem como ser moral. (ASSMANN, 2006; AIRES, 2003) Assim Sócrates, da ordem e da finalidade do mundo, deduz a existência de Deus como um ser uno, com suprema inteligência, sábio, onipotente, bom e generoso provedor, mas não se preocupa em dar uma definição mais além de Deus, pois basta-lhe o conhecimento de Deus que faz o homem trabalhar moralmente. (ASSMANN, 2006; AIRES, 2003) Sócrates, apoiado neste conhecimento de um Deus bom e provedor, não só fazia um certo otimismo antropológico como vimos anteriormente, mas também um otimismo cosmológico: este mundo é o melhor e não traz nada de mau em si mesmo. (ASSMANN, 2006; AIRES, 2003) Pode-se dizer que o método de Sócrates é dividido em duas partes; na primeira, feita a pergunta, ele procura mostrar ao interlocutor a insuficiência da resposta dada e mostra que estas são sempre preconceitos recebidos, opiniões subjetivas e não a definição buscada. A isto, dá-se o nome de ironia; por isso ele não era bem visto. A forma de levar o ouvinte a dar conta de que não sabe aquilo que julgava saber e para melhor entender a si mesmo, era posta como finalidade de quebrar a solidez existente na própria pessoa. (REALE, 2007) 47 Então na segunda parte, ele vai sugerir caminhos para que o interlocutor seja capaz de encontrar a resposta procurada a em si mesmo. O que recebe o nome de Maiêutica, pela arte de ajudar o interlocutor a se despojar de tudo aquilo que se diz saber e o que Sócrates fazia para conseguir desmascarar a pessoa e pôr a frente de sua vaidade, era uma das finalidades de seu método, a ironia, sendo uma espécie de reconhecer a sua própria ignorância. Mas, isto muitas vezes tinha uma aparência negativa e até mesmo revolucionaria para os cidadãos atenienses. (REALE, 2007) Através da simulação, pode-se chegar a esses caminhos traçados por Sócrates, com a finalidade de discernir as aptidões, sendo este um método de análise crítica e sobre tudo um método pedagógico na busca pela verdade através do diálogo. Assim, o interlocutor é convencido do bem que o homem pode ter pela purificação da alma, aprendendo a filosofar e se cuidar com um estímulo irresistível da própria vida. (REALE, 2007) Por razões de método, o dialogo conduz a várias questões que não chegam a uma solução, isto para colocar o interrogado no caminho em que ele mesmo possa encontrar a solução e demonstrar a sua capacidade de uma nova visão filosófica. No entanto, é evidente que esses métodos provocam discussões e irritações ou reações indesejadas nas pessoas as quais dizem saber tudo. Com isso, provoca o verdadeiro efeito de purificação das falsas certezas. Assim compreende-se que, todos os métodos usados por Sócrates: a ironia e maiêutica tem uma determinada finalidade em estar sempre colocando o homem diante de vários questionamentos, no qual leva a um processo de purificação da alma pelo conhecimento já adquirido. E põem a descobrir que ele sabe pouco daquilo que tinha intrínseco a tal conhecimento. (REALE, 2007) A dialética de Sócrates coincide com o seu próprio dialogar (dia-logos), que consta de dois momentos essenciais: a "refutação" e a "maiêutica". Ao fazê-lo, Sócrates valia-se da máscara do "não saber" e da temida arma da "ironia". Cada um desses pontos deve ser compreendido adequadamente. (REALE, 2007) A atividade filosófica de Sócrates se dava em duas etapas. A primeira era conhecida como ironia, nesta parte do processo o filósofo se expressava parecendo indicar o oposto do que pensava ou conhecia sobre algo, levando o interlocutor a apresentar a sua posição ou opiniões a respeito de uma determinada temática. Com esse recurso Sócrates levava o interlocutor a desembocar na sua própria ignorância, ou seja, a 48 pessoa que conversava com Sócrates se percebia como quem na verdade não sabia muito ou muito pouco a respeito do objeto da discussão, que este possuía na verdade um conjunto de afirmações mal estruturadas, confusas ou vazias, contraditórias. A segunda etapa do método socrático era conhecida como maiêutica. Esta parte faz referência a profissão da mãe de Sócrates, que era parteira; Sócrates mesmo disse que sua mãe dava luz a crianças, enquanto que ele dava luz a ideias. Maiêutica vem do grego maieutikée é traduzido justamente como “arte do parto”. Neste caso, Sócrates era um parteiro da verdade, das ideias verdadeiras. A partir das ideias confusas apresentadas pelo interlocutor na primeira fase, Sócrates, através do diálogo, busca descobrir a verdade dos objetos de conhecimento em questão com seu interlocutor. Vale destacar que todo este processo se desenrola baseado no diálogo entre Sócrates e os interlocutores. Ademais, estes diálogos não eram desestruturados ou casuais, pelo contrário, eram puramente sistematizados e intencionais. Este método socrático de buscar a verdade através do diálogo, incluindo os processos da ironia e da maiêutica, recebe o nome de dialética. Em suma, este método visa levar o indivíduo a transcender a suas ideias imediatas acerca de determinado assunto e alcançar as ideias mais puras, mais inteligíveis, mais autênticas. (ASSMANN, 2006; AIRES, 2003; FONSECA) PARA SABER MAIS Até hoje, não foi definido quem teria sido o fundador da dialética: alguns acreditam que tenha sido Sócrates, e outros, assim como Aristóteles, acreditam que tenha sido Zenão de Eleia. Na Grécia Antiga, a dialética era considerada a arte de argumentar no diálogo. Atualmente é considerada como o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. Desde a Grécia Antiga, a dialética sempre encontrou quem fosse contra, como Parmênides, mesmo vivendo na mesma época do mais radical pensador dialético: Heráclito. Para compreensão do tema, o autor passa por vários itens, começando pelo trabalho. Heráclito foi o pensador dialético mais radical da Grécia Antiga. Para ele, os seres não têm estabilidade alguma, estão em constante movimento, modificando-se. É dele a famosa frase “um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio”, porque nem o homem nem o rio serão os mesmos. No século XX, Osho Rajneesh, nascido na Índia, retoma o pensamento de Heráclito sobre a dialética com a publicação do livro "A Harmonia Oculta: Discursos sobre os fragmentos de Heráclito". Porém, na época, os gregos preferiram acreditar na metafísica de Parmênides, a qual pregava que a essência do ser é imutável, e as mudanças só acontecem na superfície. Esse pensamento prevaleceu, por atender aos interesses da classe dominante, na época. Para sobreviver, a dialética precisou renunciar às expressões mais radicais, conciliando-se com a metafísica. 49 Depois de um século, Aristóteles reintroduziu a dialética, sendo responsável, em boa parte, pela sua sobrevivência. Ele estudou muito sobre o conceito de movimento, que seriam potencialidades, atualizando-se. Graças a isso, os filósofos não deixaram de estudar o lado dinâmico e mutável do real. Com a chegada do feudalismo, a dialética perdeu forças novamente, reaparecendo, no Renascimento e no Iluminismo. A dialética hegeliana é idealista, aborda o movimento do espírito. A dialética marxista é um método de análise da realidade, que vai do concreto ao abstrato e que oferece um papel fundamental para o processo de abstração. Engels retomou, em seu livro, "A Dialética da Natureza", alguns elementos de Hegel, concebendo a dialética como sendo formada por leis; esta tese será desenvolvida por Lênin e Stálin. Por outro lado, outros pensadores criticarão ferrenhamente esta posição, qualificando-a de não-marxista. Assim, se instaurou uma polêmica em torno da dialética. II.II RACIONALISMO E EMPIRISMO O racionalismo desconfia das informações fornecidas pelos sentidos, crendo que essas são por demais falíveis, que é muito fácil se enganar “ouvindo errado” ou “vendo o que não estava lá”. O caminho correto para o conhecimento seria o bom uso da razão. Um sistema racional elaborado a partir de premissas válidas traria o conhecimento real, a verdade. Essa corrente é de matriz europeia continental, com muita força na França e Alemanha, seus primórdios são marcados pela frase de Renée Descartes “penso, logo existo”. (ARANHA, 2003; CHAUÍ, 2003) A palavra racionalismo deriva do latim ratio, que significa razão. Aqui, o termo está sendo empregado para designara doutrina que deposita total e exclusiva confiança na razão humana como instrumento capaz de conhecer a verdade. Ou, como recomendou o filósofo racionalista Descartes: nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão. (ARANHA, 2003; CHAUÍ, 2003) Os racionalistas afirmam que a experiência sensorial é uma fonte permanente de erros e confusões sobre a complexa realidade do mundo. Somente a razão humana, trabalhando com os princípios lógicos, pode atingir o conhecimento verdadeiro, capaz de ser universalmente aceito. Para o racionalismo, os princípios lógicos seriam inatos na mente do homem. (ARANHA, 2003; CHAUÍ, 2003) O empirismo, de matriz inglesa com Francis Bacon, vai pelo caminho inverso. Considera que o ser humano nasce uma “tábula rasa” sem nada saber, todo o conhecimento vem pelos sentidos e só depois é trabalhado pela razão. Assim, deve-se ter rigor e cuidado nas observações, mas algo só é verdadeiro se for comprovado na 50 experimentação. É “ver para crer”. Sem essa validação da experiência perde-se o contato com o real, pois a teoria racional pode-se perder em elucubrações sem sentido ou desviar-se da realidade. (ARANHA, 2003; CHAUÍ, 2003) II.II.I René Descartes (1596-1650) – Racionalismo Após a Renascença, há o grande racionalismo clássico moderno. Figura mais conhecida é René Descartes, considerado o primeiro filósofo moderno que insiste ainda mais de que se deve fazer o que é necessário racionalmente para que o ser humano se torne senhor do mundo. É o primeiro a escrever, depois de séculos de domínio do latim, em língua moderna, no caso o francês. (ASSMANN, 2006, p. 43) René Descartes pretende alcançar a verdade através da razão, não deixando espaços para possíveis dúvidas. Desta forma, Descartes combate as ideias do senso comum; começou a questionar todas as verdades fundamentadas na tradição, no “é porque sempre foi assim”, desmontando superstições, misticismo, conceitos sem base sólida etc. Chegou a ponto de duvidar de tudo e então estabeleceu suas premissas. A primeira é de que se duvidava de certezas milenares, não duvidava que ele estava ali duvidando. “Penso, logo existo” “Cogito ergo sum”. Esta virada fundamental dá ao sujeito, o indivíduo, o direito de questionar as tradições mantidas pela coletividade. Entre outras premissas de Descartes estavam a existência de Deus e o primado da razão. Ele constrói então um sistema racional que inclui o método científico e nega a existência de bruxas e monstros, enfraquecendo as “caças às bruxas” na Europa. As leis passam então a ter necessidade de uma base lógica. Sabendo do sistema racional que tudo engloba, você pode investigar os casos individuais na natureza e na sociedade. Vai-se do todo para as partes, o método dedutivo. Autor de O discurso do Método, Descartes propõe-se a duvidar de tudo o que se sabia até então e a procurar alguma verdade que não pudesse ser posta em dúvida. Ela deveria ser a nova base para todo conhecimento. Pode-se duvidar da existência de Deus. Pode-se duvidar de tudo o que se conhece pelos sentidos. Pode-se até duvidar da existência do mundo físico fora de mim. Mas não se pode duvidar de que eu duvido, ou seja, da existência da dúvida e da existência de quem duvida. Portanto, se eu duvido, eu sou. Se eu penso, então eu existo. E a existência de Deus, do mundo, deve ser baseada neste fundamento: eu. Eu, o sujeito humano, a razão humana, que deve ser o único ponto de partida para qualquer verdade. Este é o princípio da ciência. Mas também da ética: só será bom aquilo que for bompara o homem. Um exemplo no campo do conhecimento: só se o ser humano provar que Deus existe, Deus existirá. Se não o conseguir provar, então Deus não existirá. Como se vê, a existência de Deus passa a depender da prova do ser humano. É isso que se pode denominar de visão antropocêntrica da modernidade. Se a visão medieval é teocêntrica, e a 51 antiga é fisiocêntrica, agora se passa ao antropocentrismo (ASSMANN, 2006, p. 43) Para Descartes, a realidade física coincide com o pensamento e pode ser traduzida por fórmulas e equações matemáticas. Descartes estava convicto também de que todo conhecimento procede de ideias inatas - postas na mente por Deus - que correspondem aos fundamentos racionais da realidade. A razão cartesiana, por julgar-se capaz de apreender a totalidade do real mediante "longas cadeias de razões", é a razão lógico- matemática e não a razão vital e, muito menos, a razão histórica e dialética. Descartes começa sua obra filosófica fazendo um balanço de tudo o que sabia: o que lhe fora ensinado pelos preceptores e professores, pelos livros, pelas viagens, pelo convívio com outras pessoas. Ao final, conclui que tudo quanto aprendera, tudo quanto sabia e tudo quanto conhecera pela experiência era duvidoso e incerto. Decide, então, não aceitar nenhum desses conhecimentos, a menos que pudesse provar racionalmente que eram certos e dignos de confiança. Para isso, submete todos os conhecimentos existentes em sua época e os seus próprios a um exame crítico conhecido como dúvida metódica, declarando que só aceitará um conhecimento, uma ideia, um fato ou uma opinião se, passados pelo crivo da dúvida, revelarem -se indubitáveis para o pensamento puro. Ele os submete à análise, à dedução, à indução, ao raciocínio e conclui que, até o momento, há uma única verdade indubitável que poderá ser aceita e que deverá ser o ponto de partida para a reconstrução do edifício do saber. Essa única verdade é: “Penso, logo existo”, pois, se eu duvidar de que estou pensando, ainda estou pensando, visto que duvidar é uma maneira de pensar. A consciência do pensamento aparece, assim, como a primeira verdade indubitável que será o alicerce para todos os conhecimentos futuros. (CHAUÍ, 2003, p. 115) II.II.II Leibiniz (1646-1716) – Racionalismo Filósofo racionalista alemão. Leibniz nasceu em Leipzig e morreu em Hanover. Começou a frequentar a universidade aos treze anos, doutorando-se em direito aos vinte anos. Fez importantes contribuições para a filosofia, a lógica, a geologia, a linguística, a historiografia, a matemática, a teologia, a economia, a política, a física, etc. Descobriu o cálculo infinitesimal independentemente de Newton (1642-1727). Fundou a Academia de Berlim. (AIRES, 2003) Segundo Ferro, 2001: A obra de Leibniz é muito diversificada, sendo-lhe atribuída a autoria de notáveis descobertas. Na matemática, por exemplo, junto com Newton, foi um dos inventores do cálculo infinitesimal. Inventou também uma máquina de calcular. Na física criou o conceito de energia cinética. A filosofia de Leibniz estabelece uma ponte entre a filosofia renascentista e a iluminista, lançando as bases para os grandes sistemas da filosofia contemporânea. 52 A monadalogia ( do grego monas = unidade) exprime a concepção original de Leibniz sobre a natureza das coisas. "O universo é considerado uma ordenação de mónadas, isto é, de centros espirituais dinâmicos, em que se compenetram, misteriosamente, individualidade e substancialidade. Cada nómada é um espelho do mundo e, simultaneamente, uma criação original indestrutível, dotada de tendências ou mesmo de acção (sic.). O seu lugar na ordem hierárquica determina-se pelo grau de clareza e distinção com que consegue representar o universo" (F.Heinnemann). Deus é a mónada original, criador da infinidade das mónadas que compõem o mundo. O conceito central da filosofia de Leibniz é a Harmonia Universal identificada com Deus. Vivemos, segundo Leibniz, no melhor dos mundos possíveis. Criado por Deus este só poderia ter escolhido o melhor entre todos os possíveis. O mal é uma carência ocasional e acidental e não existe por si próprio. Todos os seres aspiram à realização plena das suas potencialidades. Em termos políticos, preconiza uma vasta comunidade internacional, que possa garantir a paz e a difusão do cristianismo. Nesse sentido procurou demonstrar a unidade fundamental de todas as línguas, assim como desenvolver uma linguagem universal, baseada num sistema binário que é usado nos nossos dias na informática. Foi um precursor da lógica simbólica contemporânea. No direito defendeu uma concepção de direito natural fundamentada no próprio Deus. Leibniz tinha como principais linhas de pensamento: - A Liberdade x Determinação: Leibniz admitia uma série de causas eficientes a determinar o agir humano dentro da cadeia causal do mundo natural. Essa série de causas eficientes dizem respeito ao corpo e seus atos. Contudo, paralela a essa série de causas eficientes, há uma segunda série, a das causas finais. As causas finais poderiam ser consideradas como uma infinidade de pequenas inclinações e disposições da alma, presentes e passadas, que conduzem o agir presente. Há, como em Nietzsche, uma infinidade imensurável de motivos para explicar um desejo singular. Nesse sentido, todas as escolhas feitas tornam-se determinantes da ação. Cai por terra a noção de arbitrariedade ou de ação isolada do contexto. Parece também cair por terra a noção de ação livre, mas não é o que ocorre. Leibniz acredita na ação livre, se ela for ao mesmo tempo 'contingente, espontânea e refletida'. - A Contingência: A contingência opõe-se à noção de necessidade, não à de determinação. A ação é sempre contingente, porque seu oposto é sempre possível. - A Espontaneidade: A ação é espontânea, quando o princípio de determinação está no agente, não no exterior deste. Toda ação é espontânea e tudo o que o indivíduo faz depende, em última instância, dele próprio. 53 - A Reflexão: Qualquer animal pode agir de forma contingente e espontânea. O que diferencia o animal humano dos demais é a capacidade de reflexão que, quando operada, caracteriza uma ação como livre. Os homens têm a capacidade de pensar a ação e saber por que agem. II.II.III Thomas Hobbes (1588 – 1679) - Empirismo De um modo geral, o empirismo defende que todas as nossas ideias são provenientes de nossas percepções sensoriais (visão, audição, tato, paladar, olfato). Diante disto temos que: Thomas Hobbes, filósofo inglês, além de defender uma visão materialista (tudo é apenas corpo) e mecanicista (toda a realidade funciona como se fosse uma grande máquina – como dirá também Newton), sustenta que a razão é a capacidade humana de calcular e controlar todas as coisas. O homem por sua natureza é um ser individual, totalmente livre, independente. Tudo o que é social, ao contrário do que disse Aristóteles, é artificial. Como indivíduo natural tem direito a todas as coisas, e ninguém pode impedir-lhe de o querer e o buscar, mesmo que tenha que matar o concorrente. Assim, por natureza, somos inevitavelmente lobos dos outros homens. Se não fizermos algo, uma calculada intervenção nesta tendência natural, viveremos em um estado selvagem. É isso o contrato social: para sair do estado de natureza, e para garantir meu direito à vida, à sobrevivência física, faço um pacto com os outros indivíduos, pelo qual cedo meu direito de me autodeterminar a um outro, o soberano, o Estado, que estabelecerá a lei que deve ser obedecida por todos os contratantes. O soberano será o único que ficará no seu estado de natureza, enquanto os outros todos deixarão este estado e ganharão a segurança de vida. Brevemente apresentada,a tese política hobbesiana, a do contratualismo moderno, mostra que a política é uma criação artificial do ser humano, e o Estado será esta criatura humana que sempre deverá estar a serviço da vida humana. Se não estiver a serviço, tornar- se-á dispensável. Também a ética deverá ser criada artificialmente pelos homens, pois naturalmente não há moral. Quando não há norma, como acontece no estado natural, ninguém deixa de cumprir a norma; assim também ninguém faz o bem e ninguém faz o mal. (ASSMANN, 2006, p.44) II.II.III. I O Leviatã Nomeado a partir de um monstro bíblico, Leviatã trata da organização da sociedade. Para Hobbes, o homem em "estado natural" desconhece as leis e a ideia de Justiça. Todos têm direito a tudo e, para conseguir o que desejam, lançam mão da força e da astúcia. A consequência é a "guerra de todos contra todos". A única forma de refrear essa guerra seria realizando o pacto social, quando todos abrem mão de seu direito em nome de um único soberano. Para Hobbes, na base da sociedade e do Estado há dois pressupostos: i) O bem relativo originário, isto é, a vida e sua conservação (“egoísmo”) 54 ii) A justiça, que é uma convenção estabelecida pelos seres humanos e cognoscível de modo perfeito e a priori (“convencionalismo”). Nesse sentido, a concepção política de Hobbes constitui a inversão mais radical da clássica posição aristotélica, segundo a qual o ser humano é uma “animal político”; Hobbes considera ao contrário o ser humano como um átomo de egoísmo, razão pela ninguém está ligado a outra pessoa por consenso espontâneo (mas por interesse próprio). A condição em que todos os seres humanos naturalmente se encontram é para Hobbes a da guerra de todos contra todos (homo homini lupus: “o homem é lobo do homem”). Isto acontece pois todos tem direito a tudo no estado de natureza (ou seja, todos podem praticar violência contra todos). - O ser humano pode sair do estado natural de guerra fazendo apelo a dois elementos fundamentais: i) “O Instinto” de evitar a guerra contínua e de providenciar aquilo que é necessário para a subsistência; ii) “A Razão”, no sentido do instrumento apto a satisfazer os instintos. - No Leviatã Hobbes elenca 19 leis naturais, das quais as mais importantes são as três primeiras: i) Procurar a paz e alcançá-la, defendendo-se com todos os meios possíveis; ii) Renunciar ao direito sobre tudo, quando também os outros renunciam; iii) Respeitar os pactos estipulados, isto é, ser justo. - Para constituir a sociedade é preciso que o estado se personifique em uma única pessoa (ou assembleia) e um poder que obrigue o respeito a esta pessoa. - O pacto social é feito pelos súditos entre si, enquanto o soberano permanece fora do pacto e é o único depositário dos direitos dos súditos. - O poder do soberano (ou assembleia) deve ser indiviso e absoluto. 55 II.III John Locke (1632 – 1704) – Empirismo Filósofo empirista inglês. Defendeu, contra DESCARTES, a inexistência de IDEIAS INATAS. Segundo Locke, a mente é como uma TÁBUA RASA, possuindo poderes de raciocínio, mas não quaisquer conteúdos inatos. Contudo, é defensável que Locke não era realmente empirista, pois admite a existência de dois tipos de experiência (a externa e a interna), e igualmente de três tipos de conhecimento: intuitivo, que é direto e com o grau máximo de certeza; demonstrativo, que é indireto e dá origem ao conhecimento lógico e matemático; e sensível, que diz respeito ao conhecimento da existência de objetos exteriores. Baseando-se na diferença entre QUALIDADES PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS das coisas, distinguiu o mundo tal como é em si do mundo tal como é para nós. Para Locke, a ABSTRACÇÃO era uma componente central do conhecimento, que permitia a formação de ideias abstratas a partir de impressões sensíveis concretas. A distinção entre ESSÊNCIA nominal e real é também central na sua teoria do conhecimento: assim, a essência real da água, por exemplo, é a sua constituição intrínseca, ao passo que a sua essência nominal são apenas as qualidades que atribuímos à água, mas que não correspondem à sua natureza intrínseca. É no Ensaio sobre o Entendimento Humano (1690) que Locke expõe estas ideias, entre outras. (AIRES, 2003) Em ÉTICA, Locke defendeu uma versão da TEORIA DOS MANDAMENTOS DIVINOS; em FILOSOFIA POLÍTICA, defendeu o valor da tolerância política e religiosa, e a separação da igreja e do estado. As suas doutrinas da legitimação da propriedade privada, da justificação da autoridade do estado e da legitimidade da revolta contra o estado injusto são ainda hoje muitíssimo discutidas, e são apresentadas no Segundo Tratado sobre o Governo (1689). As suas ideias sobre a tolerância são apresentadas em Carta sobre a Tolerância (1689). (AIRES, 2003) Pensamento: O filósofo empirista John Locke afirmava que, ao nascermos, nossa mente é como um papel em branco, completamente desprovida de ideias. De onde provém, então, o vasto conjunto de ideias que existe na mente humana? A isso, Locke responde com uma só palavra: da experiência, que resulta da observação dos dados sensoriais. Todo nosso conhecimento está nela fundado. Empregada tanto nos objetos sensíveis externos como 56 nas operações internas de nossas mentes, que são por nós percebidas e refletidas, nossa observação supre nossos entendimentos com todos os materiais do pensamento. Assim, toda ideia é uma cópia de alguma impressão. Essa cópia possui diferentes graus de fidelidade. Para ele toda a realidade deve reduzir-se às relações com que se unem entre si as impressões e as ideias. Experiência: Indica propriamente a observação “tanto dos objetos externos sensíveis, como das operações internas de nosso espírito que percebemos e sobre as quais refletimos”. A experiência “é tudo aquilo que fornece a nosso intelecto todos os materiais do pensar”. A experiência interna e externa são para Locke as duas únicas fontes do conhecimento, das quais “emergem todas as ideias que temos ou que podemos ter”. - A experiência pode ser de dois tipos: i) Externa: Da qual derivam as ideias simples de sensação (extensão, figura, movimento, etc.) ii) Interna: Da qual derivam as ideias simples de reflexão (prazer, dor, etc.) Locke chama de qualidade o poder que as coisas possuem de produzir as ideias em nós, e distingue as qualidades da seguinte maneira: i) Qualidades primárias e reais dos corpos: (extensão, número, movimento, etc.) ii) Qualidades secundárias: (cores, sabores, etc.) A mente tem o poder de operar tanto combinando as ideias entre si e formando assim ideias complexas, como separando algumas ideias de outras para formar ideias gerais. O conhecimento consiste na percepção da conexão e do acordo, ou do desacordo e do contraste, entre nossas ideias. Esse tipo de acordo ou de desacordo pode ser percebido em três modos diferentes: i) Por intuição: Evidência imediata. Este modo de conhecimento é o mais direto e certo (com ele captamos a nossa existência). ii) Por demonstração: Por meio da intervenção de outras ideias concatenadas logicamente. iii) Por sensação: O modo menos evidente e certo, é o que se refere à existência das coisas externas. II.IV David Hume (1711 – 1776) – Empirismo Segundo Aires (2003), David Hume: 57 Filósofo, ensaísta e historiador escocês, pertence à tradição empirista britânica, cujos antecessores foram LOCKE e BERKELEY. É talvez o primeiro filósofo a procurar trazer para a filosofia o tipo de atitude que tantos resultados produziunas ciências da natureza do seu tempo. Ficou famoso o seu conselho de que devemos deitar à fogueira tudo o que não for ciência empírica ou disciplinas matemáticas. Este tipo de atitude voltaria a ser popular, sobretudo junto dos filósofos do POSITIVISMO LÓGICO. Para não correr o risco de ser ele próprio deitado à fogueira, pelo menos metaforicamente, só permitiu que os Diálogos sobre a Religião Natural (1779) fossem publicados depois da sua morte. Nesta obra, Hume apresenta uma análise hoje clássica dos argumentos contra e a favor da existência de Deus. O seu argumento contra os milagres foi exposto também no Ensaio sobre o Entendimento Humano. A sua primeira obra, o Tratado da Natureza Humana (1739-40), procura ambiciosamente estabelecer os fundamentos de uma teoria empírica da natureza humana. Nesta obra encontram-se algumas das ideias que mudaram a face da filosofia moderna, nomeadamente no que respeita à EPISTEMOLOGIA e à ÉTICA. Porque os seus contemporâneos não lhe prestaram grande atenção, Hume tentou apresentar aproximadamente as mesmas ideias, de forma mais clara, nas obras Investigação sobre o Entendimento Humano (1748) e Investigação sobre os Princípios da Moral (1751). No que respeita à epistemologia, Hume introduz de forma clara a distinção entre conhecimento a priori e a posteriori, a que ele chamou, respectivamente, "relações de ideias" e "questões de facto". O conhecimento a priori tem por objeto (sic.) unicamente as matemáticas; todo o conhecimento do mundo é baseado na experiência, não sendo possível estabelecer a priori nem mesmo os princípios mais gerais que regulam as verdades empíricas, como o princípio de causalidade. A teoria da causalidade de Hume baseia-se na projecção (sic.) psicológica: perante sucessões repetidas de acontecimentos do mesmo tipo, os seres humanos são levados a inferir fantasiosamente a existência de uma conexão causal entre esses acontecimentos. Hume adopta a mesma estratégia projectivista (sic.) em ética. Traçando uma distinção profunda entre factos e valores, declara que não se podem extrair os últimos dos primeiros, e que a ética é apenas o resultado da projecção (sic.) de valores humanos sobre os factos do mundo, valores estes ancorados no sentimento e não na razão. O seu argumento baseia-se na ideia de que os factos são objeto (sic.) de crença e que as crenças não são motivadoras, isto é, não têm o poder de nos levar a agir; só os desejos têm esse poder. Tanto no âmbito da epistemologia como da ética, as ideias de Hume foram das mais influentes de sempre na história da filosofia. Pensamento: Hume que recorreu a um princípio de que se servirá largamente em todas as suas análises: o hábito (ou costume) (ler mais no bloco “leitura recomendada”: Ensaios sobre Entendimento Humano, disponível no AVA), pois quando descobrimos uma certa semelhança entre ideias que por outros aspectos são diferentes, empregamos um único nome para indicar. Forma-se assim em nós o hábito de considerar unidas de alguma maneira entre si as ideias designadas por um único nome; assim o próprio nome suscitará em nós não uma só daquelas ideias, nem todas, mas o hábito que temos de considerá-las juntas e, por conseguinte, uma ou outra, segundo a ocasião. (LUCKESI, 2002) 58 Dessa maneira, ele é um empirista, no sentido que a percepção repetida e habitual de uma determinada impressão ou fato nos leva a elaborar ideias sobre os fenômenos naturais, através de generalizações indutivas. (LUCKESI, 2002) As conclusões indutivas são percepções repetidas que nos chegam da experiência sensorial, saltamos para uma conclusão geral, da qual não temos experiência sensorial. PARA SABER MAIS A grande crise da metafísica: David Hume O lugar ocupado pela teoria do conhecimento como condição da metafísica, isto é, a antecedência da pergunta “O que e como podemos conhecer? “diante da pergunta antiga “O que é a realidade?”, forçou a Filosofia a pagar um alto preço. Esse preço foi a crise da metafísica. Se a realidade investigada pela metafísica é aquela que pode e deve ser racionalmente estabelecida pelas ideias verdadeiras produzidas pelo pensamento ou pela razão humana, que acontecerá se se provar que tais ideias são hábitos mentais do sujeito do conhecimento e não correspondem a realidade alguma? A metafísica antiga e medieval baseava-se na afirmação de que a realidade ou o Ser existe em si mesmo e que ele se oferece tal como é ao pensamento. A metafísica clássica ou moderna baseava-se na afirmação de que o intelecto humano ou o pensamento possui o poder para conhecer a realidade tal como é em si mesma e que, graças às operações intelectuais ou aos conceitos que representam as coisas e as transformam em objetos de conhecimento, o sujeito do conhecimento tem acesso ao Ser. Tanto num caso como noutro, a metafísica baseava-se em dois pressupostos: 1. a realidade em si existe e pode ser conhecida; 2. ideias ou conceitos são um conhecimento verdadeiro da realidade, porque a verdade é a correspondência entre as coisas e os pensamentos, ou entre o intelecto e a realidade. Esses dois pressupostos assentavam-se num único fundamento: a existência de um Ser Infinito (Deus) que garantia a realidade e a inteligibilidade de todas as coisas, dotando os humanos de um intelecto capaz de conhecê-las tais como são em si mesmas. David Hume dirá que os dois pressupostos da metafísica não têm fundamento, não possuem validade alguma. A metafísica – antiga, medieval e clássica ou moderna – era sustentada por três princípios: identidade, não-contradição e razão suficiente ou causalidade. Os dois primeiros serviam de garantia para a ideia de substância ou essência; o terceiro servia de garantia para explicar a origem e a finalidade das coisas, bem como as relações entre os seres. Hume, partindo da teoria do conhecimento, mostrou que o sujeito do conhecimento opera associando sensações, percepções e impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos e retidas na memória. As ideias nada mais são do que hábitos mentais de associação de impressões semelhantes ou de 59 impressões sucessivas. Que é a ideia de substância ou de essência? Nada mais do que um nome geral dado para indicar um conjunto de imagens e d e ideias que nossa consciência tem o hábito de associar por causa das semelhanças entre elas. O princípio da identidade e o da não -contradição são simplesmente o resultado de percebermos repetida e regularmente certas coisas semelhantes e sempre da mesma maneira, levando-nos a supor que, porque as percebemos como semelhantes e sempre da mesma maneira, isso lhes daria uma identidade própria, independente de nós. Que é a ideia de causalidade? O mero hábito que nossa mente adquire de estabelecer relações de causa e efeito entre percepções e impressões sucessivas, chamando as anteriores de causas e as posteriores de efeitos. A repetição constante e regular de imagens ou impressões sucessivas nos leva à crença de que há uma causalidade real, externa, própria das coisas e independente de nós. Substância, essência, causa, efeito, matéria, forma e todos os outros conceitos da metafísica (Deus, mundo, alma, infinito, finito, etc.) não correspondem a seres, a entidades reais e externas, independentes do sujeito do conhecimento, mas são nomes gerais com que o sujeito nomeia e indica seus próprios hábitos associativos. Eis porque a metafísica foi sempre alimentada por controvérsias infindáveis, pois não se referia a nenhuma realidade externa existente em si e por si, mas a hábitos mentais dos sujeitos, hábitos que são muito variáveis e dão origem a inúmeras doutrinas filosóficas sem qualquer fundamento real. A partir de Hume, a metafísica, tal como existira desde o século IV a.C., tornava-se impossível. (CHAUÍ, 2003,pp. 292-293) II.IV Soluções modernas na razão filosófica – Kant/Hegel II.IV.I Immanuel Kant (1724-1804) Filósofo alemão. Kant nasceu em Königsberg (actual Kaliningrado), na Prússia oriental, onde estudou, trabalhou e viveu toda a sua vida, tornando-se um dos mais influentes filósofos de sempre. Durante mais de uma década trabalhou como preceptor e em 1755 juntou-se ao corpo docente da universidade de Königsberg, onde leccionou as mais variadas disciplinas: lógica, metafísica, matemática, geografia, antropologia, pedagogia, etc. É habitual dividir a sua vida intelectual em dois períodos: o "período pré-crítico" e o "período crítico". Durante o primeiro período, Kant escreveu trabalhos menos influentes, nos quais se pode constatar a grande influência de Wolff (1679-1754), discípulo de LEIBNIZ, e do próprio Leibniz. Kant foi também fortemente influenciado por LOCKE, HUME e Jean-Jacques Rousseau (1712-78). O seu período crítico teve início em 1770 com a publicação da sua Dissertação de 1770. (AIRES, 2003) A Crítica da Razão Pura (1781) é a sua primeira grande obra. O problema que a domina é o de saber como é o conhecimento a priori acerca do mundo possível (A PRIORI/A 60 POSTERIORI), ou para usar a sua terminologia, como é o conhecimento sintético a priori possível (ANALÍTICO/SINTÉTICO). Kant defendeu que não é possível saber como o mundo é em si, independentemente da nossa experiência. Sucintamente, a ideia de Kant é que o nosso aparato cognitivo, seja ele perceptivo ou puramente intelectual (ou teórico), impõe certas estruturas ao mundo. Kant defendeu que uma metafísica científica deve usar criticamente a razão na procura dos seus próprios limites: temos de procurar as "formas" que o nosso aparato cognitivo impõe ao mundo. Esta é a "revolução copernicana" de Kant: para sabermos o que podemos conhecer, temos de saber como o conhecemos. (AIRES, 2003) Na Crítica da Razão Prática (1788), Kant procura os fundamentos da nossa razão prática, isto é, os fundamentos do nosso raciocínio moral. Defende que agir racionalmente é agir moralmente, é agir de acordo com o nosso DEVER, é agir de acordo com o IMPERATIVO CATEGÓRICO. Na Crítica da Faculdade do Juízo (1790), volta a defender a objetividade da razão, mas desta vez relativamente aos juízos estéticos. Contudo, esta não é meramente uma obra de estética. Nela, Kant fornece-nos uma visão global do seu sistema filosófico. (AIRES, 2003) Conhecimento segundo Kant O que dizia Kant? Segundo Kant, a razão está vinculada ao reconhecimento de seus próprios limites, pois somente assim não tenderia ao dogmatismo. (LUCKESI, 2002) Texto de Kant: Em todos os seus empreendimentos, a razão tem que se submeter à crítica, e não pode limitar a liberdade da mesma por uma proibição sem que isso a prejudique e lhe acarrete uma suspeição desvantajosa. No que tange à sua utilidade, nada é tão importante nem tão sagrado que lhe seja permitido esquivar-se a essa inspeção atenta e examinadora que desconhece qualquer respeito pela pessoa. Sobre essa liberdade repousa até a existência da razão; o veredito dessa última, longe de possuir uma autoridade ditatorial, consiste sempre em nada mais do que o consenso de cidadãos livres, dos quais cada um tem que poder externar, sem constrangimento algum, as suas objeções e até o seu veto. (KANT, 1980) Para Kant, o conhecimento está presente na faculdade de conhecer do sujeito. O conhecimento ocorre por meio da interação entre intuições proporcionadas, dadas pela 61 sensibilidade (noções de tempo e espaço), seguidas das categorias do entendimento. (LUCKESI, 2002) Kant adverte que a partir do momento em que o sujeito vai de encontro ao conhecimento, ele o concebe não como uma coisa, mas sim como um fenômeno, através da percepção do sujeito em meio as suas limitações. (LUCKESI, 2002) Segundo Assmann (2006, pp, 46-48): A resposta geral que Kant dá às perguntas constitui aquilo que se denomina como pensamento crítico. De fato as três grandes obras do autor (Critica da razão pura, que trata de responder à primeira pergunta; Crítica da razão prática, que responde à segunda pergunta; e Crítica do juízo, que, de algum modo, responde à terceira pergunta) têm em comum serem “críticas”. E a crítica é uma atitude filosófica que se põe para além do ceticismo e do dogmatismo, dos quais quer ser uma crítica também. A atitude cética, inaugurada pelos céticos antigos e modernizada por David Hume, sustenta que não há como estabelecer um conhecimento objetivo e neutro da realidade, e que nosso conhecimento sempre tem algo de hábito e de crença compartilhada; a atitude dogmática é aquela que defende que os seres humanos são capazes de alcançar um conhecimento seguro e eterno das essências das coisas. Kant, ao mesmo tempo em que nega o ceticismo, nega o dogmatismo. Segundo ele, os seres humanos conhecem, sim, a realidade, mas não na sua essência e sim no modo como aparece diante de quem quer conhecer. Com isso, Kant diz que o ser humano, ao conhecer, obriga a natureza, ou qualquer objeto, a responder à pergunta que ele faz. Mas já que o ser humano muda, mudam também as perguntas, e com isso mudam também as verdades acerca do mesmo objeto. Isso torna todo saber humano uma construção humana, que depende também de quem conhece, e não só daquilo que é conhecido. O texto breve a seguir pode esclarecer melhor o que dissemos: “Quando Galileu deixou suas esferas rolarem sobre a superfície oblíqua com um peso por ele mesmo escolhido, ou quando Torricelli deixou o ar carregar um peso de antemão pensado como igual ao de uma coluna de água conhecida por ele,..: isso foi uma revelação para todos os pesquisadores da natureza. Deram- se conta que a razão só compreende o que ela mesma produz segundo seu projeto, que ela teria que ir à frente com princípios de seus juízos segundo leis constantes e obrigar a natureza a responder às suas perguntas, mas sem se deixar conduzir por ela como se estivesse presa a um laço; do contrário, observações feitas ao acaso, sem um plano devidamente projetado, não se interconectariam numa lei necessária, coisa que a razão todavia procura e necessita. A razão tem que ir à natureza tendo numa das mãos os princípios unicamente segundo os quais fenômenos concordantes entre si podem valer como leis, e na outra o experimento que ela imaginou segundo os seus princípios, claro que para sair instruída pela natureza, não porém na qualidade de um aluno que se deixa ditar tudo o que o professor quer, mas sim na de um juiz nomeado que obriga as testemunhas a responder às perguntas que lhes propõe”. (KANT, Immanuel. Prefácio à II Edição da Crítica da Razão Pura. S. Paulo: Abril Cultural (Coleção Os Pensadores), 1980, p. 11, apud ASSMANN, 2006, p. 48) 62 II.IV.II Georg Wilhelm Hegel (1770-1831) Pensador alemão que atribui à filosofia a tarefa de ultrapassar concepções dualistas e parciais da realidade em nome do princípio de que "a verdade é o todo". Para a filosofia ser "sistema do Absoluto" importa negar a separação entre o Infinito (Espírito absoluto) e o finito (o mundo e o homem). Para tal, o Absoluto assume a condição finita, primeiro na Natureza e depois na História humana. Ultrapassando cada forma espaço- temporalmente limitada da sua odisseia histórica, o Absoluto transforma o finito em momento da sua vida infinita, em autolimitação momentânea. Nada existe ou é verdadeiro fora do Absoluto. A filosofia é a forma superior de exposição do movimento dialético mediante o qual o Espírito divino se diz absoluto ao negar que o finito exista fora de si. Ser absoluto é fazer-se absoluto. Na Fenomenologia do Espírito e em A Razão na História (trad. 1995,Edições 70), entre outras obras, é exposta esta visão do Espírito como auto realização. (AIRES, 2003) Temos na observação de Assmann (2006, p. 121) que: O alemão Georg F. W. Hegel (1770-1831), no início do Século XIX, insiste em afirmar que os verdadeiros sujeitos da história são os Estados, e não os grupos econômicos, nem os que sabem mais. Assim, de fato, bem é tudo o que é bom para o Estado, correndo-se com isso um duplo risco: em nome da centralidade do Estado pode-se cair no totalitarismo, mas também se pode defender, mais democraticamente, que não devem ser os interesses econômicos privados os principais, mas os interesses públicos do conjunto dos cidadãos. Mais uma vez se percebe quanto os extremos às vezes se tocam! Devemos lembrar também que nem todos os pensadores modernos afirmam esta primazia da política sobre as outras dimensões da vida humana. Tratando-se da fenomenologia, Chauí (2003, p. 121) observa que: o filósofo Hegel ampliou o conceito de fenômeno, afirmando que tudo o que aparece só pode aparecer para uma consciência e que a própria consciência mostra-se a si mesma no conhecimento de si, sendo ela própria um fenômeno. Por isso, foi Hegel o primeiro a usar a palavra fenomenologia, para com ela indicar o conhecimento que a consciência tem de si mesma através dos demais fenômenos que lhe aparecem. II.V Razão contemporânea – Hussell: fenomenologia. Nas palavras de Chauí, (2003, p. 302): Kant equivocou-se ao distinguir fenômeno e nôumeno, pois, com essa distinção, manteve a velha ideia metafísica da realidade em si ou do “Ser enquanto Ser”, mesmo que dissesse que não a podíamos conhecer. Hegel, por sua vez, aboliu a 63 diferença entre a consciência e o mundo, porque dissera que este nada mais é do que o modo como a consciência se torna as próprias coisas, torna-se mundo ela mesma, tudo sendo fenômeno: fenômeno interior –a consciência –e fenômeno exterior –o mundo como manifestação da consciência nas coisas. Husserl mantém o conceito kantiano e hegeliano, mas amplia ainda mais a noção de fenômeno. Para compreendermos essa ampliação precisamos considerar acrítica que endereça a Kant e a Hegel. Contra Kant, Husserl afirma que não há nôumeno, não há a “coisa em si” incognoscível. Tudo o que existe é fenômeno e só existem fenômenos. Fenômeno é a presença real de coisas reais diante da consciência; é aquilo que se apresenta diretamente, “em pessoa”, “em carne e osso”, à consciência. Contra Hegel, Husserl afirma que a consciência possui uma essência diferente das essências dos fenômenos, pois ela é doadora de sentido às coisas e estas são receptoras de sentido. A consciência não se encarna nas coisas, não se torna as próprias coisas, mas dá significação a elas, permanecendo diferente delas. II. V. I Edmund Husserl (1859-1938) Filósofo e matemático alemão fundador da FENOMENOLOGIA, a corrente filosófica cujo objetivo era transformar a filosofia numa ciência rigorosa, mediante a descrição do modo como as coisas surgem na CONSCIÊNCIA, independentemente de quaisquer pressupostos teóricos ou metafísicos. A ideia central é a de descrever os fenómenos (ver FENÓMENO) na sua pureza; descrever o que aparece na consciência, suspendendo as nossas crenças de senso comum sobre a natureza e até sobre a existência de objetos exteriores. Esta atitude opõe-se à "atitude natural", pois trata-se de "pôr entre parênteses" tudo o que vai além da experiência subjetiva. Há, assim, uma "redução fenomenológica" — uma redução aos fenómenos, também chamada EPOCHÊ — através da qual seja possível fazer uma descrição rigorosa e objetiva do conteúdo da consciência; o que interessa para a fenomenologia não são as coisas do mundo e muito menos saber se os conteúdos da consciência correspondem a algo real ou irreal no mundo exterior. A fenomenologia é, assim, caracterizada como uma ciência da consciência, que se demarca quer do NATURALISMO, ao exigir a suspensão de quaisquer crenças acerca do mundo exterior e dispensar os dados empíricos nos quais elas se baseiam, quer do psicologismo, dado o seu alegado carácter rigoroso e objetivo. Neste aspecto, a fenomenologia de Husserl aproxima-se, por um lado, do subjetivismo cartesiano (ver DESCARTES) e, por outro lado, do IDEALISMO transcendental de KANT. Outra das ideias centrais da fenomenologia de Husserl deve-se ao filósofo austríaco Franz BRENTANO — de quem Husserl foi aluno em Viena e que o fez interessar-se decisivamente pela filosofia. Trata-se da ideia de INTENCIONALIDADE: toda a consciência é consciência de algo, sendo este um dos factos mais importantes acerca dos nossos conteúdos mentais. A filosofia é considerada por Husserl como uma ciência de rigor porque se atém ao essencial — a experiência da consciência — 64 afastando-se da atitude natural e de todo o tipo de preconceitos e de interesses práticos ou teóricos que lhes estão associados. Isto consegue-se não através da INDUÇÃO nem na DEDUÇÃO, mas da redução, que constitui o método desta ciência de rigor. A fenomenologia de Husserl influenciou muitos filósofos, entre os quais se contam HEIDEGGER, MERLEAU-PONTY, SARTRE, GADAMER e LÉVINAS, sendo, por isso, um dos mais influentes filósofos do séc. XX. As suas obras mais importantes são Investigações Lógicas (1900-01), Ideias Diretrizes para uma Pura Fenomenologia e para uma Filosofia Fenomenológica (1913) e Meditações Cartesianas (1931). (AIRES, 20013) Mas afinal, o que é o fenômeno? Segundo Chauí (2003, p. 303): É a essência. O que é a essência? É a significação ou o sentido de um ser, sua ideia, seu eidos. A Filosofia é a descrição da essência da consciência (de seus atos e correlatos) e das essências das coisas. Por isso, a Filosofia é uma eidética – descrição do eidos ou das essências. Como o eidos ou essência é o fenômeno, a Filosofia é uma fenomenologia. Segundo Aires (2003): Palavra de origem grega que, em geral, designa o que aparece à consciência e tem origem nos SENTIDOS, por oposição ao que é apreendido apenas pelo intelecto. Em PLATÃO, o fenómeno é o que pertence ao MUNDO SENSÍVEL, enquanto o NÚMENO (a IDEIA ou Forma) pertence ao mundo inteligível. Para KANT, o fenómeno é o objeto (sic.) da EXPERIÊNCIA possível, o que é dado no espaço e no tempo e opõe-se ao NÚMENO ou coisa em si. 65 REFERÊNCIAS AIRES, Almeida, org. Dicionário Escolar de Filosofia. Plátano. Lisboa, 2003. Disponível em: < http://www.defnarede.com/>. Acessado em: 20 jan 2014. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires.Temas de filosofia. Edição 2. ed. São Paulo : Moderna, 1998 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed.rev. São Paulo: Moderna, 2003. ASSMANN, Selvino José. Filosofia. Florianópolis: Depto. de Ciências da Administração/ UFSC, 2006 AURÉLIO, Dicionário do. Disponível em: < http://www.dicionariodoaurelio.com/Filosofia.html >. Acessado em: 20 jan 2014. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. 1ª ed. Rio de Janeiro: J. Zahar Ed., 1999 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Editora Ática, 2003. 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Curso de Filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e de graduação. 11. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
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