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Barbosa AF Formação mercado trabalho

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A formação do 
mercado de trabalho no Brasil 
Alexandre de Freitas Barbosa 
Bl95f 
Barbosa, Alexandre de Freilas 
A formaç,io do mercado de rrabalho no Brasil/ Alexandre de Freitas 
Barbosa. - São Paulo: Alameda, 2008. 
Anexo 
1 nclu i bibliografia 
!Sl3N 978-85-98325-70-5 
1. Mercado de trabalho - Brasil - Hisrória. 2. Trabalhadores - Brasil 
- História. 1. Título. 
08-1550. CDD: 331.l20981 
CDU: 331.5(81) 
18.04.08 22.04.08 006292 
II. A construção do mercado de trabalho no 
Brasil (1850-1888) 
Estão trocados os lugares entre nós e vós. Nós somos a consciência cristã e a consci­
. ência nacional, o saque sois vós, o saque ungido em instituição legal. 
Rui Barbosa, 
Comemoração da Lei Rio Branco 
Na sua obscura condição de animal de trabalho, já não era amor o que a mísera 
desejava, era somente confiança no amparo da sua velhice quando de todo lhe 
faltassem as forças para ganhar a vida. E contentava-se em suspirar no ·meio de 
grandes silêncios durante o serviço de todo o dia, covarde e resignada, com.o seus 
pais que a deixaram nascer e crescer no cativeiro. Escondia-se de todos, mesmo da 
gentalha do frege e da estalagem, envergonhada de si própria, amaldiçoando-se 
por ser quem era, triste de sentir-se a mancha negra, a indecorosa nódoa daquela 
prosperidade brilhante e clara. 
Aluísio Azevedo, 
O cortiço 
O 13 de maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. 
Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. 
Monteiro Lobato, 
Negrinha 
Esrn CAPÍTULO procura sintetizar as principais nuances do processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil. São aponta­dos os vários expedientes utilizados, desde o fin1Jk> tráfico em 1850, de um lado, para retardar o fim da escravidão e a�e_!!_l:!�r_ o ônus ( desvalorização dos 
---- -··-·�M .. ativos) para os proprietários de pessoas; e de outro, para atrair e disciplinar uma força de trabalho que pudesse substituir a mão-de-obra escrava quan­do esta não mais existisse. Ressalta-se ainda como o Estado esteve presente, regulando a transição, 
""""---- �· .... -----·-.. ·-----por meio de um conjuntõ-·ae· Têgislações voltadas simultaneamente para a desescravização e para a criação "forçada" de uma de mão-de-obra disponível direta ou indiretamente para o capital. Na prática, vigoraram várias moda­lidades de contratação de força ele trabalho, composta por imigrantes, tra­balhadores nacionais e ex-escravos. As diferenças regionais são discutidas a partir de quatro casos paradigmáticos (Sudeste dinâmico, Sudeste estagnado, Nordeste e Extremo Sul). Por fim, procede-se a uma interpretação de comOj:!COnstrntãodomerc_?­do ele trabalho -engendrando as condições para a superação do não-mercado �-.-··· -" ..... ,,-. . .-de trabalho do período colonial - abriu ,novas pos_sibilidades de.dominaçã_o e controle das relações de trabalho, as quais por sua vez se aproveitaram do re­positório de práticas patriarcais e autoritárias utilizadas durante a escravidão. Apesar cio iguaUtarismo formal da República recém-instaurada, mantinha-se um �?junto de �!2.J2.Q.liQ.,'U.ill.S_lj.l-�l��:!1:!.'.P.!:�gé!99_!.:��, fazendo com que o mercado de trabalho, agora teoricamente possível - ao se libertar a força ele trabalho da propriedade sob a forma de escravo - se manifestasse no máximo con-io realidade incompleta e fragmentada. 
94 Alexandre de Freitas Barbosa 
O fim do tráfico de escravos e a transição 
para o trabalho livre 
Se a proibição efetiva do tráfico, a partir da �ei Eusébio d._�ueirós, de 4 de setembro de 1850, colocava mn limite estrutural ao regime escravista - já que determinava o esgotamento de sua principal fonte de renovação, em um con­texto de crescimento natural negativo da população escrava 1 - nada se podia adiantar sobre a sua evolução até a extinção definitiva, nem tampouco sobre as feições e características constitutivas do possível mercado de trabalho a ser criado. Tal como afirmara Couty na década de 1880, "se é fácil suprimir o escravo, ninguém sabe como organizar a mão-de-obra livre"2• Conseguira o país e suas elites econômicas agüentar a pressão ingle­sa, revirando-se em estratagemas protelatórios, desde o tratado de 1810, quando D. João VI assumira o compromisso de pôr fim ao tráfico, pas­sando pela lei morta de 1831 - que extinguira a entrada de escravos no país "literalmente para inglês ver"3-, até as vias de fato do Bill Aberdeen, que exacerbara os espíritos mais nacionalistas. Agora, a lei de 18504 seria executada e os traficantes deportados5 • Promovia-se, através da ação do 
I Robert Conrad, op. cit., 1978, pp. 37-9. Segundo Perdigão Malheiros, op. cit., 1944, pp. 25-6, 
a escravidão estava alicerçada em dois pilares básicos: de um lado, o tráfico africano e, de outro, 
a hereditariedade e perpetuidade. Com o fim do tráfico, apenas uma das fontes se mantinha: 
o nascimento de crianças filhas de mães escravas. Ver também Ademir Gebara, O mercado de 
trabalho livre 110 Brnsil (1871-1888), Editora Brasileira, 1986, p. 17. 
2 Louis Couty, op. cit., 1988, p. 68. 
3 A eficácia da lei foi corroída por dispositivos posteriores que a abrandavam de forma categóri­
ca. Em 1834, foi regulamentado que os escravos apreendidos em "contrabando", em vez de serem 
reenviados à África, a expensas do traficante, seriam postos em leilão no mercado do Rio ou ar­
rendados aos poderes públicos e empreiteiros particulares. Na prática, os "africanos livres" seriam 
paulatinamente acrescidos ao plantel de escravos. Stanley Stein, op. cit., 1961, pp. 75 e 89. 
4 Esse novo projeto contra o comércio de escravos fora introduzido na Câmara dos Deputados 
em setembro de 1837, depois novamente em setembro de 1848, para ser então substancialmen­
te modificado e transformado em lei. Ver ��A abolição do co111ércio brasileiro de 
e,rmvos, Editora do Senado Federal, 2002, p. 380. 
5 Na prática, tornava-se efetiva a Lei de 1831. Mas agora, a perseguição se faria mais forte 
sobre os traficantes, poupando os propriet,írios de escravos, especialmente aqueles que pos­
suíam escravos "ilegais" entrados depois daquela data. Se a press�o inglesa fora determinante 
l'"ra criar um clima de fato consumado no tocante ao fim do tráfico, a centraliw�:iio política e 
administrativa do Segundo Reinado permitira o sucesso da sua execução pós-1850. Adicio11al-
111c·nte, a ahund;incia de escravos passava a ser encarada por uma parte das elites como motivo 
A formação do mercado de trabalho no Brasil 95 Estado, a liberação paulatina da força de t rabalho6 da sua condição de não-mercadoria. Mas, se a escassez de escravos não era um problema imediato - pois es­tavam os grandes fazendeiros abastecidos de mão-de-obra7 - ele ressurgiria com toda a força nos anos 1870. Encontravam-se as elites diante de um ver-
----·--··---------·--� .. �!'--<ladeiro impasse8: como prover "os braços para a lavoura" diante das necessi-dades decorrentes da expansão cafeeira, já amadurecida no Vale do Paraíba e seguindo rapidamente rumo ao centro-oeste da província paulista no início da segunda metade do século XIX? Várias �das foram ayentadji.§.i. em grande medida, geralmente de caráter transitório, mostrando-se incapazes de gestar um mercado de trabalho que dis­ponibilizasse força de trabalho na quantidade requisitada pelo sistema econô­mico. Acompanharemos agora essas tentativas de contornar e/ou encaminhar a transição do regime de trabalho, então já percebida como inevitável. Em primeiro lugar, houve quem sugerisse que no contexto pós-tráfico as conglç_?es . �� !rabalho_dos e�çra�?_s teriam se tornado menos duras, redu-zindo as;i� a sua a1ta taxa <le mortaiIJ�X�:-�iI;<la ciue ó- �1:���i;;��1�-t�-natural se mantivesse negativo9 • De urna queda de 1 ,4% ao ano entre 18 19 e 1854, chegara-se a uma taxa de -0,4% entre 1854 e 1872 10• Esse melhor tratamento conferido ao escravo buscaria poupar alguns trabalhadores para a lavoura. 
de apreensão, em virtude
dos riscos de levante social. Ver José Murilo de Carvalho, Teatro das 
sombras: a política imperial, Edições Vértice, 1988, pp. 55, 58-9. Deve-se também considerar 
o fato de que os traficantes haviam se tornado uma potência f inanceira. Muitos proprietários 
rurais haviam se tornado seus devedqres, o que acirrava a identificação desses negociantes com 
a escravidão e tornava mais plausível e justificável a extinção do tráfico, encarado cada vez mais 
como um negócio que enriquecia a alguns poucos. Caio Prado Jr. , op. cit., 1985, p. 1 52. 
6 José Murilo de Carvalho, op. cit., 1988, p. 6 1 
7 Leslie Bethell, op. cit., 2002, p. 422. Aliás, a o contrário cios temidos prejuízos sobre a lavoura, 
decorrentes da cessação do tráfico, o pânico mostrou-se infundado. Perdigão Malheiros, op. 
ciL, 1 944, pp. 65-8, demonstrou como a exportação dos principais gêneros agrícolas cresceu 
no país após 1850. 
8 Celso Furtado, op. cit . , 1989, p. 1 10 . Qualquer empreendimento que quisesse se firmar teria 
de se posicionar em relação a um dado subitamente novo: a inelasticidade da oferta de traba­
lho. Ibidem, p. 117. 
9 Robert Conrad, op. cit., 1978, p. 36. 
1 O Roberto Borges lvlartins, "Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez", in: Tam,ís 
Szmrecsányi & José Roberto cio ,\111aral Lapa ( orgs. ) , l /istôria eco11ô11 1 ica c/11 J , 1 r /epc11rlb1ci11 , . rio 
Império 2 . cd. Edusp, 2002, pp. 1 1 2-1. 
96 Alexandre de F,·eitas Barbosa 
Entretanto, a h ipótese acima pode ser refutada se observarmos que a redu����mo ele decréscimo da população escrava�evia antes a uma mudan<e_ na co�osi�o dos trabalhadores escravos, no sentido de 
··�1 ��;- �i��ação tanto da sua idade média como da maior participação dos escravos nativos. Tal fato se justifica em virtude de a taxa de mortalidade cios africanos - via ele regra, mais jovens - se apresentar sensivelmente elevada 1 l , em virtude das condições do tráfi co e das dificuldades de adap­tação na nova terra. Observa-se também, junto com o fim do tráfico, uma �a de masculinidadedá que esta guardava mna estreita correlação com a taxa =--ele africanidade (percentual de africanos em relação ao total de escravos) 12• Daí ter-se verificado uma tendência gradual à equalização entre os sexos no total da mão-de-obra escrava 1 3. Nesse sentido, iá entre lB26 e 1830, diante da possibilidade concreta de crise na oferta de escravos, os grandes plantéis apre­sentavam um incremento do número de nascimentos, fenômeno vinculado '-..--·-··- ,-·--------·-------.___.. provavelmente a uma política deliberada dos fazendeiros mais poderosos de adquirir mulh��-;::s cativas 14 . �------Porém, é importante enfatizar que a própria distribuição da força de traba lho escrava por atributos como sexo e idade assumiria contrastes re­gionais consideráveis. Tal se explica a partir de outra forma de solucionar a "escassez de braços": a criaçã:6 de um v�rdadeiro comércio interno de es­cravos, responsável pela transferência de vultosos contingentes do Nordeste e do Extremo Sul para o Sudeste do país'5• Estima-se que pelo meno�� mil escra_y�Iª-!:i:!._ck_1.2rovÍ!!f!.Lentre 18�4 . . �JJl.72 16, totalizando uma t�;ência da força de trabalho escrava equivalente a 12% do estoque existente no início do período. 
1 1 Idem. 
12 Manolo Florentino & Tosé Roberto Góes, op. cit., 1997, p. 64. 
13 Jacob Gorender, op. cit., 1978, p. 337. 
14 !vlanolo Florentino & José Roberto Góes, op. ciL, 1997, pp. 68-9. 
15 1amás Szmrecsányi , Pequena história da ngricult11ra no Brnsil, Contexto, 1998, pp. 33-4, apelidou esse 
processo de "substituição de importações de c.1tivos pelo tráfico interno''. 
16 Roberto Borges Martins, op. cit., 2002, pp. 1 1 4-5. Outros autores apontam para uma trans­
ferência de 300 mil escravos entre 1850 e 1 885, se somado ao tr;ífico inkrprovincial, 0 in­
traprovincia l, como, por exemplo, entre municípios não-cafeeiros e cafeeiros de uma mesma 
provincia. Jacob Gorender, op. cit . , 1 978, p. 325. 
J 
A formação do mercado de traba lho no Brasil 97 
Nos anos J 870, o tráfico interno de escravos atingiu o seu ápice. Por trás � �-·· .. ---·· ·-· ·· ·-�--- -·--· ·· ···- ··-·--···---· ... ..... · ···· · ·-··- ·--·-·---, desse fenômeno estava muito provavelmente a expansão elas linhas férreas pelo oeste paulista, incrementando a demanda de trabalhadores nas novas regiões cafeicultoras, mas também a Lei do Ventre Livre de 187 1 1 7: escravos de dez a quinze anos passariam a ser altamente demandados nas fazendas de café mais dinâmicas. Ora, foi assim que no tocante aos escravos "nordestinos" importados pelas novas áreas do Sudes�JO<luziu a lógica do_çráfico afyicano� preponderando as compras de jovens e homens, os quais inclusive aumen­taram a sua paàicipação no estoque de escravos entre 1872 e 1887, como no caso do município de Rio Claro, então em fase ascendente 1 9, acontecen­do o contrário nas áreas estagnadas. No Vale do Paraíba, por exemplo, as proporções de jovens e homens caíram de forma constante ao longo dos trinta anos anteriores à Abolição20, em grande medida devido à sua menor taxa de reposição. Também no Nordeste, às vésperas da Abolição, a força de trabalho escrava encontraria-se igualmente distribuída entre homens e mulheres21 • A opção do tráfico interno de escravos logo gerou dilemas políticos não desprezívei�. ?s representantes d�s in_ter_es}es escravis�as, co1� recei�[rr�;Jv de que a escrav1dao se tornasse uma 111strtu1çao com apoio localizado e 'SJ-regional, impuseram impostos provinciais para a entrada de escravos nas {vDvt "] províncias do Rio de J�neiro, Minas Gerais e, por último, São Paulo22 • As- ;�.to sim, em 188 1 , o tráfico interprovincial estaria praticamente morto, situa-ção apenas chancelada pela Lei Saraiva-Co�gipe, de 1885, que o proibiria de forma definitiva23 . 
1 7 Warren Dean, Rio Claro: um sist.ema brasileiro de grande lavo11ra, 1820- 1 920, Paz e Terra, 
1 977, p. 69. 
1 8 A nova "costa da África" não era representada apenas pelo Nordeste, mas também pelo Ex­
tremo Sul e pelo interior mais longínquo. Robert Conrad, op. cit., J 978, p. 67. 
19 Warren Dcan, op. cit., 1 977, pp. 70- 1 . 
20 Stanley Stein, op. cit., 1 96 1 , p. 93. 
2 1 Peter Eisenberg, 1-Iornens esq11ctidos: escravos e tra/;nl/wdores livres 1 10 Brnsil, séculos XVIII e 
XJX, Editora da Unic,unp, 1989, p. 49. 
22 No Rio de Janeiro, o imposto de entrada de escravos era de 1 :500$000 réis, enquanto em 
Minas Gerais e cm São Paulo este chegava a 2 contos de réis, quase duas vezes o preço de um 
escravo caro. Robert Conrad, op. ci t . . , 1 978, pp. 2 10- 1 . 
2 3 Eva Ido Cabral de Mello, op. ci1 . , 1 999, pp. 54 -6. 
98 Alexandre de Freitas Barbosa 
Tentou-se paralelamente estimular a formação dos chamados uúc.k_os so­�,--com base na produção por meio da �ue�riedade. Alguns desses experimentos, já incentivados pela Corte no século XYIIJ, haviam con­tado com a vinda de imigrantes �orean�s para ocupar áreas de fronteira, no Pará e no Rio Grande do Sul. Entretanto, se desconsiderarmos o escravo, "imigrante forçado", e os portugueses durante a expansão mineira, não houve durante o período colonial correntes propriamente imigratórias2'1 • Logo após a independência, esses núcleos se expandiram, como nos casos pioneiros de São Leopoldo, no sul do país, ou de Nova Friburgo no Rio de Janeiro25 • Tentativas frustradas com alemães foram desenvolvidas na Bahia e em Pernambuco26• Apesar dos subsídios para a atração de imigrantes27, entre 1820 e 1847, entraram pouco menos de 15 mil trabalhadores vindos de outros países nesses núcleos, ainda que as cifras oficiais possam estar subestimadas28 • Em 1830, esse fluxo se estancou por conta da Lei de Orçamento de 15 de de­zembro, que proibiu as despesas com imigração29 • Seria retomado, nos anos 1850, com as facilidades de financiamento criadas pelo governo provincial do Rio Grande do Sul para a aquisição de pequenos lotes de terras. Mas as vendas 
24 Manuel Diégucs Jr.,
Imigração, 11rbr111ização e i11dustrializnção (estudo sobre nlg1111s aspectos 
dn contri/mição cult11ral do imigrante 110 Brasil), JNEP, Ministério da Educação e Cultura, 1 964, 
pp. 6-7 e 1 5. 
25 Paulo Roberto de Almeida, op. cit., 200 1 , pp. 326-7. 
26 Manuel D iégues Jr., op. cit., 1 964, p. 3 1 . 
27 J á e m 1 808, havia-se decretado que os estrangeiros poderiam possuir terras no Ilrasil. Manuel 
Diégues Jr., op. cit., 1 964, pp. 29-30. Segundo o alvará de 1 8 1 8, as tarifas sobre a entrada de escravos 
seriam elevadas e parcialmente aplicadas em ações do Banco do Brasil, cujo rendimento financiaria 
o povoamento de colonos. Luiz Felipe de Alencastro, op. cit., 1 997, p. 292. Os primeiros núcleos, da­
lados dos anos 1 820, eram isentos de impostos e recebiam ferramentas, sementes, animais de cria­
ção e víveres ou dinheiro até a primeira safra. Eram também contemplados con1 terras doadas pelo 
governo. A partir de 1 834, a colonização e a imigração passaram a ser prerrogativa das províncias. 
Carlos Oberacker Jr., "A colonização baseada no regime de pequena propriedade agrícola'; in: Sérgio 
Buarque de Holanda (org.), História gemi rln civilização brasileira, t. 2, v. 3, 1 985, pp. 225-6. 
28 Affonso de Escragnolc T\1unay, História do café 110 Brasil, v. 8, Departamento Nacional do 
Café, 1 939 , pp. 1 4-5. Um balanço de 1 855 registrava 1 8 mil trabalhadores nos núcleos coloniais. 
Luiz Felipe de Alencastro, op. cit., 1 997, p. 3 1 6. ),\ Manuel Diégues Jr., op. cit., 1 964, pp. 38-9, 
menciona a entrada de 2 1 .599 imigrantes no país de 1 8 1 9 a 1 850, dos quais 35,4% eram ale-
111iies, 9,9% suíços e 4 ,3% portugueses. 
29 Aldair ! .ando & El iane Barros, "Capi ta l i smo e colonizaçfo - os alc111ães no Rio Grande 
do Sul", in: José l l i ldchrando l >acanal / org.), RS: i111igrnção & ro/011izn(iíO, Editora /1,Jercado 
1\hcr to, 1 980, p. 28. 
A formação do mercado de trabalho no Brasil 
99 de terras não conseguiriam "bancar" plenamente a introdução dos colonos, assumindo o governo imperial parte das despesas de viagem3º. Esses pequenos produtores, em terras concedidas pelo Estado; além de se situarem distantes dos mercados, não funcionavam como mão-de-obra dispo­nível para a agricultura de_e�ort�ç��.:.. Antes, desviavam potenciais imigrantes dessas terras, recebendo críticas contundentes por parte dos fazendeiros das áreas do café3 ' . Ou seja, a questão "quem virá trabalhar em nosso país" exigia a solução de um dilema anterior: "para quem se virá trabalhar"32? As cr(ticas também se concentravam no grande dispêndio de recursos, a ponto de a colo­nização, nos anos 1870, ter sido apelidada a "seca do Sul"33• A transição para o trabalho livre envolvia, portanto, interesses contraditórios. Se os resultados. dessa onda __ g_�- �-�!ig!_cl_Ção não foram expressivos no plano � ... ·------- .... _,,. ___ _._.,.,,,,.--·,•• --- ...... . ···· · ... · · · ·· ···� ·----·----.. ·--nacional34, algumas regiões - especialmente o Extremo Sul - foram social �--· .... ·--··-----·- . e demograficamente transformadas pelos núcleos coloniais. Em 1872, mais de 200 mil estrangeiros compunham a força de trabalho do país (3,7% do total) (Tabela 3), concentrados na cidade do Rio de Janeiro, em virtude da imigração portuguesa espontânea35, e nas províncias de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Nessa última, 12,2% da força de trabalho era composta de imigrantes (Tabela 4). Em 1880, estima-se que cerca de 100 mil colonos estivessem localizados nesses núcleos de povoamento estruturados à base da pequena propriedade36 • O crescimento das colônias oficiais e privadas mos­trava-se de fato mais acentuado no Rio Grande do Sul que, entre 1850 e l 889, criou 28 novas colônias, contra apenas catorze para a província paulista37 • 
30 Loraine Giron, "A imigração ital iana no RS: fatores determinantes", in: José Hildebrando 
Dacanal (org.) RS: i111igração & colaniz11çiia, Editora Mercado Aberto, 1 980, pp. 58, 63-4. 
3 1 Michael Hall, Thc origi11s o( 1111155 imnJigrntion in Brazi/, Tese de Doutorado, Columbia Uni­
vcrsity, 1969, pp. 1 0- 1 . 
32 Luiz Felipe de Alencastro, "Caras e modos dos migrantes e i migrantes", in: Luiz Felipe de 
Alcncastro (org. ), História da vida privada, v. 2, 1997, p. 29:). 
33 Evaldo Cabral de Mello, op. cit., 1 999, p. 77. 
34 Apenas em 1887, 13ahia, Pernambuco e Pará receberiam verbas, ainda que modestas, do 
governo imperial para a imigração. Evaldo Cabral de Mello, op. ci t ., 1 999, pp. 69-70. 
35 Cerca de 30% da população da cidade do Rio de Janeiro, em 1 872, era composta de estran­
geiros, a grande maioria dos quais era portuguesa. Thomas Merrick & Douglas Graham, op. cit . , 
1 981 , p. 1 26. 
36 Michael l lall, op. c i t ., 1969, p. 5. 
37 l vlanucl Diégucs J r., op. cit., 1%,1, p. ' 13 . 
1 00 Alexandre de Freitas Ba rbosa 
Isso porque diante da inadapt��.2. .. gg� _n.(Içkilli. _Ç.QlQni_�is aos interesses dominantes dos grandes �dciros de café, predopj� o regi!11e de par-�nessa província, a partir ·da �iên�ioneira do senador Vergueiro na fazenda de !bicaba, em 1847. As perspectivas de esgotamento do trabalho escravo exigia;;; qu�t;;�o livre fosse paulatinamente experimentado, assumindo características diferentes dos núcleos coloniais, ainda que sem modelo definido, sujeito a "tateios e hesitações"38• Os então chamados "parceiros", geralmente al�m�e� ou suíços alemães, quando não portugueses, trabalhariam para grandes agricultores, a partir da assinatura de contratos às vezes nos próprios países de origem. O seu traba­lho coexistia com o dos escravos, havendo uma divisão técnica das atividades: aos imigrantes, cabia o cultivo e a colheita do café, enquanto os cativos se encarregavam do preparo do solo e do beneficiamento, tarefas que requeriam constante supervisão39• O �ma de p2rcerü: funcionava da seguinte maneira: os custos de transporte e de manutenção eram cobertos pelos fazendeiros, depois ressarcidos pelos tra­balhadores a juros de 6% ao ano; estes dividiam o lucro líquido do café colhido com os fazendeiros, tendo direito a 50% desse valor, depois de deduzidas as des­pesas de beneficiamento, transporte, comissão de venda e impostos. Obtinham os colonos terras para a produção de subsistência, devendo o valor dos excedentes comercializáveis ser parcelado com os fazendeiros. Além disso, ao menos metade dos seus lucros anuais deveriam ser gastos com a amortização da dívida10. Na prática, os _próp_E.jg_s...J.r.ab.alhadors:.s ... ass.urnimI1__2__��1_!:!� da expansão· da oferta de trabalho1 1 , inexistente ou indisponível em virtude da ausência de mercado de trabalho. Até a amortização do capital desembolsado na aqui­sição de imigrantes, a taxa de exploração deveria se elevar, comprometendo as relações de trabalho com o parceiro42• Depois de quatro anos, em média, 
38 Sérgio Buarque de Holanda, "Prefácio", in: Thomas Davatz, Memórins de 11111 co/0110 no Brasil 
(1850), Itatiaia, 1 980, p. 2 1. 
39 Maria Lúcia Lamounier, Da escravidão no trabalho livre (a lei rle lomçiio de serviços de 1879), 
Papirus, 1988, p. 32. 
40 Em ilia V iotti da Costa, op. cit., ! 998, p. 124. 
-11 Vcrena Stolcke, Cnfciw/111rn: /1011 1e1 1s, 1 1 1 1 1//1eres e mpi!nl ( 1850- J 980), Brasi l iense, 1980, pp. 
19-20. Para Celso l'urtado, op. cit., 1 989, p. 1 26, "o imigrante vend i a o seu trabalho futuro", 
"assumindo o custo real da imigraç:Jo, por ser a parte rinanceira 111cntc mais fraca". 
,12 Verena Stolckc, op. cit. , 1986, p. 211. 
A formação do mercado de trabalho no Brasi l 1 o 1 
o parceiro se "libertava"'13• Como só havia braços disponíveis mediante novo desembolso de capital, o ciclo iniciava-se novamente. A divida do colono operava como um desincentivo à produção de café, pois 
..;,---- ---··---·-·--···· -·--·----··---·-·--·--· .. .... ..... . o trabalhador preferia s�}1W1trar n�.iY.Qj_�-�imento_:jara a auto-sub-sistência e para o mercado, compr�nnetendo a disciplina do trabalho e a pro­dutividade no setor exportador".
De forma semelhante ao que se observara quando da lei inglesa de Speenhamland, de 1795, anterior à operacionalização de um mercado de trabalho efetivo nesse país, ninguém trabalharia por um salário se pudesse sobreviver sem fazer nada45• Portanto, o endividamento dos trabalhadores se de um lado assegurava a sua disponibilidade para o trabalho, imobilizando-os46 - condição necessária, posto que a mão-de-obra era escassa - de outro, atentava contra a produtividade. Tal cerceamento da liberdade do trabalh<?J?_ode ser comprovado pelo fato de que os colonos somente estavam habilitados a deixar a fazenda apenas depois de saldadas as suas dívidas, devendo avisar aos seus "donos" com um ano de ante­cedência. Toda a família ficava imobilizada pelo endividamento. Além disso, aos -=--------------------colonos, para qu; recuperassem a capacidade de venda de sua força de trabalho, se exigia que apresentassem uma certidão de seu empregadmA7• Quem empregasse um trabalhador "endividado" seria punido com o pagamento do equivalente ao dobro da dívida deste com o seu antigo patrão - o que limitava a concorrência pela mão-de-obra e instaurava condições de semimonopólio na sua contratação. O regime de parceria, segundo �rgio Buargt��!:{ol�-�-ga, a�rentava-se à servidão temporária dos Estados Unidos e das Antilhas coloniais, q-ue ·permitira �---=--o financiamento da vinda de tra�alhadores brancos com amortização median-te prestação de serviços por um determinado prazo, como também à situação dos agregados do Brasil colonial'18�1da que estes estivessem presos à terra e 
43 A analogia entre o escravo e o colono é reiterada várins vezes por Thomas Davatz no seu 
relato. Vejamos alguns exemplos: "Ao chegar ao porto de Santos, ns colonos j:í são de certo 
modo umn propriedade da firma Vergueiro" (p . 86). Ou, ainda, sobre o pátio onde nguardam 
os colonos, até a viagem por terra, com os fazendeiros a que foram destinados: "o colono se 
apercebe finalmente de que acaba de ser comprndo" (p. 88). Thomaz Davatz, Me111óri11s de 111 11 
colono 1 10 Brasil (1850), 1 980. 
44 Vercna Stolcke, op. cit., 1986, p. 43 . 
4 5 Karl Polanyi, op. cit., 2000, pp. 1 00-1 . 
46 Lúcio Kowarick, op. ci t ., 1 9911 , p. 66. 
47 Warrcn Dean, 1977, op. cit ., p. 102. 
48 Sérgio Buarqut' de Hobnda, op. cit., 1980, pp. 28-9. 
1 02 Alexandre de Freitas Barbosa 
I --aOS seus patrões por IE.._�!L'.'.2i.B.i!_Q_�J;.ÇQJ1funicôDNão havia assim n_ada de origi-nal na parceri<!: Tratava-se da utilização de um modelo de relações de trabalho / típico cÍ;·-��ciedades ainda infensas ao assalariamento. 
i, ... ::y, Prova disso está no constante uso de mecanismos de coação extra-econô-mica - multas em dinhcirõ',�-;;;i�ã� à iü;-e�dad; d� ·;;;�ii;;;;;�--�d�-direitos ci\)1sI;ásicos, prisão e até espàncamento49 - para assegurar a rotina de traba­lho no regime de parceria. Não estavam dadas as condições para a formação de um mercado de trabalho que permitisse a mobilidade do trabalhador. Daí a necessidade de leis como a de 1 837, que regulamentava as relações de traba­lho com imigrantes, e que seria utilizada par�r os contratos de 12.arcer�) a de �9cas:_ão de Serviç�L9-� _l_??J - ambas prevendo medidas reEressivas para o controle da força de trabalho, como veremos adiante. É importante salientar que se os contratos eram desrespeitados, tal se de-·-··--· . ·····------------via, em grande medida, à postura dos faze�deiros. Por exemplo, o pagamento do transporte terrestre, do aluguel da moradia e da taxa de comissão não figurava nos termos dos contratos50• Mas o principal problema parecia residir na manipulação fraudulenta dos contratos, pois os proprietários de terras 
�-----···--·-· � - . . ... . ... . . faziam uso d0.xi!.s de -�!I)bio_ s1,1perestimadéls para converter a dívida do transporte naval, além de subestimarem o lucro líquido da venda do café5 1 ou _cobrarem mais caro pelos �limento�_)ldquiridos na i��end�. Dessa fo;:ma, o mais-trabalho era retirado não só da divisão do excedente52, mas de uma série de procedimentos contábeis. A explicação para a v i9..n curta desse experimento de trabalho não-es­cravo importado deve ser buscada em um C_?njunto_ 1��!Q_res. Em pri­meiro lugar, corno v imos, era patente a �<:.l?..�!:.t0ade dos fazendeiro�ara _ l idar com os trabalhadores numa base contratual. Ao mt;smo tempo, di-
. . · � -,:,�· ····--- �---... ... . . . . .. . �- . . -ferentemente dos escravos, os colonos reagiam às autoridades públicas e aos governos de seus respectivos países. Por sua vez, o recurso a out ras autoridades que não à do senhor era encarado por este como prova de des-
49 Thomas Holloway, !111igm11 tes para o cnfé: rnfé e socierlnr/e e111 Siío Pa11/o (1886-1934), Paz <' 
Terra, 1 984, pp. 11 1 -2. 
50 Thomas Davatz, op. c i t ., 1 980, pp. 85-99. 
51 Vcrena Stolckc, op. cit., 1986, p. 2 3. 
52 Lúcio Knwarick, op. cit., 1 99 1 1 , p. 69. 
A formação do mercado de trabalho no Brasil 
1 03 
lealdade5-'. Enfim, as dificuldades da parceria originavam do seguinte fato: ��-�9.�:�e... S.!:.!..i�L.lJ.!!!_!�_g!!!l_�--�-�E�?3�, a meio caminho entre o trabalho escravo e o l ivre54• )"V'-'V� 
Porém, s_::ia exagerad2_sfü�r que o regime de parceria não funcionara por conta da �entalidade "atr�-��t' dos fazendeiros. Ê certo que eles tendiam a encarar a mão-de-obra estritamente como custo. Como não conheciam 
as potencial idades do trabalho livre ou duvidavam da sua disponibil idade 
efetiva, o escravo era considerado a melhor das opções, indicando um com­
portamento pragmático55, aferrado aos costumes, por parte destes "burgueses 
imperfeitos"56, haja vista que no restante de suas operações com terras, má­
quinas, crédito e transporte, a lógica capital ista já se impunha57 • 
Não havia nada parecido com um cálculo de produtividade das várias fon­
tes de trabalho, mas apenas a tentativa de novos expedientes, em um contexto 
de trabalho escravo - tido como ideal e o único confiável - cada vez mais 
exíguo. O não-mercado de trabalho mantj.ub.a.:.S.e .. w.1uu..re.afu:lª·º-e na mente �---- .,. dos fazendeiros até bem depois do esgotamento do tráfico. Paula Souza, às 
vésperas da Abolição, olhando para o passado, afirmaria: "o corpo escravo era 
o único com que podíamos contar para o trabalho constante e indispensável 
do agricultor"58• 
Em grande medida, a tentativa de substituir o trabalho escravo, através do 
regime de parceria, esbarrou na resistência dos trabalhadores - entre 1 856 e --··--�--·------1 857, os colonos se rebelaram em várias fazendas - secundados pelos gover-
nos de seus países59, exigindo da parte das classes dominantes a elaboração de 
novas formas de exploração 1º trabalho60• 
Se essa experiência tornou possível uma transição menos traumática - ao 
menos do ponto de vista dos fazendeiros - para o trabalho l ivre na província 
53 Warren Dean, op. cit ., 1 977, p. 1 1 5. 
54 Affonso de Escragnole 'faunay, op. cit., 1939, p. 12. 
55 José Murilo de Carvalho, op. cit., 1 988, p. 76. 
56 Warren Dean, op. cit. , 1 977, p. 80. 
57 Ibidem, p. 1 24. 
58 Citado em Florestan Fernandes, A i11tcgmção do negro 11a sociedade de classes, v. J , Ática, 
1 978, 3. ed. 
59 Às revoltas dos colonos, segue, em 1 859, o Regulamento Von der 1-leydt do governo da 
Prt'1ssia, que proíbe o aliciamento de colonos para o Brasil, sendo depois estendido para toda a 
Alemanha unificada. Carlos Obcrackcr Jr., op. cit., 1985, p. 230. 
60 Verena Stolckc, op. ci t ., 1986, pp. 50-2. 
1 04 Alexandre de Freitas Barbosa 
de São Paulo6 1 ; é importante lembrar que dos cerca de JPO mil imigrantes que entraram no país �11ye 1820 e 1874, apenas �..§..� dir.igirn.nLp.ar<Lfüio PauJo62. De fato, boa parte da imigração estava circunscrita às províncias do ... � Extremo Sul, tendo São Paulo entre 1850 e 1879 recebido apenas 19.72 1 imi-grantes, 4,7% do total entrado no país63 • Ou, ainda, a partir de outra estatísti­ca, percebe-se que, em 1972, apenas 6,7% daqueles que compunham a força de trabalho
estrangeira se localizavam em Sã.o Paulo, um percentual quase três vezes inferior ao apurado no Rio Grande do Sul (Tabela 3). Na ativ�3%#..feeira, _5-11:1 ... L[?.92.L.�% da mão-de-obra empregada na província paulista era composta de tra_bél,lV ... <!QÇn::�.§..Ji.:<ff ... eS, boa parte dos quais imigrantes64 . Se analisarmos o conjunto da economia da província de São Paulo, em 1872, apenas 2,5% da força de trabalho era composta de estrangeiros, contra uma participação de 2 1 ,6% para os escravos (Tabela 3 ).Ou seja, o trabalho escravo ainda possuía uma presença esmagadora. Tal quadro mostrava-se diverso no Rio Grande do Sul, onde as participações de escravos e imigrantes na força de trabalho atingiam, respectivamente, 18,7% e 12,2% (Tabela 3 ). ��J8_;j_0_a parceria cederia lugar, em São Paulo, a outras modali­dades de contratação da mão-de-obra65 . Nem parceria, nem pagamento por empreitada,J�salário me1�al se,..e.xp.aD.4ir.i�.1�a�_g_écadas seguintes66.Generali­zou-se o pagamento do "contrato de aju�e", a partir do qual os trabalhado-
:::;ç _ ___ _ res recebiam uma q�antia fixa p<_>r a!�t:�.\��-�-�--gi:ão��ao fazendeiro. Continuavam a produzir aliment��..?!.�QJ.� . .Q�, devendo em alguns casos pagar metade dos rendimentos ao patrão e, em outros, um aluguel pela terra67 • Mais adiante, no regime de colonato, além do pagamento por alqueire 
6 1 Sérgio Buarque de Holanda, op. cit., 1 980, p. 36. 
62 Samuel Harman Lowric, Jn1igrr1çiio e crescimento da população no estado de São Pa11lo, Edi­
tora da Escola Livre de Sociologia e Política, 1 938, p. 8. 
63 Heitor r:erreira Lima, História político-econômica e industrial do Brasil, Companhia Editora 
Nacional, J 970, p. 24 1 . 
6 4 Michael Hall, op. cit., 1 969, p. 21. 
65 Michael Hall, op. cit., 1969, pp. 13-20. Segundo Em ilia V iot ti da Costa, op. cit., l 998, p. 14 7, 
em l 860, restavam apenas 29 colônias de parceria na província de São Paulo, ao passo que em 
1 870 n iio h:1via mais do que treze colôn ias. 
66 Casos pa radigmáticos eram as colônias Nova-Louzã e No1,,1 Colômbia, consti t u ídas basica­
mente por portugueses. Mar,ia Lúcia Lammmier, op. cit ., 1 998, pp. 52-3. 
67 Warrcn Dtan, op. cit., 1 977, p. 1 J 7. 
A formação do mercado de trabalho no Brasil 1 05 
entregue, o trabalhador receberia um "salário mínimo fixo", pago a cada mil 
��8• Todavia, as condições de trabalho não parecem ter melhorado durante os anos 1860 e 187069, tendo os fazendeiros preferido esgotar a reser­va de trabalho escravo existente. Entrementes, alguns coevos acreditaram que a solução para a escassez da mão-de-obra estivesse no agerÍciamento de coolies chineses70• Funciona-""'-------riam como forma intermediária de trabalho71 , entre os escravos, cada vez mais escassos, e os europeus livres, caros e "exigentes". Aliás, o transporte de trabalhadores endividados, especialmente de chineses e indianos, viera ocupar o vazio deixado pelo tráfico de escravos, tornando-se uma tendência internacionaF2• Segundo se pretendia, esse "agente produtor temporário" não fincaria raí------..... --zes no país, voltando à sua terra natal assim que estivesse preparada a transi-ção entre a escravidão e o trabalho livre e estivessem amadurecidas as condi­ções para o trabalhador europeu 73• Essa "solução", que encontrava resistências internas, acabou recusada_.12elo prÓR[!QZQ:'erno chinês74• Algumas províncias --- _ ......... ____ .� ..... -. ._.,_ chegaram a cogitar 'a imigração de "africanos livres", o que não avançou em virtude da pressão da Inglaterra, que ameaçou tratar esse comércio da mesma forma que fazia com os navios negreiros75• 
68 Verena Stolcke, op. cit., 1986, p. 37. 
69 Em 1 875, o governo francês proibira a imigração para o I3rasil, enquanto na Itália se adver­
t ia aos prefeitos que emigrar para o Brasil era o mesmo que se expor à miséria. Em ilia V iotti da 
Costa, op. cit., 1 997, p. 170. 
70 A imigração chinesa não prospero�. ou então teve impactos desprezíveis. Entre 1 854 e 1 856, 
sabe-se que 2 mil chineses foram desembarcados no porto do Rio de Janeiro, por meio de ne­
greiros portugueses. Luiz Felipe de A lencastro, op. cit., l 997, p. 295. Outras estimativas apon­
tam para 6 12 imigrantes na década de 1 860 e menos que 3 mil ao longo do século XIX. Ver 
dados de Robert Conrad citados em Maria Lúcia Lamounier, op. cit., J 988, pp. 13 1-2. 
7 1 M ichael Hall, op. cit., 1 969, pp. 33-4. 
72 Eric Hobsbawm, A em do capital ( 1848- 1875), Paz e 1crra, 1 996, 5 . ed., p. 273. 
73 Robert Conrad, op. cit., 1 978, p. 47. 
74 Paulo Roberto de Almeida, 2001 , pp. 363-4. Os coolies chineses cumpriram um papel im­
portante como mão-de-obra alternativa, especialmente em Cuba e no Peru, representando no 
início do último quartel do século X IX, respectivamente, 3% e 2% da população total desses 
países. Ver Nicolás S,ínchez-Albornoz, "A popuh11;ão da América Latina, 1 850-1930", in: Leslic 
l3ethell, 1-íistória da A111éric11 /,atina, v. ,1 , Edusp, 2001, p. 1 8 1 . 
75 Leslic Bethcll, op. cit . , 2002, p. 424, refere-se a um projc10 submetido ii legislatura provincial 
ele Pernambuco em 1857. 
1 06 Alexandre de Freitas Barbosa 
Outros ainda sugeriram aproveitar os trabalhadores .hvres nacionais, mui­tos dos quais, como vimos, viviam em estado de permanente ou de semi­inatividade. Como aponta Celso Furtado, não tivesse vingado a imigração européia, muito provavelmente, essa alternativa teria sido implementada, tal como prova a transumância amazônica, quando cerca de 500 mil nordestinos se dirigiram ao Norte do país por conta do "ciclo da borracha", entre a últi­ma década do século XIX e a primeira do século XX76• Na última década do século XIX, o fluxo migratório interno aumentaria a população dos estados de Amazonas e do Pará em 38,8% e 16,6%, respectivamente, em relação aos índices de 1890, enquanto o Ceará e o Rio Gi·ande do Norte perderiam 10% do seu contigente populacional77• (' Havia, de fato, um.xç�<:I.Y?tório substancial de mão-de-9bra não-escrava. 
-----------
. _ ,__ •'- -· · - • - , w ..... •---�---·---··
.,. • Entretanto, inexistia uma lei, econômica ou política - como se queixavam ---muitos fazendeiros - que incitas�_!.�$�. t�abél.!hª.QQ[e�Jivres <LÇ�r seus serviços78, de forma a atender as expectativas dos seus potenciais empregado­res: estabilidade no trabalho e salários baixos. Ao contr�J_Q trabalhado1Jivrev\ nac_ional estava g!fali:1e!1te vinculado à terra, produzindo nela a sua subsistência e devendo, em contrapartida, prestar serviços militares e paramilitares aos seus proprietários; ou então, --- . - . como no caso dos camaradas, exercia uma tar_efa supletiV.ª .. �.121-ª��: En-fim, como obrigá-lo a contratar seus serviços -dê fõrin�- contínua, ou me­lhor, como fazer com que encarasse o ato produtivo como condição de 1 iberdade79? Ora, a mão-de-obra livre nacional, ��-.1e_��t:.,_nl2 _ha:_1i_a sido e2(propriada �erial_ e culturalmente80 . AJém disso, havia a crença por parte � --dos fazendeiros - certamente infundada, embora component.e essencial de 
76 Celso Furtado, op. cit . , 1989, pp. 129-31. 
77 Douglas Graham & Sérgio Buarque de Holanda Fi lho, Migrações internas 110 13rnsil: 1 872-
1890, IPE/USP, 1 984, p. 90. 
% 78 Emi l�lda Costa, op. cit ., 1 998, pp. 17 1-2. Como recompensa aos trabalhadores livres 
4 que cont�:e;n seus serviços, vários projetos de lei propunham a isenção para o recrutamen­
to mili tar . .Jvlaria Lúcia Lamounier, op. cit., 1988, pp. 1 20- 1. Nesse sentido, a província de São 
Paulo j,I dispunha clClêí, êlesde l 8.58� dispensando do serviço da guarda policial os trabalhado­
res que firmassem contratos de locação por no m ínimo três anos. Paula Beiguelman, A _(on1111-
çãn ,lo pn110 110 co111plexn w_(rciro: nspcrtos polít iras, Livraria Pioneira Editora, 1978, p. l 05. 
79 l raci Galvão Salles, '/i"n/Jnllw, proi,resso e r1 socied11de civiliznrln, Hucitcc, 1986, pp. 38-'/. 
80 Lúcio Kowarick, op. cit . , J 99,1 , p. 65. 
,:';?! 
A formação
do mercado de trabalho no Brasil 1 07 su� ide��ogia - �e qu����E:1�_!1to nasi�����.:�:cia�mente "vad io" e "pre­gmçoso . Fato e que, diferentemente dos escravos e dos futuros imigrantes, não havi�_pas�j_2�la "esçgla do tr<!_balho'.'ª 1 • No Brasil, a plena proletari­zação do elemento nacionaljependeria�- elin:i_i!:@��2...�-'!.�S-����--�ios 1 / �de subsistênc�a e do surgimento .de setores sem tradição escrava82• Ou seja, ,,. , predominava uma oferta de trabalho não estruturada para o assalariamento e que não fluiria para o mercado, ainda ausente, mesmo que fosse fixada uma taxa de salário acima do nível de subsistência83• Um bom exemplo capaz de relativizar a inelasticidá1e da oferta de 
_____ _.. .. "" º''---•·--·-·-- -- ··---�--- ······· . . . .... ---trabalho interna está na mão-de-obra contratada para a constru�ão das 
�gyi-slk_. que. ;assaram ;; disse��i��� --peiÕ-pãis_ã_parti·;-d;�·--aé�ad�s de 1860 e 1870. Além dos engenheiros e dos trabalhadores qualificados, geralmente estrangeiros84 , cerca de 30% da mão-de-obra necessária para essa atividade era composta de trabalhadores sem qualquer qualificação. Aí predominavam os nacionais. E o cônsul britânico em Recife diria, em' 1 860, ''pâ-;;--;;-�bras da fe-�rovia? _q1;1al_9.tJ.�r_q�1_fül1idade_d_e .. mã.Q-.de-obrª ·· _R?c_le �er_?.)Jtida'_'.��-:---·---· .... Mas ai,uia é!.�fil!l1 não se tratava de uma oferta típica, já que a sua dispo­nibilidade estava vinculada ao caráter sazonal da agricultura86• Esses traba-···---·----·----·· ----·--·--··--·- · ----- ""- ·----�-- -lhadores - fossem cultivadores independentes, agregados ou colonos - não queriam �m podiam se dista�i!!E.�� se� lotes de subsistência. O trabalho era pago por empreitada e as condições de trabalho precárias, porém os salá­rios se mostravam relativamente elevados87• 
8 1 Ibidem, p. 96. 
82 Jorge Balán, "Migrações e desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaio de interpretação 
histórico-comparativa", in: Jorge Balán (org. ) , Centro e periferia 110 dese11volvi111ento /nasileiro, 
Difel, J 974, p. 1 24 . 
83 João Manuel Cardoso de Mcllo, op . cit., 1 990, p. 79. 
84 Eric Hobsbawm, op. cit., l 996, pp. 282-3, relata o papel desempenhado pelos 11nvies corpo 
de trabalhadores nômades que se empregava nas ferrovias do mundo inteiro. Sua existência 
originava-se da ausência de força de trabalho local. No caso brasileiro, a presença desses traba­
lhadores parece sido importante, ainda que não generalizada. 
85 Maria Lúcia Lamounier, ferrovias, "Agricultura de exportação e mão-de-obra no Brasil no 
século XIX", in: História econó111icn & J-listóri11 das c111prcsr1s, n. l l l . 1 , 2000, pp. 55-8. 
86 Verificava-�c. nesse caso, o fracionamcnt.o da oferta de trabalho, reduzindo ao l imite o puder 
de barganha do trabalhador. Ver João Carlos M. de Carvalho, op. cit., 1978, p. 49. 
87 Maria Lúcia Lamounicr, op. ci t . , 2000, pp. 69-76. 
1 08 Alexandre de Freitas Ba rbosa 
Havia, quando muito, um aparent�_ .12axadoxo entre a akg<!.cla_ ����ssez de _l;?.raços" e a vi�iyel _��llnd�1�c/.:1 df'i�_�{t_�'.! já que o capital não era capaz de gerar �m :;;-;d;d��-o processo de proletarização da sociedade"88• Não nos esqueçamos de que 760/o _i�(�ç_a_ �e !.1:���_!!i�te no país compunha-se de brasileiros não-escr�vos - contr; 20% de escravos - respondendo esse contingente "livre" por cerca de 85% da PEA nordestina (Tabela 3). No início dos anos 1870, a força de trabalho de brasileiros livres nordestinos chegava a quase 2,4 milhões, haven­do outro 1 ,3 milhão no Sudeste (Tabela 3 ) . Ou seja, essas duas regiões abrigavam quatro quintos da força de trabalho nacional não-escrava. Portanto, tratava-se de uma ausência de população para os fins da expansão do capitalismo. Pode-se visualizar essa realidade por outro ângulo, qual seja o da crescente participação da população livre no total da população negra/mulata do país, percentual que chega a 74% em 1872, contra 20% no início do século89, o que está relacionado às alforrias, à miscigenação e ao maior crescimento vegetativo dos libertos em relação aos escravos90• Ou, posto de outra forma, enquanto a população de pardos e negros livres saltara de 585,5 mil para 4,2 milhões entre 1817-1818 e 1872 - uma elevação de 600% - observara-se uma queda de 12% do estoque de escravos no mesmo período9 1 • A meio caminho da transição para o trabalho livre, a partir da segtrnda metade do século XIX, os libertos oc..1:J�Ei�I!!�Paços no��io� _u���-�s, funcionando como a "mão-de-obra bruta possível" e preenchendo as ocupações artesanais, in­dustriais e de serviços, especialmente domésticos92• O capitalismo, ainda nascente, parecia prescindir da liberdade formal do assalariado, aproveitando-se das várias modalidades de não-escravidão para subordinar a mão-de-obra. 1àmbém a modernização da economia cafeeira, a partir da década de 1870, especialmente no oeste paulista, cumpriria o_J2.apel de postergar a transição 
88 Sobre a teoria de emprego em Marx, ver Paul Singer, Economia política do trabalho, Hucitec, 1977, 
p. J 8. Em outras palavras, esse aparente paradoxo apontado por Marx, op. cit., 1988, livro primeiro, v. 2, 
aqui não se devia ainda à obsolescência ou ao desgaste do trabalhador acorrentado a rnn dado setor de 
produção, pois a superpopulação relat iva ainda não funcionava como exército de reserva, em virtude 
da sua insuficiente proletarização. 
89 Thomas Merrick & Douglas Graharn, 198 l , op. cit . , pp. 76-7. 
90 Entre 1 798 e 1 872, as pessoas de cor l ivres apresentaram uma taxa de crescimento demo­
gr.ífico de 3,2% ao ano, contra 1 ,8% dos brancos e - O, 1 % dos escravos. Thomas Merrick & 
Douglas Graham, op. ci t ., 1 98 1 , pp. 92-3. 
91 Carlos Hasenbalg, op. cit., 2005, pp. 1 47-8. 
92 Horcstan Fernandes, op. c i t. , 1 987, pp. 229-30. 
A formação do mercado de trabalho no Brasil 1 09 
para o trabalho livre. Se antes a produção era constrangida pelos altos fretes e pela constante elevação do preço dos escravos, agora com a e�nsão das ferro;­vi1as e �ação de máquü2_�-�A� b<::'�.eficiainen_t_? do café, �ay.il::.�e trabalho e capital em volumes expressivos, proporcionando o aumento da margem de lucro dos fazendeü·os, assim co�o da taxa de exploração do trabalho93 . Com custos mais baixos, e desfrutando os produtores dos altos preços do café pós-1857, reforçava-se a econ��.1.!lerc_�ntil escravist�, ao mesmo tempo que se �mpunha limites à sua e:1Q?ansão indefinida94• Isso porque, mais à frente, se recolÓcaria o gargalo da ausência de um mercado de trabalho, ainda que a 7 1 própria acumulação de capital fornecesse, em tese, os meios para uma solução definitiva a esse impedimento estrutural nas áreas mais dinâmicas. Paralelamente, enquanto se poupava trabalho por conta das ino�ões do processo de produção, transporte e comercialização, procurava-se ex­trair o máximo dos escravos remanescentes e experimentar, na medida do possível, novas formas de uso do trabalho livre disponível, nacional e imi­grante. Acionava-se uma n0ova divis.ã.ll.interna. do_tJ:<1b.iilho entre trabalha­dores escravos e livres, urbanos e rurais, com peculiaridades que depen­diam do modo de organização dos vários subsistemas regionais, ou seja, da sua produtividade econômica e da sua inserção mais ou menos dinâmica no mercado internacional. Vejamos com mais detalhe essas peculiaridades. Extinto o tráfico de es­cravos em 1850, organizou-se nos trinta anos seguintes, uma redistribuição da população escrav�. Através do tráfico interprovincial, as zonas caf��1ras - localizadas essencialmente nas províncias de São Paulo, RíÓ de Janeiro e -· Minas Gerais - passaram a exibir os maiores índices de escravização da mão-de-obra95. Tais províncias já abrigavam quase 50% do plantel de escravos em 1874, percentual que chegaria a 60% dez anos depois, e a cerca de dois terços às vésperas da Abolição (Tabela 2). Diferentemente do �e, onde as alfqn:_ié1_?_ .. �I<!.J11_ exprç�$j_yas e a sua taxa de expansão crescente, no Sudeste t ratava-se de sugar o máximo
do es­cravo, em virtude da alta rentabilidade do café. Se, entre 1873 e 1885, o Brasil 
93 J raci Galvão Salles, op. cit., 1986, p. 35. 
9� João Manuel Cardoso de Mello, op. cit ., 1 990, 1'1' · 82-3. 
95 Daí tercrn s ido apelidadas de "províncias nq;r,·i ras". Lesli� Bethcll, op. c i t ., 2002, p. ,124. 
1 1 O Alexandre de Fre itas Barbosa 
reduziu em 1 3% seu estoque de escravos, por conta somente das alforrias96, a contribu ição das províncias cafeeiras deve ter sido pequena, pois possuíam um incentivo de mercado - preços do café em alta - para restringir os incen­tivos concedidos aos escravos97• Por outro lado, nas r�iões estagnadas, valia o mesmo raciocínio, mas com sinal i nvertido: era elevado o ônus de se manter os escravos, especialmente porque seus preços sofriam um;···a-lta, tendo sido utiliza�J�; de forma signi-ficativa alternativas como a do arrendal)1enJg, ª da ye11d.íl .. QlL.iLd.a.Jtl.fur.ril:I com_pfa.s!a98• Segundo Evaldo Cabral de Mello99, lograva-se antecipar o futuro, processando a solução ideal para os escravocratas nortistas. Na prática, pro­movia-se uma "abolição com indenização". 
"=-- .. ... - - --··· ' . ·-Nesse sentido, pér°��be-;e um r�-�9-� J?.r_<?�esso de des_r;,�<:J.!!Yi01.�i_!o da mão-de-obra no Nordeste, que apresentaria uma participação de escravos na população total de apenas 9,5% em 1872, contra 22,2% no Sudeste, ficando o Rio Grande do Sul em uma posição intermediária (15,6%). Na província do Rio de Janeiro, esse percentual chegava ao nível máximo de 32,3% (Tabela 4). A desescravização do Nordeste revelava também o seu avesso: a existência de um expressivo excedente populacional de mão-de-obra não-escrava, apenas parcialmente utilizada. A partir da Tabela 2, nota-se que, enquanto a população de escravos entre 1864 e 1887 sofrera uma redução de 57,8% no país, chegando a uma gueda de _f�rca._ .9_e_ 8_9o/o_ �19 �_<)�deste t'.._�?. .. ���1.:�:10 Sul, no Sudeste..talp.erda se afiguuwa_ bem menos acentuada, de 35% (Gráfico 1 ) . 
«:::::::!. .......... ··-·· ·�---- ··-· - - . • -·--- ---- -�----··- ·····---�-º caso de ��2º é paradigmático, pois, apesar da redução em tern�os �1!?� c�a- população escrava �ntre 187_4_� . . r n.ii?'º°, como entre 1864 e 1874 a quantidade de escravos havia dobrado, ao fim do período, o estoque de es­cravos ainda excedia o verificado no início do período analisado em 34%. A província de São Paulo, que possuía 4,7% dos escravos do país.em 1864, apre­sentaria às vésperas da Abolição uma participação de �_i�ca d� J.'.?�Yo, _::--� todo 
96 Thomas Merrick & Douglas Graham, op. cit., 1981, pp. 77-8, onde os autores citam os dados 
ele trabalho cio historiador Robert Slencs. 
97 Warren Dean, op. cit., 1 977, p. 128. 
98 Thomas Merrick e Douglas Graham, op. cit., 1 98 1 , p. 80. 
99 Evaldo Cabral ele Mel lo, op. c i t., 1 999, p. 5 J . 
J 00 Na verdade, se analisarmos apenas os dados para os municípios cafeeiros das províncias 
de M inas Gerais, Rio de Jane i ro e São Pau lo, mes1110 1 10 período de 1 87-1 a I SIU, ver i fica-se um 
;1umc1 1 to líquido da ío,sa de 1 rabalho escrava. Robert Conrad, op. cit., 1978, 1'1' · 35 ,J -6. 
A formação do mercado de trabalho no Brasil 
1 1 1 cerca de 1 00 mil escravos - um montante pouco inferior ao de Peniambuco e Bahia somados (Tabela 2). Paralelamente, manifestava-se uma divisão do trabalho _mais .. definida entre trabalhadores livres e escravos. Estes se concentravam nas atividades 
� ---··-� .rurais, especialmente no caso d?s r���.ma_is _ _prósp_l;!ras das províncias do Sudeste, que podiam arcar com os preços elevados da mão-de-obra escrava. A título de ilustração, enquanto os escravos agrícolas representavam 54% da mão-de-obra escrava para o total do país, nas proví1�cias do Sudeste, esse per­centual era de quase 60%, contra 42% do verificado no Nordeste 1º 1 • Durante a década de 1880, com o acirramento da propaganda abolicio­n ista nos centros urbanos, esse E!Q_Ces_§.Q...ne...:nualizaçfü/'._dª _111ão-de-ob1·.� C) escrava se acelera�\�: Quanto ao estoque total de cativos, entre 1884 e 1887, este se reduz em 42% no conjunto do país, percentual que mesmo no Sudeste mostra-se expressivo, de 38% (Tabela 2) . Às vésperg� da�bolição, a escravi­dão existe de forma relevante �nas n��. J�ês_principa�s Pi:2'.'i.!lcias do Sugest1: e nas províncias nordestinas de �ahia e de Perna1��uco, as quais somadas abarcavam 80% dos escravos brasileiros (Tabela 2). Vale ressaltar que a mortalidi!de dos escravos foi o elemento que mais con-
==-='·--tribuiu para eliminar a escravidão. Tanto que o r��-i:_q�ês _de Olinch1 apostava na "solução demográfica" para o seu extermínio S!adt�al. Segundo suas palavras, "a morte era aliada da Íilie1·dadi'102.'De fato, a taxa de n�;;talidade mostrava-se_§ete vezes superior à taxa de alforria no município então pujante de Rio Claro 103 . E mesmo na província de Pernambuco, a mortalidade revelava-se mais imp-0rtante que as manumissões para a redução da população escrava 104. -:::--·- As fu.�s de esctavos, espe�ialmente nas províncias cafeeiras, cumpriram tambéni'um papel relevante para a redução da mão-de-obra cativa 1°5. Emer­giam quilonJggs_ 1e novo tipo, contando agora com o apoio de lideranças -----·- -----·---- ·- - --políticas, que agiam como instância intermediária entre os escravos autoli-bertados e a sociedade envolvente 106• 
1 O I Robert Conrad, op. cit ., 1978, p. 36 1 . 
102 Sidney Chalhoub, Machado de Assis historiador, Companhia das Letras, 2003, pp. 1,14-5. 
1 03 Warren Dean, op. cit., 1977, p. l 34. 
104 Peter Eisenberg, op. cit., 1989, pp. 40 e 43. 
1 05 No munic ípio de Rio Claro, entre l 885 e 1887, esse fator responderia por 1 0% da rcclu\·ão 
110 número de escravos registrados. Warren Dean, op. ê Í l ., 1 977, p. 1 40. 
106 Edua rdo Silva, ,1s a1111i'lias cio l.c/i/011 r II a /,oliçiio da cscrn1·r 1 1 1 1 ra: 11 1 1 1 1 1 i 1 1 1 1csrisnçt io d, · /,i,rá-
1 1 2 Alexandre de Freitas Barbosa 
Essa nova "flexibilidade" do trabalho escravo, em um cenário de indis­ponibilidade relativa de trabalhadores livres, travava o processo de expan­são econômica, até então vinculado a uma mão-de-obra "rígida". Nesse sen­tido, parece-nos que �\���- -�m_a relaç_ão contraditória ent_r� a_c:_!.��ão �i::.-��P���l- � E!:���!1_1o_e��ra:'o_,_2.potenciaLde..ex.pansão .da _eçQnomia cafeeira. / fgi antes reforçado pelo __ fün ___ �_lg �r�b�Iho escravo 1°7, do _q�-2._.!���sável 
r , ®-���� ��� -;;��- E;p;�i;imente para os -���p�:�sári�eicultores do ��st� paulista, a defesa do trabalho livre jamais signi�cou a negação radical da escravidão 106• Os fazendeiros por sua vez enfraquecidos ·e incapazes de manter a oferta de trabalho -até há pouco fixa e rigidamente determinada, mas que agora buscava o rumo das cidades ou se "vendia" para outros fazendeiros, rompendo a solida­riedade de classe - tentavam proteger os seus "ativos': estabelecendo contratos a prazo, numa espécie de auto-alf�;;i;·�--P-;��t�ç-����:·N�-- fü�nde d;TuÍ, 
�--'•·r-""- .... ... . w .. -•' _ ....... ........ � •• �·-- , ..... ..... _ ..... _.. �---· l. o , . •.. • , ... , ,"1'1'.-por exemplo, generalizaram-se os contratos de serviços entre ex-escravos e seus senhores com duração de um a �t!_�__a_q_o�1 1 º. Na província de Pernambuco, 40% dos escravos alforriados entre 1850 e 1888 estavam obrigados a "oferecer servi­ços" para seus antigos senhores por mais dois ou três anos1 1 1 • Não se tratava de fi lantropia, mas do último_recurso_disponível para man­ter a força de trabalho quase ex-escrava, dialogando com os sentimentos de 
,J .......... -·-·--·-··-·· - • -· ••• • •• .•• -···-·····--------·---recompensa e gratidão 1 12, longamente introjetados pelos cativos. As manumis-�-- ... ,,. ... ,_ .... ...... , __ � .. �- -· _ ... .,.,,.. ·--·-------·""' ----·---sões se transformariam em atos públicos, capazes de alavancar ao menos um 
ria wltural, Companhia das Letras, 2003 , p. 11. 
107 Um editorial de 1898, comemorativo da abolição, sintetiza essa hipótese da seguinte
forma: 
"a escravidão acabou-se porque o escravo não quis ser mais escravo". Ver Geórge Reid Andrews, 
Negros e brancos em São Pnulo (1888-1988), Edusc, 1 998, p. 74. Rui Barbosa foi o primeiro inte­
lectual a caracterizar a Abolição como uma conquista do próprio escravo e do movimento abo­
licionista. Eduardo Silva, op. cit., 2003, p. 3 1 . Joaquim Nabuco ressalta, além da mobilização dos 
escravos, cinco tipos de ações decisivas: a ação dos propagandistas abolicionistas, a ação coercitiva 
dos caifazes, a ação complementar cios propriet,lrios, dos estadistas e a própria ação dinástica. 
Joaquim Nabuco, Minha fonnnção, Topbooks, 1999, pp. 171 -2. 
108 lraci Galvão Sales, op. cit. , 1986, pp. 96-7. 
109 Warren Dean, op. cit., 1977, p. 1 34 . 
1 1 O Robert Conracl, op. cit., 1978, pp. 248-9. 
1 1 1 Petcr Eisenberg, op. cit., 1989, p. 42. 
J J 2 Stanley Stcin, op. cit., 1961, pp. 306-7. 
A formação do mercado de trabalho no B rasi l 1 1 3 
título nobiliárquico para os abolicionistas de última hora 1 1 3• Em 25 de feverei-
�----�- -·-· ·- - .. . -·-·---------ro de 1888, quando da comemoração do aniversário do fazendeiro?_.201.�!_iso e e1:!_lpresário Antônio Prado, foram libertados todos os escravos da cidade de São Paulo 1 14. O cronista Machado de Assis, no seu humor mordaz, assim sin­tetizaria a visão das elites do seu,tempo: "tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa dos seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; en­tendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar" 1 1 5• Simultaneamente ao processo de desescravização, desde a década de_J_870, presenciara-se uma nova alta do preço dos_escravo�, .s..emelhante à ocorrida ___ , __ . nos anos 1850 com a lei antitráfi.co 1 16• Mas agora a elevação aparecia desco-lada do movimento geral dos preços, inclusive do café. O preço do escravo saltaria de 1 :500$000 para se situar na faixa de 2 a 3 contos de réis, voltando a � cair somente a partir de 1882-1.883. Essa queda se aceleraria com �ibição definitiva do tráfico interno e em virtude da �2fl}ectativa de desvaloriz<!_Ç10 dos "ativos" 1 17, já que a escravidão estava com os seus dias contados. A perda de valor dos homens em propriedade, em um contexto de estoque de escravos em queda acentuada, transformou a_ind�Di.?,a.Sª9 nunJ.a.bandeira semfunda-
( '+ ,-,� .Q_) mento econômico 1 1 8• ---Como vimos, a escravidão parecia "fugir" das cidades. Por outro lado, no Nordeste, uma população negra/parda livre afluía pant os centros urbanos,, 
� -----·-·--- . .... ·- .. .. . . . . . . . . ... . . . . .. . . . . . . . . . .. . .. .. .... ' . . enquanto São Paulo e Rio de Janeiro já se beneficiavam de importantes con-tribuições das migrações internas 1 1 9• 
1 1 3 1àl como no caso de um fazendeiro da província do Rio de Janeiro, que após libertar seis­
centos escravos, recebeu o título de visconde. Beatriz Westin Cerqueira Leite, O senado nos anos 
finais do Império: 1 870- 1889, Editora do Senado Federal, 1 978, pp. 1 72-3. 
1 14 Eduardo Silva, op. cit., 2003, p. 41 . 
1 15 Ver crônica de Machado de Assis, de 19 de maio de 1888. Machado de Assis, Bons rlins! 
Crônicas (1888- 1889), Hucitec/Unicamp, 1 990, p. 62. 
1 1 6 No fim da década de 1 870, os preços dos escravos na província do Rio de Janeiro situavam-se 
a um nível quatro vezes maior que o verificado em 1850 . Peter Eisenberg, op. cit., 1 989, p. 38. 
1 1 7 Em ilia V iotti da Costa, op. cit., 1997, pp. 253-4. 
1 18 Thomas Merrick & Douglas Graham, op. cit., 198 1 , pp. 107-8. Mesmo assim, em 1890, já 
como ministro da Fazenda, Rui Barbosa teria que indeferir pedido ele indenização para os ex­
proprietários ele escravos. Edtwrdo Silva, op. c it., 2003, pp. 62-3. 
1 1 9 Jorge l:lahín, op. cit., 1 974, p. 124. Douglas Graham & Sérgio Buarque de Hobnda Filho, 
op. cit., 1 984, p. 26, acreditam que essa migraç,io para o período 1872- 1890 seria m uito prova­
velmente de brancos nordestinos. 
1 1 4 Alexandre de Fre i tas Barbosa 
Na car.!_��_!_90 Império, em .!&]..?, 58% da força de trabalho industrial era composta de i!:[iigrantes� m;t�d� dos artesãos e operários especial izados 
eram estrangejros 1 2 1 , o que denotava a existência precoce e localizada de um 
��-1:!:_ab�l_l2_��mas extremamentecS1:ependente do gas�o público e da renda gerada pelo capital mercantil aí sediado 1 22• Esse mercado de trabalho 
avant la let:tre d�strito Fede��prese�tava-s� sobremaneira hierarquizado: viviam de salário os poucos operários qual ificados e de honorários as classes 
r:--..;.,.,.,.. ••.• ��··· ........ . .... . - . .... . .... ., . . ...... ,_.... •. . médias 1 23, enquanto a ma.ssa da_ P?pulação geral111ente vivi_a_ç_\<:! _l;>_i _sc�tes, em uma situação de precariedade do emprego generalizada 1 2\ 
Portanto, o trabalhador l ivre ocupava os espaços abertos pelos mercados 
de trabalho fragmentados e isolados das cidades, onde os imigrantes estavam 
concentrados em setores específicos; ou estava vinculado ao regime de pe­
quena propriedade rural, presente em poucas regiões; ou então já era resul­
tado da incorporação assalariada de ex-escravos e trabalhadores nativos nas 
áreas rurais em regiões estagnadas e sem terras disponíveis, onde o salário era, 
quando muito, a máscara sob a qual se afirmava a imposição do quase-em­
pregador soberano. Em todos esses casos, apesar das substanciais diferenças, 
a demanda de trabalho era pouco dinâmica e não se incrementava mais rapi­
damente que a taxa de crescimento vegetativo. 
Outra seria a história do café no � de São Pªplo. Aqui, as várias alter­nativas para a solução da "fome de braços" revelariam o seu potencial l imi­
tado diante de uma demanda de trabalho altamente dinâmica, podendo ao 
máximo prorrogar o desfecho final: a imigração em massa, e subvencionada, 
de trabalhadores l ivres europeus, produzindo assim o mercado de trabalho 
possível e viável. 
120 Thomas Merrick & Douglas Graham, op. cit., l 98 1 , p. 1 03. 
1 2 1 )une 1- lahner, op. cit., 1 989, p. 33 . 
122 Wilson Cano, Ensaios sobre a formação eco11ô111ica regional do Brnsil, Editora da Unicamp, 
2002, pp. 54-5. 
123 Aluísio Azevedo narra de forma bastante elucidativa a negociação salarial entre João Ro­
mão, dono do cortiço e da pedreira aí localizada, e de Jerônimo, cavouquciro português espe­
cializado, que só assume o novo emprego por um sahírio de 70 mil-réis. Vale lembrar que o 
novo quase-assa lariado ,1luga a casa de João Romão e lhe compra a dJ 1nida. Aluísio Azevedo, 
np. cit., 1 965, pp. 55-63. 
1 2,1 J une l lahncr, op. cit., 1 989, pp. 30- 1 . 
A formação do mercado de trabalho no Brasil 1 1 5 Haviam sido gestadas as condições para uma transição suave: a título de ilustração, no ano da Abolição, ent rara�Q.E_1il i�Jgrantes, em comparação com os 107 mil escravos registrad�a província 125. Ou, em outros termos, tiveram os cafeicultores paulistas a �ili�ade de_imp3dir,umªJransform�ão �içá violenta po� me��-� UI:)_'.:.P._��-���1..?.0.�.Í.?.lJ:>,��-'!..�tr.aç�?-?.�. !:1.:1.ã?.�?.�-<>-�!:�\ 1 necessária 126• Os trabalhadores imigrantes já apareciam como negociantes de sua for-ça de trabalho. Como chegavam desendividados, dispunham de uma mobi-. -�·;-··-- -!idade inexistente quando do regime de parceria. Eram impelidos_a vender �a força de tra�alho, único bem que possuíam. Presenciava-se então uma intensa rotatividade, transferindo-se esses trabalhadores das fazendas mais antigas para as mais rentáveis, ou imbuídos da aspiração de transformar a sua poupança em capital, migravam para as cidades, estabelecendo seus pequenos negócios. Em síntese, a mão-de-obra "importada" mostrava-se abundante, enquanto 
as condições de trabalho eram negociadas, podendo inclusive se obter contra­tos melhores a partir da rede de parentes e de anúncios de jornal 127• A Hos�_da­ria dos Imigrantes alojava o imigrante por um período de quatro a oito dias, até que este "acertasse", a venda da sua força de trabalho. Funcionava
como o locus � un�_q_we n:exc.�_ç_l.9 de t_1?baQ10. lssof º!.9.1:.!� 9_l�_d?.''.Jrá.fic�)". pern1_an�c�- � ... \ \<,,._,' se processo de importação de força de trabalho. Os imigrantes pernoitavam em '�,J,)..'\ . .tr dormitórios, que por vezes abarcavam seiscentas pessoas, sujeitos a doenças e )ç'�}<'· l-' sob vigilância policial, pois o Estado atuava como um "Super-Gato" 128, finan- oP </'0,,.._ · ciando a disponibilidade de trabalho alheio. (_��,�,, J.i Cumpre ressaltar qu&;s vári�� - núcleos coloniais, regime de parceria, tráfico inter-regional de escravos, inovações tecnológicas, imigra­ção subvencionada e Abolição -� constituíram como componentes �e . uma seqü�1eia lógica que anunciasse a construção inevitável do mercado de trabalho. Diga-se, aliás, que S�JS�a�leciam_a_penfili os pJin1eirQS-P..ll��9.!. um longo proc���o - dinâmico, imprevisível e repleto de percalços - até que 
1 25 Lúcio Kowarick, op. cit., 1 994, p. 86. 
1 26 Florcstan Fernandes, op. cil., 1 978, p. 42. 
1 27 W,irrcn Dean, op. cit., 1 977, p. 1 6' 1 . 
1 28 Luiz Fel ipe de A lcncastro, "A pré-r,'voluç�o de 30", in: Novo; Est11dos Ccl,rnp, 11. 1 8, setc111-
bro de 1 987, pp. 1 8-20. 
1 1 6 Alexandre de Freitas Barbosa 
a consolidação desse mercado fosse viabil izada a partir da produção e repro­dução interna da força de trabalho 1 29• Muitas dessas opções.e!:am inclusiv�traditórias e� Não estavam dadas a priori nem refletiram uma necessidade histórica, principalmente se levarmos em conta que as várias províncias seguiram trajetórias distintas, motivadas por percepções e situações socioeconômicas próprias. Além disso, os interesses das elites dominantes não se revelavam coincidentes, nem havia plena consciência sobre as vantagens e desvantagens econômicas dos vários caminhos possíveis 1 30• Em outras palavras, a construção ·�-'= -�� mercado de trabalhq, ainda incom­pleto e fragmentado regionalmente,"!��? .. resultou de urna decisão _p;:ivada, coe­rente e voltada para a elevação dos ganhos de produtividade por parte dos novos 
f quase-empregadores, aparecendo antes como qecorrência ik.lliU.�Q.njunto de ações d�as - e. ndossii_das pelo Estado.= no-sentido..de-a6Wgtii:a.i:-a-een-tinui, ,<Oi dade e a rentabtJ:iq&de .. dos.seus. .empr.eeudü:p$.ntos econômicos 1 3 1 • � ....... . - .-· ·�--··- ·· . ---.. ·--�---.� Nesse sentido, a Leije Ter�s de 1850 - que restringiu o acesso a terras por meio do seu encarecimento-, a regulamentação da mão-de-obra escrava - Leis do Vegre Livre (1871) e do SS$agenário (1885) - o controle sobre a mão­de-obra livre (por meio da Lei _g,e Locação de Serviços de 1879), além das leis provinciais relacionadas às diversas modalidades de subsídio à imigração, foram engendrando modos peculiares de i nserção �_mercado de trabalho emergent .. �_.12-ª!ª-2.?._ vários _gruQ_Q§_.m.ciais :-- ex-escravos, antigos l ibertos, imi­grantes e t@b.albadores livre�-��i�onformavam uma '� <letritári(�....::...Q!!Q.<?_.Pjna�:��nte n:gra e mul�ta,�ora engrossada tam­�Df2U.����=-que se tornaria aliciável para as fainas sequiosas de mão-de-obra no campo e nas cidades, a partir de um modelo estrutural de repressão_ do trabalho não radicalmente difere�e do que prevalecera nos_ li'.D1J2.0S .. de. escraviqãp_,___� 
129 A produção de força de trabalho é definida pela liberação das pessoas inseridas em ou­
tros modos de produção e relações sociais , enquanto a sua reprodução depende ela reposição 
corrente e intcrgeneracional desses i ndivíduos que vivem ela vencia de sua força de trabalho ao 
capital. Paul Singer, op. cit., 1977, iJ. 1 12. 
J 30 Fernando Henrique Cardoso, op. cit. , 1962, iJiJ · 2 10-1. 
131 1 raci Calv,lo Sales, op. cit. , 1986, p. 1 03. 
J 32 Darc)' Ribe i ro, op. cit . , 1995, iJ. 2 .13. 
A formação do mercado de trabalho no Brasi l 1 1 7 
Leis de terras, desescravização, 
locação de serviços e de subvenção aos imigrantes 
Vejamos agora com mais detalhe o papel do Estado e das elites na elabons., ção dos regulamentos juríd� qt1e deram forma a esse processo de construção paulatina de um mercado de trabalho, procurando elucidar a sua natureza con­ceituai e histórica. Primeiro, acompanhamos a regulação e o disciplinamento do trabalho escravo, pós-tráfico, ou melhor, o processo de de��:'.l�_ç�o, e depois os parâmetros estabelecidos para a emergência do trabalho livre antes da sua ge­neralização. Cumpre ressaltar que essas duas faces da me;ma moeda, separadas analiticamente, confundem-se no tempo histórico 133• Faz-se importante, antes de qualquer coisa, frisar o papel relevante para a construção do mercado de trabalho no Brasil, ainda que insuficiente, desem­penhado pela aprovação da Lei de Terras, de 1 850, não por acaso decretada 
�e· :S: catorze dias após a extinção do tráfico 1 3\ Promovia-se então uma reavalia-ção conjunta das políticas de terra e trabalho 1 35, tornando-as mais coerentes com o desenvol��to do mercado, que na segunda metade do século XIX se aproveitaria do aperfeiçoamento e da expansão dos meios de transporte, do auge cafeeiro, da urbanização, do crescimento populacional e da expan­são da pequena indústria. Enquadra-se perfeitamente nesse marco geral a publicação, também _ _1:�.J.8-?.9...1-22 .. Ç9.9j_g�. Ç_����!.�.i�, que regulamentava as sociedades anônimas 136, permitindo o desafogQ_99..?. capitais <::D�1Y.!d� . .DO tráfico negreiro. 
133 Segundo 'famás Szmerecsányi, op. ci t . , 1998, pp. 29-30, a abolição do escravismo e o esta­
belec imento do regime de trabalho l ivre no Urasil não foram eventos singulares e consecutivos 
entre si. Para o autor, "é importante nunca esquecer que o ritmo e intensidade da Aboliç.ão 
dependeram da velocidade e da abrangência da implantação do trabalho l ivre, e vice-versa". 
l 34 O primeiro projeto de Lei de Terras foi aprovado pelo Conselho de Estado em J 843, tendo 
ficado "estacionado" no Senado entre 1844 e 1 848, quando sofreu alterações, dentre as quais 
aquela que eliminou o imposto territorial, para voltar à Câmara e ser voltado e aprovado cm 1 8 
d e setembro de 1 850. A lei seria fimlmente reg11lamentada em 1854. Paulo Roberto d e Almeida, 
op. cit., 2001, pp. 357-60. 
1 35 Apesar de ferir alguns inlercs,cs imediatistas de oligarquias regionais, procurava-se "pro­
mover um progressivo clcslocamrnto da import5ncia cio monopólio de n1ãn-dc-nbra para o 
monopólio ela terra". ll imr Rohlo i 'I de Mattos, op. cit., 2004, pp. 102-3. 
136 José Murilo de Carvalho, op. , 1 1 . , 1 988, pp. 18-9. 
1 1 8 Alexandre de Freitas Barbosa 
Em real idade, essa coincidência de leis em um mesmo ano 1 37 - às quais se eleve agregar a @2!.XD.a_çent.raljz_adora da Guarda Nç1_ciQD.ill, especialmen­te num contexto ele necessidade de manutenção da ordem social pós-tráfico - estava vinculada ao processo mais amplo de "legitimação da Coroa perante as forças dominantes do país", que culminaria com a conformação de um "ministério solidamente conservador" em 1848 138• Aliás, antes disso, em 184 1 , arefÕmÍa-ju'di�iárf; já.indicara passo importante rumo a uma maior inde­pendência relativa do poder público, com a substituição dos juízes de paz, nomeados localmente, pelos magistrados profissionais 1 39• O que parecia pautar a nova classe senhorial, atuando a partir da Coroa, era a necessidade de manter a ordem, garantindo a continuidade das relações sociais e assegurando a força dos monopólios. Preocupavam, sobretudo, as insurreições negras, os levantes da plebe urbana e os conflitos entre grandes proprietários e posseiros nas áreas de fronteira 1·10• Todavia, ambas as t�ansições - para os mercados de terras e de trabalho - como veremos, foram lentas e paulati!1as, experimentando no caminho embates entre interesses por vezes contraditórios. De fato, esse novo marco jurídico seria crescentemente adaptado e reinterpretado ao sabor dos interes­ses econômicos. Ou seja, se as leis não foram impostas pelo capital, ainda em processo de consolidação, elas seriam redefinidas pela sua crescente penetra­ção na economia
brasileira, sobretudo na paulista. Segundo a Lei n. 601 de 1850, a aquisição de terras somente poderia ser rea­lizada por meio de sua ç.9..mi:m1, proibindo em tese as modalidades então tradi-"----·---·-----·-·- ··-··· -- -- .. cionais, como a posse ou a doação 1 4 1 • As ocupações ou doações, anteriores à lei, poderiam ser validadas desde que as terras fossem demarcadas e os impostos 
1 37 Essa "febre intensa por reformas" envolveria também o período 185 1 a 1 855, quando é 
fundado o segundo Banco do Brasil e inicia-se a implantação da primeira linha telegráfica e 
ferroviária do país. 1ais transformações, no dizer de Sérgio Buarque de Holanda, op. cit., 1973, 
p. 42, "levariam logicamente a uma liquidação mais ou menos nípida da nossa velha herança 
rural e colonial, ou seja, da riqueza que se funda no emprego do braço escravo e na exploração 
extensiva e perdulária das terras de lavoura". 
138 José Murilo de Carvalho, op. cit . , 1 988, pp. l 1-21. 
139 George Rcid Andrews, op. cit., l 998, pp. 66-7. 
140 l imar Rohloff de Mattos, op. c i t ., 2004, pp. 82-4, 293-'i. 
1 4 1 A Resoluç·Jo de 17 de julho de 1822 havia ext inguido o regime de sesmar ias, mas não 
ins t i tu iu nada cm seu lugar, permit indo a generalizaç:io da ocupação de terras. J\ldair Lando & 
Eliane: Ba rro,, op. cit., 1980, pp. 37-40. 
A formação do mercado de trabalho no Brasil 
1 1 9 correspondentes pagos. Os recursos angariados com a veiida das t . . ' , e1 ras senan1 utilizados para finai���r.? Íl:1P5:>.rt-ªç}iQ d� _ÇQlQnQs l ivr.e_s; Ou seja, a terra, em vez de fonte de prestígio social, deveria ser tratada como mercadoria, da mesma forma que a força de trabalho, com a Abolição, ao menos em tese, passaria a ser negociada no mercado 142• Em tes�, porque tanto em um caso como no outro, o espaço para o não-mercado manteria-se consideravelmente avantajado. Percebia-se, destarte, a l)ecessidade de r�J.arizar a prQR!:�edad_!: da ter­ra, que nos trinta anos anteriores, ha_via sido incorporada exclusivamente por meio da ocupação. Com o intuito de mobilizar força de trabalho dispo­nível para a grande produção, havia que se �- a ocu�ão genera�da, restringindo a aquisição de novas terras - as terras não utilizadas ou ocupa­das retornariam ao Estado - e cobrando pelas mesmas um preço elevado. O Governo Imperial fixou, a partir do artigo 14 da lei, um _rreço mínimo, aci­ma do cobrado das terras particulares 1 43, devendo o pagamento ser à vista. Como ressalta Emilia Viotti da Costa, agorn )_!ei:r� .P.'?.sl�ri?_ §ei,: _obJid<J_p.o.r. qualquer pessoa c_C!.:!1..5��t�_s-�-��.:.1:��:144_ Como conseqüência, seriam e�..::. () priados os pe�e-�-��J?!�P!i�!�r��s e expulsos ?� a�Tendatários e meeiros, impon- � do aos imigrantes a condição de proletários rurais, a não ser que os governos provinciais se dispusessem a financiar a aquisição de pequenos lotes de terra. Num primeiro momento, a lei pretenderia agradar a "gregos e troianos": � . -------··" . .. . . . . .. - ·-· de um lado, priorizando a imigração espontânea, por meio da venda de terras devolutas a colonos, e de outro, promovendo a vinda de imigrantes subsidia­dos para os grandes fazendeiros 145• Entretanto, a eficácia da lei _seria restrita, já que o serviço de demarca­ção de terras devolutas não acompanharia o ritmo de ocupação efetiva. Em 18� o ministro da Agricultura admitiria que as terras públicas _continuavam = ---sendo invadidas, enquanto as sesmarias e posses permaneciam sem valida-- . . . �· " . -ção e legitimação 146• Dessa forma, os recursos para a imigração minguaram, pois não se queria socializar os prejuízos - ao menos no âmbito do governo 
142 Emitia Viotti da Costa, op. cit., 1999, pp. 171-2. 
143 Brasílio Sallum Jr., Capitalis1110 e rnfeiwlt11ra, Livraria Duas Cidades, 1 982, p. 1 5. 
144 Emitia Viotti da Costa, op. cit., 1999, pp. 172, 1 76-7. 
145 Ligia Osorio Si lva, "Tavares llastos e a questão agr.íria no Império", in: /-/istória cco11ô111irn 
& história das w,prcsas, n. l, 1998, p. 1 1 . 
1�6 José lvlurilo d e Carvalho, op. c i t . , 1 988, p. 95. 
1 20 Alexandre de Freitas Barbosa 
imperial - para benefício exclusivo de uma facção dos fazendeiros, os mais necessitados de braços 147• Ou então poderíamos aventar outra hípótese mais plausível: o não-cum­primento da lei revelaria a sua eficácia para um determinado tipo de capital em fase de expansão. Como� defi.nição de tena5. dey2!1:1_t.?_5-. �!_5!�:'..� por ex­
)_��s!�'- ª. _r.7�i�tê_!l�i_a_ �- -�-e11.!��':�ção . d.� · t�r;�s p�Íos f?zendeitQ/L tHY-ªY�;d()_?. (P-rocesso 148• O setor privado adiantava-se à regulação pública. Nesse contexto, a �upação de terras continuava por. meio da �' que cumpria o papel de legaü�;; a propriedade ·d�· te;�;-�-�tes" 'de.Úa·n�má-la em mercadoria 119. Fundamental para esse propósito foi eliminar do pro.k!:9. original _ de _184�, vado na Câmara, 9 imposto territorial e �..rerda da p�()priedade_par� 1:_ n_ãO a registr��e_dentrndo praz9 lSO. A indústria de falsificação dos. títulos __ de_ propriedade implicava custos ín-fi�--relaçã;--;;- valor potencial das terras; ·��;··inacessíveis - e isso era o que importava - aos trabalhadores sem recursos, especialmente os imigrantes. A fazenda, até então apenas "trabalho escravo acumulado", passaria a ter valor, podendo a terra servir de contrapartida ao crédito hipotecário. Aos poucos, encontrava-se uma alternativa não só ao escravo como fonte de trabalho, mas também ao seu papel como fonte de capital de custeio 1 5 1 • Ao final, � idéias ,y9kefieldianas152 predotpi_!l���!r.! .... s.()���-()-i ,d_e�l ... i� "embra.!!.ÇJ_JJ.ecimento" J_.lQ{ P.�i.9 __ g.'!_pequena p�J?E!���d-�. Daí a insistência de Tavm:es Bastos em manter pontos do projeto original, com� o imposto territori�l, a pen�são de cessão gratuita de terras, além de uma escala móvel de preços, para se concorrer com as vantagens competitivas dos Estados Unidos, que se tornariam ainda mais notáveis com o Homestead 
'Act, de 1862, estimulando uma imigração de outro tipo 1 53• 
1 47 Ibidem, p. 100. 
148 Ligia Osorio Silva, op. cit., 1998, pp. 1 2-3. 
149 Brasílio Sallum Jr., op. cit., 1 982, pp. 1 7-20. 
150 José Murilo de Carvalho, op. cit., 1988, p. 93. 
1 51 José de Souza Martins, op. cit. , 1 990, pp. 25, 29-34. 
1 52 Segundo a descrição de Marx, o método de Wakefield formulado para o uso de "países co­
loniais", ao estabelecer "um preço suficiente da terra", "criava capital" para o "senhor capitalista" 
<JUC atraía novos imigrantes é trabalhadores, até <JUC estes pagassem o "resgate" parn se retirar 
do mercado de trabalho ass,i lariado, permitindo o retorno ao início da espiral. Karl Marx, op. 
cit., 1 988, livro p!· imeiro, v. 2, p. 29 1 . 
153 Ligi:1 Osorio Silva, up. c i t . , 1 998, pp. 16-7. 
A formação do mercado de trabalho no Brasil 1 2 1 
Ao se limitar o acesso à prop1i<:9ad� d�_terra,]ib,ertªva-se. o .gr.ande iaze1J.c ( l' Gv· . ,l <leira da necessidade de apropriação da pessoa d? _trnbalhado,r- O capital, por IJY'"lt-.r\� sua vez, passava a se �i���i1;;Iiêrr;·que, rest�ita·, lhe assegurava a sujeição do trabalho. Terra cuja apropriação ilegal seria subvencionada pelo poder públi-co para fins de acumulação de �apita], tal como a criação do trabalho livre, como veremos adiante. Logo: a Lei de Terras, em vez de estabelecer uma linha divisória entre o ·----.. ··---·--·----·--------·--·-�-·-··-.. ·--·--····· ····· �·-· . , . . .. .. ,., ... ,. domínio público e o privado, permitiu __ legalizar _1rn. ..p.rá1ica . .a. s.ituaç.ã.o .. d.9.� novos latifúnd_��s1 5' \ além de tornar proibitiva a _füJW1ª_o_ de _t�rr�spelos pequenos posseiros. Essa lógica tornaria-se ainda mais poderosa na Pri--=--meira Re�lica, quando a política �.gE�.!:Í.? fü:a_�i<1 _sob resp91:!_sabilidade �-?S estados, os quais veriam suas terras devolutas escassearem com a expansão ----- -do setor privado através da posse ou da obtenção de títulos ilegais de pro-priedade. Nesse ínterim, um mar de terras devolutas ficava à disposição, espe­cialmente

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