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Deveres Conjugais

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O casamento, na forma em que o conhecemos em nossa civilização ocidental, teve seu contorno delineado sob forte influência da Igreja Católica.
Acabou por prevalecer o entendimento eclesiástico de que o casamento monogâmico era uma forma de controlar os desejos da carne e seus consequentes pecados, evitando a concupiscência, ou seja, o desejo sexual descontrolado, a lascívia. O comprometimento mútuo entre homem e mulher, celebrado sob a bênção de Deus, tornou o sexo um instrumento conjugal para atingir o crescimento da família através da prole.
Com a instituição do casamento surgiram também direitos e deveres para os cônjuges e, novamente sob a influência da Igreja, surgiu o poder-dever do débito conjugal, o qual pode ser entendido como uma obrigação dos cônjuges satisfazerem o desejo sexual um do outro, o “direito-dever do marido e de sua mulher de realizarem entre si o ato sexual”. Maria Helena Diniz, ao tratar da vida em comum no âmbito do casamento, afirma que “o casamento requer a coabitação, que é o estado de pessoas de sexo diferente que vivem juntas na mesma casa, convivendo sexualmente”.[1: CHAVES, Antônio. Lições de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, v. 2, p. 11-13.][2: DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1098.]
No Direito Civil Brasileiro, o dever ao débito conjugal não está expresso, mas pode ser depreendido do artigo 1.566, II, o qual dispõe:
“Artigo 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
II – vida em comum, no domicílio conjugal [...]”
A “vida em comum no domicílio conjugal” é também conhecida como o “dever de coabitação”, dentro do qual está inserido o dever ao débito conjugal.
Ainda que não constitua a essência do casamento, posto que é possível o casamento entre pessoas idosas, de quem não se pode exigir o debitum conjugale, parte considerável da jurisprudência e muitos doutrinadores de Direito de Família consideram que a recusa injustificada à satisfação dessa obrigação pode levar à separação conjugal. Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira posiciona-se da forma mais conservadora:
“[...] a recusa ‘injustificada’ à satisfação do ‘débito conjugal’, como descumprimento do dever de coabitação, pode fundamentar a separação sob o qualificativo de violação dos deveres do casamento ou ruptura da vida em comum posto que não encontre na lei cominação específica”.[3: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: volume V – direito de família. 23ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.]
Desta forma, verificando que grande parte da doutrina civilista brasileira entende que o débito conjugal é um dever/prestação contraído quando do matrimônio e, por isso, deve ser exigido dos cônjuges de forma recíproca, temos que o débito conjugal, independentemente das perspectivas sociais, ainda é um dever conjugal tutelado juridicamente, o qual está integrado no microssistema das normas matrimoniais de nosso sistema.
Acerca do entendimento jurisprudencial:
APELAÇÃO. ANULAÇÃO DE CASAMENTO. ERRO ESSENCIAL EM RELAÇÃO A PESSOA DO CÔNJUGE. OCORRÊNCIA. A existência de relacionamento sexual entre cônjuges é normal no casamento. É o esperado, o previsível. O sexo dentro do casamento faz parte dos usos e costumes tradicionais em nossa sociedade. Quem casa tem uma lícita, legítima e justa expectativa de que, após o casamento, manterá conjunção carnal com o cônjuge. Quando o outro cônjuge não tem e nunca teve intenção de manter conjunção carnal após o casamento, mas não informa e nem exterioriza essa intenção antes da celebração do matrimônio, ocorre uma desarrazoada frustração de uma legítima expectativa. O fato de que o cônjuge desconhecia completamente que, após o casamento, não obteria do outro cônjuge anuência para realização de conjunção carnal demonstra a ocorrência de erro essencial. E isso autoriza a anulação do casamento. DERAM PROVIMENTO. (SEGREDO DE JUSTIÇA). (TJRS - Apelação Cível Nº 70016807315, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui Portanova, Julgado em 23/11/2006).
Vagner Leal de Sousa
Acadêmico de Direito

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