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I
BIBLIOTECA DE CIeNCIAS SOCIAIS~. " +. 1
:1 ,.JSOCIOLOGIA JJ j <
DA V~·Clt}fi ~
BUROCRACIA
Organizafão, introdufão e tradufão de
EDMUNDO CAMPOS
Quarta edição
*
Para referência bibliográfica adicional, ver no final do volume
uma lista dos demais livros disponíveis nesta e em outras
séries correlatás publicadas pela ZAHAR.
II
I j;
ZAHAR EDITORES
RJO DE JANEIRO
capa de
ERrco
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1978
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·INDICE
INTRODUÇÃO .• ,! • • • • • . • • • • • . • • . • • • • . • • • • • • • • • • • • . • 7
tos FUNDAMENTOS DA ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTICA: UMA ___
CoNSTRUÇÃO OO:npO- IDEAL -=Max Weber ...... 15
O CONCEITO DE BUROCRACIA: UMA CONTRIBUIÇÃO EMPi-
RICA - RJchard H. Ha/I ........................ 29
"BUROCRACIA" B "RACIONALIDADE" NA TEORIA WEBERlANA
DA ORGANIZAÇÃO: UM ESTUDO EMPjRICO - S/antey H.
Uáy, 'r. 48.......................................
1)Q da
>.-cONFLITOS. NA TEORIA DE WEBER - Alvin JJV. Goutdner 59
O EFEITO DO TAMANHO SOBRE A ESTRUTURA INTER,NA DAS
ORGANIZAÇÕES - Freáeric W. Terrien e DonaM L.
Mith ........................................... 68
O CoNCEITO DE SISTEMA DE AUTORIDADE - Teret1ce K.
HopkinI ....................................... . 75
BUROCRACIA, BUROCRATIZAÇÃO E DESBUROCRATIZAÇÃO
S. N. EiIemt'adt ................................ . 81
COQPTAÇÃO: UM MECANISMO PARA A ESTABILIDADE ORGA
NIZACIONAL - Philip Selznick ................... . 9~
14 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
gações empíricas sobre o mesmo tema. ]j este o caso dos tra
balhos de Udy e HaU que combinados com a análise webe
riana completam-se na caracterização da burocracia. Da mes
ma forma, o estudo de caso apresentado por Selznick exem
plifica empuicamente ó texto de Eisenstadt sobre a interação
entre organizações burocráticas e sociedade. O trabalho de
Hopkins tem a vantagem de tentar a combinação das pers
pectivas de Weber e Chester Barnard - ambas clássicas
sobre os sistemas de autoridade, sem perda de sua originali
dade. Terrien e Mills comprovam de maneira objetiva a in
fluência da variável. "dimensão organizacional" sobre O grau
de burocratização, medido pelo tamanho do componente ad
ministrativo. Se comparado ao. texto de HaU - onde a in
fluência dessa variável mostra-se mínima - o trabalho de
ambos sugere uma das orientações que devem seguir a teoria
e pesquisa organizacionais: a determinação dãs situações pre
• ,. -1'. "";~"Al ~~~ional--- se--correlacinna-- ----~.ctsaS---em ---que--C~-V~n_'l _-O.....IL~"''-,
positiva ou negativamente, com c~da uma das demais. Final
mente, o. texto _de Blau, pela ma.nelCa clara com. que I apresenta
certas onentaçoes a serem segUidas pela pes.quls~, e d~ gr~n-
de importância para os que pretendem reahzar mvesbgaçoes
empíricas.
Outros textos e autores da maior importância - Par
sons, Simon, Argyris etc. - não puderam ser selecionados;
de maneira geral os trabalhos eram muitos extensos e sua
reprodução parcial prejudicaria a compreensão.
Apesar de todas as deficiências, esperamos que a publi
ca~ã~ desta coletânea venha atender satisfatoriamente os
objetivos propostos.
EDMUNDO CAMPO~
OS FUNDAMENTOS DA ORGANIZAÇAO
BUROCRÁTICA: UMA CONSTRUÇAO
DO TIPO IDEAL·
MAX WEBER.
'A
. _. El:ETIVIJ)J'U)E D.<\ A:l.J,!?RD1A~E. le~al descansa .na
- --~-aceItaçao---davatiâez das seguintes Idéias mter<lependentes.
.
1Y Que toda norma legal ~de ser estabelecida por
acordo ou imposição, visando a fins utilitários ou valores ta
donais _ ou ambos. A norma estabelecida pretende obe
diência, pelo menos dos membros da organização, mas, nor
malmente, inclui todas as pessoas dentro da esfera da au~o-
ridade ou poder em questão - que no caso de associações
territoriais é a área territorial - desde que estejam em de
terminada relação social ou executem formas de ação social
que, dentro das ordenàções da associação, sejam considera
das importantes.
2) Que todo Direito consiste, essencialmente, num si5
tema integrado de normas abstratas: Ademais, a adminis
traç.ão da lei consiste na aplicação dessas normas a casos.
. * Trad.uzido de uThe Esselltials of Bureaucratic OrgaDizatioll: 81l
ldeal-Type CollStruCtiOO", em Robert K. Mertoll et ai .. Reader in Bu
reaucracg (Glencoe, IDinols: Free Press. 1963). págs. 18-27.
16 SocIOLOGIA DA BUROCRACIA Os FUNDAMENTOS DA ORGANIZAÇÃO BUllOCRÁTICA 17
parti.culares. O· process.o. administrativo é ~ busca rac~on..al p~a desempenho das funções; t) definição clara dos instru
dos mteresses -. e;;peclÍ1cados ?as ordenaçoes ~a assocI~çao mentos necessários de coerção e limitação de seu uso a con
-_ dentro ?o~ l..mltes esta~lecldos pelos preceItos legaiS e dições definidas. Uma unidade organizada de tal forma que
segundo prmclplos suscetíveIs de formulaçao geral - apro- nO exercido da autoridade será denominada ó,gão adminis
vados pelas ordenações da associação ou, pelo menos, não ',ativo.
. desaprovados por elas, . Neste sentido, órgãos administrativos existem em orga
3) Que, assim, a pessoa que representa tipicamente a nizações privadas de grande envergadura, em partidos e
autoridade ocupa um "cargo", Na atividade específica de seu exércitos, no Estado e na Igreja. Um presidente eleito, um
.stattls, que inclui a 'atividade de mando, está subardinada a gabinete de ministros ou um órgão colegiado também consti
uma ordem impessoal para a qual se orientam suas ações. tuem, neste sentido, órgãos administrativos. Contudo, não é
1550 é verdadeiro não apenas para os que exercem a autori- este o lugar para a discussão desses conceitos; Nem todo órgão
dade legal inscrita no conceito usual de "funcionários", mas, administrativo é provido de poder coercitivo, Mas esta res
por exemplo, para o presidente eleito de um Estado. salva não apresenta importância para os propósitos de agora.
4) Que a pessoa que obedece à autoridade o faz, como 3) A organização dos cargos obedece ao princípio da
é usualmente estabelecido, apenas na qualidade de "mem. hierarquia: ca~a cargo inferior está sob o controle e super
____.____u1>!o'~_<lªuassociaçªQ, O que..LOOedecido é "aJei:...Neste sen.. ---- _Yisão_ do superior--Háo.udireito de apelação e exposição--de--- --
tido a pessoa pode ser membro de uma comunidade territo- queixas dos inferiores aos superiores. As hierarquias diferem
rial, de uma Igreja ou cidadão de um Estado. com respeito a se, e em que casos, as queixas podem levar a
. . um pronunciamento de uma autoridade superior, se as alte
, ) De conf?r~ldade com o pon~ 3, se,gue-se que os rações são impostas por ela ou, pelo contrário, se a responsa
membros d8; aS~laçao, e~quanto _obedle~:es .aquele que re- bilidade por tais alterações é deixada à instlncia inferior
presenta a autondade, nao devem obedlencla a de co.r:n0 cuj conduta foi o objeto d uei a
individuo, mas à ordem impessoal. Conseqüentemente, há um a a q x. .
dever de obediência apenas dentro da esfera racionalmente 4) As normas que regulam o exerdclo de um cargo
delimitada de autoridade que, em termos de ordem, lhe foi podem ser. reg!as técnicas ou normas.1 Em a~bos os casos,
conferida. se sua apbcaçao pretende ser plenamente raCional, torna-se
.. . . . . imprescindível a especialização. Assim, admite-se que somen
Pode-se CItar, poiS, como categonas fundamentais da te está l'f' daa b d . d dm" tr t'
'd d ' I I I qua I lca p ra mem ro o qua ro a mls a IVO
auton a e raCiona ega: d . . . - ,. d' - de uma assoclaçao e, consequentemente, em con IÇOes e no-
I) Uma organização contínua de cargos, delimitados meação pata funções oficiais, a pessoa que demonstrar pre
por normas.
t Nota da ecllç.o americana - Weber nlo explica esta dlstinçAo.2) Uma área específica de competência. Isso implica: Por uma ':regra !écnlca" ele entende. provavelmente. um CUrso prescrito
de açAo que visa. principalmente. à eficiência na execuçlo de funçõesd) uma esfera de obrigações no desempenho das funções, imect.atas. P9r~ u~rmas" ele entende. provavelmente. regras que norteiam diferenciadas como parte de uma sistemática divisão do tra a,~~ndutaém oútroa terrenos que 010 o da eficiência, Evidentemente.
balho; b) atribuição ao responsável da necessária autoridade ~11l 'certo sentido todas as regras do normas enquanto prescrições para
a conduta. sendo problemática a conformidade a elas (Parsons).
19 18 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
paro técnico adequado. O quadro administrativo de uma as·
sociação racional consiste pois, tipicamente, em "funcioná
rios", esteja a organização voltada para fins polfticos, reli
giosos, econômicos - em particular, capitalistas - ou
outras.
5) No tipo racional é questão de principio que os
membros do quadro administrativo"devam estar completa
mente separados da propriedade dos meios de produção e
administração. Funcionários, empregados, trabalhadores vin
culados ao quadro administrativo, não fazem seus os meios
materiais de produção e administração. Estes são fornecidos
em espécie ou em dinheiro, e o funcionário é obrigado a
prestar contas. Além disso, existe, em princípio, completa
separação entre a propriedade da organização, que é contro
lada dentro da esfera do cargo, e a propriedade pessoal do
funcionário, ~cessível ao seu uso~rivado. Existe uma se a-
ração correspondente entre o lugar onde são executadas as
funções oficiais, o hureau, e o domicílio.
• • ,', A •
. ~) ~ No tipo raclOnal ha tambem compl.eta au~e~cl~ d:
apreClaçao do cargo pelo ocupan~e., Onde eXIstem dueltos
ao cargo - como no caso dos JUizes e, atualmente, no de
- d f . ,. b Ih
uma crescente p~oporçao e unClo~a~los e mesmo. tr~ a a
dores - eles nao servem ao proposlto de aproprlaçao por
. ,. d . , pa~te. do f~nC1onano, mas ao e garantu o carater puramente
ob}ettvo e lOdependente da ~onduta no cargo, de modo a ser
onentada pelas normas pertlOentes.
7) Atos administrativos, decisões, normas, são formu
lados e registrados em documentos,.. mesmo nos casos em que
a discussão oral é a regra ou mesmo prescrita. Isto aplica-se,
pelo mehos, às discussões preliminares e propostas, decisões
finais e toda sorte de ordens. A combinação de documentos
com uma organização continua de funções constitui o bllf'eau,
que é o núcleo de todos os tipos de atividade moderna das
associações.
Os FUNDAMnITOS DA ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTICA
8) A autoridade legal pode ser exercida dentro de
uma ampla variedade de formas diferentes que serão distin
guidas e discutidas mais tarde. A. análise seguinte será, delí
beradamente, limitada em grande parte ao aspecto da domi
nação na estrutura do quadro administrativo. Consistirá em
uma an~lise, em térmos de tipo ideal, do funcionalismo ou
hllf'OCf'tlCltI.
Nos princípios gerais acima mencionados não se fêz
referência à espécie de autoridade suprema apropriada a um
sistema de autoridade legal. Isso é conseqüência de certas
considerações que somente podem ser inteiramente compre
ensíveis numa etapa posterior da análise. Existem vários
tipos importantes de dominação que, em função da autori
dade suprema, pertencem a outras categorias. ~ este o caso
do tipo carismático-hereditário exemplificado nas monar
quiasbereditárias edo tipo carismático puro de um presi
ente escollliâO:por plebiscito. Outros casos envolvem ele:
mentos racionais em pontos importantes, mas são compostos
pela combinação de componentes burocráticos e carismáticos
como no caso de um governo de gabinete. Outros ainda
estão sujeitos à autoridade do chefe carismático ou burocrá
tico de outras associações. Assim o chefe nor I d
' ma e umdepartamento governamental num regime parlamentar pode
ser um ministro que ocupa tal posição devido à s a to ._ua u rt
dade dentro de um partido. O tipo de quadro administra
tivo racional legal é suscetível de aplicação a todas as es
pécies de situações e contextos. :B o mais importante meca
nismo para a administração de assuntos quotidianos. Pois
nesta esfera o exercício da autoridade e, mais amplamente,
o exercício da dominação consistem, precisamente, em admi
nistração.
O tipo mais puro de exercício da autoridade legal é
aqu~le. que emprega um quadro administrativo burocrático.
SQlIJente Ó clIefe supremo da organização ocupa sua posição
de autoridade em virtude de apropriação. eleição ou designa
21 20 SoCIOLOGIA DA BUROCRACIA
ção para a sucessão. Mas mesmo sua autoddade consiste nwn
âmbito de competência legal. O conjunto do quadro admi
nistrativo subordinado à autoridade suprema é formado, no
tipo mais puro, de funcionários nomeados que atuam con
forme os seguintes critérios:
1) São individualmente livres e sujeitos à autoridade
apenas no que diz respeito a suas obrigações ofiCiais.
2) Estão organizados nwna hierarquia de cargos, cla
ramente definida.
3) Cada cargo possui uma esfera de competência, no
sentido legal, claramente determinada.
4) O cargo é preenchido mediante uma livre relação
contratual. Assim, em princípio, há livre seleção.
, ) Os candidatos são selecionados na base de quali
ficações técnicas. Nos casos mais racionais,~qtlalificaçã.()
------étesta:aapor exames,âàâa como- certa por diplomas que
comprovam a instrução técnica, ou utilizam-se ambos os cri
térios. Os candidatos são nomeados e não eleitos.
6) São remunerados com salários fixos em dinheiro.
na maioria das vezes com direito a pensões. Somente em de
termir.aadas circunstâncias a autoridade empregadora, espe
cialmente nas organizações privadas, tem o direito de rescin
dir o contrato. Mas o funcionário é sempre livre para demi
tir-se. A escala salarial é inicialmente graduada de acórdo
com o nível hierárquico; além desse critério, a responsabi
lidade do cargo e as exigências do status social do ocupante
podem ser levadas em conta.
7) O cargo ê considerado como a única ou, pelo me
nos, principal ocupação do funcionário.
S) O cargo estabelece os fundamentos de wna car
reira. Existe um sistema de "promoção" baseado na antigui
dade, no merecimento ou em ambos. A promoção depende
do julgamento dos superiores.
Os FUNDAMaNTOS DA ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTI6A
9) O funcionário trabalha inteiramente desligado da
propriedade dos meios de administração e não se apropria
do cargo.
l~) Está sujeito a wna rigorosa e sistemática disci
plina e controle no desempenho do cargo.
Esse tipo de administração é. em principio, aplicável
com igual facilidade a wna ampla variedade de setores dife
rentes. Assim, pode ser a organizações que visam lucro, às
de caridade ou a um número indefinido de outros tipos de
empresas privadas que persigam objetivos materiais ou ideais.
Com graduações variadas na aproximação ao tipo puro, sua
existência histórica pode ser demonstrada em todas essas
esferas.
1) Por exemplo, esse tipo de burotracia é encontrado
__~ em c!ínicasEarticular_es, embospitais_ de fut1d~oQ~ n
mantidos por ordens religiosas. A organização burocrática
exerce um papel importante na Igreja Católica. O fato é bem
ilustrado pela função adminiStrativa do clero na Igreja mo
derna que desapropriou quase todos os benefícios da Igreja
antiga que estavam, então,em larga escala sujeitos à apro
priação privada. 'Outro exemplo é a concepção do episcopado
universal como competência formnl, universal e lesaI em
assuntos religiosos. De modo idêntico, a doutrina da infali
bilidade papal é considerada como abrangendo de fato uma
competência universal, mas válida apenas ex cathedra na es
fera do cargo, implicando, assim, a distinção característica
entre a área do cargo e a dos neg6cios particulares do
ocupante. Os mesmos fenômenos são encontrados na gfande
empresa capitalista; quanto maior esta, tanto mais impor
tante o papel daqueles. O fato não é menos válido para os
partidos, que ~erão tratados separadamente. E, por último,
o exército moderno é essencialmente uma organização buro
çd,fica administrada por esse tipo característico .de funcio~
n.áCio militar, o "oficial".
23 22 SociOLOGIA DA BUROCRACIA
2) A autoridade burocrática é exercida em sua forma
mais pura ali onde f6r claramente dominada pelo princípio
da nomeação. Uma hierarquia de funcionários eleitos não
tem o mesmo sentido de wna hierarquia ,p-e funcioná.rios
nomeados. No que se refere à primeira, a eleição torna im
pOssível submetê-la a wna disciplina rigorosa, mesmo quan
do se àproxime do tipo baseado na nomeação. A eleição
permite ao funcionário subordinado competir por posições
eletivas nas mesmas condições que seu superior. e suas pos
sibilidades passam a independer do julgamento deste.
3) A nomeação por livre contrato. que possibilita a
livre seleção. é essencial à moderna burocracia. Onde exista
wna organização hierarquizada com esferas impessoais de
competência. mas servida por funcionários servis - escravos.
servos etc., que atuam. contudo, de maneira formalmente
~~~___~~~~bu~ocrática - seránl.l~aclo o termo "b-º,rocracia patrimollial·~·.___~,
4) O papel das qualificações técnicas em organiza
ções burocráticas é contmuamente incrementado. Mesmo o
funcionário de wn partido ou organização sindical necessita
de conhecimento especializado. embora. usualmente, de cará
ter ~pírico, desenvolvido antes por experiência do que por
aprendizagem formal. No Estado moderno os únicos cargos
para os quais não se exigem qualificações técnicas são os de
ministro e presidente. O fato demonstra que são "funcio
nários" apenas em sentido formal e não substantivaIl1ente. o
mesmo se dando com o gerente ou presidente de uma grande
empresa. Não há dúvida de que a "posição" do empresá.rio
capitalista é, como a de wn monarca, semelhante à de apro
priação definitiva. Assim, há necessariamente no ápice da
organização burocrática no mínimo wn elemento que não é
puramente burocrático. A categoria de burocracia 'é aplicada
tão-somente ao exercício da dominação por meio de uma
espécie particular de quadro administrativo.
Os FUNDJI.M~TOS DA ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTICA
, ) O funcioná.rio recebe normalmente um salário fixo.
Pelo contrá.rio, as fontes de renda apropriadas privativa
mente serão denominadas "benefícios". O salário na orga
nização burocrática é normalmente pago em dinheiro. Em
bora isso não seja essencial ao conceito de burocracia, é o
ajuste que melhor se adapta ao tipo puro. Os pagamentos
em . espécie podem adquirir o caráter de benefícios, e o rece
bimento destes implica, normalmente, a apropriação de opor
tunidades de rendimentos e cargos. Há, contudo, transição
gradual nesse terreno com "á.rios tipos intermediários. A
apropriação em virtude de arrendamento ou compra de
cargos ou a garantia de renda para o cargo são fenômenos
estranhos ao tipo puro de burocracia.
6) Os "cargos" que não constituem a ocupação prin
cipal do ocupante, em particular os cargos "honorificos",
pertencem a outras categorias... O funcionário "burocrá
tico" típ@uocupa o cargo-eomo sua principal ocupação.
7) Com respeito à separação do funcionário frente a
propriedades dos meios de administração, a situação é essen
cialmente a mesma; tanto na esfera da administração pública,
como nas organizações burocráticas privadas, tais como a
grande empresa capitalista.
8) ... Atualmente os órgãos "colegiados" estão per7
dendo rapidamente sua importância em favor dos tipos de
organização que são, em sua maioria, de fato e formalmente
subordinados à autoridade de um único chefe. Por exemplo,
os "governos" colegiados na Prússia cederam lugar, desde
muito tempo. ao "presidente distrital monocrático". O fator
decisivo para t:Sse desenvolvimento fói a necessidade de rá
pidas e unívocas decisões, livres da necessidade de compro
misso entre diferentes opiniões e livres também das maiorias
instáveis.
9) 9 oficial do exército moderno é um tipo de fun
cionário nomeado e nttidamente diferenciado por certas dis
24 25 SOCIOLOGIA DA BUROCllACJA
tinções de classe. .. A este respeito, tais oficiais diferem ra
dicalmente dos chefes militares eleitos, dos condottieri caris
máticos, dos oficiais que recrutam e lideram exércitos merce
nários com caractedsticas de empresa capitalista e, final
mente, dos que ocupam postos militares comprados. Pode
haver transições graduais entre esses tipos. O "servidor" pa
trimonial separado dos meios de execução de suas funções
e o proprietário de um exército mercenário com finalidades
capitalistas foram, juntamente com o empresário capitalista,
os precursores na organi:zação do moderno tipo de burocracia.
o TIPO MONOCRATICO DE
ADMINISTRAÇÃO BUROCRATICA
A experiência tende a mostrar universalmente que o
. tipo burocráti~<>.u Illais puro deor~flizªção admini~tra!.!ya -::-.=____....
isto é, o tipo monocrático de burocracia - é capaz, numa
perspectiva puramente técnica, de atingir o mais alto grau
de eficiência e neste sentido é, formalmente, o mais racional
e conhecido meio de exercer dominação sobre os seres hu
manos. Este tipo é superior a qualquer outro em precisão,
estabilidi"de, rigor disciplinar e confiança. Daí a possibilidade
de que os chefes da organi:zação e os interessados possam
contar com um grau particularmente elevado ~e calculabi.
lidade dos resultados. Finalmente, é superior tanto em efi
ciência quanto no raio de operações, havendo ainda a possi
bilidade formal de sua aplicação a todas' as espécíês de ta
refas administrativas.
O desenvolvimento da moderna forma de organi:zação
coincide em todos os setores com o desenvolvimento e con
tínua expansão da administração burocrática. Isso é válido
para a Igreja, Estado, exércitos, partidos políticos, empresas
econômicas, organizações promocionais de toda espécie, asso
ciações particulares, clubes e muitas outras. Seu desenvolvi-
Os FUNDAME:NTOS DA ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTlCA
mento é, para tomar apenas o caso mais penetrante, o mais
crucial fenômeno do moderno Estado ocidental. Entretanto,
muitas formas podem existir que não se aproximam do mo
delo: os órgãos colegiados representativos, comissões parla
mentares, sovietes, funcionários honorários, juizes não-pro
fissionais e outras tantas. ,E, embora muitos se queixem dos
"pecados da burocracia", seria ilusão imaginar que o trabalho
administrativo contínuo pudesse ser executado, em qualquer
setor, sem a presença de funcionários trabalhando em seu~
cargos. Todo modelo de vida quotidiana é talhado para se
adequar a esta estrutura. Porque a administração burocrática
é sempre, observada em igualdade de condições e de uma
perspectiva formal e técnica, o tipo mais racional. Ela é,
atualmente, indispensável para o atendimento das necessi
dades da administração de massa. No setor administrativo,
a opção está ,entre a burocracia e o diletantismo .
A fonte-principal da supéríoridade da administração
burocrática reside no papel do conhecimento técnico que,
através do desenvolvimento da moderna tecnologiae dos
métodos econômicc;>s na produção de bens, tornou-se total
men~e indispensável. A este respeito é indiferente que o sis
tema econômico seja organizado em bases capitalistas ou
socialistas. Na verdade, se no segundo caso se desejasse um
nível igual de. eficiência técnica, o resultado seria um enorme
incremento na importância da burocracia profissional.
Os que estão sujeitos ao controle burocrático só conse
guem escapar mediante a criação de uma organização pró
pria, igualmente sujeita ao processo de burocratização. Da
mesma forma, o aparato burocrático é orientado para um
funcionamento contínuo por interesses compulsivos tanto
materiais como objetivos, mas também ideais. Sem ele, uma
$ociedade como a nossa - que separa os funcionários, em
pr~gadQs e trabalhadores da propriedade dos meios de admi
rn~t:ração ~ que depende da disciplina e da formação profis
sional - deixaria de existir. A única exceção seriam aqueles
27 26 SocIOLOGIA DA BUROCRACIA
grupos, como os camponeses, que ainda possuem os pr6
prios meios de subsistência. Mesmo no caso de revolução ou
de ocupação por um inimigo, a máquina burocrática conti
nuaria funcionando normalmente, da mesma forma como o
fazia no governo legal anterior.
A questão é sempre a de quem controla a máquina bu
rocrática existente. E esse controle apresenta sempre limi
tações para os que não são profissionais. De maneira geral,
o funcionário profisional escapa muito mais fàcilmente a
essas limitações do que seu superior nominal, o ministro de
gabinete, que não é profissional.
O sistema capitalista - embora não somente ele
desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da
burocracia. Na verdade, sem ela a produção capitalista não
poderia persistir, e todo tipo racional de socialismo teria
simplesme(lte_<le adotá-Iaeinccementar smLÍmportância. Seu ~~___~
desenvolvimento, sob os auspícios do capitalismo, criou a ne
cessidade de uma administração estável, rigorosa, intensiva
e incalculável. :n esta necessidade que dá à burocracia um
papel central em nossa sociedade como elemento fundamental
em qualquer tIpO de administração de massas. Somente por
uma regressão à organização pouco extensa - na esfera polí
tica, religiosa,. econômica etc. - seria possível escapar à sua
influência. Por um lado, o capitalismo em seu estág~o atual
tende a fomentar de maneira acentuada o desenvolvimento
da burocracia, embora ambos tenham surgido de fatos hist6
ricos diferentes. Por outro lado, o capitalismo constitui a base
econômica mais racional para a administração burocrática e
lhe possibilita o desenvolvimento sob a forma mais racional
porque, do ponto de vista fiscal, fornece-lhe os recursos mo
netários requeridos.
Ao lado dessas condições fiscais para a eficiência da
administração burocrática, existem outras de importância
fundamental no campo da comunicação e do transporte.
Os FUNDAME;NTOS DA ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTICA
A precisão de seu funcionamento exige os serviços das fer
rovias, telégrafo e telefone dos quais depende de maneira
crescente. Uma forma socialista de organização não alteraria
este fato. O problema seria se num sistema socialista have
ria possibilidade de proporcionar condições para uma orga
ruzação burocrática rigorosa como tem havido na ordem capi
talista. Porque, de fato, o socialismo requereria um grau mais
elevado ainda de burocratização formal do que o capitalismo.
Provada essa impossibilidade, estaria demonstrada a existên
cia de outro daqueles elementos fundamentais de irracionali
dade nos sistemas sociais - um conflito entre a racionalidade
formal e a substantiva - e que a Sociologia encontra tão fre
qüentemente.
A ,administração burocrática significa, fundamentalmen
te, o exercício da dominação baseado no saber. Esse é o traço
que a torna~ especIficamente racional. Consiste, de um lado,
--""e"mor conhecimento técQ:icõ que, pórusiSó, é sufiCienfe para
garantir uma posição de extraordinário poder para a buro
cracia. Por outro lado. deve-se considerar que as organi
zações burocráticas, ou os detentores do poder que dela se
servem, tendem a tornar-se mais poderosos ainda pelo conhe
cimento proveniente da prática que adquirem no serviço.
Através da atividade no cargo ganham um conhecimento es
pecial dos fatos e dispõem de uma bagagem de material do
cumentário, exclusiva deles. Embora não exista apenas nas
organizações burocráticas, o conceito de "segredo profissio
nal" é típico delas. Está para o conhecimento técnico assim
como o segredo comercial está para o preparo tecnológico.
lUe é um produto da luta pelo poder.
A burocracià é superior em saber - tanto o da técnica
como o dos fatos concretos na sua esfera de interesses - o
que norm~ente é privilégio da empresa privada capitalista.
O empf~4rio capitalista é, em nossa sociedade, o único que
!~ sl40 ~ capaz de manter-se relativamente imune à domi
nação do saber racional burocrático. Todos os demais tendem
28 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
a ser organizados em grandes associações, inevitavelmente
sujeitas a dominação burocrática, inevitabilidade idêntica à
da dominação das máquinas de precisão na produção em
massa.
As conseqüências principais e mais generalizadas da do
minação burocrática são:
1) A tendência ao "nivelamento" no interesse de uma
base de recrutamentQ a mais ampla posível em termos de
qualificação profissional.
2) A tendência à plutocratização no interesse de uma
formação profissional a mais prolongada possível. Esta, fre
qüentemente, continua até os trinta anos.
3) A predominância de um espírito de impessoalidade
formalista, sine ira et sludio, sem ódio ou paixões e, portan
to, sem afeição ou entu~ia~!!l0' normaLdominantessãQ_n
. conceitoscle-oever estrito sem atenção para as considerações
pessoais. Todos estão sujeitos a tratamento formalmente igual,
isto é, todos na mesma situação de fato. Este é o espírito den
tro do qual o funcionário ideal conduz seu cargo.
O CONCEITO DE BUROCRACIA: UMA
CONTRIBUIÇAO ~MPIRICA*
RICHARD H. HALL
O CONCEITO DE BUROCRACIA é aqui concebido
como uma s~rie de dimensões, cada qual na forma de um
contínuo.-Quando se medeucada contínuo nenhuma variação ...
concomitante é encontrada entre as dimensões. Sugere-se que o
conceito de burocracia é empiricamente mais válido quando
abordado dessa maneira e não presumindo-se que as organi
zações são ou totalmente burocráticas ou não-burocráticas. A
abordagem sugerida é demonstrada pela aplicação do modélo
a dez organizações.
Os estudiosos das organizações, desde Weber até o pre
sente, têm utilizado o modelo burocrático como base para a
conceituação de sistemas de inter-relações em organizações.
Essa aceitação do modelo burocrático tem servido como ponto
de partida para estudos de desenvolvimento e modificação da
estrutura organizacional, do lugar do indivíduo dentro dessa
estrutura e de vários problemas afins. Este artigo exmnina as
bases do modelo burocrático - as dimensões organizacionais
~ue são caracteristicamente citadas como atributos burocráti
* Traciuztdo de "The Concept of Bureaucracy: an Empirical .As
sessmeof', em The Amet'ican lournal of Sociologg, julho de 1963,
vol. 69, o" 1.
l
58 SocIOLOGIA DA BUROCRACIA
nado pela tecnologia; b) o nível m101mo de racionalidade1
determinado pela tecnologia; c) o grau de acomodação ne
cessária entre burocracia e racionalidade em algum nível deJ
eficiência (d). O estado de a e b determinam c para dados!
I" valores de d; c é presumlvelmente composto de diversas di
f
\ mensões comensuráveis, cada uma das quais representa pa
f drões alternativos possíveis que são, em certo grau, substituí
veis uns pelos outros.
Vê-se, por conseguinte,que o tipo ideal weberiano pode
ser transformado para servir de base para a construção de
um modelo que leva em conta uma escala muito mais ampla
de fenômenos do que aquela que se credita a Weber - fe
nômenos que freqüentemente têm sido tratados ad hoc como
características "informais". No entanto, tal modelo é mais
complexo do que parece à primeira vista, pois a investigação
emoírita revela Que uma "burocracia racional" do tioo webe
o riano é, provavelmente, um sistema social instável. Presente
mente, a pesquisa está sendo dirigida para uma maior espe
cificação operacional das variáveis sugeridas e para expli
cações mais detalhadas de suas inter-relações.
CONFLITOS NA TEORIA DE WEBER •
ALVIN W. GoULDNER
I NEVITAVELMENTE, existem certos pontos obscu
ros no trabalho de Weber que, se esclarecidos, possibilita
riam sua melhor utilização. Diversos deles podem ser nota
dos na di .
nam "efetiva" uma burocracia. Escreve ele:
A efetividade da autoridade legal ("buro
crática" no presente contexto - A. W. G.) re
pousa na aceitação da vali dez do seguinte . .. 1)
Que toda norma legal dada pode ser estabele
cida por acordo ou por imposição visando a fins
utilitários ou valores racionais, ou ambos, com
pretensão de obediência pelo menos por parte
dos membros da associação.1
Aqui, um problema essencial deixa de Ser considerado
de maneira surpreendentemente inesperada, pois Weber não
percebe a possibilidade de que a efetividade da burocracia
• Traduzido de Patterns of Industrial Bureaucracy (Glencoe. 1111
nola: Pie~ Presa. 1964). pága. 19-27.
1 A. M. °Henderson e Talcott Parsons (orgs.) • Max Weber: The
Theory 01 Economic and Social Organization (Nova York: Odord
Unlverslty Press. 1947). pág. 329.
61
60 SocIOLOGIA DA BUROCRACIA
- ou outra de suas características - possa variar segundo o
modo pelo qual as normas são introduzidas: por imposição
ou por acordo. Ele supôs tacitamente que o contexto cultural
de uma'burocracia especifica seria neutro frente aos diversos
métodos de introdução de normas burocráticas. Contudo, des~
de que nossa cultura não é neutra, mas prefere as normas in
troduzidas por acordo às impostas, não se pode confundt-Ias
sem obscurecer a dinâmica da organização burocrática ...
Weber silenciou sobre diversas outras questões. Primei
ro: a quem deveriam ser úteis as normas para que a burocra
cia fosse efetiva? Segundo: em termos dos objetivos de quem
seriam as normas um recurso racional? Objetivos de quem
deveriam elas realizar para que a burocracia operasse efetiva
mente? Weber admitia que as metas dos diferentes estratos
burocráticos eram idênticas - ou, pelq menos, bastante si
milares e por isso não as distinguiu. A razão disso parece
~-----:--~~sido a utilização aa PllrocradagÓvernamental,aparent'~e----
mente solidária, como modelo implícito. Tivesse ele focali
zado a burocracia da fábrica, com suas tensões mais evidentes
entre supervisores e ·supervisionados. , . i e teria de considera
do imediatamente que uma norma dada poderia ser racional
ou vanta~osa para a consecução dos fins de um estrato, diga
mos o gerencial, mas poderia não ser racional ou vantajosa
para os trabalhadores.lI
Uma "burocracia" só tem "fins" num sentido metafó
rico. Contudo, a precisão exige que se especifiquem os obje
tivos de diferentes pessoas ou os objetivos típicos de diferen
tes estratos na organização. Tal postura sugere que esses fins
podem variar, não são necessariamente idênticos ou impor
tantes para todo o pessoal e podem mesmo ser contraditó
rios; uma conclusão que de modo algum surpreenderá os es
2 Sõbre este ponto fizemos consideraçOes mals gerais em nossa
discussão de Industrial Sociology: Status and Prospects de Wllbert E..
Moore em Amerlcan Sociologlcal Review, vol. XIII. ri' .... agosto de
1948. págs. 396...fllO.
CONFLITOS .NA TEORIA DE WEBER
tudiosos da indústria, ainda que os da administração a te
nham negligenciado sistematicamente.
A incipiente distinção de \Veber entre normas impostas
e normas estabelecidas por acordo indica dois aspectos mais
amplos de um mesmo problema, entrelaçados em sua teoria.
Há, primeiro, sua ênfase na burocracia como administração
por "especialistas" ou profissionais. Weber via nossa época
como a.quela em que o diletante estava desaparecendo rápi
damente e assegurava que as formas modernas de adminis
tração se caracterizariam pela importância atribuída à espe
cialização:
Na esfera da administração a escolha é apenas
entre o diletantismo e a burocracia. O fundamento
primeiro da administração burocrática reside no
papel do conhecimento técnico ... 3 Aqu~stão é
~~ sempre a. deuquem controla-a maquinaria exist~~e~~n-te---~~
e tal controle é limitado para as pessoas que não
são especialistas ... 4 A administração burocrática
significa fundamentalmente o exercício do controle
baseado no conhecimento. Este é o aspecto que a
torna especIficamente racional ... 5 A burocracia é
superior em saber, tanto o técnico como o do fato
concreto dentro de sua esfera de interesse.6
Há, contudo, outro ingrediente na concepção weberiana
de burocracia; trata-se do papel da disciplina, um elemento
que acompanha sua ênfase na "imposição" como fonte das
normas burocráticas. Segundo Weber, a burocracia é o "fruto
. mais racional" da disciplina.7
3 Henderson e Parsons, ibid., pág. 337.
... Il;Iid•• pã{l~ 337.
5 1t>ld., pág. 339.
6 IbiJ..: p6g. 339.
7 C. W. Mills e H. Gerth. From Max Weber (Nova York: Oxford
University Press. 1946). pág. 254.
62 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
o conteúdo da disciplina - escreveu Weber
é apenas a execução consistentemente r~ciona
lizada, metodicamente exercitada e exata da ordem
recebida, na qual toda crítica pessoal é incondicio
nalmente suspensa e ao ator cabe única. e exclusi-.
vamente executar a ordem.8
Taleott Parsons, um dos mais agudos comentaristas da
teoria de Weber, acentuou que "sobretudo a burocracia
implica disciplina. . . .E a adequação das ações do indivíduo a
um complicado padrão de maneira que o caráter de cada uma
de suas relações com o resto pode ser rigorosamente contro
lado ... li Assim, a burocracia implica uma ênfase na obediên
cia; e por "obediência" Weber entende que o conteúdo de
uma ordem se torna, "por si mesmo, a base da ação" .10
Weber, então, concebia a burocracia como uma organi
---z"fia"'ç..Jiã;,.u----"brrjç.fa"""dal.Po-r-unr1ado, seria uma ofgatiizaçãobã'''se=a;o:doJ:a~-----+
na especialização; por outro, uma organização baseada na
disciplina. No primeiro caso, a obediência é invocada como
um meio para a realização de um fim; um indivíduo obedece
porque a norma ou ordem é percebida como o melhor méto
do conhecido para a consecução de algum objetivo.
,
Na segunda concepção, Weber assegurava que a buro
cracia era uma forma de administração em que a obediência
seria um fim em si mesma. O indivíduo obedece à ordem,
afastando os julgamentos sobre sua racionalidade ou mora
lidade, principalménte por causa da posição ocupada pela
pessoa que ordena. O conteúdo da ordem não é discutível.
Neste sentido, os guardas nazistas nos campos de concen
tração justificaram suas atrocidades inenarráveis porque,
8 Mills e Gerth. ibid., pág. 254.
9 Talcott Parsons. The Structure of Social Action (Nova York:
McGraw-HiIl Book Co.• 1937). pág. 5<Y1.
10 Henderson e Parsons. ibid., pág. 327.
CONFLITOS .NA TEOlUA DB WEBER 63
como disseram, "obedecíamos às ordens". No primeiro pa
drão, pois, o indivíduo obedece em parte devido aos seus
sentimentos a respeito da nOrma ou ordem; no segundo, obe
dece independentemente de seus sentimentos.
Taleott Parsons observou esse caráter equívoco dateoria
weberiana numa nota de pé de página, penetrante, mas mui
to breve_ Ele sugere que Weber confundiu dois tipos- diferen
tes de autoridade: a) a autoridade que repousa nâ "atribuição
de um cargo legalmente definido" e b) a autoridade baseada
na "competência técnica".l1 Parsons u.tiliza a relação médico
-paciente como o arquétipo da autoridade baseada na compe...
.tência técnica. Propõe que "a autoridade do médico reside
fundamentalmente na crença do paciente em que o clinico
empregará em. seu benefício uma competência técnica ade
quada para ajudá-lo em seu mal"12 (itálicos de A. W. G.).
A f!~ essencial é ....em seu_(istoé; do paciente) benefício"-.m
Em outras palavras, uma p'ura competncia técnica pode ser
insuficiente para assegurar o consentimento para as prescri
ções médicas.
O paciente pode rejeitar a autoridade do médico se sente
que suas necessidades estão sendo desrespeitadas dentro da
relação. Por exemplo, pode sentir que o médico o está explo
rando financeiramente. Mais uma vez, os prisioneiros dos
campos de concentração nazistas não aceitavam a autoridade
dos médicos que neles faziam "experiências", mesmo que não
tivessem . dúvida a respeito de sua capacidade. Dentro dessa
linha, Parsons sugere que esta forma de autoridade, baseada
na competência téCnica, ..depende inteiramente da garantia...
de uma consentimento voluntário" ,13
Parece claro, por conseguinte, que a concepção weberia
na ~e uma burocracia como "o governo dos especialistas",
li Henderson e Parsons. ibld., pãg. 59.
12 lbid.
í3 lbid.
64 SocIOLOGIA DA BUllOCRACIA
no sentido da breve análise de Parsons, é uma forma de au
toridade n~o-legitimada apenas pela presença ou uso de ca
pacidades técnicas. Aparentemente, algo mais do que isso é
asse~rado para conseguir o consentimento voluntário.·
A conclusão a que se chega é a seguinte: Weber parece
ter descrito impltcitamente não Um, máS dois tipos de buro
cracia. Um ·dt:sses tipos pode ser chamado de "forma repre
sentativa" da burocracia, baseado nas normas estabelecidas
por acordo, regras que são tecnicamente justificadas e admi
nistradas por pessoal especialmente qualificado. " Um se
gundo padrão que pode ser chamado de burocracia "puniti
va" é baseado na imposição de normas e na obediência pura
e simples.
AS PUNÇOES OA ORGANIZAÇÃO BUROCRATICA:
-tI.J;>"'f1'FENFl?5B-MA1\T,IFES'1'-A-Ç
A teoria weberiana da burocracia foi um ponto de partida
fecundo na manipulação dos materiais empíricos, mas 'não
forneceu instrumentos analíticos suficiel)temente gerais. Por.
isso, voltamo-nos para as diretivas contidas na análise "estru-.
tural-tuncional". A mais útil exposição deSsa abordagem,
para as necessidades da pesquisa empírica, é a formulada por
Merton em Social T heory and Social Slruclure. 14
De uma perspectiva funcionalista, a questão mais. fun
damental a ser colocada a respeito da organização burocrá
tica é: como ela persiste? O funcionalismo relaciona-se, em
particular, com as atividades de auto-sustentação .de uma or
ganização. Que faz ela para conseguir sobreviver? A· respos
ta de Weber a esta questão, embora sucinta e incipiente, é
suficientemente dara:
14 Robert K. Merton, Social Structure and Social Theory (GJencoe.
lIJinols: Free Press. 19'19), esp. capitulo I.
CONFLITOS NA 1'BORJA DE WBBER 65
A expertenCla tende a mQstrar universalmente
- escreve ele - que o. tipo duro de administração
-burocrática. .. é, de uma pe~spectiva puramente
técnica, capaz de atingir o mais alto grau de eficiên
cia e é nesse sentido o meio mais racional conheci
do de exercer a dominação sdbre seres humanos.1II
A burocracia é superior, explica Weber, às outras formas
historicamente conhecidas de administração por causa de sua
estabilidade, fidedignidade,- calculabilidade permitida dos re
sultados e magnitude de suas operações. IO
Em termos funcionalistas, a análise de Weber trata pri
macialmente das funções "manifestas"17 da administração
burocrática, isto é, explica sua sobrevivência da mesma for
ma pela qual um burocrata explicaria o uso de recursos bu
rocráticos, a saber, que são téénicas eficientes para a reali
zaçãonâe alguriCóbjettvo.Esta é aiaião pubHcamenteace1~
para o emprego de métodos burocráticos. Contudo, uma ex
plicação completa da sobrevivência burocrática deve conside
rar não apenas suas conseqüências prescritas e tão conhecidas
publicamente, mas também aquelas imprevisíveis e não dis
cutidas convencionalmente.
Existem todos os motivos para se esperar que as buro
cracias produzam uma rede complexamente ramificada de
IS Henderson e Parsons. ibid.• pág. 337.
16 Ibid.
17. Os termos "manifesto" e "latente" serllo usados da maneira se
guinte neste estudo: "manifesto" referir-se-á àquelas conseqüências de
um padrão social. isto é, burocracia. que silo culturalmente prescritas para
ele;' o termo "latente" igualmente se referirA às conseqüências concretas
do padrllo. mas, neste caso, elas nIlo são culturalmente prescritas ou prefe
ri<t~~, Essa distinção operacional substitui os significados dt!sses tennos
est~b,c;lec:idos porF,Çlbert Merton. Para Merton, uma função latente é
aq~I,' cujas cons~q(il!ncias não são intentadas nem reconhecidas pelos
aut~es en,,9IvicJPl!' ,Na pesquisa emplrica é diflcil. freqüentemente, deter
mmar· se o autor reconhece ou intenta certas conseqüências: isso parece
pà'r~c:ularríiente certo nas situações conflitivas em que os autores podem
dissimular deliberadamente.
- - - -
6 6 S o c t O L O G I A D A B U R O C R A C I A C O N P L I T O S N A T B O l U A DB W B B E I t 6 7
c o n s e q ü ê n c i a s , m u i t a s d a s q u a i s e s t ã o a b a i x o d o n í v e l d e a d e i x a r e m e s t a d o r u d i m e n t a r a q u e l a s n o r m a s q u e r e f o r ç a I p e r c e p ç ã o p ú b l i c a . E m b o r a n ã o s e j a m f a c i l m e n t e p e r c e p t í v e i s , r i a m a p r e d i c a b i l i d a d e e s e g u r a n ç a d o s t r a b a l h a d o r e s .
essas c o n s e q ü ê n c i a s p o d e m c o n t r i b u i r c o n s i d e r a v e l m e n t e p a r a D e m a n e i r a m a i s g e r a l , W e b e r p a r e c e t e r c o n c e b i d o as
a s o b r e v i v ê n c i a e d e s e n v o l v i m e n t o b u r o c r á t i c o s . S e r i a i n t e i r a n o r m a s c o m o s e e l a s s e d e s e n v o l v e s s e m e o p e r a s s e m . sem a
m e n t e p r e m a t u r o , e n t ã o , a f i r m a r q u e a s b u r o c r a c i a s s e m a n i n t e r v e n ç ã o d e g r u p o s i n t e r e s s a d o s q u e . a l é m disso, p o s s u e m
t ê m a p e n a s d e v i d o à s u a e x i s t ê n c i a . o p o d e r e m g r a u s d i f e r e n t e s . C e r t a m e n t e , a b u r o c r a c i a é u m
. " . . . . " . . . . . * . . . . . . . ~ . . . . . . . ;. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
~ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . * . . . . i n s t r u m e n t o p r o d u z i d o p e l o h o m e m e s e r á p r o d u z i d o p o r
h o m e n s n a p r o p o r ç ã o d e s e u p o d e r n u m a s i t u a ç ã o d a d a . . .
H á a i n d a o u t r o a s p e c t o d a d i s c u s s ã o w e b e r i a n a s o b r e o
p a p e l d a e f i c i ê n c i a a o q u a l n ã o s e p o d e r i a d a r a s s e n t i m e n t o .
Em g r a n d e p a r t e , W e b e r f o c a l i z o u as c o n t r i b u i ç õ e s q u e o s
m é t o d o s b u r o c r á t i c o s f a z e m p a r a a o r g a n i z a ç ã o c o m o u m
t o d o . P o r e x e m p l o , e l e i n d i c o u q u e a s n o r m a s b u r o c r á t i c a s~umentam a " p r e d i c a b i l i d a d e " d o d e s e m p e n h o n a o r g a n i z a
ção p e l a r e s t r i ç ã o d a s a m i z a d e s p e s s o a i s d e s a g r e g a d o r a s o u
· - - G d a s - i n i n : ú 6 a d e . s . .._-~..
M a s f o r n e c e m as b u r o c r a c i a s v e í c u l o s i g u a l m e n t e e f i
c i e n t e s p a r a a r e a l i z a ç ã o d o s o b j e t i v o s d e t o d o s o s e s t r a t o s d a
o r g a n i z a ç ã o ? A s n o r m a s d a f á b r i c a , p o r e x e m p l o , c a p a c i
t a m o s o p e r á r i o s a p r e d i z e r e m c o i s a s d e m a i o r i n t e r e s s e p a r a
e::les]18 ~oder-se-ia v e r q u e s o b d e t e r m i n a d a s circunst~ndas
a s n o r m a s d a f á b r i c a t o r n a m n o r m a l m e n t e d i f í c i l o u i m p o s
s í v e l a p r e d i ç ã o p a t a o s e s t r a t o s p e s s o a i s m a i s b a i x o s ; p o r q u e
d a d a a i m p l i c i t a m a s p e n e t r a n t e s u p o s i ç ã o d e q u e a a n s i e d a
d e e i n s e g u r a n ç a s ã o m o t i v a d o r e s e f e t i v o s , l e v a n d o inVIsivel
m e n t e o s h o m e n s a o b e d e c e r e m , o s e m p r e g a d o r e s t e n d e r ã o
1 8 P o r e x e m p l o : p a r a o s o p e r á r i o s " o s c a n a i s d e a s c e n s ã o n ã o s ã o
c l a r o s . o c o m o e o q u a n d o d o a v a n ç o n l i o s l i o d e f i n i d o s . Q u a n d o p e r g u n
t a m a o p a t r l o c o m o p o d e m p r o g r e d i r . e l e p o d e a p e n a s d i z e r q u e s e ~raba
l h a r e m d u r a m e n t e . f i z e r e m u m b o m s e r v i ç o , c o m p o r t a r e m - s e e t e n t a r e m
a p r e n d e r o s e r v i ç o , a e l e s s e r á d a d a e v e n t u a l m e n t e u m a o p o r t u n i d a d e · d e
m e l h o r e s t r a b a l h o s . E l e n l o p o d e d i z e r q u e s e f i z e r e m t a l o u q u a l c o i s a s
B u r l e t g h G . G a r d n e r .serAo p r o m o v i d o s n o fim d e a l g u n s m e s e s . . . ··
H u m a n R e l a t i o n s in I n d u s t r l l ( C h i c a g o : R l c h a r d D . I r w i n , I n c . , 1 9 4 6 ) ,
p â g . 174.
92 SocIOLOGIA DA BUROCRACIA
mento dos clientes ou membros (é este, freqüentemente, o
caso nos movimentos semipolíticos, organizações educacio
nais etc.), a organização burocrática deverá interessar-se por
numerosas áreas de atividade de seus clientes, estabelecer.
controle sobre elas ou sujeitar-se· à sua influência e direção.
Finalmente, quanto maior sua dependência direta frente a dife
rentes participantes· na arena poUtica e quanto menores as
facilidades econômicas básicas e o .apoio poUtico dado pelos
detentores do poder político - como no caso de algumas
organizações públicas nos Estados Unidos e, em certa medida,
em diferentes organizações em Israel - tanto maior será a
tendência da organização em sucumbir às exigências de- dife
rentes grupos de pressão econômicos e políticos, a desen
volver suas atividades e a desvirtuar suas próprias normas
de maneira conseqüente.'
Como já foi dito, podem ocorrer em casos concretos certa
n .~idên.ciaentte-astendênClá.sudeOOt:oàatizá.çã()edesbU:-
rocratização. Assim, por exemplo, quando um grupo detentor
do monopólio político adquire o controle sobre uma orga
nização burocrática, pode desvirtuar as normas organizacionais
a fim de conceder vantagens especiais aos detentores do poder
ou manter sua influência sobre diferentes segmentos da popu
lação. Por outro lado, quando um processo de desburocrati
zação se desenvolve deVido à crescente pressão dos diferentes
grupos sobre a burocracia surge, dentro da organização, como
uma espécie de defesa contra essas pressões, uma tendência
para a formalização e burocratização. Isso mostra que o papel
e os caracteres distintivos de uma organização burocrática
particular são pressionadns em diversos sentidos, podendo-se
distinguir qual dessas tendências é predominante em áreas
.diferentes da atividade burocd.tica. :a tarefa de pesquisas pos
teriores analisar' mais detalhadamente essas diferentes cons
telações.
9 Ver Janowltz et. ai•• op. cit.• pâgs. 107-114; também Katz e
Elseostadt, op. cito
COOPTAÇAO: UM MECANISMO PARA A
ESTABILIDADE ORGANIZACIONAL*
PHILlP SELZNICK
o SISTEMA DE REFE~NCIA aqui adotado inclui a
análise do comportamento organizacional em termos de res
postas da organização às suas necessidades. Uma de tais ne
.... cessidages . é espedficada . ..romo."segurança-da organização.--- .
como um todo frente às fôrças sociais de seu meio". As res
postas, por outro lado, são repetitivas e podem ser conc~bi
das como um mecanismo, segundo a terminologia psicol6gica
quando da análise do ego e seus mecanismos de defesa. Um
desses mecanismos organizacionais é a ideologia. O outro,
principal objeto deste estudo, denominamos cooptação ...
Definimos previamente este conceito como "o processo de
absorção de novos elementos na liderança ou estrutura de
decisões politicas de uma organização, como meio de evitar
ameaças à sua estabilidade oq existência". Este mecanismo
geral adquire duas formas básicas: cooptação formal, quando
há n~essidade de estabelecer a legitimidade da autoridade
ou de tornar a administração acessível ao público a que se
dirige; e cooptação informal quando há necessidade de ajusta
mento às pressões de centros especificos de poder na so
ciedade,
'" Traduzido de "Cooptatlon: A Mechanlsm for Orghnlzatlonal
Stabillty", em Robert K. Merton et ai .. ~eader in Bureaucracy (Glencoe,
IlUnols: Free Pres.s, 1963). págs. 135-139.
94 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
Na administração, a cooptação é um processo pelo qual
o poder ou os encargos do poder - ou ambos - são compar
tilhados. Por um lado, o centro real de autoridade e decisão
pode ser deslocado ou feito mais inclusivo, com ou sem qual
"quer reconhecimento público da mudança; por outro lado, a
participação no exercício da autoridade e a responsabilidade
pública por esta participação podem ser compartilhadas com
novos elementos, com ou sem a real distribuição do poder
em si. Os imperativos organizacionais que definem a necessi
dade da cooptação surgem de uma situação em que a auto
ridade formal está concreta e potencialmente em estado de
desequilíbrio com relação ao seu meio institucional. Por um
lado, pode-se dar que a autoridade formal não consiga refle
tir o verdadeiro equilíbrio de poder na sociedade; por outro,
pode-se dar que lhe falte um sentido de legitimidade histó
rica ou que seja incapaz de mobilizar a sociedade para a áÇão.
__ ~ _A incªpacidª~ara~letitJl -yerdadeiro-equillbrio-àepeder
exigirá um ajustamento real aos centros de força institucional
que estão em condição de lançar golpes ordenados e, assim,
de tornar efetivas exigências concretas. Esta questão pode ser
resolvida pelo tipo de cooptação que resulta numa distribui
ção real do poder. Contudo, o requisito de legitimidade pode
exigir um ajustamento ao povo em seu aspecto indiferen
dado, a fim de que um sentimento de aceitação geral possa
ser desenvolvido. Para este caso pode ser desnecessária uma
distribuição concreta do poder: a criação de uma "frente"
ou a incorporação aberta de elementos consentidos na estru
tura da organização pode ser suficiente. Desse modo, uma
aura de respeitabilidade será gradualmente transferida dos
elementos cooptados para a organização como um todo e,
ao mesmo tempo, pode ser estabelecido um veículo de aces
sibilidade administrativa.
Podemos sugerir a seguinte hipótese: a cooptação que
resulta numadistribuição real do poder tenderá a operar
CooPTAÇÃO 9:>
informalmente e, inversamente, a cooptação orientada para
a legitimação ou para a acessibilidade.-tenderá a ser efetuada
através de recursos formais. Assim, um partido de oposição
pode ser formalmente cooptado numa administração politica
por meio de um recurso como a nomeação de seus líderes
para postos ministeriais. Este recurso pode ser utilizado quan
do é visada uma distribuição do poder; contudo, é especial
mente útil quando seu objetivo é a criação de solidariedade
pública, a legitimação de representatividade do govt:rno. Em
tais circunstâncias," os líderes . da oposição podem tornar-se
prisioneiros do governo, trocando a esperança de um poder
futuro (obtendo o crédito público por se manterem no go
verno numa época de crise) pela função atual de compartilh;u'
as responsabilidades pelos atos da administração. O caráter
formal e público da cooptação é essencial para os objetivos
--Visados. PO:E-eUtfe--lado,qua-nde-a -cooptação--sedestin:rhea~-~
lização de um ajustamento aos centros organizados de poder
institucional, pode ser necessário manter relações que, eníbora
sejam c~nseqüência~, são informais e encobertas. Se se tornam
públicos os ajustamentos aos núcleos específicos de poder, a
legitimidade da autoridade formal, como representativa de
uma comunidade teoricamente indiferendada (o povo como
um todo), pode ser minada. Por isso torna-se útil e freqüen
temente essencial que tal cooptação permaneça na sombra
da interação informal.
A cooptação informal de núcleos existentes de poder na
estrutura total (formal e informal) de decisão política de
uma organização, sintomática de uma pressão subjacente, é
um mecanismo de ajustamento a forças concretas. Neste nível
ª interação ocorre entre os que estão em posição de arregi
(uentar forças e utilizá-las, o que significa que o que está
êm jugo é uma realocação substantiva de autoridade e não
um reajuste puramente verbal. A cooptação formal, contudo.
97 96 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
é um tanto ambígua com relação à realocação de facto do
poder. O sentimento de insegurança, que um líder interpreta
como necessidade de incremento da legitimidade, é uma res
posta a algo generalizado e difuso. Não há uma demanda
obstinada de poder por parte de instituições autoconscientes
que estejam em condições de desafiar a própria autoridade
formal. As aparências tornam-se, neste contexto, mais impor
tantes do que a realidade, dai resultando que as fórmulas
verbais - que degeneram prontamente em propaganda
e os recursos formais organizacionais pareçam adequados
para a realização dos objetivos. O problema passa a ser o de
manipulação da opinião pública, algo que em nada se asse
melha às negociações com um grupo organizado de interesse,
portador de uma liderança estabelecida e autoconsciente.
A cooptação formal reparte ostensivamente a autori~
... dack.-mas,faz~-o;..yê..se ·envolvicla-num-ditemr.()oDjefi~·
vo real é a distribuição dos símbolos públicos ou dos encargos
administrativos da autoridade e, conseqüentemente, das res
ponsabilidades públicas, sem a transferência do poder subs
tantivo; por isso, a cooptação formal torna-se necessária a fim
de assegu~ar que os elementos cooptados não escapem ao
controle, não tirem vantagem de sua posição f.;>rmal para se
apropriarem da área real de decisão. Conseqüentemente, a
cooptação formal requer controle in,formal sobre os elementos
cooptados antes que a unidade de controle e decisão seja
ameaçada. Esse paradoxo é uma das fontes de tensão perma
nente entre a teoria e a prática no comportainento organiza
cional. A liderança, pela natureza concreta de sua posição,
está- comprometida com os dois objetivos conflitantes: se ela
não toma conhecimentp da necessidade da participação, o
objetivo da cooperação pode perigar; se a participação é con~
cedida em termos demasiadamente amplos, a continuidade
da liderança e da política pode ser ameaçada.
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I:
COOPTAÇÃO
A REEXPOSIÇÃO EMPIRJCA
DA DISCUSSÃO
Deixando de lado o interesse da teoria analítica, a expo
sição anterior define o objeto especial dessa investigação e
as bases para a sua aproximação, obviamente seletiva, com a
experiência dá TVA. Aquele sistema de referência guiou a
análise empírica da qual apresentamos uma breve reCapi
tulação.
1. A teoria de "grass-roots"· torna-.se uma ideologia
protecioni.sta - Tentou-se explicar a elevada autoconsciência
da TVA - como manifestada na doutrina de "grass-roots"
- com base na função dessa doutrina em facilitar a aceitação
da Authority na área de operação e em satisfazer ao requi
sito de alguma justifkação geral de sua existência como tipo
.--..únioo--de.agênda-governamental:--A--'I'V:A-foi-revoludOtiâria .
tanto para, as atitudes da população e instituições locais quan
to para0 sistema de governo federaL Adotando a doutrina
de "grass-roots" a Authority foi capaz de estabelecer-se como
a defensora das instituições locais e, ao mesmo tempo, de
formular uma perspectiva que poderia ser utilizada na justi
ficação geral de sua autonomia administrativa dentro do sis
tema federal. Contudo, a fidelidade à doutrina e sua tradução
em compromissos políticos criaram sérias indisposições entre
a TVA e outros departamentos do governo federal, inclusive
o Departamento da Agricultura e o Departamento do Interior.
. Como resultado, esses departamentos, com base na experiên
cia da TVA, opuseram-se à extensão da forma ,de organização
da TVA a outras áreas, um fato de conseqüências para o
futuro da própria Authority.
N. do T.: A doutrina de "grass-roots democracy" incorporava o
prinçfpio de que Q governo central nflo se deve restringir à imposição de
sua autoridade numa determinada região. mas que, pelo contrário. sua
população deve ter voz ativa nos órgãos federais que ai atuassem. Na
prática nomeavam~se representantes.
98 SOCIOLOGIA DA BUROCRAClA COOPTAÇÃO 99
?: 0. program~ agrário foi delegad01 a ~m. colegiado dade. Nesse sentido, as decisões que resultaram nesta situa
admmlstratlVo orgamzado - No contexto do prmclpal exem· ção não podem ser consideradas como erros.
pio de aplicação da doutrina de . "grass-roots" na TVA - o
programa de distribuição de fertilizantes da Authority - 3. Num ambiente de controvérsia, os compromissos da
foi elaborada uma forte relação entre colegiados envolvendo, TVA com seu colegiado agrário resultaram num alinhamento
de um lado, o sistema colegiado de concessão de terras e, de faccioso envolvendo conseqüências imprevistas para seu papel
outro, o Agricultural Relation Department da TVA. Esta 110 cenário nacional - No exercício do poder de decisão em
relação de colegiados pode ser vista como um caso de coop- questões agrárias, a TVA se encontrou numa situação car
tação informal na qual poderosos centros de influência no regada de conflitos organizacionais e políticos. As agências
Vale foram absorvidos, dissimuladamente, na estrutura de agrárias do .N ew Deal - como a Barm Security Administra-
determinação política da TVA. O Agricultural Relation tion e a Social Conservation Service - foram atacadas pela
Department da TVA assumiu um caráter preciso que inclula poderosa American Farm Bureau Federation, que as consi
um conjunto de sentimentos valoradores do sistema colegiado derava ameaças à sua vida especial de acesso à população
de concessão de terras e a aceitação da missão de defender rural, a extensão dos serviços dos colegiados dt; concessão de
tal sistema na Authority. Tornando efetiva essa representa- terras. Sob a pressão dos seus ruralistas,a Authority não
ção, os ruralistas da TVA puderam aproveitar-se de prerro- reco~eceu a F~~ Securi.ty Administration e procurou excluir
~~tivas especiais. ----: resultª1l.tes deu seu stldll..Lformal deele-~_. _ .~_aS9lLC.onsenratlon.8enzlcedas...()p~s-na--4rea do--Vale;~-'
- mentos integrantes da Authority - inclusive do exercício do O resultado foi uma situação polIticamente paradoxa em
poder de decisão na sua área específica de jurisdição e da que. a TV~, ~ principal agê~cia do N e~ Deal, não conseguiu
pressão sobre o desdobramento da política geral da Author. apo.l~r age~clas com as qual~ ~o~partdhava uma comunhão
ity. O caráter e papel especiais do grupo rural da TVA li- pohtica, altando-se aos seus lfllmlgos.
mitou sua perspectiva com relação à participação de insti- 4 Sob a p,'esswo d aJo t TVA I
'.,• W .. • a e seus rur: tS as a a terou, tUlçoe.~ de n.egros, como :xpedlen~e da doutrma ~e grass- g1'adualmente, um aspecto significativo de seu caráter à ma
-roots , e cnou. uma ~elaçao ~speclal para ~ Amencan Farm neira de uma agência conservadora - O grupo rural da TVA,
Bureau . Federatton. Amda aS~tm, a o~er~çao desse processo refletindo atitudes e interesses locais, lutou contra a política
coop~a~lvo provavelmente ~U1tO contn~ulU para fortalecer a de utilização de ter~as de propriedade pública, uma atitude
estabtltdade da TVA na area e, especIalmente, para tornar conservadora, e aSstm .contribuiu efetivamente para a alte
possível a mobilização de apoio num momento de necessi- ra~ã.o da politica. original ,da. TVA a c:ste respeit(). A proble
mattca da proprIedade publtca é considerada como defini
dora de caráter, no sentido de que é um foco de controvérsia
Alguns funcionãrios da TVA questionaram o uso que se faz
e divisão, e assim o foi na TVA por um longo período. A aqui do termo "delegado", Contudo. esta parece ser a palavra mais
breve e significativa em termos de suas aplicações. Além disso, em seu b~~a inflexível de seus interesses ideológicos e locais levou
relatório da politica da TVA quando de seu afastamento da presidência. o grupo '1lral a envolver a Authority num desacordo com oDavid E, Lilienthal disse: "A TVA tem, por esforço persistente. delegado
e assim descentralizado suas funções ... " New York Times, 13 de no Peparta.men~o do Interior sobre a administração das. terras
vembro de 1946. pág, 56. sob. a responsabilidade da TVA.
100 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
5. A utilização das associações voluntárias dentro da
doutrina de /lgrass~roots" representa uma distribuição dos en~
cargos e responsabitidades do poder e não do poder em si
O recurso à associação voluntária - especialmente, mas não
exclusivamente, no programa agrário - é interpretado como
um caso de cooptação formal, primeiro por promover um
acesso organizado para o público, mas também como um
meio de dar suportes à legitimidade do programa da TVA.
Isto significa que, bpicamente, a autoridade real e, em ampla
medida, a máquina organizacional continuaram em mãos da
agência administradora. Após nove anos de op~ração, as asso~
ciações distritais de terras que controlavam os fertilizantes da
TVA permaneciam como instrumentos do sistema de agentes
distritais ao qual foi delegado o programa de demonstração
da TVA. Em conexão com esta análise, um teste operacional
para localizar o controle sobre os grupos de cidadãos coo~
mtadosédeScrito, como sugereauquest~o~i) acesso à associação
por parte dos elementos de fora é canalizado por méio dos
funcionários da agência cooptante?
A TENDENCIA BUROCRÁTICA DOS
PARTIDOS POLfTICOS*
ROBERT MrCHELS
A ESPECIALIZAÇÃO TÉCNICA que resulta inevitavel~
mente de toda organização extensiva torna necessária o que
se chama de liderança especializada. Conseqüentemente, o
poder de âfi:isâo-passaa ser consideradoWnuaosmatribu"mt~o~s-----~
específicos da liderança e é gradualmente tirado das massas
para ser concentrado nas mãos dos líderes, exclusivamente.
Assim, eles que eram, inicialmente, não mais que os instru
mentos de execução âa vontade coletiva se emancipam das
massas e se tornam independentes do seu controle.
A organização implica uma tendência à oligarquia. Em
toâa organização - seja um partido político, um sindicato
ou qualquer outra associação dessa espécie - a tendência
aristocrática manifesta~se muito claramente. O mecanismo or
ganizacional, ainâa que conceda uma solidez de estrutura,
inâuz muâanças graves na organização de massa invertendo
completamente as posições dos líderes e liderados. Como re~
sultado âa organização, todo partido ou sindicato divide-se
numa minoria de âirigentes e numa maioria, de dirigidos.
.. Traduzido de "The Bureaucratic Tendency of PoHtical Parties".
em Robert K..Merton el. 1'11.. organizadores. Reader in Bureaucracy (Glen
coe. Illlnois~ Free Press. 1963). págs. 88,92.
106 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
dador da critica a este aspecto da democracia... A massa
que delega sua soberania - o que significa transferi-la para
as mãos de uma minoria - abdica de suas funções sobera
nas. Porque a vontade do povo não é transferivel, nem mes
mo a vontade de um único individuo.
ESTRUTURA BUROCRATICA
E PERSONALIDADE'"
ROBERT KING MERTON
U MA ESTRUTURA social racionalmente organiza
da envolve padrões de atividade claramente definidos, nos
quais, idealmente, todas as séries de ações estão funcional- _____
-- ---mente---:relacionadas íIOSfinsoerugiU:iiZação.c .E'mtaIOrgani_u
zação está integrada uma série de cargos e status hierarqui
zados aos quais é inerente certo número de obrigações e
direitos, estabelecidos com muita precisão por normas espe
cificas. A cada um desses cargos se atribui uma responsa
bilidade e uma jurlsdição. A autoridade, ou seja, o poder de
controle que tem sua origem em um status reconhecido, é
inerente ao cargo e não à pessoa que o desempenha. A con
duta administrativa, de modo geral, realiza-se dentro do li
mite de normas preestabelecidas pela' organização. O siste
ma de relação entre os distintos cargos implica um alto grau
de formalidade e uma distância social claramente definida
entre os ocupantes dessas posições. A formalidade se mani
festa por meio de uni ritual social mais ou menos compli
.. Traduzido de "Bureaucratlc Structure and Personabty", em
Robert K. MertoIi et. ai., Reader in Bureaucracy (G!encoe. IlIlnois: Pree
~~Ss, 1963). pãgs. 361-371.
. 1 Para o desenvolvimento do conceito de "organização racionar'.
ver KarlMannhe1m. Man and Society in ah Age of Recomtruction
(J.'.l'ova York: Harcourt. Brace. and Company. 1949). esp. págs. 51 e
seguintes.
108 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
cado que simboliza e mantém o complexo ordenamento dos
distintos cargos. Tal formalidade, que está relacionada com
a distribuição da autoridade dentro do sistema, serve para
atenuar o atrito reduzindo os contatos oficiais e substituin
do-os por fórmulas que foram estabelecidas pelas normas da
organização. Assim é possível calcular a conduta dos funcio
nários e estabelecer um sistema de expectativas mútuas. Mais
ainda, a formalidade facilita OS' contatos entre os funcioná
rios nos casos em que haja atritos pessoais entre eles. Desse
modo, o funcionário é protegido das possíveis arbitrarieda
des de seus chefes, já que ambos estão limitados por normas
que eles reconhecem. Fórmulas específicas de procedimento
favorecem a objetividade e impedem que "os sentimentos
agressivos se transformem em atos de violência".2
.____ ~FSTRllTllRA-DA-l1UROCRAC1A__ ..
o tipo ideal dessa organização formal é a burocracia.
O estudo analítico clássico da burocracia é o de Max Weber.3
Como assinala Weber, a burocracia implica uma clara divi
são d~ atividades integradas que são consideradas como deve
res inerentes aos cargos. Nos regulamentosse formula um
sistema de diversos controles e sanções. A atribuição de fun
ções se faz à base de qualificações técnicas que são determi
nadas por procedimentos formais e imparciais, tais como exa
2 H. D. Lasswell. Politics (Nova York: McGraw-HIII. 1936). págs.
120-t21.
3 From Max Weber: ESSB.IIS in Sodolom, (Nova York: Oxford
Universlty Press. 1946). páÇls. 196-244. traduzido e editado por H. H.
Gerth e C. Wrlght Mi11s. Para um sumário das discussões de Weber,
ver Ta\cott Parsons. The Strllcture of Social Action (Glencoe. IlIlnols:
The Free Press, 1949). esp. págs. 506 e seguintes. Para· uma descriçl1o.
que não é uma caricatura. do burocrata como um tipo de personalidade.
ver C. Rabany, "Les Types Sociaux: le fonctionnalre". em Revqe
Générale d'Administration. LXXXVIII (1907),. págs. 5-28.
ESTRUTURA BUROCRÁTICA E PERSONALIDADE 109
mes etc. Dentro da estrutura de ordenamento hierárquico da
autoridade, as atividades dos técnicos estão regidas por nor
mas gerais abstratas e claramente definidas que tornam des
necessárias as formulações de instruções específicas para cada
caso determinado. A generalidade das normas requer uma
constante categorização, mediante a qual os problemas e casos
são classificados segundo um dado critério, de acordo com o
qual são resolvidos. O tipo puro de funcionário burocrático
é designado para o desempenho de seu cargo ou por seu
superior ou por uma prova ou exame imparcial. Não é eleito.
Uma medida de flexibilidade dentro da burocracia é dada
pela eleição dos funcionários superiores que, presumIvel
mente, expressam a vontade do eleitorado (por exemplo, um
conselho de cidadãos ou de direção). A eleição dos funcio
nários superiores tem por objetivo influir nos fins da orga
nização; mas os meios técnicos para o alcance desse fins per
------manecemeIIIlIlãos--uopessoalburocrálito pefnianeÍ1fe.~-
A grande maioria dos cargos burocráticos se exerce por
toda a vida, sempre que não haja fatores de perturbação que
possam reduzir as dimensões da organização. A burocracia
proporciona o máximo de segurança profissional.~ A função
da inamovibilidade, das pensões, dos salários reajustáveis e
das promoções regulamentadas é assegurar o desempenho
leal dos deveres do cargo sem consideração de pressões es
tranhas.6 O principal mérito da burocracia está na sua efi
ciência técnica devido à ênfase que dá à precisão, rapidez,
4 Karl Mannhelm, Ideologg and Utopia (Nova York: Harcourt,
Brace, 1936), 18, págs. 105 e seguintes. Ver também Ramsay Muir.
Peers and Bureaucrats (Londres: Constable, 1910), págs. 12-13.
5 E. G. Cahen-Salvador Insinua que o pessoal das burocracias está
em grande parte constltuldo daqueles para quem a segurança é mais
Importante que qualquer outra coisa. Ver seu "La situatioo matérielle
et morale de fonctionnaires", Revue politique et parlementaire (1926),
pág. 319,
6 H. J. Lasld. "Bureaucracy", na Encgclopaedia of the Social
Sciences. &te artigo está escrito mais do ponto de vista do especialista
em Ciência Politica do que do ponto de vista do 'socl6logo.
110 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
controle técnico, continuidade, discrição e por suas ótimas
quotas de produção. A estrutura está concebida para eliminar
por completo as relações do tipo pessoal e as considerações
emocionais (hostilidade, ansiedadé, vínculos efetivos etc.).
Com a burocratização crescente, torna-se claro que o homem
é, em alto grau, controlado por suas relações sociais com os
meios de produção. Isso já não pode ser considerado apenas
como um postulado marxista, mas como um fato que deve
ser reconhecido por todos, independentemente de seu valor
ideológico. A burocratização aclara o que antes era obscuro.
Cada vez mais as pessoas se dão conta de que para trabálhar
têm que ser empregadas, posto que não possuem instrumen
tos e equipamento. E as burocracias privadas e públicas são,
em grau crescente, as que dispõem desses meios. Por conse
guinte, tem-se que ser empregado pela burocracias para se ter
acesso aos instrumentos de que se necessita para trabalhar,
jst~pªra~._Neste sentido, a. bur.oaatizaçãG-únplka-a----
separação entre os indivíduos e os instrumentos de produção,
tanto nas empresas capitalistas modernas como na empresa
estatal (tal como existiam em 1951), do mesmo modo como
no exército pós-feudal a burocratização implicava a separa
ção completa dos instrumentos de destruição. No caso típico,
o trabaU1ador não possui seus instrumentos nem o soldado
suas armas. Nesse sentido, há cada dia màis pessoas que têm
a condição de trabalhadores. Assim se desenvolveu, por exem
plo, o novo tipo de trabalhador cientista na medida em que
o cientista está "separado" de seu equipamento técnico (o
físico não possui o seu dclotron). Para trabalhar em suas
investigações ele tem de ser empregado por uma burocracia
que disponha de recursos de laboratórios.
A burocracia é um tipo de administração que evita quase
por completo a discussão pública de seus procedimentos,
ainda que seja possível que se critiquem seus fins. l:!sse "se
gredo burocrático ': não é exclusivo nem das burocracias pú-
EsTRUTURA BUROCRÁTICA E PERSO,NALlDADE 111
blicas nem das particulares.'!' B considerado necessário para
impedir que certas informações valiosas caiam em poder de
competidores econômicos privados ou em mãos de grupos
políticos estrangeiros e potencialmente hostis. A espionagem
entre competidores, ainda que, geralmente, não seja chama
da' assim, é talvez tão freqüente - quando não altamente
organizada - em um sistema da empresas privadas quanto
em um sistema de Estados nacionais. Cifras acerca dos custos,
listas de clientes, indicações so~re novos procedimentos téc
nicos, planos de produção, são considerados, em geral. como
segredos essenciais das burocracias econômicas privadas, se
gredos qde poderiam ser revelados se as ba.ses de todas as
decisões e da pol~tica tivessem que ser defendidas publica
mente.
AS DISFUNÇOES DA BUROCRACIA
Nesta descrição simplificada se enfatizam os resultados
positivos e as funções desempenhadas pela burocracia, quase
sem considerar as pressões internas que afetam sua estrutura.
A sociedade, em grande' parte, contudo, realça as imperfei
ções da burocracia, como se deduz do fato de que a palavra
"burocracia" se converteu em um insulto.
A passagem, para o estudo dos aspectos negativos da
burocracia nos é dada pela aplicação do conceito de Veblen
de .. incapacidade treinada", da noção de Dewey de to psicose
ocupacional" e da de Wa;rnotte de "deformação profissio-'
nal". A incapacidade treinada corresponde à situação em que
a preparação pode tornar-se inadequada ao mudar certas
condições. A falta de flexibilidade na sua aplicação a um
meio em transformação produz desajustes mais óu menos
sérios.8 Assim, adotando o exemplo do galinheiro e utilizado
7 Weber, op. cll.
8 Para estimular a discussl'i(l e o uso desses conceitos, ver Kenneth
Burke. Performance anel Change (Nova York: New Repubbc, 1935).
112 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
por Burke neste sentido, os reflexos dos pintinhos podem
ser condicionados para que o som de uma campainha se con- .
verta em um sinal de alimento. A mesma campainha pode ser
usada para reunir os "pintinhos treinados" para a sua deca
pitação. Em geral, adotam-se medidas que correspondem à
preparação anterior, e sob novas condições que não são perce
bidas como significativamente diferentes, a solidez desta pre
paração pode conduzir à adoção de procedimentos errados.
Como disso Burke, trpeople may be unfítted by being fít in
an unfit fitness". Assim a preparação pode resultar em inca
pacidade.
O conceito de Dewey de psicose ocupacional se baseia,
em grande parte, na mesma observação. Como resultadoda
sua rotina diária, os individuos vão adq~irindo preferências
e antipatias.9 (O termo psicose é empregado por Dewey para
significar uma "marcada característica psiquica".) Essas psi
coses se desew."Olvem-pelas exigências da organizaçãooa aual
o indivíduo desempenha seu papel ocupacional.
Os conceitos de Veblen e de Dewey referem-se a uma
ambivalência fundamental. Qualquer atividade pode ser con
siderada tanto da perspectiva do que se consegue como da
perspectiva do que não se consegue. "Ver pode significar
também. não ver - olhar o objeto. A exclui ver o objeto B" .10
Em seu estudo, Weber se ocupa quase excl1;lsivamente do que
seconsegue,/ mediante a estrutura burocrática: precisão, con
fiança, eficiência. Essa mesma estrutura pode ser estudada,
também, enfocando o outro aspecto da ambivalência. Quais
são as limitações da organização concebida para a consecução
desse fins?
Por razões que já apresentamos, a estrutura burocrática
exerce sobre o funcionário uma constante pressão para tor
pâgs. 50 e seguintes; Daniel Warnotte, "Bureaucratle et Fonctlonnarisme" ,
/(evue de rrnstitut de Socíologie. XVII (1937), 245.
9 Ibid.. pAgs. 58-59.
10 Ibid.• pág. 70.
ESTRUTURA BUROCRÁTICA E PERSONALIDADE 113
ná-Io "metódico, prudente, disciplinado". Se a burocraria deve
funcionar satisfatoriamente, necessita um alto grau de con
fiança na conduta dos funcionhios, ou seja, um grau execp
donal de conformidade com as responsabilidades atribuídas.
Daí a importância fundamental da disciplina, que pode estar
tão desenvolvida em uma burocracia religiosa ou econômica
como no exército. A disciplina só pode ser efetivada se os
padrões ideais são sustentados. por fortes sentimentos que
assegurem dedicação aos próprios deveres, uma aguda per
cepção dos limites da própria autoridade e competência e a
realização metodizada das atividades de rotina. A eficácia da.
estrutura social depende, finalmente, de que se possa infundir
110S grupos integrantes atitudes e sentimentos apropriados.
Como veremos, existem disposições dentro da burocracia para
inculcar e fortalecer tais sentimentos.
Por enquanto basta observar que para assegurar a disci
plina (a necessária-confiança no desempen.hõ)u esses senti
mentos são, freqüentemente, mais intensos do que o neces
sário. Há, por assim dizer, uma margem de segurança na
pressão exercida po~ esses (entimentos sobre o burocrata. com
á finalidade de moldá-lo a suas obrigações, assim como o
engenheiro, ao efetuar os cálculos de resistência de uma ponte,
toma a precaução de exagerar certas medidas. Essa ênfase
produz uma transferência dos sentimentos dos fins da orga
nização para os detalhes particulares da conduta exigida pelas
normas. A submissão à norma, de início concebida como
meio, transforma-se em um fim em si mesma. Trata·se do
processo do deslocamento dos objetivos pelos quais "um valor
instrumental se converte em valor final".u A disciplina
11 Esse processo tem sido observado em multos aspectos. Temos.
por exemplo, a "heterogonia dos fins" de Wundt e o "paradoxo dos re~
§ultados" de Max Weber. Ver também as observações de MacIver so
bre a transformação da civilização em cultura e a observação de Lasswell
de que "o' homem se distingue por sua infinita capacidade para transfor
mar seus meios em fins". Ver Robert K. Merton, "The Unanticipated
Consequences of Purposive Social AcHoo", em Americiin Sociological
Review. I (1946), págs. 894~901. Este processá tem sido analisado exaus~
I
114 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
interpretada como acatamento aos regulamentos - qualquer
que seja a situação, não é considerada como uma medida des
tinada a fins específicos, mas aparece na vida do burocrata
como um valor imediato. Essa ênfase, resultante do desloca
mento dos objetivos, produz rigidez e incapacidade de ajus
tamentos imediatos. Assim surge o formalismo - e mesmo
o ritualismo - sob a forma de um apêgo excessivo aos exi
gentes procedimentos formais. 12 Esse apego pode ser exage
rado até o ponto em que a observação rigorosa das normas
interfere na consecução dos fins da organização; teremos,
então, o fenômeno corrente do formalismo ou tecnicismo dos
funcionários. Um produto extremo desse processo de deslo
camento dos objetivos da organização é o burocrata "virtuoso"
que não esquece, jamais, nem uma só das normas relativas
a seu cargo e que, portanto, é inacapaz de atender a muitos
de seus clientes. 13 Um caso em que o reconhecimento estrito
literal das normas produziram este resultado é o de Bernt
:;;.
Dalchen, piloto do Almirante Byrd em sua expedição ao Pólo
Sul: "Conforme uma resolução do Departamento do Traba
lho, a Bernt Dalchen. " não se pode esquecer carta de cida
tivamente em funç~o dos mecanismos psicológicos por Gordon W. AlIport
na discuss~o do que ele chama de "autonomia funcional dos motivos".
AlIport corrige as formulações anteriores de Woodworth. Tolman e
William Stern e chega a uma formulaç!io do processo do ponto de vista
da motivação individual. Não considera aquelas fases da estrutura social
que conduzem à "transformação dos motivos". A formulação adotada
neste estudo é. portanto. um complemento das de Allport. Uma consi
dera os mecanismos psicológicos envolvidos. e as outras as pressões da
estrutura social. A convergência da Psicologia e da Sociologia no sen
tido de um conceito intermediário sugere que ele bem poderia ser um
dos elos de união conceptual entre as duas disciplinas. Ver Gordon W.
AlIport. Personality (Nova York: Henry Holt & Co.• 1937). capo 7.
12 Ver E. C. Hughes. "Instltutlonal OUlce and tHe Person". em
American !oumal of Soclo/ogy. XLIII (1937). 404-413: Robert K. Mer
tono "Social Structure and Anomle". em Social Theory and Social
Structure (Glencoe. Illlnols: The Free. Press. 1949): iE. T. Hiller. "So
cial Structure In Relatlon to the Person". em Social P"rces. XVI (1937).
págs. 34-44.
13 Mannheim. Ideology and Utopia. pág. 106.
ESTRUTURA BUROCRÁTICA E PERSO~ALIDADE 115
~I
dania. Balchen, de nacionalidade norueguesa, havia solicitado I t
sua nacionalização em 1927. Na resolução declara-se que não ,!í
cumpriu com O requisito de cinco anos de residência contínua ~
·1
nos E.U.A. A expedição antártica de Byrd o levou para fora ~ do país - embora navegasse em um barco de bandeira norte ~:,
-americana - e foi um elemento valiosíssimo em uma expe ir ~dição norte-americana, e em zona (Little America) sobre a [
qual os E.U.A. reivindicam sua soberania por havê-la explo I; ~.
rado e ocupado. I
!
"O departamento de nacionalização sustenta que não ~ I
pode proceder segundo a suposição de que Little America ): fl
é .território norte-americano, porque isso seria imiscuir-se em ! f
questões de ordem internacional que não são de sua compe I
tência. Do ponto de vista do Departamento do Trabalho,
Balchen não havia residido o tempo suficiente nos E.U.A.,
e tecnicamente não cumpria com os requisitos da lei de nacio
nalização" . J l
FONTES ESTRUTURAIS DA
fCONFORMIDADE EXCESSIVA
f
I"
A falta de adequação na orientação que implica incapa I f
cidade treinada tem sua origem em causas estruturais. Reca I
pitulando rapidamente: 1) Uma burocracia eficiente exige r
confiança no desempenho e estrita observância das normas; !
2) esse cumprimento estrito das normas tende a transformá
-las 'em absolutas; já não são consideradas em relação a uma
série de fins; 3) isso interfere na pronta adaptação sob condi
ções em transformação e não claramente percebidas por aque
les que redigem as ~ormas; 4) assim temos que os mesmos
elementos favoráveis à eficiência, em geral, são a causa da
H Do Chicago Tribune. de 24 de junho de 1931. pág. 10. citado
por Thurman Arnold em The Symbolsof Government (New Haven: Yale
Onlverslty Press. 1935). págs. 201-202 (os Itálicos são de R. K. M.).
116 SOCIOLOGrA DA BUROCRACIA
ineficácia em casos particulares. Os membros do grupo que
não apartaram do significado que para eles têm as normas,
raras vezes percebem, plenamente, a sua inadequação. Essas
normas, por sua vez, se convertem em simbólicas por natu
reza, mais do que úteis.
Até agora temos tratado os sentimentos responsáveis
pelo rigor da disciplina unicamente como elementos dados.
Contudo, pode-se observar quais aS características definidas
da estrutura burocrática que levam a esses sentimentos. A
vida oficial 9'0 burocrata está projetada para ele em têrmos
de uma carreira graduada, por meio da promoção por anti
guidade, pensões, salários reajustáveis etc., tudo isso visando
estimular o trabalho disciplinado e o acatamento das nor
mas.1 11 Tacitamente se espera do funcionário que adapte seus
pensamentos, sentimentos e atuações à perspectiva dessa car
reira. Mas esses mesmos elementos não somente aumentam
&-ffifl:forfIlismo- c-o~mbém conduzemaoe~o-fia~
trita observação das normas, o que resulta no conservantismo
e no tecnicismo. O enorme significado simbóIlco dos meios
(as normas) contribui para que os sentimentos se transfiram
dos fins para os meios.
O~tra característica da estrutura burocrática tende a pro
duzir um resultado semelhante. Os funcionários sentem que
têm um destino comum com todos aqueles que trabalham
juntos. Compartilham os mesmos interesses, o que se deve
à pouca competição, já que a'S promoções se fazem por anti
guidade. A agressividade dentro do grupo fica, dc:sse modo,
reduzida ao mínimo, situação à qual se atribui uma função
positiva para a burocracia. Contudo, o "espírito de ,grupo"
(esprit de corps) e as associações de caráter informal, que
geralmente se desenvolvem em semelliantes circunstâncias,
freqüentemente levam os funcionáriqs a preferir a defesa de
15 Mannheim realça a Importância do "Lebensplan" e a
"Amtskarriere". Ver os comenfárlos de Hughes. op. cit.. pág. 413.
ESTRUTURA BUROCRÁTICA E PERSO,NALIDADE 117
seus interesses em lugar de dar assistência ao público e aos
chefes superiores eleitos. Como afirma o Presidente Lowell,
se os burocratas acreditam que seu status não é suficiente
mente reconhecido por um chefe recentemente eleito, ocultar
-lhe-ão detalhes ao apresentar-lhe os informes, fazendo-o co
meter erros pelos quais será responsável. Se tenta, por out.ro
lado, dominar completamente, ferindo assim os sentimentos
de integridade dos burocratas, estes o sobrecarregarão com
tal número de documentos que lhe será impossível despa
chá-los todos ou pelo menos lê-Ios.l6 Isso demonstra que uma
organização informal e defensiva tende a aparecer sempre
que a. integridade do grupo se vê ameaçada.l7
Seria demasiado cômodo e em parte errôneo atribuir essa
resistência dos burocratas apenas aos interesses adquiridos.
Êsses interesses chocam-se com qualquer ordem nova que
elimine ou diminua a certeza das vantagens estabelecidas.
-tsso, .. sem dúvida,ÍOtma parte-da resistência dosôurocrafas
à mudança, mas há outro fen~meno que é, talvez, mais signi
ficativo. Como temos·visto, o~ funcionários burocráticos se
identificam afetivamente com seu modo de vida. Têm um
orgulho de ofício que os leva a opor-se às mudanças na roti
na estabelecida, pelo menos àquelas mudanças que aparecem
como impostas por pessoas alheias a seu circulo. Esse ilógico
orgulho de oficio é uma característica difundida que se mani
festa mesmo nos batedores de carteira que, a julgar pelo que
disse Sutherland em Professional Thief, apesar do risco se
deliciam em dominar a prestigiosa façanha de "afanar" tanto
o bolso esquerdo como o direito das calças.
16 A. L. Lowell. The GOl1ernment 01 Bngland (Nova York. 1908)
I. págs. 189 e seguintes.
17 Para uma instrutiva descriçtlo da formaçtlo de uma semelhante
organlzaçlo defensiva num grupo de trabalhadores. ver F. J.
Roethlisberger e W. J. Olckson. Management and the Worker (Bostori:
Harvard School of Buslness Admlnistratlon. 1934).
I
118 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
Em um estimulante estudo, Hughes aplicou os termos
'''secular'' e "sagrado" a vários tipos de divisão do trabalho.
O "sagrado" das prerrogátivas de casta e de estamento con
trasta, claramente, com a progressiva tendência secularizado
ra na' diferenciação das ocupações em nossa sociedade em
mudança.18 ,Contudo, como o sugerimos, em algumas carrei
raS e em certos tipos de organizações, pode desenvolver-se o
"processo de sacralização" (como contrapartida do "processo
de secularização"). O que equivale a dizer que através da
formação de sentimentos, da dependência afetiva frente aos
símbolos e statlls da burocracia e do envolvimento, afetivo
nas esferas de jurisdição e de autoridade, desenvolvem-se
prerroga.tivas que implicam atitudes de legitimidade moral
erigidas em valores, por direito próprio, e não mais conside
rados como meios puramente técnicos para tornar mais efi
ciente o trabalho administrativo. Pode-se notar em algumas
L... ,. :~"~od-__L] ., • M,Jlormas-'&Uo~rabcas,-J.llLJ. u;uyas.a-prlnGtpID-pot'-fazoes--tec-·-' -
nicas, uma tendência a tornarem-se rígidas e sagradas, em
bora, como diria Durkheim, sejam seculares na aparência.lO
Durkheim tratou desse processo geral numa descrição
das atitudes ~ dos valores que persistem na solidariedade or
gânica ,de uma sociedade marcadamente diferenciada.
18 E. C. Hughes, "Personallty Types and the Dtvision of Labor",
em Amedcan Tournal 01 Sociology, XXXIII (1928), págs. 754·768.
Uma dlstlnçll.o multo semelhante é esboçada por Leopold voo Wiese e
Howard Becker em Systematic Sociology (Nova York: loho Wiley &
Sons. 1932). págs. 222-225 et passim.
19 Hughes reconhece uma fase desse processo de sacrallzaçll.o ao
escrever que a forínaçll.o profissional "acarreta" como um subproduto
a assimUação do candidato a um conjunto de atitudes e controles profis
sionais. uma consciência e uma solidariedade prolissionais,. A prolissão
pretende ser e procura converter-se numa entidade moral. Hughes. op.
dt., pág. 762. A este respetlo o conceito de Summer de "pathos" , como
a auréola de sentimentos que protege a um valor social das criticas, tem
uma importância especial já que fornece uma indicação dos mecanismos
envolvidos no processo de sacralização. Ver seu Polk-way, (Boston:
Ginn & Co.• 19(6). págs. 180-181.
ESTRUTURA BUROCRÁTICA E PERSO,NALIDADE 119
REUÇOES PRIMARIAS E RELAÇOES
SECUNDARIAS
Outra característica da estrutura burocrática, a ênfase
no caráter impessoal das relações, também contribui para a
incapacidade treinada do burocrata. O modelo da personali
dade do burocrata forma-se em torno da norma de impes
soalidade que, ao lado da tendência a categorizar, resultante
do predomínio das normas gerais e abstratas, tende a produ
zir conflitos nos contatos do burocrata com o público ou com
a clientela. As particularidades dos casos individuais são, ge
ralmente, ignoradas já que os funcionários reduzem ao mí
nimoos contatos pessoais e recorrem à categorização. Mas o
cliente, que muito compreenslvelmente está convencido de
que o seu caso é um "caso especial", faz, geralmente, obje
ções a ser tratado como categoria. O tratamento estereoti
pado não se adap!a àse~igênc.:!as dosprobkmas iQ(livid:u.ais.,___ _
'O tr-afaménto impessoal que se dá a assuntos que para o
cliente podem ser de grande importância pessoal é a causa
da imputação de "arrogância" e "insolência" que se faz aos
burocratas. Assim, na Greenwich Employment Exchange, o
trabalhador desempregado que procura o pagamento de seu
seguro aborrece-se com o que ele consideracomo a "impes
soalidade e, às vezes, o tratamento frio e a rispidez dos fun
cionários. .. Alguns indivíduos se queixam da atitude de
superioridade que adotam os funcionários".2o Outra fonte
20 "Tratam as pessoas como a um monte de lixo, eis o que fazem.
Vi um operador de escayadeira que sacudiu um empregado pelo pescoço.
por cima do balcão. Os demais estavam com vontade de aplaudir. Evi
dentemente ele nada conseguiu... Mas o empregado o mereceu por seu
modo desdenhoso" (E. W. Bakke, The Unemployed Man; Nova York:
Dutton, 1934. págs. 79-80). Note-se que a atribuição de arrogância é
feita por um desempregado que se encontra num estado de tensão devido
à perda de status e dignidade numa sociedade em que é corrente a idéia
de que todo "homem capaz" pode encontrar trabalho. Que essa atribui
ção é, em grande parte, uma conseqüência do estado psicológico que
atravessa o desempregado pode deduzir-se da própria observação de
Bakke de que "os empregados eram ligeiros e não tinham tempo para
amabilidades, mas havia poucos indicios da dureza ou arrogância no
seu tratamento com o público".
I
I
120 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
de conflitos com o público tem sua origem na estrutura buro
crática. O burocrata, independentemente da parte de sua po
sição na ,hierarquia, atua como representante do poder e do
prestígio de tôda a estrutura. No desempenho de seu cargo
está investido de uma autoridade definitiva, Isso, geralmente,
conduz a uma atitude dominante, aparente ou verdadeira, que
somente pode ser acentuada pelo conflito entre sua posição
dentro da hierarquia e sua posição frente ao público,21 A
queixa e o recurso a outros funcionários, por parte do clien
te, tornam-se, freqüentemente, ineficazes ou neutralizados
pelo "espírito de grupo" anteriormente mencionado, que con
grega os funcionários em um grupo mais ou menos solidário,
Essa fonte de conflito pode ser reduzida ao mínimo nas em
prêsas privadas, já que o cliente pode tornar efetivo seu pro
testo transferindo seus negócios para outra organização den
tro do sistema de concorrência. Contudo, f tente ao caráter
__ -----menepoHstieo --da--organizaçã:u-pública~ - semelnantealterria:
tiva não é possível. Neste caso, ademais, a tensão aumenta
pela discrepância entre a ideologia e os fatos: supõe-se que
os funcionários públicos se)'am "os servi"dores d p ..
o ovo, mas,
- f "t t' " . .. éde fato,eêl S sao requen emen e lllaCeSSlvels e raras vezes
, I - , H
posslve ,escapar-se da tensao recorrendo a outra repartIçao
21 A êste respeito note-se a importância dos comentários de Koffka
sóbre aves ordenadas segundo a freqüência e intensidade com que bi
cavam umas às outras, "Se se compara o comportamento da ave que
está no alto da lista, ou seja, o déspota, com o comportamento de uma
ave que está em terceiro ou segundo lugar a contar de baixo, encontra
mos que esta última é muito mais cruel com as poucas sóbre as quais
domina do que a primeira em seu tratamento com tOdas as outras, Tão
rápido como se remove do grupo todas as aves que se encontram acima
da penúltima, a conduta desta se torna mais transigente e. às vêzes, até
amistosa, '" Não é diflcil encontrar esta analogia nas sociedades hu
manas e, portanto, um aspecto dêsse comportamento deve-se aos efeitos
do grupo social e não às caracteristicas individuais", K, Koffka.
Principies 01 Gestalt Psychology (Nova York: Harcourt. Brace. 1935) t
pãgs. 668-669.
ESTRUTURA. BUROCRÁTICA E PERSONALIDADE 121
pública para obter o serviço que se deseja.22 A tensão pode
ser atribuída, em parte, à confusão entre status social do bu
rocrata e do cliente: êste pode julgar-se superior, socialmente
ao funcionário, que no momento adota uma atitude domi
nante.28
Assim, no que diz respeito aos contatos entre o público
e os funcionários, uma das fontes estruturais de conflitos
é a tendência ao tratamento formal e impessoal, quando o
que o público deseja é uma atenção especial e individuali
zada, O conflito pode ser considerado, então, como resultante
da adoção de atitudes e relações inadequadas, O conflito
dentro da estrutura burocrática surge da situação contrária.,
isto é, quando as relações pessoais substituem as relações que
por ~azões estruturai~ deveriam ser ,mais impessoais, Esse
conf~lto pode caractenzar-se da manetra que exporemos em
segUlda,
... ,__o Aburm::rnda,- como ···temos-vistO;-esta ··õtganizaaacomo
um grupo formal, e secundário. A~ relaçõ:s, norrr;~is dentro
d~ssa rede ~rgantzada de expectativas SOCiaIS apolam-se nas
atitudes efetivas dos membros do grupo. Como o grupo está
. d d d ' I'd di'onenta o segun o as normas a 1mpessoa 1 a e, qua quer atl
.,tude que se deSVIe da conformIdade com essas normas des
t h t'l'd d d I 'd t'f' I ' per a a os I I a e aque es que se I en I lCam com a egl
timidade das mesmas. Daí que a sub~tituição do tratamento
impessoal por um tratamento pessoal encontra geral desa
provação dentro da estrutura e caracteriza-se por epítetos tais
como nepotismo, favoritismo etc, os quais são manifestações
22 Nesse ponto a máquina política adquire. freqüentemente, um
significado funcional. Como Steffens e outros tém demonstrado, as re
lações mais pessoais e a supressão de formalidades regulamentares por
parte da máquina satisfazem m!,!is plenamente as necessidades dos .. clien
tes" do que o mecanismo estereotipado da burocracia governamental.
23 Como notava um dos desempregados a respeito dos funcioná
rios da Greenwich Employment Exchange: "Esses tipos nl10 teriam seu
emprego" se não fosse por nós. os desempregados, g por issô que me
aborrece vê-los de nariz empinado", Bakke. op, cit.• pág. 80.
1
122 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA ESTRUTURA BUROCRÁTICA E PERSONALIDADE 123
claras de sentimentos feridos. 24 A função de tais "ressenti. buindo para evitar a desintegração da estrutura burocrática,
mentos automáticos" pode ser compreendida claramente nos .0 que ocorreria se as relações impessoais fossem substituídas
termos das necessidades da estrutura burocrática. pelas relações pessoais. Esse tipo de conflito pode ser des
'" crito, genericamente, como a introdução de atitudes do grupo
A burocracia é uma estrutura de grupo secundário desti
primário quando o que a instituição requer são atitudes do nada a realizar certas atividades que não podem ser desem
grupo secundário. Da mesma forma como o conflito entre penhadas satisfatoriamente com base num critério de grupo
o burocrata e o público tem sua origem, geralmente, no trataprimário.211 Dai resulta que a conduta contrária às normas
mento impessoal. quando o que se requer é um tratamento
formalizadas converte-se em objeto de apaixonada desapro
vação. Isso constitui uma defesa funcionalmente significa pessoal.
tiva contra as tendências que põem em perigo a realização
Problemas da Investigafão - A tendência ao aumento
de atividades socialmente necessárias. Certamente, essas rea
da burocracia na sociedade ocidental, que Weber há bastante
ções não são práticas racionalmente determinadas e exphci
tempq havia previsto, não é a única. razão que têm os soció
tamente concebidas para o desempenho dessa função. Antes, logos para concentrar sua atenção nesse campo. Os estudos
do ponto de vista da interpretação individual da situação,
empiricos das relações entre a burocracia e a personalidade
esse ressentimento é apenas uma resposta imediata oposta à contribuíram de maneira especial para a crescente compreen
..desonestidade" daqueles que violam as regras do jogo. . são da est!,uttI!ªsocial. UmaSJ:ªºd~ número de pmbleAAmAJ,a....s'---__
--Contudo, apesardesse marco sübjelivO da referêrieia:;-essas f: específicos solicitam nossa atenção. Até que ponto os distinreações desempenham a função latente de manter os ele- tos tipos de personalidade são selecionados e modificados
mentos estruturais essenciais da burocracia, reafirmando a
pelas diferentes burocracias (empresas privadas, administra
necessidade de relações secundárias e formalizadas e contri ção pública, aparatos políticos semilegais, ordens .religiosas) ?
Considerando-se que o predominio e a submissão constituem
2i P significado de elementos lIngülsticos tais como os epitetos tem características da perosnalidade, apesar de suas variações em
sido pouco explorado pelos sociólogos. Summer muito aptoprladamente distintas situações, selecionam as burocracias as personalidaobserva que os epítetos expressam definições e "criticas sumárias" de si
tuações sociais. Dollard observa também que os ..epitetos &eqüentemen des mais ou menos submissas ou dominantes? E já que vários
te definem os problemas mais importantes de uma sociedade" e Saplr tem
estudos têm demonstrado que essas caracteristicas podem ser
enfatizado a importância das situações na apreciação do significado dos
epítetos. De Igual importância é a observaçlo de Linton. segundo a qual modificadas, a participação nas atividades burocráticas tende
"nas histórias de casos a maneira de sentir de uma comunidade sobre
a awnentar as tendências dominadoras? Selecionam os dis
um dado acontecimento é mais Importante para o nosso estudo do que a
próprio conduta ••. " Um estudo sociológico do "vocabulãrlo de louvores tintos sistemas de provisão de cargos (recomendações, con
e opróbrios" obterá valiosos resultados.
cursos. exames de admissão. antecedentes, experiência práti
25 A desaprovaçlo por parte da sociedade. de multas formas de ca, provas etc.) diferentes tipos de personalidade? A pro
conduta pode ser analisada em termos de um ou de outro desses padrões
de substituiçlo de tipos de relaçlo culturalmente Inadequados. Assim. a moção por antiguidade diminui a competição e aumenta a
prostitulçlo constitui um caso ti pico em que o coito, uma forma de inti
eficiência administrativa? Um estudo detalhado dos procedi
midade Institucionalmente definida como slmbolo da relaçAo mais "sagrada"
do grupo primário. está situada no contexto contratual. simbolizado pejo mentos que conferem aos códigos burocráticos certa afetivi
Intercâmbio do simbolo mais impessoal. o dInheiro. Ver Kingsley Davis.
dade seria instrutivo tanto do ponto de vista sociológico como
"The Sociology of Prostitutioo", em American Sociological Review. 11
(937). p\\g.s. 744-755. do psicológico.
124 SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA
o caráter anônimo das decisões da administração públi
ca tende a restringir a área dos símbolos de prestígio a um
círculo interno? .Existe,· por acaso, uma marcada tendência
para a associação diferenciada entre os burocratas?
A extensão dos problemas teoricamente relevantes e de
importância prática pareceria estar limitada apenas pela aces
sibilidade do material informativo concreto. Estudos sobre as
organizações burocrático-religiosa, militar, educacional, eco
nômica e política, concernentes à interdependência da orga
nização social e formação de personalidade, constituem um
campo para frutíferas investigações. Neste campo a análise
funcional das estruturas concretas poderia ainda construir uma
Casa de Salomão para os sociólogos.
~:
o ESTUDO COMPARATIVO DAS
ORGANlZAÇõES*
PETER M. BLAU
o MÉTODO COMPARATIVO no sentido mais amplo
do termo está implícito em toda teorização científica ou eru
(fita. Se por teoria entendemos umconjunto~mgeneraliza~ I I
ções que explicam o curso de eventos e situações a partir das
condições e processos que o produz, toda teoria deve apoiar
-se em comparações de casos contrastantes. Pois a explicação
de uma dada situação requer que se considere a diferença
entre esta e outra. Por exemplo, por que as instituições de
mocráticas se desenvolvem em alguns países, e não em ou
tros, ou que processos políticos distinguem as democracias
com sistemas multipartidários daquelas em que vigoram sis
temas bipartidários?
Contudo, o termo "método comparativo" é utilizado,
correntemente, num sentido mais restrito, embora de todo
inconsistente. Spencer e Durkheim, por exemplo, utilizam-no
para referirem-se a princípios metodológicos virtualmente
opostos. O método comparativo do primeiro implica descri
ções da mesma instituição em sociedades diferentes para
.. Traduzido de "The Comparative Study of Organizations", em
Industrial and Labor Relatiol'll!, Review. vol. 18. abril de 1965.