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Grupo Temático 4: 
Gerenciamento de Organizações Públicas CORDEIRO, W. M. 
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BUROCRACIA NA CONSTRUÇÃO DA 
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO SÉCULO XXI: 
uma reflexão teórica 
 
Wagner Marques Cordeiro1 
 
RESUMO 
 
No presente estudo, propomos uma análise da burocracia, suas 
características e contribuições para a contínua construção da 
Administração Pública. O objeto de nossa análise articula exames 
teóricos de autores que tanto positivam a burocracia, como Weber (1946) 
e Eisenstadt (1959), quanto autores que a negativam, como Robert 
Michels (1949), Philip Selznick (1964) e Michel Crozier (1963). Assim, 
visando uma reflexão acerca de uma esperada posição em favor de que o 
gerenciamento na Administração Pública demanda práticas burocráticas, 
temos que o século XXI está mais do que propício para que a gestão de 
organizações públicas rompa com prejulgamentos acerca da burocracia e 
enxerguem nela os devidos elementos que favorecem a emergência de 
uma constante busca de excelência no serviço público. 
 
Palavras-chave: Burocracia. Administração Pública. Reflexão teórica. 
 
 
 
 
1
 Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 
 
 
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INTRODUÇÃO 
 
A burocracia sempre foi tida como um dos entraves para o pleno 
desenvolvimento da Administração Pública. Essa é uma crença bastante arraigada 
na sociedade brasileira. Mas, sobretudo, arraigada devido à falta de atenção teórico-
procedimental acerca do que, deveras, vem a ser a burocracia e o que ela 
resguarda. Essa falta de cuidado analítico com o que vem ser a burocracia faz com 
que se reverbere a ideia de que um bom gerenciamento deve manter distância de 
práticas burocráticas. 
Desse modo, com o objetivo de propor uma reflexão teórica sobre a 
burocracia e sua relação com a Administração Pública, o presente artigo faz uma 
imersão em um marco teórico em que figuram autores que tanto se debruçam sobre 
conotações negativas quanto autores que se debruçam sobre conotações positivas 
da burocracia. 
A despeito de a burocracia poder estar presente nas mais diversas formas de 
coletividade, é nas organizações onde ela pode encontrar sua forma mais tangível. 
Ainda que não se queira considerar, tanto as organizações da esfera pública quanto 
as organizações da esfera privada, ambas dialogam com a burocracia, haja vista 
que, em tais esferas, guardando suas especificidades, a burocracia faz com que 
certas organizações se reconheçam, se atraiam, ou se repilam, naturalmente. 
Sob a perspectiva reflexiva acerca da contínua construção da Administração 
Pública do século XXI, na seção 1 do presente estudo, discutimos a burocracia e 
seus contrapontos, e como se forma a base teórica que a negativa e que a positiva. 
Na seção 2, trazemos a discussão relacional entre organizações e a burocracia. 
Lançando um olhar evolutivo de como a burocracia se firma para construir a 
Administração Pública, na seção 3 fazemos um debate histórico. Na seção 4, 
apresentamos os estratos burocráticos e sua formação no Brasil. Por fim, na seção 
5, em tom provocativo, instigamos uma discussão acerca da competência da 
construção da Administração Pública deste século. 
Assim, o presente estudo encontra arrimo pelo fato de serem poucos os 
trabalhos científicos que se impõem frente à visão hegemônica de que a burocracia 
é um mal que precisa ser freado, a fim de que se garanta, por exemplo, um efetivo 
aperfeiçoamento da Administração Pública. 
 
 
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 Neste mesmo diapasão, praticamente não se encontram trabalhos que 
combatam a ideia de que, para um bom gerenciamento, a burocracia se apresenta 
como uma contramão. 
 
1 A BUROCRACIA E SEUS CONTRAPONTOS 
 
Apesar de sistematizada de forma pontual e cuidadosa pelo sociólogo e 
economista alemão Max Weber (1864-1920), a burocracia, grosso modo, ainda 
parece ser mal compreendida e tem, muitas vezes, sido interpretada como 
empecilho ou obstáculo para a fluidez, sobretudo, no que toca aos trâmites 
administrativos nas mais diversas organizações e nos seus níveis de eficiência. 
Quem nunca escutou uma ou outra pessoa usar a expressão “isto é burocrático 
demais” ou “é muita burocracia”; isso com certo desencanto, referindo-se a alguma 
exigência procedimental desnecessária proposta ou determinada por alguma 
instituição, entidade ou organização de um modo geral? 
Para alguns autores como Motta e Bresser-Pereira (2004), a teorização de 
Weber foi terrivelmente empobrecida pela interpretação cultural feita pela teoria 
administrativa. Vale citar o exemplo do professor e escritor Idalberto Chiavenato, que 
nos dias atuais é facilmente tido como autor de leitura obrigatória especialmente nos 
cursos de Administração, e que apregoa a burocracia como “uma barreira monolítica 
às mudanças. Uma camisa-de-força que bloqueia e impede o ajustamento da 
organização às mudanças ambientais” (CHIAVENATO, 2010, p. 71). 
Para início de discussão, Guerreiro Ramos (1983) considera que, focalizado 
sob variados ângulos, o assunto que envolve a burocracia é complexo. Ele defende 
que importa fazer a distinção entre duas conotações que frequentemente tornam 
alvo a burocracia. Uma é a conotação negativa, e a outra, a positiva. Sob o prisma 
negativo da burocracia, vamos encontrar autores como Robert Michels (1949), 
Ludwig von Mises (1944), Karl Mannheim (1941), Philip Selznick (1964) e Michel 
Crozier (1963). 
Michels entendia que a burocracia abre margem para instalação de uma 
verdadeira “lei de ferro nas organizações”, uma vez que, segundo ele, um 
agrupamento de pessoas adquire caracteres burocráticos e faz surgir um círculo de 
membros que monopoliza as decisões e o poder, tendendo à perpetuação. Mises 
 
 
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avaliava que burocracia e inovação não se conjugam, dado que a rigidez das regras 
e regulamentos inerentes à burocracia não dialogam com agendas progressistas e 
inovadoras. Mannheim tinha a posição de que, como traço habitual da burocracia, a 
mentalidade conservadora tende a limitar o horizonte de percepção do burocrata, 
que, tenderia a generalizar inclusive a própria experiência individual. 
Selznick assinala o que chama de “paradoxo da organização” o fenômeno 
negativo que ocorre na burocracia quando há a modificação e o abandono dos 
objetivos professados ou explícitos da organização, a saber, quando os funcionários 
substituem tais objetivos por objetivos operacionais. Ou seja, quando há uma 
secundarização dos fins professados. 
Já na ótica de Crozier, a burocracia consiste num complexo de “círculos 
viciosos”, no sentido de que ela não se corrige em função de seus próprios erros, 
que proporcionam também uma luta pelo poder entre dirigentes e subordinados, isso 
porque esses não são passivos, mas sim ativos no que se refere aos seus poderes 
de barganha. 
Por outro lado, na linha de frente de autores que positivam o conceito de 
burocracia, temos em Weber (1946) o fanal e principal representante para 
avançarmos no campo da ideologia no que tange ao fenômeno burocrático. 
Destarte, é mister que entendamos as principais características da burocracia 
preceituadas pelo próprio Weber. Conforme esse pensador, a burocracia é dotada 
de feições legais fixas, regidas por leis ou normas administrativas; apresenta 
hierarquia organizada monocraticamente; o quadro de funcionários se reveste de 
ocupantes de cargos imbuídos de know-how para realização de tarefas pré-
determinadas e que atendam a procedimentos padrões; o treinamento especializado 
é um pressuposto; a ocupação do cargo está vinculada à plena capacidade de 
trabalho do funcionário; o desempenho no cargo obedece a regras gerais; a relação 
entre as pessoas deve sedar entre cargos; a meritocracia deve ser respeitada; e os 
atos devem ser passíveis de registros, prestigiando, dessa forma, o caráter formal 
das comunicações. 
Também Weber (1946) entende que precisão, velocidade, clareza, 
conhecimento dos arquivos, discrição, entre outros, são exímios atributos da 
burocracia. Sim, em linhas gerais, podemos dizer que são essas as características 
da burocracia, emprazada pelo próprio autor de “Economia e Sociedade”. 
 
 
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Na percepção de Guerreiro Ramos (1983), um autor que merece ser citado 
pela defesa do conceito positivo de burocracia é o sociólogo israelense Shmuel 
Noah Eisenstadt (1959). Este considera, conforme Ramos, que, para o 
funcionamento pleno da burocracia, deve haver as condições necessárias. Entre 
algumas dessas condições, a diferenciação de esferas institucionais; a 
predominância de critérios universalísticos dos principais papéis e funções a 
indivíduos ou grupos; a definição de comunidade total; o surgimento de objetivos 
que não possam ter em vistas grupos particularistas; a crescente interdependência 
entre grupos e incrementos de dificuldades. No entender de Eisenstadt (1959), 
burocracia equivale a burocracia representativa. Para Dias (2008, p. 85), “a 
organização do Estado é, devido a sua própria natureza, representativa”. 
Observadas as características supracitadas, chega a ser quase lugar comum 
confrontar as ideias de Weber sobre burocracia com as do sociólogo estadunidense 
Robert King Merton (1970), que professa as “disfunções burocráticas” como 
aspectos da burocracia que se sobrepõem à eficiência. Esse autor delineia alguns 
aspectos os quais são considerados disfunções porque apresentam, segundo o 
próprio Merton, internalização das regras e apego aos regulamentos; excesso de 
formalismo e de papelório; resistência às mudanças; despersonalização do 
relacionamento; categorização como base do processo decisório; 
superconformidade às rotinas e aos procedimentos; exibição de sinais de 
autoridade; e dificuldade no atendimento a clientes e conflitos com o público. 
Na perspectiva de afronta ao pensamento de Merton, Motta e Bresser-Pereira 
(2004) atribuem ao comportamento humano nas organizações um fator 
preponderante para a quebra da efetividade da real dimensão burocrática: 
 
O comportamento dos membros das organizações escapa ao modelo 
preestabelecido. Verificam-se, então, as consequências não desejadas das 
burocracias, as „disfunções‟. Todas elas derivam da imprevisibilidade de 
parte do comportamento dos funcionários. O comportamento previsto era 
racional, preciso, coordenado. O comportamento que realmente ocorre, e 
que deixou de ser previsto, pode vir a ser exatamente o oposto daquele 
planejado. (MOTTA e BRESSER-PEREIRA, 2004, p. 43). 
 
Não obstante esses autores reconhecerem que o alto grau de burocratização 
no que se refere ao excesso de formalismo e a despersonalização que muitas vezes 
 
 
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caracterizam as organizações, eles atribuem que o referido excesso resulta na 
concepção popular de burocracia como um sistema de eficiência duvidosa. 
Deste modo, tendo perpassado pelas trincheiras das visões positiva e 
negativa da burocracia, podemos inferir que elas por si não determinam os 
resultantes das organizações, uma vez que o comportamento dos servidores é 
sempre determinante para o êxito dos fins organizacionais. Para uma melhor 
compreensão, é entendendo a relação entre as organizações e a burocracia que 
podemos lançar mão de como elas se influenciam. 
 
2 ORGANIZAÇÕES E BUROCRACIA 
 
O entendimento sobre como a burocracia funciona plenamente exige que 
tenhamos bem delimitado o que vem a ser uma organização, uma vez que o espaço 
de funcionamento da burocracia é por excelência o das organizações. Para tanto, 
temos que conceber que são as organizações que proveem meios para que a 
sociedade tenha suas necessidades atendidas, sejam elas quais forem. 
Para Giddens (2005, p. 284), “organização é um grande agrupamento de 
pessoas, estruturado em linhas impessoais e estabelecida a fim de atingir objetivos 
específicos”. Ainda segundo esse autor, nos dias atuais as organizações exercem 
um papel bem mais importante em nosso dia-a-dia do que jamais se verificou 
outrora. Motta e Bresser-Pereira (2004) consideram que um fator que, no mundo 
moderno, marca a importância das organizações consiste no fato de que elas são 
quesito necessário para o desenvolvimento, econômico, político e social. 
Weber (2000) tratou das organizações sob a perspectiva da dominação 
racional-legal, em que elas se apresentam como maneira de coordenar as atividades 
humanas, ou bens produzidos, de uma forma estável, mediante o tempo e espaço. A 
dominação deve ser posta no plano da hierarquia, que Weber entende como um 
traço fundamental das organizações. 
A despeito disso, as organizações surgem como uma arena de dominação, 
que deve ser compreendida como uma situação em que uma vontade manifesta do 
dominador (ou dominadores) visa influenciar as ações de outras pessoas 
(dominados). Com isso, o sociólogo alemão entendia que, nas organizações, há 
uma tendência de o poder ficar concentrado no topo. 
 
 
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Na apreciação de Matias-Pereira (2012, p. 59), “verifica-se que a cultura 
organizacional burocrática estável e madura possui um tipo de cultura hierarquizada, 
na qual existem referenciais nítidos de responsabilidade e autoridade, sendo que o 
trabalho é organizado e sistemático”. Portanto, esse autor aponta que cada 
organização tem uma cultura organizacional específica. No entanto, essa cultura é 
apoiada, transmitida e transformada através do processo de interação social. 
Por assim dizer, as organizações – sejam elas em qualquer esfera em que se 
desenvolvam, através do rito de suas hierarquias – terão sempre como função 
dominante a reprodução do conjunto de relações que são oriundas dos sistemas 
político, econômico e social vigentes. 
Também podemos conceber o Estado como uma forma organização. Para 
Dias (2008), além de reivindicar para si a supremacia da aplicação da força bruta 
aos problemas sociais, o Estado estabelece uma organização do poder da 
sociedade. 
Independente da concepção que se tenha ou que se queira agasalhar sobre 
as organizações, podemos dizer que elas existem, são feitas por pessoas, 
compessoas e para pessoas. Sem muito esforço, podemos chegar à conclusão de 
que serviços como segurança pública, educação, energia, alimentação, água, 
saúde, lazer, entre outros – seja na esfera pública ou privada – todos dependem das 
organizações. E todas têm suas próprias formas de arranjos estruturais e funcionais. 
Ou seja, todas possuem sua forma burocrática. 
De acordo com Maximiniano (2007), as organizações podem fornecer todos 
os tipos de serviços e produtos. Contudo, elas podem ser classificadas de muitas 
maneiras. Vale dizer, por tamanho, por natureza jurídica, por área de atuação, entre 
outros critérios. No que tange ao setor da economia em que operam, ainda conforme 
o autor, as organizações podem essencialmente ser classificadas em três tipos: 
empresas, governo e organizações do terceiro setor. Para fins do presente trabalho, 
nossa concentração se volta ao governo, que compreende as organizações do 
serviço público – por essência burocráticas – sendo estas as que prestam serviços 
aos cidadãos e cidadãs que administram o Estado, através do funcionalismo público, 
ou seja, da Administração Pública. 
 
 
 
 
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3 BUROCRACIA COMO CONTÍNUA CONSTRUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO 
PÚBLICA 
 
Quando olhamos para o século XXI, e pensamos na contínua construção da 
AdministraçãoPública, obrigatoriamente temos que olhar para a conjuntura social, 
que envolve fatores históricos, culturais, políticos e econômicos, afora os estratos 
burocráticos – os quais abordaremos na seção seguinte. Nos últimos séculos, o 
mundo testemunhou inúmeras mudanças no que diz respeito ao dever do Estado. 
Inicialmente, a travessia do absolutismo para o Estado de Direito. Por essa via, a 
disseminação do Estado Liberal e Democrático só foi possível graças às revoluções 
francesa, inglesa e americana, tendo a premissa de que o Estado ficaria sujeito à 
sociedade. 
Para levantar autores que contribuíram com esse debate, Matias-Pereira 
(2012, p. 55) assinala que “a partir do século XIX até a década de 1940 constata-se 
a importância de inúmeros autores, como, por exemplo, Wilson (1978), Taylor 
(administração científica) e Weber (teoria da burocracia)”. Ele considera que, no 
todo, esses autores se acostaram nos princípios da racionalidade, eficiência e 
adequação dos meios aos fins, na busca da oposição ao patrimonialismo, e assim 
colaboraram com ideias para a modernização da Administração Pública. Em 
avançando, se nos prostrarmos no período condizente entre 1940 e 1980, vamos 
perceber que foram implantadas reformas orientadas para solucionar o que se 
considerava como “limitações do modelo burocrático”. Vale aqui abrir um parêntese 
para sublinhar que os modelos que surgiram se autodenominando pós-burocráticos 
também foram alvos de críticas ásperas, como por exemplo o modelo “gerencial 
puro”, que tentou impor uma separação automática entre a política e a 
administração, e na verdade frustrou-se. 
Retomando o evolucionismo da Administração Pública, é de bom alvitre 
destacar que, no Reino Unido, no final da década de 1970, surgiu uma nova cultura 
orientada para uma visão empreendedora na Administração Pública, que foi 
chamada de Nova Gestão Pública (NGP). Após ser adotada pelos Estados Unidos, 
na década de 1980, a NGP só foi adotada na América Latina dez anos depois, 
sendo o Chile o primeiro a implantá-la neste continente, portanto, em 1990. Só a 
partir de 1995 é que seria implantada no Brasil. 
 
 
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Visto isso, temos que considerar que a Administração Pública, como quer 
Matias-Pereira (2012), é um sistema complexo, constituído por instituições e órgãos 
do Estado, normas, recursos humanos, infraestrutura, tecnologia, cultura, e outras, 
que deve – visando o bem comum – exercer de forma justa a autoridade política e 
as suas outras funções constitucionais. 
De tão complexa que se tornou a Administração Pública, a adoção da 
burocracia por ela “foi desenvolvida como forma de combater a corrupção e o 
nepotismo patrimonialista, e buscou maximizar a priori os controles administrativos” 
(MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 60). Também vamos perceber que há na 
sistematização weberiana uma intenção de fechar o cerco sobre qualquer forma de 
improbidade administrativa nas organizações burocráticas; por isso Weber (2000) 
toma como base a racionalidade, a fim de adequar os meios aos objetivos (fins) 
pretendidos, visando ainda garantir a máxima eficiência possível no alcance dos 
objetivos. 
Como pensa Guerreiro Ramos (1983), e com fulcro na Administração Pública, 
não temos o intento de sinalizar que a burocracia, em última análise, é um mal sem 
remédio. Aliás, havemos de considerar que sequer ela é um mal. Ela existe, é 
positiva, exerce uma função determinante para o controle da máquina administrativa 
– ainda que possa apresentar limitações. Boa parte da crítica que ainda incide sobre 
ela é pelo fato de a burocracia não garantir foco nos resultados. Contudo, a 
burocracia não está ameaçada de dissolver-se frente à colaboração que sempre deu 
na construção da Administração Pública. 
Não obstante tenha sido sistematizada sob a égide da forma de poder e 
dominação, a burocracia se mostra como um instrumento vigoroso capaz de garantir 
alta eficiência administrativa e prestar contribuições às intermitentes formas de 
gerenciamento. Como aponta Evans (2004, p. 71), “é a insuficiência da burocracia 
que prejudica o desenvolvimento, e não sua prevalência”. 
 Assim, como parte da construção da Administração Pública do século 
XXI, seria prudente, se puder endeusá-la, demonizar a burocracia seria um 
equívoco. Isso porque é necessário que se vislumbre que a burocracia está a favor 
do bom uso que se faça dela. 
 
 
 
 
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4 A BUROCRACIA E SEUS ESTRATOS NO BRASIL 
 
No que se refere à burocracia, temos discorrido de modo generalizado e 
amplo, até aqui. Para afunilarmos, em se tratando da construção da Administração 
Pública na construção da Administração Pública do século XXI, vemo-nos na 
incumbência de discutir a forma como se constituem os estratos da burocracia no 
Brasil e suas nuanças, que podem apontar para caminhos que construam reflexões 
sobre a modernização de práticas administrativas que promovam o desenvolvimento 
pleno da Administração Pública através de seus agentes. 
Para fins de conceituação, vamos entender estratos burocráticos como cada 
uma das camadas ou classes que compõem o todo organizacional no tecido da 
Administração Pública. 
Para Guerreiro Ramos (1983, p. 220), “no tocante à modernização e ao 
desenvolvimento, todavia, é sempre um estrato determinado da burocracia que 
particularmente se distingue como agente ativo.” Exemplificando, Alfred Diamant 
(1964), citado por Ramos (1983, p. 220), ao formular as características de uma 
burocracia para o desenvolvimento, direcionou a sua formulação ao pessoal do setor 
público da administração. Diz ele: “principalmente à alta burocracia que supervisiona 
a execução de diretrizes e, em muitos sistemas, tem voz na elaboração de 
diretrizes”. 
 Destarte, para dar corpo a esta discussão, partindo do pressuposto de que 
em toda burocracia há elite e massa (Ramos, 1983), temos que “em toda burocracia 
uma minoria tem um desempenho privilegiado na iniciativa e execução de reformas, 
enquanto a maioria restante se conduz de modo largamente passivo”. Visando 
esclarecer as funções dos estratos da burocracia, o autor descreve-os em 
consonância com a administração pública brasileira, distinguindo os estratos que 
vamos apresentar de forma sucinta: a burocracia eleita e/ou propriamente política; a 
burocracia diretorial e quase política; a burocracia técnica e profissional; a 
burocracia auxiliar e a burocracia proletária. 
A burocracia eleita e/ou propriamente política atende no plano federal pelo 
Presidente da República, ministros ou dirigentes nomeados dos departamentos, bem 
como dos titulares de funções de variada sorte. Já no plano estadual e municipal, o 
governador e o prefeito, e as autoridades político-administrativas que lhe são 
 
 
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subordinadas, formam esse escalão burocrático. São autoridades expostas à 
influência e ao controle público. Portadores diretos do poder e que fazem da 
administração instrumento de seus propósitos. 
A burocracia diretorial e quase política não está sujeita à “derrubada” do 
chefe do executivo. Fazem parte desse estrato os servidores públicos das diversas 
categorias e profissões que, ou por força de competência específica, ou de alianças 
informais, mantêm-se permanentemente no exercício de altos cargos e funções e 
assim participam da liderança dos negócios da administração. Geralmente, esses 
servidores estão encarregados de funções de chefias de seções, divisões ou 
departamentos. Nenhuma alta autoridade os pode dispensar ou substituí-los como 
conjunto, porque, sem eles, expõem-se a incorrer em erros ou a tomar decisões 
desastradas. 
A burocracia técnica e profissional é composta por ocupantes de cargos 
em funções profissionais,tais como médicos, engenheiros, agrônomos, arquitetos, 
contabilistas, técnicos de administração, educação, químicos, economistas, entre 
outros. Do ponto de vista analítico, essa burocracia é um estrato operacionalmente 
necessário. Entretanto, em face da modernização e mudança, talvez seja temerário 
proceder a generalizações sobre o seu comportamento. 
A burocracia auxiliar é formada pela maioria dos servidores públicos, 
contínuos, protocolistas, serventes, oficiais administrativos, e carreiras análogas. É 
um estrato que tem participação escassa na elaboração de decisões de grande 
alcance inovador. Na Administração Pública esse estrato é a massa, e não 
componente da elite. 
A burocracia proletária é atrelada – nas esferas do serviço público federal, 
estadual e municipal – a unidades incumbidas de limpeza, de cozinha, construção e 
conservação de estradas, e atividades consideradas meio. Esse estrato é 
considerado o mais passivo dos agentes dos programas de modernização e 
desenvolvimento. 
 
 
 
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5. A QUEM COMPETE A CONSTRUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO 
SÉCULO XXI? 
 
Ao término de suas colocações sobre estratos burocráticos no Brasil, 
Guerreiro Ramos, em seu livro “Administração e Contexto brasileiro” (1983), retoma 
o questionamento do capítulo sobre a forma em que eles se comportam; concluindo 
que a análise sumária da composição da burocracia concorre para desfazer 
idealizações bastantes correntes em estudos sobre o papel dela na modernização e 
no desenvolvimento da Administração Pública. Em capítulos anteriores já havia 
frisado contribuição à sociologia e à estratégia da modernização para tal. Ramos, 
todavia, indaga sobre nas mãos de quem a estratégia administrativa pode tornar-se 
socialmente eficaz. De bate pronto, o próprio Ramos responde: “principalmente nas 
mãos dos titulares do primeiro e do segundo estratos da burocracia”. 
A resposta de Ramos nos faz pensar. Sobretudo porque, ainda que o 
advérbio “principalmente” marque bem a expressão, uma questão inicial diz respeito 
a aparentar haver na resposta um certo departamentalismo de responsabilidade – 
que permeia os “escalões” e apresenta certa nocividade – em que ficam dispersos 
os deveres dos servidores públicos como um todo. Ou seja, surge aí uma fonte de 
permissão para os servidores do terceiro, quarto e quinto estratos burocráticos não 
se acharem estranhos para fazer “corpo mole”, já que a responsabilidade do 
desenvolvimento da Administração Pública não está “principalmente”, em tese, em 
suas mãos. 
Em nosso entendimento – não deixando de fora a população, que na medida 
do possível tem o poder de demandar e controlar a prestação de bens e serviços 
públicos – a agenda de construção da Administração Pública do século XXI passa 
necessariamente pelas mãos e o empenho de todos os estratos burocráticos 
apresentados na seção anterior – as estratégias para tal não é mérito do presente 
artigo. Por mais que tenhamos os estratos bem sistematizados e luzentes, temos 
que se eles não vierem a se valer de uma filosofia convergente, entre si, corre-se o 
risco de – como acontece correntemente – se proceder com uma prestação de 
serviços desconcatenada com as demandas da sociedade e se caminhe para a 
realização de serviços ineficientes e avessos àqueles apregoados pelos princípios 
da Administração Pública. 
 
 
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Não deixando de considerar o cenário sócio-econômico que, como um todo, 
apresenta seus reflexos na Administração Pública, na perspectiva conjuntural, é 
lícito que tenhamos bem claro que o tamanho dos desafios que surgem no serviço 
público no século XXI também passam pela simetria e esforço que devem estar 
presentes desde as práticas administrativas do servidor mais simples até as práticas 
administrativas dos servidores da alta burocracia. 
Para Matias-Pereira (2012), ao mesmo tempo em que provocam incertezas, 
as transformações em curso no mundo contemporâneo estão gerando novas 
oportunidades e gerando avanços. E isso não só no setor privado, mas também no 
público. Assinala o autor: 
 
Podemos argumentar, frente a essa tendência que os esforços para 
viabilizar a inclusão, redução da desigualdade, manutenção do crescimento 
econômico sustentável e a melhoria das condições socioambientais são os 
principais desafios com que grande parte dos governantes, especialmente 
na América Latina, se defrontam nesta segunda década do século 
XXI.(MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 30) 
 
No entender de Azambuja (2008, p. 357), “neste século, a esfera de ação do 
Estado alargou-se e complicou-se enormemente e em consequência há 
necessidade de conhecer toda a realidade social, para poder legislar e administrar 
eficazmente”. 
Cumpre-nos perceber que a construção da Administração Pública que 
almejamos para este século XXI deve ser traçada por todos os envolvidos no serviço 
público, independente de estrato burocrático, escalão, função, cargo, gênero, idade 
ou localização geográfica. Portanto, a atividade fornecida pelo Estado deve ser 
focada no interesse público em que a sociedade seja satisfeita de modo a se romper 
com alguns gargalos que ainda circundam determinados setores da Administração 
Pública brasileira. Em vista disso, “o Estado constitui uma organização que busca 
impulsionar, desenvolver e coordenar as atividades humanas para a obtenção do 
bem comum” (DIAS, 2008, p. 91). 
De resto, para que construamos, neste século XXI, uma Administração 
Pública que caminhe para a prestação de um serviço público eficiente, há a 
necessidade de se abster de prejulgamentos acerca da burocracia e se buscar 
entender como ela, de fato, funciona; ou, pelo menos, como ela deve funcionar. 
 
 
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Afora a questão dos estratos burocráticos, – que aqui já foram elencados como 
construtos da hierarquia organizacional do serviço público brasileiro – acreditamos 
ser pertinente reforçar a visão weberiana enquanto reflexão sobre o que ela (a 
burocracia) pode, a seu modo, proporcionar para a consolidação de uma 
Administração Pública que permaneça como uma atividade consistente em que o 
Estado assume face da coletividade, para promoção do bem comum. 
Em contrapartida, faz-se necessário entender que princípios como divisão de 
trabalho, regras e regulamentos, impessoalidade, competência técnica, respeito à 
hierarquia, formalização das comunicações, procedimentos técnicos, entre outros 
princípios burocráticos, não necessariamente desembocam em “disfunções”. Se 
bem observamos, conquanto possa apresentar limitações, os acertos das práticas 
burocráticas são bem mais visíveis e palpáveis do que as suas possíveis 
“disfunções”. Considerando uma das demandas sociais mais urgentes no atual 
cenário brasileiro – que é a horizontalização da ética em nosso tecido social –, a 
burocracia se apresenta também como um instrumento, tanto quanto possa, para 
blindar os bens públicos, varrer e fechar o cerco frente à corrupção, favoritismos, 
personalismos e clientelismos, que ora se apresentam como um dos onerosos 
entraves para a construção da agenda da Administração Pública, que a sociedade 
almeja. Como depreende Evans (2004, p. 59), “a superioridade do Estado 
burocrático moderno está em sua habilidade em superar a lógica individualista”. 
Por fim, não é que a burocracia seja a mãe do “exagerado apego a 
regulamentos” ou do “excesso de formalismo”. Sob a lente de um serviço público 
decoroso, o que a burocracia tem é apego a um desenho organizacional que 
racionalize seus objetivos e que não canse frente ao seu excesso, mas excesso de 
busca da eficiência. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
No presente artigo, pretendeu-se, de forma sintética, contudo estruturante e 
objetiva, trilharpor reflexões teóricas acerca da burocracia frente à Administração 
Pública, com enfoque em sua construção no século XXI. Para atender a este 
objetivo, utilizamo-nos de aportes teóricos oriundos de autores que possuem 
reconhecido cabedal científico, que nos deu o devido amparo para estabelecer um 
 
 
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debate que viesse a lançar um olhar crítico sobre os contrapontos da burocracia. 
Assim, pudemos inferir que, quando não deturpada, a burocracia – mesmo 
possuindo contrapontos – oferece elementos que auxiliam no gerenciamento de 
modo a poder racionalizar o serviço público sem que ele tenha, com isso, qualquer 
disfunção. 
Desse modo, entendemos que a burocracia não deve ser considerada um mal 
da Administração Pública, tão pouco um empecilho nos ares deste século XXI. É 
válido que se reforce que a burocracia está a favor do bom uso que se queira fazer 
dela. Como em qualquer organização, de nada valerá existir um modelo tido como 
impecável, gerencial ou não, se suas características não forem respeitadas no seio 
organizacional. 
Conclui-se também, e não há como tergiversar, que quando pensamos em 
uma Administração Pública eficiente buscamos sempre ter em mente mecanismos 
que contribuam para que ela seja, sobretudo, focada no interesse público. 
Entendemos que, para tanto, enquanto organização, o Estado deve driblar meios 
que afrouxem possibilidades de improbidades administrativas, personalismos e 
brechas para clientelismos. Essa é uma das vias as quais a burocracia sempre 
esteve de plantão. 
De resto, a Administração Pública se apresenta em contínua construção, em 
que a sociedade deve se sentir também parte desta construção. Contudo, e com 
muita pertinência nesse processo, os estratos burocráticos devem definitivamente se 
assumirem como atores da transformação do serviço público, sabendo abstrair o 
que há de mais determinante na burocracia que – ainda que se queira fechar os 
olhos para este fato – ainda apresenta elementos que, se bem adotados, serão 
sempre canal para um bom gerenciamento. 
 
 
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