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PESQUISA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA FACULDADE DE DIREITO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ALUNA: GLAUCE RAQUEL MARINHO ORIENTADORA: PROFESSORA HELGA KLUG DOIN VIEIRA PESQUISA INDIVIDUAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC SEM FOMENTO TÍTULO: A SEGURIDADE SOCIAL E SEUS ASPECTOS ASSISTENCIAIS RELACIONADOS AOS IDOSOS E AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS QUE VIVEM EM SITUAÇÃO DE RUA E EM CENTROS DE ACOLHIDA DA CIDADE DE SÃO PAULO São Paulo, 2017 MARINHO, Glauce Raquel. A seguridade social e seus aspectos assistenciais relacionados aos idosos e aos portadores de necessidades especiais que vivem em situação de rua e em centros de acolhid da cidade de São Paulo. São Paulo, 2017. 55 f. Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. RESUMO O município de São Paulo possui uma grande população em situação de rua. Pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE, em 2015, revela que a população em situação de rua na municipalidade de São Paulo recenseou um total de 15.905 (quinze mil novecentos e cinco) indivíduos. Dos 15.905 indivíduos em situação de rua, 46,12% deles são moradores de rua e 53,88% vivem em centros de acolhida. Essas pessoas convivem com a pobreza extrema, possuem vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e não possuem moradia convencional regular, de forma que essa população se utiliza dos logradouros públicos e das áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, utilizando também as unidades de acolhimento distribuídas no município para pernoite temporário ou como moradia provisória. A população em situação de rua é integrada por sujeitos de direitos, os quais possuem o direito a ter direitos, bem como fazer valer os que já possuem. Nesse sentido e, questionando o efetivo cumprimento de um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988 aos idosos e às pessoas com deficiência em situação de necessidade, a pesquisa em pauta aborda os aspectos sociais do Benefício de Prestação Continuada e sua eficácia, constatados a partir de uma análise feita com base nas populações de pessoas com deficiência e pessoas idosas, em situação de rua, no município de São Paulo. O Benefício de Prestação Continuada, embora seja concedido a algumas pessoas pertencentes aos específicos grupos de idosos e de pessoas com deficiência em situação de rua, não é nesse meio difundido, não apresenta a publicidade necessária e, consequentemente, não possui a eficácia desejada. Palavras-chave: Benefício de prestação continuada, população em situação de rua, idosos, pessoas com deficiência, assistência social SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 4 1. A SEGURIDADE SOCIAL E SEUS ASPECTOS ASSISTENCIAIS CONFERIDOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ......................................................................................... 6 1.1. O DIREITO REFERENTE À ASSISTÊNCIA SOCIAL................................................................ 7 1.2. A ASSISTÊNCIA SOCIAL ORIENTADA ÀS POPULAÇÕES DE IDOSOS E PORTEDORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ............................................................... 8 1.3. O CARÁTER NÃO CONTRIBUTIVO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL E SEU CUSTEIO ................... 10 2. A ASSISTÊNCIA SOCIAL DIRECIONADA PARA IDOSOS E PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS PRESENTE NAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS .... 12 2.1. LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS) .......................................................... 12 2.1.1. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BCP) ............................................................ 13 2.1.1.1. BENEFICIÁRIOS DO BPC - IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ............................... 15 2.1.2. REGULAMENTO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA ........................................ 15 2.2. ESTATUTO DO IDOSO – LEI Nº 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003 ................................. 20 2.3. PROTEÇÃO AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS .......................................... 21 2.4. POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA ................................... 22 2.5. CARACTERÍSTICAS CENSITÁRIAS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO .......................................................................................... 23 3. PESSOAS DESCONHECIDAS E OS PROCEDIMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO E EMISSÃO DE RG (REGISTRO GERAL) PELO INSTITUTO DE IDENTIFICAÇÃO “RICARDO GUMBLETON DAUNT” ........................................................................................ 28 4. POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA ACOLHIDA PELA ASSOCIAÇÃO MISSÃO BELÉM .......................................................................................................................................... 30 4.1. BENEFÍCIOS RECEBIDOS PELAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E PELOS IDOSOS ANTES DO ACOLHIMENTO PELA ASSOCIAÇÃO MISSÃO BELÉM ................................................................... 31 4.2. BENEFÍCIOS RECEBIDOS PELAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E PELOS IDOSOS APÓS ACOLHIMENTO PELA ASSOCIAÇÃO MISSÃO BELÉM ................................................................... 34 5. DEFERIMENTO E INDEFERIMENTO DO BPC - BREVE CONSIDERAÇÃO .............. 37 5.1. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA RELACIONADO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, EM ÂMBITO NACIONAL, NO PERÍODO DE 2008 A 2012 ................................................................ 38 5.1.1. REQUERIMENTOS ............................................................................................................ 38 5.1.2. CONCESSÕES .................................................................................................................. 39 5.2. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA RELACIONADO AOS IDOSOS, NO PERÍODO DE 2008 A 2012 ............................................................................................................................... 42 5.2.1. REQUERIMENTOS ............................................................................................................ 42 5.2.2. CONCESSÕES DO BPC A PESSOAS IDOSAS, EM ÂMBITO NACIONAL, NO PERÍODO DE 2008 A 2012 43 6. CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 46 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 50 4 INTRODUÇÃO “Todos os seres Humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade, ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais.” Fábio Konder Comparato. Ao cruzarmos com moradores de rua, apressamos o passo, ansiosos por nos afastar daqueles a quem consideramos pobres coitados, vagabundos, culpados ou merecedores de sua triste situação. Um punhado de moedas, esmola concedida por pena ou pressão é, muitas vezes, o máximo que “eles” obtêm de “nós”. Nessas ocasiões esquecemos que cada morador de rua tem sua identidade, sua história particular, que traz os motivos que os levaram a esse exílio social. De acordo com o art. 1º, parágrafo único do Decreto nº 7.053/09 1 , que institui a Política Nacional para a População em Situaçãode Rua, essa população é definida como “o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.” Embora a população em situação de rua ainda enfrente uma constante violação dos seus direitos, figura, atualmente, no cenário nacional das políticas públicas a compreensão de que essas pessoas são “sujeitos de direitos”, possuem o direito a ter direitos e a fazer cumprir aqueles que já possuem. Entre os seres humanos que habitam as ruas são encontrados idosos e portadores de necessidades especiais. Esses dois grupos apresentam uma vulnerabilidade ainda maior quando 1 Decreto Federal editado com base no art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal. Este dispositivo autoriza dispor sobre “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”. Tal dispositivo não concede lastro legal para a edição de políticas públicas voltadas para a população de rua, as quais deveriam ser editadas por lei, de atribuição do Congresso Nacional, de acordo com o art. 48, inciso IV, CF: “Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: IV - planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento”. A disposição desta matéria através de um Decreto contraria a Constituição Federal e o sistema hierárquico de normas. 5 comparados aos demais, em decorrência das limitações físicas e mentais que possuem. A população de idosos é amparada, de forma específica, pelo Estatuto do Idoso, albergado na Lei nº 10.741/2003, sendo a população de portadores de necessidades especiais amparada, especificamente, pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, relacionado na Lei nº 13.146/2015. Entre os direitos aos quais fazem jus, esses dois grupos em especial, também contam com os benefícios da Assistência Social, um dos pilares da Seguridade Social. Esses benefícios, além de enunciados nos artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 8.742/1993 (Lei de Organização da Assistência Social), mais recentemente foram também reforçados pelo Decreto nº 7.053/09, que em seu art. 7º, inciso I, menciona “o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda.” Frente aos direitos assegurados à população de idosos e portadores de necessidades especiais em situação de necessidade, a pesquisa em pauta abordará os aspectos assistenciais do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e sua eficácia, a partir de uma análise feita com base na população de pessoas idosas e portadoras de necessidades especiais em situação de rua da cidade de São Paulo. Para a realização da pesquisa, como amostragem, foi utilizada a população de idosos e portadores de necessidades especiais acolhida por uma Instituição Assistencial, denominada Missão Belém. 6 1. A SEGURIDADE SOCIAL E SEUS ASPECTOS ASSISTENCIAIS CONFERIDOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Constituição Federal de 1988 traz em seu Título VIII a Ordem Social. O Capítulo II desse Título dedica-se à Seguridade Social 2 . Abrindo este Capítulo, o art. 194 define o termo como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Somente sob uma lógica de solidariedade social é que se pode existir um sistema de proteção social abrangente, composto por mecanismos contributivos e não contributivos. A solidariedade é essencial quando se trata do financiamento da política da seguridade social: os membros da sociedade contribuem de acordo com sua capacidade econômica para criar uma rede que ampare toda a coletividade (ALMANSA PASTOR, 1991, p. 61). Há um entendimento de que a seguridade social está arquitetada na idéia de risco e esse parece ser o entendimento de Balera (1997, p. 188) ao mencionar que “todas as pessoas, em todas as situações de risco social, fazem jus à proteção do sistema de seguridade social”. Porém, a idéia de risco “mostra-se superada por não captar a complexidade dos fenômenos sociais e econômicos que as políticas sociais, incluindo a seguridade, devem enfrentar” (SALES, 2012). Almansa Pastor (1991, p. 30) sustenta que a seguridade social encontra-se estruturada na ideia de necessidade social, contendo um aspecto negativo e um aspecto positivo. A situação de carência ou de escassez apresenta seu aspecto negativo entendido como “coisa ou objeto, material e imaterial, que contribui para o desenvolvimento da personalidade humana”. O aspecto positivo dessa situação está ligado ao “desejo subjetivo de superá-la mediante provisão de bens como mentalização universal da exigência de sua satisfação”. Segundo Sposati (2009, p. 20), as necessidades são sociais porque “se constituem nas relações em sociedade” e se ocupam das condições objetivas de acesso aos modos de reprodução social (condições de vida) como componentes da dignidade humana, da justiça social, dos direitos e da vigilância social”. De acordo com Doyal e Gough (1991) a seguridade social deve prover necessidades relativas a: (a) alimentação nutritiva e água potável; (b) cuidados de saúde apropriados; (c) 2 O termo seguridade social somente surge no ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (MESTRINER, 1992). 7 segurança na infância; (d) relações primárias significativas; (e) segurança econômica; (f) planejamento familiar, gestação e parto seguros. Nesse sentido, a Constituição Federal prevê, em seu art. 203, um adicional a esse rol ao estabelecer específica proteção às pessoas portadoras de deficiências e às idosas. 1.1. O Direito Referente à Assistência Social Com relação ao direito relativo à assistência social no âmbito da Seguridade Social consubstanciada na Constituição Federal de 1988, representou um avanço no sentido de promover a igualdade e a justiça social, além de dar a ela um tratamento de política pública e não mais como atividade e atendimento eventual, desconstituindo, assim, a confusão entre assistência social e caridade. Isso representou um caráter inovador por rejeitar a subsidiariedade das ações estatais em relação às iniciativas da sociedade civil e da família e, também, por reconhecer um novo campo de efetivação dos direitos sociais (SPOSATI, 2009, p. 14). Dois são os artigos da Constituição Federal dedicados à assistência social: 203 e 204. Eles possuem caráter genérico, porém identificam os grupos a serem protegidos, traçam os objetivos a serem alcançados e também as diretrizes sobre o seu financiamento e a sua organização. A assistência social é política pública de proteção social e possui caráter não contributivo, ou seja, o acesso aos benefícios, programas, serviços e projetos dispensam qualquer contrapartida pecuniária por parte dos seus destinatários. Este conceito está previsto no caput do art. 203, CF: “a assistência socialserá prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. O critério para o acesso à assistência social está também disposto no caput do art 203 da CF, é a necessidade: “a assistência social será prestada a quem dela necessitar”. Isso, porém, não prejudica o atendimento a outros requisitos previstos em normas infraconstitucionais. O art. 203 da Carta Magna elenca medidas de proteção, as quais são: “I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; 8 IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei 3”. Tais medidas buscam propiciar, às pessoas que delas necessitarem, um convívio social em igualdade de condições com o restante da sociedade e à criação de ambientes adequados ao desenvolvimento da autonomia de cada indivíduo. Dessa forma, a assistência social visa prover segurança econômica e segurança de convívio a indivíduos e grupos, como forma de satisfazer necessidades básicas de saúde física e autonomia e, com isso, promover a participação social de todos os membros da sociedade. Nesse sentido, a proteção, o amparo, a habilitação e a garantia de uma renda mínima destinam-se especificamente àqueles cuja situação não lhes permite trabalhar: maternidade, infância, adolescência, velhice, deficiência. Àqueles que não se inserem nestas situações, o objetivo é outro: não assistir, mas promover a integração ao mercado de trabalho. Assim, o reconhecimento legal da assistência social como direito retoma e mantém uma distinção entre assistência e trabalho, entre capazes e incapazes que estrutura secularmente a organização social (BOSCHETTI, 2003, p. 46). 1.2. A Assistência Social Orientada às Populações de Idosos e Portedores de Necessidades Especiais na Constituição Federal O art. 203 da Carta Magna não possui um rol taxativo e traz grupos e situações de maior vulnerabilidade, entre eles os idosos e as pessoas portadoras de necessidades especiais. A proteção das pessoas portadoras de deficiência está consubstanciada no art. 203, incisos IV e V. A proteção das pessoas idosas está disposta nos artigos 203 e 230 da Constituição Federal. Ainda com relação ao art. 203, seu inciso V identifica os potenciais titulares do benefício e estabelece a renda mensal que lhes será devida. Porém, a expressão “conforme dispuser a lei” evidencia a necessidade de regulamentação constitucional. A regulamentação foi provida pela Lei Orgânica da Assitência Social (LOAS - Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993), incluindo a seguinte redação em seu art. 2º: 3 Norma de eficácia limitada (SILVA, 2008), dependente de regulamentação infraconstitucional para produzir efeitos. 9 “Art. 2º A assistência social tem por objetivos: I - a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos, especialmente: [...] e) a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. Dessa forma, tanto as pessoas idosas quanto as portadoras de deficiência possuem a garantia de um benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal, àqueles que não possuam meios de garantir sua própria manutenção ou de tê-la provida pela sua família. O art. 230 garante também amparo às pessoas idosas e traz a seguinte redação: “Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. § 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. § 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos”. A assistência social, a partir do princípio da subsidiariedade, posiciona-se como um sistema de apoio residual em relação aos rendimentos decorrentes do trabalho, da previdência social e de outras fontes, como o apoio familiar. Sob esta perspectiva, a assistência social só poderia ser acionada quando as demais possibilidades de sobrevivência digna já tivessem sido esgotadas. O princípio da subsidiariedade não está expresso no texto constitucional e vem sendo questionado quanto a ser uma característica da assistência social (SALES, 2010). Segundo Gabriela Azevedo Campo Sales (2012, p. 174-176), a subsidiariedade na assistência social é um princípio inadequado. A compreensão da assistência social como um sistema de “reserva” precisa ser revista por dois principais motivos: a) a ausência de trabalho para todos e a suficiência dos ganhos obtidos por aqueles que desempenham algum labor destroem o pressuposto da subsidiariedade; b) a subsidiariedade só em leva em consideração a situação de falta ou insuficiência de rendas, sendo ideia inadequada para lidar com outras necessidades e levando à assistência social o papel de reparação de danos, nada esclarecendo sobre o papel preventivo a ser também desempenhado. 10 1.3. O Caráter não Contributivo da Assistência Social e seu Custeio O acesso às prestações da assistência independe de prévia filiação e contribuição por parte do beneficiário. Porém, o caráter não contributivo não significa uma doação financiada com recursos públicos (SPOSATI, 2009, p. 22). Os recursos públicos somente podem ser destinados a um indivíduo se ele próprio já não mais possuir condições de suprir suas necessidades e se encontrar em situação de risco. As prestações da assistência social estão atreladas ao princípio da seletividade, ficando o caráter não contributivo também contrabalanceado pela identificação objetiva das situações de necessidade social. O custeio da assistência social deve ser feito com recursos do orçamento da seguridade social e sobre tal matéria versam os artigos 204 e 195 da Constituição Federal, conforme demonstrado a seguir: “Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I-descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II-participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I- despesas com pessoal e encargos sociais; II-serviço da dívida; III-qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados”. “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: 11 a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício: b) a receita ou o faturamento; c) o lucro. II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar § 1º As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. § 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios § 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. § 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. § 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". § 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. § 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos § 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não- cumulativas. 12 § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pelo incidente sobre a receita ou o faturamento”. 2. A ASSISTÊNCIA SOCIAL DIRECIONADA PARA IDOSOS E PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS PRESENTE NAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS Além do estabelecido pela Constituição Federal de 1988, algumas normas infraconstitucionais também reforçam a proteção assistencial referente às pessoas idosas e às portadoras de necessidades especiais. Entre elas está a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/1993), o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). 2.1. Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) A LOAS, promulgada em 07 de dezembro de 1993, estabelece, atualmente, uma estrutura robusta e avançada com relação à proteção social. Porém, as alterações estruturais foram incorporadas a ela recentemente, a partir da promulgação das Leis nº 12.435/2011 e nº 12.470/2011. A LOAS reproduz dispositivos constitucionais e detalha a política da assistência social. Em seu artigo 1º traz a definição de assistência social, em consonância com o texto constitucional: “Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”. Com relação ao art. 1º, é relevante destacar os termos “mínimos sociais” e “necessidades básicas”. De acordo com Pereira (2006, p. 26-27), mínimo e básico são conceitos distintos: Mínimo e básico são, na verdade, conceitos distintos, pois, enquanto o primeiro tem conotação de menor, de menos, em sua acepção mais ínfima, identificada com patamares de necessidades básicas que beiram a desproteção social, o segundo não. O básico expressa algo fundamental, principal, primordial, que serve de base de sustentação indispensável e fecunda o que a ela se acrescenta. Por conseguinte, a nosso ver, o básico que na LOAS qualifica as necessidades a 13 serem satisfeitas (necessidades básicas) constitui o pré-requisito ou as condições prévias suficientes para o exercício da cidadania em acepção mais larga. Assim, enquanto o mínimo pressupõe supressão ou cortes de atendimentos, tal como propõe a ideologia liberal, o básico requer investimentos sociais de qualidade para preparar o terreno a partir do qual maiores atendimentos podem ser prestados e otimizados. Em outros termos, enquanto o mínimo nega o “ótimo” de atendimento, o básico é a mola mestra que impulsiona a satisfação básica de necessidades em direção ao ótimo. Sendo assim, mínimo e básico, ao contrário do que tem sido apressada e mecanicamente inferido do texto da LOAS, são noções assimétricas, que não guardam, do ponto de vista empírico, conceitual e político, compatibilidades entre si. Isso nos leva a concluir que, para que a provisão social prevista na LOAS seja compatível com os requerimentos das necessidades que lhe dão origem, ela tem que deixar de ser mínima ou menor para ser básica, essencial ou precondição à gradativa otimização da satisfação dessas necessidades. Só então será possível falar em direitos fundamentais, perante os quais todo cidadão é titular, e cuja concretização se dá por meio de políticas sociais correspondentes. Partindo desses conceitos e considerando o que este instrumento normativo traz de proteção aos idosos e às pessoas com deficiência, temos reforçada a concessão dos benefícios assistenciais aos idosos e pessoas portadoras de deficiência em seu art. 2º, inciso I, alínea e. E no que concerne à disciplina para a sua concessão, a Seção I, do Capítulo IV deste instrumento normativo traz as diretrizes sobre os Benefícios de Prestação Continuada. 2.1.1. Benefício de Prestação Continuada (BCP) O benefício de prestação continuada é custeado pela União, nos termos do art. 12, inciso I da LOAS e, somado aos benefícios eventuais custeados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, forma um sistema deassistência social. Esse sistema assegura o direito subjetivo a um rendimento mínimo, confere maior liberdade ao cidadão, que pode decidir como empregar melhor tais rendimentos, e possui seu alcance regulado a partir de critérios definidos em lei (SALES, 2012, p. 206). A Constituição Federal de 1988 inovou com a implementação de um programa de transferência de renda direta, a instituição do benefício de prestação continuada em seu art. 203, inciso V. Antes de 1988, havia um benefício previdenciário com aspectos semelhantes aos do BCP, chamada Renda Mensal Vitalícia (RMV). A Renda Mensal Vitalícia é um benefício em extinção, mantido apenas para aqueles que já eram beneficiários até dezembro de 1995. Conforme informações presentes no site do 14 Ministério do Desenvolvimento Social, a RMV foi criada em 1974, por meio da Lei nº 6.179/74 4 , como benefício previdenciário. Em 24 de junho de 1991, foi publicada a Lei nº 8.213, dispondo sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Esta lei estabeleceu, em seu art. 139, disposição no sentido de que a RMV continuaria integrando o elenco de benefícios da Previdência Social, até que fosse regulamentado o inciso V do art. 203 da Constituição Federal, o que ocorreu em 07 de dezembro de 1993, com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) que originou o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC). Assim, a RMV, criada no âmbito da previdência social, foi extinta a partir de 01 de janeiro de 1996, quando entrou em vigor a concessão do BPC. A partir da Lei Orçamentária Anual de 2004, os recursos para pagamento da RMV e despesas operacionais foram alocados no orçamento do Fundo Nacional de Assistência Social. Hodiernamente, o art. 35 da LOAS estabelece que o órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social – PNAS é também responsável por operar os benefícios de prestação continuada previstos em lei e permite que essa operacionalização seja feita com o concurso de outros órgãos do Governo Federal. Atualmente, a gestão do BCP é feita pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS). O MDS é responsável pela implementação, coordenação, regulação, financiamento, monitoramento e avaliação do benefício. A operacionalização é realizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, por essa atribuição, destaca-se o seu papel de responsável por conceder e manter esse benefício desde o advento do seu primeiro regulamento, Decreto 1.744/95. 4 A RMV, nos termos do artigo 1º da Lei nº 6.179/74, era devida “aos maiores de 70 (setenta) anos de idade e os inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, que, num ou noutro caso, não exerçam atividade remunerada, não aufiram rendimento, sob qualquer forma, superior ao valor da renda mensal fixada no artigo 2º, não sejam mantidos por pessoa de quem dependam obrigatoriamente e não tenham outro meio de prover ao próprio sustento, passam a ser amparados pela Previdência Social, urbana ou rural, conforme o caso, desde que: (a) tenham sido filiados ao regime do INPS, em qualquer época, no mínimo por 12 (doze) meses, consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade de segurado; ou (b) tenham exercido atividade remunerada atualmente incluída no regime do INPS ou do FUNRURAL, mesmo sem filiação à Previdência Social, no mínimo por 5 (cinco) anos, consecutivos ou não; ou ainda (c) tenham ingressado no regime do INPS após completar 60 (sessenta) anos de idade sem direito aos benefícios regulamentares”. As pessoas que se enquadrassem em qualquer das situações previstas nos itens I e III, do artigo 1º, teriam direito a: “(a) renda mensal vitalícia, a cargo do INPS ou do FUNRURAL, conforme o caso, devida a partir da data da apresentação do requerimento e igual à metade do maior salário-mínimo vigente no País, arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo ultrapassar 60% (sessenta por cento) do valor do salário-mínimo do local de pagamento e (b) assistência médica nos mesmos moldes da prestada aos demais beneficiários da Previdência Social urbana ou rural, conforme o caso”. 15 O INSS também possui as atribuições de avaliar a condição de deficiência e de hipossuficiência dos requerentes, bem como de realizar as reavaliações periódicas previstas no art. 20, § 3º da LOAS. Por essas atribuições, a jurisprudência brasileira entende, há anos, que o INSS é o único legitimado para demanadas que versem sobre a concessão desse benefício, afastando, assim, a legitimidade da Uniãi para integrar o pólo passivo dessas demandas. 2.1.1.1. Beneficiários do BPC - Idosos e Pessoas com Deficiência Idosos e pessoas com deficiência são os titulares do benefício assistencial de prestação continuada e foram assim definidos pela Constituição Federal, em seu art. 203, inciso V. A presente pesquisa tem essas duas populações como base de estudo e tem por objetivo verificar o alcance e a eficácia do Benefício de Prestação Continuada. 2.1.2. Regulamento do Benefício de Prestação Continuada O Decreto 6.214/2007 regulamentou os critério para concessão do benefício de prestação continuada. Em seu art. 6º, o decreto estabelece que “a condição de acolhimento em instituições de longa permanência, como abrigo, hospital ou instituição congênere não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao Benefício de Prestação Continuada”. Este dispositivo destaca a importância da inclusão social e reforça o direito das pessoas com deficiência e dos idosos acolhidos, foco da pesquisa em pauta. 2.1.2.1. Pessoas com deficiência No que diz respeito às pessoas portadoras de necessidades especiais, considerava-se pessoa com deficiência aquela incapacitada a o trabalho e para a vida independente. Eram exigidas restrições graves, de forma que a pessoa fosse dependente de terceiros, dispondo de uma vida praticamente vegetativa. O Decreto 6.214/2007 reconheceu que incapacidade não é apenas um critério médico, mas também socioeconômico, ao defini-la como fenômeno multidimensional em seu art. 4º, inciso III: “Art. 4 o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se: 16 III - incapacidade: fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social”. Em 2011, com o advento da Lei nº 12.435/11, foi agregada a avaliação social para a aferição do grau de deficiência e de incapacidade. Um progresso maior, no sentido da universalização da assistência social, ficou instituído com a Lei 12.470/2011, a qual passou a estabelecer que as perícias médica e socioeconômica devem recair sobre o grau de deficiência e de impedimento para o trabalho, não mais sobre a incapacidade. Finalmente a exigência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho foi suprimida. 2.1.2.2. Idosos Com relação aos idosos, inicialmente a LOAS definiu uma faixa etária de 70 anos. Porém, a idade foi reduzida para 67 anos a partir de 01 de janeiro de 1998. Com o advento do Estatuto do Idoso – Lei 10.741/2003 – a idade mínima para a concessão do BCP passou a ser de 65 anos. Este critério foi integrado ao art. 20, caput da LOAS, através da Lei 12.435/11. 2.1.2.3. Renda per capta familiar A proteção social possui, entre seus escopos, a preservação e a reconstrução de vínculos e a proteçãoaos núcleos familiares. A capacidade da família para prover o sustento do idoso ou da pessoa com deficiência é determinante para a concessão ou não do benefício de prestação continuada. Com base nesses aspectos, criou-se um outro critério para a concessão do BCP (estabelecido pelo art. 20, § 3° da LOAS) que é a renda per capta familiar inferior a um quarto de salário mínimo por mês. Este é um critério para a consideração da hipossuficiência familiar. Tal critério não tem fundamentação técnica que vincule sua origem aos princípios constitucionais que guiam a assistência (PENALVA; DINIZ; MEDEIROS, 2010, p. 63). Segundo os citados autores, esse não é um programa para pessoas pobres, mas para pessoas extremamente pobres, ficando abaixo da linha da pobreza adotada pelo Brasil. 17 Segundo Santos (2003, p. 202), esse critério para a seleção e a distribuição dessa prestação da assistência social é inconstitucional, apontando a criação de um “universo de necessitados, marginalizados, que não possuem proteção previdenciária nem assistencial”. Na mesma linha, Branco (2007, p. 92) afirma que “o corte feito pela norma alcança apenas situações de gravidade tão extrema que a ajuda fará pouca diferença na miserabilidade do grupo”. Em 1995, o critério de renda per capta familiar inferior a um quarto de salário mínimo por mês constituiu pauta para uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF) e foi levada ao STF. Esta ADI, julgada em 1998, teve seu pedido considerado improcedente, tendo prevalecido o entendimento do Ministro Nelson Jobim no sentido de que a Constituição Federal remetera a fixação dos critérios de concessão ao legislador ordinário, não havendo indevida restrição do direito. Algum tempo depois da declaração de improcedência da ADI nº 1.232-1/DF, o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003, em seu art. 34, parágrafo único, menciona argumentos que ampliam o espectro de concessão do benefício de prestação continuada, permitindo sua concessão à pessoa idosa mesmo que outro integrante idoso, pertencente ao mesmo núcleo familiar, já receba o mesmo benefício: “Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas”. Nessa hipótese, portanto, o critério de renda inferior a um quarto de salário mínimo deixou de ser aplicado. A redação dada pelo artigo acima mencionado, apesar de beneficiar os idosos nessa condição, trouxe ausência de isonomia no tratamento de requerentes do benefício de prestação continuada que integravam alguma dessas situações análogas: (a) núcleo familiar constituído por duas pessoas com deficiência; (b) núcleo familiar constituído por um idoso e por uma pessoa com deficiência; (c) núcleo familiar constituído por idoso que aufira um salário mínimo em decorrência de aposentadoria ou rendimento de trabalho e por outro idoso que não possua nenhuma renda e se encaixe nos demais critérios estabelecidos para a concessão do BCP; (d) núcleo familiar constituído por pessoa que aufira um salário mínimo em decorrência de aposentadoria ou rendimento de trabalho e por pessoa com deficiência que não possua nenhuma 18 renda e se encaixe nos demais critérios estabelecidos para a concessão do BCP; (e) núcleo familiar constituído por pessoa com deficiência ou idoso e outro membro da família que, em qualquer condição, aufira renda mensal superior a um salário mínimo. Essa ausência de isonomia não é condizente com as diretrizes constitucionais que regem a assistência social. Por este motivo, este tema foi levado a juízo e passou a ter interpretação analógica para muitos casos. Somente em 18 de abril de 2013, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a renda per capta familiar inferior a um quarto de salário mínimo por mês (Lei 8.742/1993) por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Foi declarada também a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso). A decisão ocorreu na Reclamação (RCL) 4374, no mesmo sentido do entendimento já firmado pelo Plenário quando a Corte julgou inconstitucionais os dois dispositivos ao analisar os Recursos Extraordinários (REs) 567985 e 580963, ambos com repercussão geral. Porém, o Plenário não pronunciou a nulidade das regras. A Reclamação 4374 foi ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com o objetivo de suspender o pagamento de um salário mínimo mensal a um trabalhador rural de Pernambuco. O benefício foi concedido pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco e mantido no julgamento pelo STF. Na Reclamação, o INSS alegava afronta da decisão judicial ao entendimento da Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF). Essa decisão promoveu um grande avanço no que se refere à proteção assistencial, estendendo sua abrangência e, consequentemente, favorecendo a inclusão social. 2.1.2.4. Benefício de Prestação Continuada para estrangeiros Recentemente, em 20 de abril de 2017, indo além e ampliando o universo assistencial, o Supremo Tribunal Federal (STF) por unanimidade, decidiu que a condição de estrangeiro residente no Brasil não impede o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) às pessoas com deficiência e aos idosos 19 que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou ter o sustento provido por sua família, desde que atendidos os requisitos necessários para a concessão. Em julgamento o Plenário negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 587970, no qual o INSS questionava decisão da Primeira Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região que o condenou a conceder a uma italiana residente no Brasil há 57 anos o benefício assistencial de um salário mínimo, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal. O recurso extraordinário tem repercussão geral reconhecida, o que significa que o entendimento firmado pelo STF deve ser aplicado pelas demais instâncias do Poder Judiciário a processos semelhantes. Em seu voto, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio, destacou a contribuição dos estrangeiros na formação da nação brasileira, afirmando que a Constituição Federal não fez distinção entre brasileiro nato ou naturalizado e estrangeiro residente no país quando assegurou assistência social aos desamparados. “Ao lado dos povos indígenas, o país foi formado por imigrantes, em sua maioria europeus, os quais fomentaram o desenvolvimento da nação e contribuíram sobremaneira para a criação e consolidação da cultura brasileira”, afirmou. O relator citou o artigo 5º (caput) da Constituição Federal, que trata do princípio da igualdade e da necessidade de tratamento isonômico entre brasileiros e estrangeiros residentes no país. “São esses os parâmetros materiais dos quais se deve partir na interpretação da regra questionada”, observou. Para o ministro Marco Aurélio, o fato de a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) silenciar quanto à concessão de benefícios aos estrangeiros residentes no país não se sobrepõe ao espírito da Constituição. “O texto fundamental estabelece que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, sem restringir os beneficiáriossomente aos brasileiros natos ou naturalizados”, asseverou. “Quando a vontade do constituinte foi de limitar eventual direito ou prerrogativa a brasileiro ou cidadão, não deixou margem para questionamentos”. Segundo o relator, ao delegar ao legislador ordinário a regulamentação do benefício, o texto constitucional o fez tão somente quanto à forma de comprovação da renda e das condições específicas de idoso ou portador de necessidades especiais. “Não houve delegação relativamente à definição dos beneficiários, pois esta definição já está contida no inciso V do artigo 203 da Constituição Federal. No confronto de visões, deve prevalecer aquela que melhor concretiza o 20 princípio constitucional da dignidade humana, de observância prioritária no ordenamento jurídico”, concluiu. 2.2. Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 A Constituição Federal, em seus artigos 229 e 230, estabelece proteção aos idosos, de forma que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Além da proteção constitucional, os idosos contam também com a tutela consagrada pelo Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, a qual prevê proteção legal específica para as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. De acordo com o Estatuto, é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e a convivência familiar e comunitária. No art. 4ª do Estatuto, está previsto que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. Ainda de acordo com o Estatuto, o envelhecimento é definido como um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, sendo obrigações do Estado a proteção e a saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. No art. 34 do Estatuto do Idoso (tema já discutido anteriormente, no item 2.1.2.3 - Renda per capta familiar), está previsto que aos idosos a partir de sessenta anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família é assegurado o benefício mensal de um salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS No art. 35 diz-se que todas as entidades de longa permanência, ou casa lar, são obrigadas a firmar conta de prestação de serviços com a pessoa idosa abrigada. O art. 49 orienta as 21 entidades que desenvolvem programas de institucionalização de longa permanência para que adotem os seguintes princípios: “I - Preservação dos vínculos familiares; II - Atendimento personalizado e em pequenos grupos; III - Manutenção do idoso na mesma instituição salvo em caso de força maior; IV - Participação do idoso nas atividades comunitárias, de caráter interno e externo; V - Observância dos direitos e garantias dos idosos; VI - Preservação da identidade do idoso e oferecimento de ambiente de respeito e dignidade”. O art. 50 está relacionado às obrigações das entidades e dentre elas podemos citar: “XV - manter arquivo de anotações onde constem data e circunstância do atendimento, nome do idoso, responsável, parentes, endereços, cidade, relação de seus pertences, bem como o valor das contribuições e suas alterações, se houver, e demais dados que possibilitem sua identificação e a individualização do atendimento; XVI - comunicar ao Ministério Público, para as providências cabíveis, a situação de abandono moral ou material por parte dos familiares”. 2.3. Proteção aos Portadores de Necessidades Especiais Estatisticamente, pelo menos 10% de qualquer sociedade nascem com ou adquirem uma deficiência e, aproximadamente uma em cada quatro famílias possui uma pessoa com deficiência. Nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, nos hemisférios Norte e Sul do planeta, a segregação e a marginalização têm colocado pessoas com deficiência no nível mais baixo da escala socioeconômica (Carta para o Terceiro Milênio, 1999). Existe uma preocupação em assegurar uma efetiva assistência social aos portadores de necessidades especiais e isso está consusbstanciado no art. 39 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/2015: “Art. 39. Os serviços, os programas, os projetos e os benefícios no âmbito da política pública de assistência social à pessoa com deficiência e sua família têm como objetivo a garantia da segurança de renda, da acolhida, da habilitação e da reabilitação, do desenvolvimento da autonomia e da convivência familiar e comunitária, para a promoção do acesso a direitos e da plena participação social. § 1º A assistência social à pessoa com deficiência, nos termos do caput deste artigo, deve envolver conjunto articulado de serviços do âmbito da Proteção Social Básica e da Proteção Social Especial, ofertados pelo Suas, para a garantia de seguranças fundamentais no enfrentamento de situações de vulnerabilidade e de risco, por fragilização de vínculos e ameaça ou violação de direitos. § 2º Os serviços socioassistenciais destinados à pessoa com deficiência em situação de dependência deverão contar com cuidadores sociais para prestar-lhe cuidados básicos e instrumentais”. 22 O Estatuto também reforça o já consubstanciado na LOAS, ao trazer em seu art. 40 a garantia do Benefício de Prestação Continuada: “Art. 40. É assegurado à pessoa com deficiência que não possua meios para prover sua subsistência nem de tê-la provida por sua família o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993”. Com relação aos benefícios aos que as pessoas com deficiência têm direito, o Estatuto vem somar um grande número de direitos e estabelecer sanções para o descumprimento desses direitos, imprimindo maior poder coercitivo àqueles já garantidos, colocando a apropriação ou o desvio de benefícios entre eles, além de fazer também menção ao abandono: “Art. 89. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido: I - por tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; ou II - por aquele que se apropriou em razão de ofício ou de profissão. Art. 90. Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado. Art. 91. Reter ou utilizar cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa com deficiência destinados ao recebimento de benefícios, proventos, pensões ou remuneração ou à realização de operações financeiras, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido por tutor ou curador (grifo nosso)”.2.4. Política Nacional para a População em Situação de Rua A Política Nacional para a População em Situação de Rua foi elaborada visando ser implementada de forma descentralizada e articulada entre a União e os demais entes federativos que a ela aderirem por meio de instrumento próprio, conforme estabelecido pelo seu art. 2º. O município de São Paulo aderiu à política nacional e assinou o Termo de Adesão em 28 de maio de 2013. Em decorrência dessa adesão, o município criou o Comitê Intersetorial da Política Municipal para População em Situação de Rua na Cidade de São Paulo, a partir do Decreto nº 53.795, de 25 de março de 2013. Tal decreto propõe, em seu art. 3º, inciso VII, o acesso da 23 população em situação de rua aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte e lazer, trabalho e renda. 2.5. CARACTERÍSTICAS CENSITÁRIAS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO Pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE, mediante contrato estabelecido com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS da Prefeitura Municipal de São Paulo – PMSP, em 2015, revela que a população em situação de rua na municipalidade de São Paulo recenseou um total de 15.905 (quinze mil novecentos e cinco) indivíduos, sendo 7.335 (sete mil trezentos e trinta e cinco) em situação de rua e 8.570 (oito mil quinhentos e setenta) em centros de acolhida da capital (albergues e abrigos). Ou seja, dos 15.905 indivíduos em situação de rua, 46,12% deles são moradores de rua e 53,88% vivem em centros de acolhida. É possível que esses números sejam ainda maiores, pois a pesquisa foi realizada com base na população em situação de rua resgatada pelos Centros de Acolhida do município de São Paulo, não levando em consideração as pessoas, nas mesmas condições, acolhidas por outras Instituições ou Associações. Atualmente, segundo o psicólogo Valdemar Augusto Angerami 5 , a população de rua do município de São Paulo está em torno de 20.000 (vinte mil) pessoas. Trabalhando, nesta pesquisa, apenas com dados oficiais e publicados, foi estimada que a taxa de crescimento anual da população de rua foi de 2,56% ao ano. Isso significa um aumento de 17,92% de 2009 até 2015, comparando-se os dados do censo da população em situação de rua realizada pela FIPE. A porcentagem de analfabetos na população é superior à do Município de São Paulo e a maioria não chegou a completar o ensino fundamental. Com relação ao sexo, é importante destacar que a porcentagem de mulheres que vivem nas ruas, 12%, é próxima da percentagem de 5 Valdemar Augusto Angerami, psicólogo e autor do livro “Desespero e Flagelo – Parêmias da Cracolândia”. 24 mulheres acolhidas: 14%. As pessoas de sexo masculino predominam, sendo em torno de 88% da população em situação de rua. Para separar os indivíduos em faixas de idade, a FIPE adotou quatro grupos etários: Idoso, Adulto, Adolescente e Criança. Integrando a população de moradores de rua, os idosos são muitos, representando o segundo maior grupo, conforme demonstrado no gráfico a seguir: GRÁFICO 01: Porcentagem de indivíduos por idade e situação de abordagem Fonte: Núcleo de Pesquisas em Ciências Sociais – FESPSP, 2011. Os resultados do Censo 2011 reforçam a importância da região central na atração de pessoas em situação de rua. Os distritos da área central – Bela Vista, Bom Retiro, Brás, Cambuci, Consolação, Liberdade, Pari, República, Santa Cecília e Sé – concentram 64% do total de pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo, com 4.319 indivíduos. O Distrito de Santa Cecília é o que apresentou maior número de pessoas em situação de rua (1.197), próximo ao número encontrado para a Sé (1.171). Na sequência, estão os distritos da República (719), Brás (495), Bom Retiro (197), Consolação (159), Bela Vista (135), Liberdade (92), Cambuci (77) e Pari (77). Os dois logradouros onde foram encontrados os dois pontos de grande concentração de pessoas na localidade denominada “Cracolândia” são a Alameda Dino Bueno e a Rua Helvétia. Embora, comumente, na mídia e no cotidiano da cidade, a localidade seja referida como “região 25 da Luz”, quando identificados os CEPS dos logradouros em relação aos 96 distritos que compõem a divisão da cidade, identifica-se que ambos pertencem ao bairro Campos Elíseos e que os indivíduos recenseados nessa localidade, estão incluídos entre os 1.197 casos do Distrito Municipal de Santa Cecília. Com relação à origem, dos 6.765 indivíduos de rua recenseados apenas 29 vieram de fora do País. Destes, 19 estão na área central. Identificaram-se como brasileiros 2.710 indivíduos em situação de rua (40,1%). Para 4.026 indivíduos (59,5% do total) não há informação sobre o país de origem. A maioria dos 29 estrangeiros em situação de rua que vivem em São Paulo tem como origem países da América Latina. Entre os brasileiros, a grande maioria dos indivíduos é de origem paulista, representando 52,6% dos casos (1.450 casos). Excluindo o estado de São Paulo, os estados que mais foram citados como origem pelos indivíduos recenseados foram Bahia (282 casos), Pernambuco (200) e Minas Gerais (165). Nenhuma outra unidade da federação superou mais de 100 indivíduos. Há uma pequena diferença entre os indivíduos encontrados na área central em comparação às demais áreas, o que pode significar uma preferência dos migrantes de outros estados para a área central. O perfil socioeconômico dos moradores de rua foi obtido mediante amostra aleatória da população da “Área Central” da cidade de São Paulo: Sé, República, Pari, Brás, Cambuci, Liberdade, Consolação, Bela Vista, Santa Cecília e Bom Retiro, pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), no final de 2009. A população de rua tem um histórico de perdas e o emprego é uma das mais importantes. Extingue-se, de imediato, a fonte de rendimentos podendo gerar instabilidade familiar/econômica que nem todos sabem, ou têm condições de enfrentar. É importante constatar que a maioria de homens e mulheres entrevistados trabalhava antes de perder a moradia e chegar à vida de rua. O elenco de ocupações que exerciam abrange desde as categorias mais simples e de menor exigência de qualificação, até serviços técnicos e administrativos mais especializados. Cabe ressaltar que a maioria estava inserida no mercado formal de trabalho com registro em carteira, situação quase inexistente na atual condição de rua. Há pessoas com mais de 10 anos sem trabalho registrado, sem qualquer direito trabalhista e cobertura previdenciária. Nessa condição, enquadram-se entre os que seriam alcançados pelos benefícios sociais criados pelo 26 governo para inclusão da população de baixa renda. No entanto, quase a totalidade dos entrevistados informou não receber qualquer benefício. Embora sobrevivam sem empregos regulares ou formais, geram renda monetária para satisfazer algumas de suas necessidades. No dia da entrevista feita pela FIPE, quase a metade dos entrevistados tinha auferido pequena renda em atividades típicas de rua, incluindo a mendicância, o que gastaram no mesmo dia para consumir com o que consideram essencial: comida, cigarro, bebida e drogas. Dentre as atividades informais, são comuns: a coleta de material reciclável, venda de alguns produtos de baixo custo, serviços de carga e descarga, guarda de carro. Situação similar foi constatada na pesquisa de 2000, revelando que sob este aspecto, praticamente nada mudou em10 anos, para essa população. Em 2010, pesquisa feita pela FIPE trouxe informações sobre o recebimento de benefícios pelas pessoas em situação de rua no município de São Paulo. Naquele ano, quase a totalidade da população de rua (93,9%) não recebia qualquer benefício. O benefício assistencial para idosos e pessoas com deficiência constituía renda para apenas 0,8% daquela população. Em 2015, outra pesquisa, realizada no mesmo sentido, trouxe informações um pouco diferentes sobre a percepção de benefícios pela população em situação de rua do município de São Paulo. Diminuiu o percentual daqueles que não recebiam benefício algum (69,3%) constatando-se uma melhoria na eficácia dos benefícios criados e destinados para a população em estado de necessidade, como o bolsa família (que evidenciou um aumento de 24,2% de 2010 para 2015) e o benefício de prestação continuada (que evidenciou um aumento de 1,8% de 2010 para 2015). Nota-se a manutenção dos percentuais dos benefícios previdenciários (aposentadoria e pensão), com 2,1% tanto em 2010 quanto em 2015. Os dados referentes aos benefícios recebidos pela população em situação de rua constam na Tabela 01, a seguir: 27 TABELA 01: : A eficácia dos benefícios assistenciais observada na população de pessoas em situação de rua, no município de São Paulo, em 2010 e 2015. Fonte: FIPE, 2015. Elaboração própria. BENEFÍCIOS % - 2015 % - 2010 Não recebem nenhum benefício 69,3 93,9 Bolsa Família 24,8 0,6 BPC (Benefício de Prestação Continuada) 2,6 0,8 Aposentadoria/pensão 2,1 2,1 Seguro-desemprego 0 0,2 Outros 2,2 2,4 28 3. PESSOAS DESCONHECIDAS E OS PROCEDIMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO E EMISSÃO DE RG (REGISTRO GERAL) PELO INSTITUTO DE IDENTIFICAÇÃO “RICARDO GUMBLETON DAUNT” O ser humano que vive pelas ruas perde sua identidade, sua cidadania, seus direitos, sua dignidade. A população em situação de rua, em sua maioria, não possui documentos e é, por isso, denominada como desconhecida pelo poder público e pela sociedade. Para que essa população consiga readquirir sua dignidade, exercer sua cidadania e novamente desempenhar uma atividade laboral, é preciso que ela readquira, primeiramente, sua carteira de identidade. A partir daí, ela consegue comprovar sua identidade e deixa de ser desconhecida, tendo assim um obstáculo a menos para retomar sua vida dignamente. O Instituto de Identificação “Ricardo Gumbleton Daunt” (IIRGD) pertence ao Departamento de Inteligência da Polícia Civil do Estado de São Paulo (DIPOL) e desenvolve um trabalho social junto à população em situação de rua, acolhida por instituições, associações e centros de acolhimento. As impressões digitais daqueles que não possuem documentos são coletadas, identificando-os e emitindo a carteira de identidade (Registro Geral - RG) para cada um dos identificados. Desde de 2014, o IIRGD dispõe da tecnologia do Sistema de Identificação Automatizada de Impressões Digitais (AFIS - Automated Fingerprint Identification System), o qual contempla em seu Banco de Dados: a) Emissão de RG – Os Registros Gerais emitidos compõem o Banco de Dados Civil; b) Acervo criminal, proveniente de arquivos de qualificação criminal; c) Legitimação – procedimento que determina a qualificação de um indivíduo e, atualmente, é realizado através do Sistema LEAD (Legitimação a Distância), contemplando terminais instalados em todos os postos policiais do Estado de São Paulo; d) Boletins de Identificação Criminal (BIC); e) Detran – compartilhamento das impressões digitais e dos dados obtidos a partir das renovaçãoes das carteiras de habilitação; f) Desaparecidos – os Boletins de Ocorrência referentes às pessoas desaparecidas geram a inclusão dos dados e impressões digitais do desaparecido no Sistema AFIS; 29 g) Desconhecidos – são incluídas as impressões digitais e as informações referentes aos indivíduos desconhecidos no Sistema, contemplando: i. Cadáveres não-identificados; ii. Pacientes hospitalares; iii. Abrigados, albergados, acolhidos. h) Latentes (fragmentos de impressões papilares) procedentes de locais de crime. Figura 1: Instituto de Identificação "Ricardo Gumbleton Daunt" As coletas de impressões digitais geram datilogramas, os quais compõem o Banco de Dados do Sistema AFIS. Esses datilogramas são comparados uns com os outros, de forma permanete, possibilitando que sejam realizadas pesquisas sobre qualificação e identificação de pessoas. Com esse trabalho, além de identificar as pessoas desconhecidas e conceder a elas a oportunidade de readquirir sua dignidade e cidadania a partir da emissão e entrega do RG, muitas vezes são encontradas pessoas que constavam como desaparecidas para a sociedade. Essas pessoa, cadastradas como desaparecidas, podem deixar o abandono das ruas e retornar ao seio de sua família, através do trabalho policial de investigação e contato com os familiares desses indivíduos. 30 4. POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA ACOLHIDA PELA ASSOCIAÇÃO MISSÃO BELÉM A Associação Missão Belém, fundada em 1º de Outubro de 2005 pelo Padre Gianpietro Carraro e pela missionária Cacilda da Silva Leste, com apoio dos Cardeais Dom Cláudio Hummes e Dom Odilo Scherer, iniciou suas atividdes na Itália e no Brasil, na Arquidiocese da São Paulo, prestando assistência aos mais pobres e necessitados, principalmente a população em situação de rua. A Associação Missão Belém conta atualmente com 2.030 pessoas acolhidas. Dessas 2.030 pessoas, cerca de 80% são provenientes das ruas e 20% delas foram acolhidas em atendimento a pedidos de ajuda vindos dos seus próprios familires. A população acolhida pela Associação Missão Belém não foi computada pela pesquisa realizada pela FIPE em 2015 (Censo 2015), porém, muitos dos parâmetros observados nos resultados do Censo, são comuns às pessoas acolhidas por esta Associação. As 1624 pessoas em situação de rua acolhidas pela Associação mencionaram os seguintes motivos para a saída da casa dos seus familiares com corte dos vínculos com seus respectivos entes: desemprego, consumo de álcool, uso drogas e prática de crimes. Tais motivos também foram mencionados pelas pessoas em situação de rua, abrigadas pelas Casas de Acolhida, do município de São Paulo, ouvidas pelo Censo. Muitas dessas pessoas, ao serem retiradas das ruas, não conseguiam se lembrar do próprio nome ou idade e não possuíam documento algum. Para solucinar o problema dessas pessoas desconhecidas e conceder a elas a Carteira de Identidade (Registro Geral - RG), foi solicitado o auxílio do Instituto de Identificação “Ricardo Gumbleton Daunt” (IIRGD) que, através do seu trabalho 6 de papiloscopia, identificou os desconhecidos e concedeu a eles as Carteiras de Identidade. A partir da identificação e com base na correta identidade das pessoas acolhidas, a Associação Missão Belém pode melhor desempenhar seu relevante trabalho para recuperar a dignidade dessas pessoas. 6 Identificação de pessoas desconhecidas, feita através da papiloscopia e, nesses casos, desempenhada pelo Serviço de Identificação Móvel do IIRGD. 31 Aquelas que possuem condições laborais, são para o trabalho direcionadas e para aquelas que já não possuem tais condições e se encaixam nas especificações mencionadas pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), processa-se a solicitação da concessão do Benefício de Prestação Continuada (BCP). Considerandoque o objetivo desta pesquisa é verificar o real alcance e a efetividade do benefício assistencial (BCP), destinado às pessoas vulneráveis que possuem mais de 65 anos (idosos) ou que sejam portadoras de necessidades especiais (PNEs), os estudos foram concentrados nas pessoas que possuíam essas características, donde, o grupo de amostragem vem representado por 663 pessoas. 4.1. Benefícios Recebidos pelas Pessoas com Deficiência e pelos Idosos antes do Acolhimento pela Associação Missão Belém No momento do acolhimento pela Missão Belém, apenas 10 das 663 pessoas recebiam benefício assistencial. Nenhuma dessas 10 pessoas era proveniente das ruas. Elas foram deixadas na Associação pelos seus próprios familiares, os quais alegaram não possuir tempo para cuidar e tampouco condições financeiras para suprir suas necessidades dos seus entes. O benefício recebido por essas 10 pessoas é a aposentadoria, portanto, benefício previdenciário. As outras 653 pessoas, todas provenientes das ruas, não recebiam benefício algum e, ao mesmo tempo, em decorrência da idade avançada ou da presença de uma limitação física ou mental, não apresentavam condições para desenvolver uma atividade laboral. Sendo assim, é possível constatar a precária e miserável situação em que tais pessoas viviam, dependendo de esmolas e caridade para sobreviver. 32 GRÁFICO 2: Benefícios Recebidos pelos Idosos e pelas Pessoas com Deficiência antes do Acolhimento pela Missão Belém 0 2 4 6 8 10 Em família Em situação de rua Nenhum benefício Aposentadoria BCP Fonte: Associação Missão Belém. Elaboração própria. A partir da análise desses dados, fica evidente que o benefício de pretação continuada (BCP), embora garantido pela Constituição Federal de 1988, regulado pela Lei da Assistência Social (LOAS) e reafirmado em outras normas infraconstitucionais, não possui efetividade, pois não se faz presente na população mais miserável, naquela que mais necessita desse rendimento para sobreviver. Esse benefício, até bem pouco tempo atrás, tinha sua concessão pautada por um critério de miserabilidade. Tal critério limitava sua concessão a uma renda per capta familiar inferior a um quarto de salário mínimo, o que era considerado inconstitucinal por muitos doutrinadores. Um deles apontantava que “o corte feito pela norma alcançava apenas situações de gravidade tão extrema que a ajuda faria pouca diferença na miserabilidade do grupo” (BRANCO, 2007). Se tal benefício assistencial, pautado na miserabilidade, não apresenta beneficiário na população mais necessitada e miserável do município de São Paulo, podemos concluir que ele não possui eficácia para esta população específica. 33 Embora garantido pela Carta Magna de 1988, em seu art. 203, inciso V e também presente em outras tantas normas infraconstitucionais 7 que o regulamentam e reforçam a garantia concedida pela Constituição, o benefício de prestação continuada não é eficaz porque não há assistência estatal adequada. Em decorrência da inadequada assistência estatal, esse benefício não se encontra difundido em meio à população que mais dele necessita. Afinal, esse benefício foi criado para proporcionar condições mínimas de sobrevida àqueles que se encontram em estado de necessidade. A questão é: por quais motivos o benefício de prestação continuada não apresenta eficácia dentro dessa população carente, de idosos e de pessoas com deficiência, especialmente quando em situação de rua? O benefício de prestação continuada é um direito subjetivo. Sua solicitação deve ser pleiteada pelo interessado, ou seu representante, junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), órgão responsável pela operacionalização do benefício assistencial e de sua concessão e manutenção. Para que tal solicitação seja relizada junto ao INSS, é preciso que a pessoa idosa ou portadora de deficiência se encaixe nos requisitos estabelecidos para a concessão do BPC, possua toda a documentação exigida e preencha alguns cadastros e formulários. O site da previdência social possui a relação dos documentos e dos formulários necessários para a solicitação do benefício assistencial 8 . 7 O benefício de prestação continuada, lembrando, também se faz presente em normas infraconstitucionais como por exemplo: na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS - Lei nº 8.742/1993), no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), no Estatuto das Pessoas com Deficiência (Lei 13.146/201), no Decreto nº 6.214/2007. 8 Relação dos documentos e dos formulários necessários para a solicitação do benefício assistencial: (a) Documento de identificação e CPF do titular (ao requerente maior de dezesseis anos de idade poderá ser solicitado documento de identificação oficial com fotografia); (b) Formulários preenchidos e assinados, de acordo a situação do titular; (c) Termo de Tutela, no caso de menores de 18 anos filhos de pais falecidos ou desaparecidos ou que tenham sido destituídos do poder familiar; (d) Documento que comprove regime de semiliberdade, liberdade assistida ou outra medida em meio aberto, emitido pelo órgão competente de Segurança Pública estadual ou federal, no caso de adolescentes com deficiência em cumprimento de medida socioeducativa; (e) Documento de identificação e procuração no caso de Representante Legal do requerente; (f) Para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é necessário fazer parte do Cadastro Único. O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permitindo que o governo conheça melhor a realidade socioeconômica dessa população. Nele são registradas informações como: características da residência, identificação de cada pessoa, escolaridade, situação de trabalho e renda, entre outras. A execução do Cadastro Único é de responsabilidade compartilhada entre o governo federal, os estados, os municípios e o Distrito Federal. Em nível federal, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) é o gestor responsável, e a Caixa Econômica Federal é o agente operador que mantém o Sistema de Cadastro Único (CadÚnico). O Cadastro Único está regulamentado pelo Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007, e outras normas. 34 Os formulários necessários se encontram no site da Previdência Social 9 . As informações necessárias, bem como os cadastros e formulários podem ser alterados de acordo com a necessidade do órgão gestor e das novas legislações que vierem a regulamentar o benefício em pauta (BPC). Além de todos os documentos e formulários, as pessoas idosas e as portadoras de necessidades especiais, no momento da solicitação da concessão do BPC, deverão comprovar todas as condições que lhes proporciona o direito ao benefício. Ainda segundo o site da Previdência Social, caso o idoso ou deficiente não possa comparecer ao INSS, o cidadão tem a opção de nomear um procurador para fazer o requerimento em seu lugar. No entanto, o requerente deve estar presente para a avaliação social e a perícia médica. Levando em consideração toda a documentação exigida para a concessão do benefício de prestação continuada e as condições precárias em que vivem os idosos e as pessoas com deficiência em situação de rua, é possível concluirmos que um dos motivos pelo qual este benefício não surta a esperada eficácia é o não atendimento, por parte desta população, às exigências comprobatórias documentais. Os indivíduos que integram essa população não possuem sequer a Carteira de Identidade, quanto mais o restante da documentação exigida. Outro motivo que contribui
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