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LEITURA À PRIMEIRA VISTA AO PIANO: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DE MÉTODOS 1 INTRODUÇÃO A leitura à primeira vista acompanha o cotidiano do músico profissional em várias ocasiões: na prática profissional dos músicos de orquestra, de pianistas acompanhadores e em concursos seletivos. O desenvolvimento da habilidade de leitura à primeira vista, também favorece o aumento do repertório e a diminuição do tempo gasto para o preparo de uma peça, com isso, abre-se o campo de atuação do profissional (RAMOS, 2005, p.47-9). Fatores como conhecimento em teoria musical, harmonia e análise, habilidades técnicas com o instrumento, familiaridade com o repertório de leitura à primeira vista, o estado físico e emocional em que o pianista se encontra no momento da leitura, contribuem para o melhor seu desenvolvimento (COSTA, 2011, p. 12). Essa habilidade é, muitas vezes, negligenciada nas escolas que formam pianistas profissionais. Muniz (2012, p.11) reforça essa ideia, afirmando que “existe um grande número de alunos em instituições de ensino musical que apresentam nível insatisfatório de leitura musical, tanto nos cursos de piano quanto na matéria ‘piano complementar’”. Risarto (2010, p. 16) também concorda: “Acreditamos que esta inabilidade é resultado de um ensino de piano que prioriza essencialmente o trabalho técnico e o estudo do repertório pianístico, deixando para segundo plano a leitura à primeira vista”. Para contribuir com uma melhor compreensão do desenvolvimento desta habilidade, este artigo propõe a análise dos primeiros volumes de três métodos de desenvolvimento de leitura à primeira vista ao piano: Introduction to sigth-reading, de Wilhelm Keilmann (1972); Sight- reading Exercises - Opus 45, de C. Shäefer/Sartório (1908) e Leitura à primeira vista - A ciência da conquista, de Hannelore Bucher (2009). Esta análise procurou desvendar as estratégias pedagógicas adotadas pelos autores, compará-las ente si e por fim, apontar caminhos para o ensino e o aprendizado da leitura musical à primeira vista ao piano. Muniz (2012) lista uma série de habilidades necessárias para o desenvolvimento de uma leitura a primeira vista eficiente: o domínio de escalas, arpejos e dedilhados; ação motora e domínio espacial do teclado; reconhecimento de padrões e unidades e compreensão rítmica. O presente artigo buscará verificar de que maneira essas habilidades são trabalhadas nos métodos escolhidos. Este artigo será dividido em duas partes. A primeira traz uma revisão bibliográfica sobre o tema e discorrerá sobre algumas das principais competências a serem trabalhadas para se desenvolver a leitura à primeira vista, com base nas discussões apresentadas por Risarto (2010), Muniz (2012), Costa (2011), Aroxa (2013), dentre outros . A segunda parte consiste na análise efetiva dos métodos de leitura à primeira vista já mencionados, discutindo como os estes autores trabalham com as habilidades apontadas anteriormente. 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE O CONCEITO DE LEITURA À PRIMEIRA VISTA Encontra-se em Risarto (2010) uma definição de leitura à primeira vista utilizada por Mário de Andrade: “Expressão empregada pelo músico instrumentista quando lê um determinado trecho sem o conhecer previamente” (ANDRADE apud RISARTO, 2010, p. 43) Muniz (2012) faz uma análise de um comentário de Mozart quando este falava a respeito da leitura à primeira vista. Segundo Mozart, portanto, leitura à primeira vista deve ser fiel à partitura no que diz respeito ao andamento, às notas escritas da melodia e do acompanhamento. Acrescenta que leitura à primeira vista, como arte, deve estar atrelada a expressividade e ao “bom gosto”, de modo que a execução soe como se o próprio intérprete fosse o autor da obra (MUNIZ, 2012, p.16). Outra definição pode ser encontrada em Bucher (2009), quando a autora diz: “Leitura à primeira vista é a habilidade de ler e tocar uma partitura vendo-a pela primeira vez” (BUCHER, 2009, p.3). Nestas definições, entende-se que leitura à primeira vista consiste em ler e executar uma obra sem um preparação prévia. Contudo, há discordâncias em relação a isso. Para outros autores, o termo “leitura à primeira vista” recebe significados, muitas vezes, distantes dos apresentados até então. Muniz (2012) cita Gudmundsdottir, ampliando o termo “leitura à primeira vista” (sight-reading) para “leitura musical” (music-reading) e esclarece que leitura à primeira vista é um termo que tende a ser adotado de forma mais restrita, geralmente limitando-se a decodificação dos símbolos, não necessariamente envolvendo o instrumento. Já o termo leitura musical tende a ser mais abrangente, pois envolve pelo menos duas habilidades: a decodificação e a execução mecânica (GUDMUNDSDOTTIR apud MUNIZ, 2012, p.13). Em sua dissertação, Ramos (2005) faz uma reflexão sobre o termo “leitura à primeira vista” A expressão leitura à primeira vista remete-nos à ideia de que o intérprete deverá tocar uma partitura que ainda não tenha visto. Entretanto, o que acontece na prática é um pouco diferente, pois sabe-se que, normalmente, o executante tem alguns minutos para olhar a partitura antes de tocá-la ou cantá-la. Esse tempo normalmente seria suficiente para efetivar-se a leitura prévia (RAMOS, 2005, p. 50). Fireman (2009, p. 35) em seu artigo faz uma exposição das sugestões de Lehmann e McPherson para o ato de ler à primeira vista: “falar o nome das notas, intervalos e escalas sem a preocupação com o ritmo para identificar padrões; executar o ritmo dando pancadas em uma superfície ou batendo palmas; desenhar linhas verticais que indiquem o alinhamento das notas”. Todas estas sugestões estão em concordância com o pensamento encontrado em Ramos (2005). Paiva e Ray (2006) afirmam que uma observação prévia minuciosa da partitura é essencial “(...) por promover maior detalhamento possível das estruturas que poderão auxiliar na hora da performance” (PAIVA e RAY, 2006, p. 1064). A partir da revisão bibliográfica apresentada, conclui-se que leitura à primeira vista é um conceito abordado de formas diferentes nas publicações sobre o assunto. São atribuídos ao termo significados diferentes sob a influência da época ou do contexto em que o termo está inserido. Ao analisar os métodos de Keilmann, Schäeffer e Bucher, percebemos que Keilmann e Bucher propõem atividades onde fica subentendida uma leitura prévia, alinhando-se ao pensamento de autores como Ramos (2005), Paiva e Ray (2006), Fireman (2009). Já Schäffer, parece sugerir a leitura imediata da partitura, como sugere Andrade (apud RISARTO, 2010). 2.1 Abordagem dos conceitos de leitura à primeira vista nos métodos analisados Keilmann (1972) não conceitua leitura a primeira vista em seu método, porém faz menção às preparações antes de executar os exercícios. Dentre estas, pode-se citar: “É extremamente importante entender a estrutura rítmica antes de tocar a peça, isto pode ser feito batendo o pulso e pronunciando o valor de cada nota” (p.23). Encontramos também afirmações como, “Na transposição é necessário ajustar visualmente e manualmente para a nova tonalidade e memorizar os acidentes” (p.24) e, ainda, “Antes de tocar cada peça deve-se olhar para a armadura de clave, repetição de motivos e grupos rítmicos, e passagens mais difíceis” (p.27). Sendo assim, podemos concluir que o pensamento de Keilmann está mais alinhado com o conceito encontrado em Ramos (2005), que entende a leitura prévia como estratégia para o desenvolvimento da leitura a primeira vista à primeira vista. Bucher (2009) em seu método conceitua leitura a primeira vista como “o ato de ler e tocar a partitura vendo-a pela primeira vez” (p.3). Contudo, no decorrer dos exercícios,a autora parece entrar em contradição com a definição apresentada. Em geral, no método pede-se que haja uma preparação antes de executar a peça. Esta preparação inclui observar o desenho melódico, escrever o direcionamento da melodia, contar a pulsação em voz alta, verbalizar os intervalos, bater o ritmo nas pernas. Sendo assim, apesar de a autora conceituar leitura à primeira vista como o ato de ler sem a análise prévia, em seu livro, as leituras acontecem após uma preparação, ou seja, a partir de uma leitura prévia. Shäeffer (1908) não faz nenhuma introdução textual em seu método. Em nenhum momento ele fala de análise de padrões, ritmos ou qualquer outra característica. O método inicia-se diretamente nos com os exercícios propostos por ele. 3 ALGUMAS COMPETÊNCIAS RELACIONADAS AO DESENVOLVIMENTO DA LEITURA À PRIMEIRA VISTA 3.1 Reconhecimento de padrões melódicos Reconhecer padrões melódicos, rítmicos e harmônicos é essencial para que a leitura musical à primeira vista aconteça fluentemente. Pode-se assemelhar a configuração das notas em uma partitura às letras em um texto literário. Assim como o leitor lê palavras e não letras, o músico busca padrões e não notas (WOLF apud MUNIZ, 2012, p.55). Martins (2014, p.43) reforça essa ideia e a amplia. O autor afirma que além de reconhecer padrões, o leitor deve atribuir significado aos mesmos, ou seja, ouvir o som musical sem a sua presença acústica. Isto significa que, para que ocorra uma leitura musical eficaz o músico necessita desenvolver a habilidade de gerar representações auditivas. Martins (2014) busca em Gordon, uma justificativa para o fato de que, para um bom leitor, o reconhecimento de padrões é tão importante: O cérebro é um sistema gerador de padrões. Procura semelhanças e, porque é mais fácil para o cérebro reconhecer a semelhança do que identificar a diferença, a aprendizagem envolve a concorrência entre os padrões “armazenados” e a realidade do que encontramos em nosso meio ambiente (GORDON apud MARTINS, 2014, p. 45) Assim como quem lê um texto literário pode prever as palavras de um texto, um bom leitor de partituras também poderá prever os padrões rítmicos e melódicos que estão por vir: como as melodias são transpostas, como os acordes são preenchidos e como as frases são concluídas (MUNIZ, 2012, p.52). Robert Pace (1999) também discorreu sobre a importância de ler padrões. Para ele, o leitor deve evitar ler nota por nota, ou seja, o músico deve acostumar-se a ler padrões, porque assim ele cria uma espécie de vocabulário musical, uma vez que, os padrões aprendidos nesta partitura poderão ser utilizados em leituras futuras. Sendo assim, um bom leitor não lê notas, lê motivos, unidades formadas por agrupamentos de notas. Estas unidades podem ser escalas, arpejos, blocos de acordes ou qualquer estrutura familiar. Em grande parte das composições tonais, os padrões se repetem, reaparecem transpostos ou variados, e estar atendo a isto torna a leitura musical mais fluente (RISARTO, 2010, p.69). 3.2 A escolha do dedilhado O processo de leitura à primeira vista ao piano está diretamente relacionado à capacidade de utilizar os dedos apropriados.A escolha do dedilhado afeta diretamente a qualidade técnica e expressiva da performance musical, “pois alguns propiciam maior velocidade, outros maior precisão e outros podem gerar melhor fraseado, articulação, dinâmica ou memorização”. (MUNIZ, 2012, p.36). No caso do piano, o músico depara com uma grande possibilidade de escolha de dedilhados para a execução de um trecho musical (MUNIZ, 2012, p.37). No ato da leitura à primeira vista, esta variedade pode atrapalhar a fluidez da execução da peça, já que o tempo para a escolha é extremamente reduzido. Portanto, justifica-se o aprendizado de dedilhados de escalas e arpejos a serem acessados de modo mais imediato no momento da leitura à primeira vista. Dois fatores são essenciais no momento da escolha do dedilhado: identificar padrões de notas que cabem dentro da mão e olhar adiante na partitura, ou seja, o pianista deve estar atento ao que está por vir para preparar a mão de forma ágil e precisa para executar um dedilhado eficaz (LAST apud MUNIZ, 2012, p. 37). Para Pace, a utilização dos dedos corretos nas teclas adequadas é essencial desde o primeiro contato com o instrumento. Isto facilita o ato de ler à primeira vista. Por exemplo, se o aluno se acostuma a tocar uma tríade em posição fundamental usando os dedos 1 – 3 – 5, então, no momento da leitura à primeira vista, não precisa pensar em qual dedilhado usar quando identifica tal padrão na partitura (PACE,1999, p.5). O domínio de escalas e arpejos é um facilitador quando o assunto é a escolha do dedilhado. O estudo diário de escalas e arpejos automatiza a mão do pianista acerca do dedilhado necessário para a execução de uma peça tonal: “O automatismo na execução musical pressupõe um corpo capaz de realizar uma ação motora baseada no controle cerebral total, possibilitando-lhe uma boa leitura à primeira vista.” (RISARTO, 2010, p. 65). Sloboda e colaboradores (1998) desenvolveram uma pesquisa sobre a escolha de dedilhado com dezesseis pianistas em três níveis de proficiência. Esta pesquisa buscava entender quais as estratégias de dedilhados eram utilizadas por pianistas no momento em que eles liam a partitura. Concluiu-se então que, o pianista tende a utilizar o dedilhado já condicionado anteriormente, demonstrando que, se o pianista tem o hábito de estudar previamente escalas e arpejos, no momento da leitura quando este estiver lendo algum destes elementos, tenderá a utilizar o mesmo dedilhado. Enfim, a partir das pesquisas de Pace (1999), Risarto (2010) e Sloboda (1998) entende-se que o pianista deve ter dedilhados já condicionados previamente, para que no ato da leitura à primeira vista estes sejam utilizados, de modo que não haja perda de tempo na escolha dos dedos, que devem ser acionados, evitando assim prejuízos na fluidez da leitura. 3.3 Sequência de gestos gerados a partir de um estímulo visual A sequência de gestos e movimentos que o pianista deverá executar no momento da performance está diretamente relacionada com a sua técnica instrumental. Segundo Risarto (2010) o instrumentista deve ter uma boa leitura, mas também uma boa técnica para conseguir realizá-la no instrumento. Uma boa execução musical parece estar diretamente relacionada à automação de movimentos, o que, por sua vez, é adquirida através da repetição consciente de gestos e intenções musicais. Risarto (2010, p.66) afirma que a falta de habilidades motoras gera problemas no momento da leitura à primeira vista, pois é a partir dela que padrões musicais são automatizados e incorporados. Ao ler à primeira vista, o instrumentista, em geral, utiliza o seu potencial cognitivo musical e todas as habilidades musicais aprendidas e condicionadas anteriormente. Portanto, para cada nova informação na partitura, certos condicionamentos físico-rítmico-motores são acessados (RISARTO, 2012, p. 70). Aroxa (2013) cita Thompson e Lehmann (2004), que sugerem uma divisão do processo de leitura à primeira vista em três etapas - percepção da notação, processamento da notação e execução do resultado motor (AROXA, 2013 p. 33). Para que se efetue a leitura à primeira vista, é necessário a identificação dos símbolos na notação, processá-los mentalmente e, em seguida, transformá-los em uma sequência coordenada de movimentos que produzirão o som musical. Para reforçar esta ideia, Aroxa (2013) cita Schäefer (1982), que considera a leitura à primeira vista uma tarefa de transcrição, na qual se converte a notação em um impulso motor, como ler um texto em voz alta ou digitarum texto (SCHÄEFER, 1982 apud AROXA, 2013, p.33). Contudo, nem todas as habilidades motoras provêm de uma conversão contida na notação, “pois alguns gestos relacionados à dinâmica, agógica e outras questões interpretativas muitas vezes não estão contidos na partitura e são gerados a partir da familiaridade com o estilo” (AROXA, 2013, p. 33). Com isso, pode-se entender a partitura como um mapa de movimentos a partir dos quais a música é produzida. Portanto, é necessário que esses movimentos sejam previamente estudados para serem acessados no momento da leitura, bem como é importante a familiaridade com o estilo e com o instrumento. 3.4 Compreensão do ritmo Segundo Muniz (2012, p. 63), a compreensão do ritmo tem alto grau de relevância quando está relacionada ao sucesso da leitura à primeira vista. Muniz (2012, p. 63) expõe o fato de que os erros relativos ao ritmo são os mais frequentes no ato da leitura à primeira vista, superando todos os outros erros cometidos no ato da leitura, e cita algumas estratégias para a melhor compreensão deste: desenvolver a capacidade de agrupá-los em motivos ou blocos, observar o “encaixe da partitura” – como as notas ficam sobre outras, qual é o espaçamento entre as notas – e por último, ela diz que cada pianista poderá desenvolver a capacidade de “sentir o ritmo” que significa tocá-lo independente de qualquer esforço de análise. Encontramos em Sampaio (2017) indicações de que alunos ritmicamente precisos são mais fluentes em leitura de alturas, enquanto aqueles que são bons em ler notas não necessariamente são competentes quanto à precisão rítmica (SAMPAIO, 2017 p. 44). Zhukov apud Sampaio (2017) faz uma afirmativa que ilustra ainda mais a importância do treinamento rítmico: Uma ênfase maior no treinamento rítmico pode ter efeitos positivos como um todo na leitura a primeira vista de estudantes, pois um treinamento rítmico melhora globalmente a fluidez e a continuidade do tocar piano (Zhukov apud SAMPAIO, 2017, p.44) Tendo em vista todos esses argumentos, não podemos deixar de dar a devida importância ao treinamento rítmico, para que a leitura à primeira vista se torne fluente. Um bom condicionamento rítmico faz com que o pianista, no ato de ler à primeira vista, possa se ocupar com outros aspectos da leitura, tornando-a fluente. 4 ANÁLISE DOS MÉTODOS DE LEITURA À PRIMEIRA VISTA SELECIONADOS 4.1 Reconhecimento de padrões melódicos e harmônicos Neste tópico, busca-se entender a proposta dos autores para desenvolver a habilidade de reconhecer padrões musicais. Para Keilmann (1972) é importante identificar padrões, que ele chama de “imagens do grupo de notas” (p.14). Ele pede que os alunos procurem observar os padrões e, principalmente, as repetições. Destaca os padrões com colchetes acima do grupo de notas que os formam. Marca com um colchete contínuo o primeiro padrão e com um colchete pontilhado, o segundo. Já um arco de linha pontilhada mostra um padrão estendido. A figura 1 exemplifica as marcações descritas neste parágrafo. Figura 1: Indicações de motivos para reconhecimento de padrões melódicos (KEILMANN, 1972, p. 42) Keilmann aborda intervalo por intervalo, iniciando com os intervalos de segunda, terça e, assim por diante, até chegar ao intervalo de oitava, utilizando primeiro a clave de sol e em seguida a clave de fá. Também trabalha tríades na posição fundamental e inversões, primeiramente na clave de sol e em seguida na clave de fá. Trabalha tétrades em posição fundamental e inversões, inicialmente na clave de sol e posteriormente na clave de fá. Trabalha a escala como um padrão. No capítulo “Reading Music” o autor destaca instruções sobre a percepção de padrões, no qual emprega várias tonalidades diferentes. Hanellore Bucher inicia o método com a abordagem de intervalos melódicos e depois apresenta os intervalos harmônicos. Esta apresentação é feita de uma forma que o estudante reconheça estes intervalos como um padrão musical. Bucher inicia com intervalos de segunda, passa pelas terças e chega até as oitavas. A autora apresenta a escala antes de introduzir os acordes, que também são abordados como um padrão musical. As tétrades são apresentadas como um padrão musical após a introdução ao estudo do intervalo de sétima. A autora faz exercícios de assimilação de escalas e arpejos. Contudo, ela trabalha pouco a questão de repetição de motivos, transposição de temas e variações motívicas. Em Schäeffer, é possível perceber o uso de melodias dentro de padrões de cinco notas e melodias estendidas para sete notas na mão direita com mudança de posição da mão. Antes de cada exercício o autor determina a posição das mãos. As frases são destacadas com ligaduras de expressão. Os intervalos menores e fragmentos de escalas também são utilizados para compor os padrões. 4.2 Uso do dedilhado Neste tópico, procura-se apresentar as estratégias pedagógicas utilizadas pelos autores para facilitar a escolha do dedilhado no ato da leitura à primeira vista. A primeira observação desta análise é que os três autores consideram o condicionamento de dedilhados um passo inicial e decisivo para o desenvolvimento da leitura à primeira vista. Keilmann sugere o uso dos grupos de teclas pretas como referência para localizar-se ao teclado e determina quais dedos devem ser usados para tal localização (dedos 2 e 3 no grupo de duas teclas pretas e dedos 2, 3 e 4 no grupo de três teclas pretas). No entanto, nos exercícios seguintes, em que o estudante deve localizar as teclas brancas a partir das teclas pretas (KEILMANN, 1972, p.7), o autor não indica dedilhados. Isso ocorre em todos os outros exercícios de seu método. Keilmann trabalha basicamente com exercícios que se limitam à extensão de uma quinta e, dentro desta amplitude, utiliza vários acidentes. Porém, raramente o autor extrapola a extensão deste intervalo. Isto ajuda a reforçar o dedilhado do pentacórdio e a orientação do tato no teclado. Nesse sentido, no volume 1 deste método, Keilmann trabalha os dedilhados voltados para uma orientação tátil no teclado. Bucher (2009) inicia o trabalho com melodias estruturadas no âmbito do pentacórdio, faz indicações de dedilhados em alguns pontos da música e o aluno deve então deduzir qual dedo deverá colocar sobre as notas subsequentes. Quando a autora extrapola o limite das cinco notas, ela indica qual dedilhado deve ser usado. A primeira mudança da posição da mão é feita através da substituição de um dedo por outro em figuras de maior valor. Segundo a autora, este procedimento é utilizado para “trocar de dedilhado e alcançar notas além do pentacorde” (BUCHER, 2009, p.55). A figura 2 ilustra estas descrições. A segunda mudança de posição da mão proposta pela autora é a passagem do dedo dois sobre o dedo um. No momento desta passagem é incluída a indicação dos dedos. Figura 2: Indicações de troca de dedilhado (BUCHER, 2009, p. 55). A autora utiliza a mão na posição aberta pela primeira vez quando aborda as tétrades. Bucher também apresenta escalas menores e faz exercícios de assimilação destes dedilhados, que são pequenas melodias com indicações do dedilhado usual da escala. Pode-se concluir que Bucher aborda os dedilhados buscando condicionamento motores. O livro de Schäefer é dividido em duas partes. Na primeira, estão as músicas escritas dentro do pentacórdio. Na segunda, que o autor intitula “Melodious Studies”, são empregadas sete notas, estendendo a amplitude da melodia, com a inclusão de passagens onde é necessária a mudança de posição das mãos. As passagens mais utilizadas são a passagem do dedo três sobre o dedo um (escala descendente) e do dedo um sob o dedo três (escala ascendente).Primeiramente ele realiza estas passagens na mão direita e, na sequência, em ambas as mãos. Schäefer não propõe explicações textuais ou exercícios preparatórios acerca da escolha do dedilhado. A análise da abordagem do dedilhado realizada pelo autor deste artigo baseia-se observação de recursos técnicos e musicais empregados nas peças. Schäeffer inclui indicações de dedilhado em alguns momentos da peça, deixando que o aluno deduza o dedilhado que usará nas notas subseqüentes. 4.5. Gestos gerados a partir de um estímulo visual Para que a leitura musical se efetive no instrumento, os símbolos contidos na partitura devem estar associados a movimentos precondicionados do leitor. Neste tópico procura-se entender de que maneira que os autores pretendem condicionar certos movimentos e relacioná-los a determinados padrões melódicos ou harmônicos contidos na partitura. Keilmann (1972, p.9) propõe exercícios de assimilação de intervalos harmônicos O autor sugere que o aluno localize uma das notas, identificando a outra através da distância dos intervalos. Keilmann inicia o trabalho utilizando mãos separadas com intervalos de segunda, passa pela terça até chegar ao intervalo de oitava. O fato de o estudante localizar as notas que formam os intervalos através da distância física entre as mesmas auxilia no processo padronização das formas da mão para a execução de intervalos. O mesmo é feito com tríades e tétrades em posição fundamental e inversões (KEILMANN, 1972, p.11-12). Em seguida, Keilmann propõe sugestões para que o estudante identifique visualmente tais intervalos. Ele menciona que “o tamanho do intervalo depende da distância de uma nota para outra”. Encontramos também informações como “as segundas só podem ser escritas uma próxima a outra”; “as terças são escritas uma acima da outra”; “Os itervalos maiores são mais fáceis de notar distinguindo o espaço entre as notas” (KEILMANN, 1972, p.16). Assim, o autor trabalha maneiras eficazes de reconhecer a notação através da percepção visual. Na sequência, Keilmann propõe uma série de exercícios para que o estudante visualize tais intervalos na pauta e execute-os no piano. Bucher (2009) inicia o processo de leitura com o que ela chama de “tocar por desenho melódico” (p 17), que significa tocar observando a movimentação ascendente ou descendente das notas. Assim, o aluno pode aprender que, se o desenho é ascendente, o gesto do pianista é para a direita, se as notas descem, deve-se movimentar para a esquerda. Assim como Keilmann, Bucher trabalha intervalo por intervalo, iniciando pelo intervalo de terça. A autora apresenta os intervalos e fornece indicações de como percebê-los na pauta e posicionar a mão no teclado: “intervalos de terça: linha-linha ou espaço-espaço” (p.25); “intervalos de quarta: saltar duas teclas brancas no piano linha-espaço ou espaço-linha” (p.36). Indicações semelhantes são dadas aos demais intervalos e podem ajudar o estudante a moldar a posição da mão aos símbolos contidos na partitura. Quanto às tríades, tétrades, arpejos, a autora apresenta-os visualmente na pauta ao estudante e, na sequência faz uma série de exercícios que reforça a formatação da mão à estes padrões. Schäefer não oferece em seu método indicações sobre como moldar a posição da mão em relação ao que está notado na pauta. Embora sejam estudados intervalos de terça, quartas, quintas, fragmentos de escalas, dentre outros, o autor deste artigo concluiu que o método não enfoca o condicionamento de gestos a partir de um estímulo visual. Apesar disso, como nas peças do método de Schäefer encontramos fragmentos de escalas, intervalos melódicos e harmônicos, arpejos entre outros padrões, será possível associar tais padrões ao movimento da mão caso o estudante ou o professor esteja atento a isto. 4.6 Treinamento rítmico Keilmann propõe que o estudante realize um treinamento rítmico antes de executar as peças, que consiste em cantar o ritmo batendo o pulso. Além disso, ele indica na partitura o pulso forte com um triângulo e o pulso fraco com uma estrela, em peças com a presença de síncopes. Apresenta grande complexidade rítmica desde o inicio do método. Usa pausas em tempos inesperados e grupos rítmicos de grande dificuldade. O grau de dificuldade rítmica aumenta ainda mais no decorrer do método, chegando a usar compassos alternados, mudança de compasso dentro da mesma peça e fórmulas de compassos pouco usuais na música tradicional. Keilmann trabalha com figuras rítmicas complexas e pouco previsíveis. Ritmicamente é o método mais complexo. Essa proposta parece indicar que o autor considera o treinamento do ritmo de grande importância para o desenvolvimento da leitura à primeira vista. Bucher inicia seu método apenas com semibreves, mínimas, semínimas e suas respectivas pausas. Trabalha os valores sugerindo que o aluno toque ao piano, utilizando uma única altura, focando totalmente no ritmo. Na seção “Tocando de mãos juntas” (p.38), a autora propõe outros exercícios rítmicos, que levam o aluno a perceber que notas devem ser tocadas juntas. No decorrer do método, a autora utiliza outros materiais rítmicos, tais como colcheias, pausas de colcheias, síncopes regulares e semicolcheias. Logo que a autora apresenta os ritmos derivados das quatro semicolcheias, propõe um estudo rítmico de assimilação dos mesmos, que consiste em tocar no piano utilizando apenas uma nota e contanto a pulsação em voz alta. A autora chega a abordar compassos compostos, em que a figura de menor valor é a colcheia. As quiálteras apresentadas no método são: a tercina e a quintina. Ambas são abordadas como um exercício rítmico. Dentre os cinquenta exercícios contidos no primeiro livro de Schäefer, doze utilizam apenas semibreves, mínimas e suas respectivas pausas. O autor combina estes quatro elementos de várias maneiras, inclusive usando ligadura de prolongamento. Ao longo do método o autor vai apresentando sucessivamente figuras de menor valor. Após apresentar semibreves, mínimas e suas pausas, a próxima seção do método é “Semínimas contra notas longas” e consiste em tocar semínimas em uma das mãos, mínimas e semibreves em outra, com maior ocorrência de semiminas contra semibreves. Em seguida o autor utiliza semínimas em ambas as mãos incluindo suas respectivas pausas nos exercícios. O autor apresenta as colcheias no vigésimo exercício, “Introduzindo colcheias”. Neste momento, apresenta grupos de duas colcheias e quatro colcheias. A primeira figura pontuada apresentada por Schäefer é a mínima pontuda em um exercício chamado “Tempo di Valse” em compasso ternário. Assim que o autor apresenta a colcheia ele introduz a semínima pontuada, em um compasso simples, antes de apresentá-la em um compasso composto, ao contrário de Bucher, que apresenta a semínima pontuada em um compasso composto antes de apresentá-la no compasso simples. Logo quando as semicolcheias são introduzidas, o autor utiliza a configuração colcheia e duas semicolcheias, que é um grupo derivado das quatro semicolcheias (exercício 33), antes de apresentar as quatro semicolcheias. A figura 4 ilustra o mencionado neste parágrafo. Na opinião do autor deste artigo, isso pode gerar uma lacuna no desenvolvimento rítmico do aluno. Figura 4: Introdução das semicolcheias (SCHÄEFER,1908, p.15) O autor não explora alternância de compassos neste volume, também não explora de explora de forma intensa os contratempos, síncopes ou surpresas rítmicas. Em geral o ritmo é bem previsível. Dentre os autores analisados Keilmann é quem se propõe a uma maior variedade rítmica. Assim como Bucher, sugere que o estudante realize uma preparação rítmica antesde iniciar executar as peças. No entanto, Bucher é a única que aborda exercícios exclusivamente rítmicos. Observa-se em Schäefer uma sequencia lógica para a abordagem do ritmo (dos valores mais longos aos mais curtos). Esta abordagem é semelhante à encontrada em Bucher. 5 Conclusão: A leitura à primeira vista é uma habilidade complexa que envolve várias competências musicais, técnicas, motoras, além de domínio do instrumento, memória, condicionamentos mentais, dentre várias outras. Dificilmente o aluno irá conseguir adquirir todas estas habilidades em um único método. Estas habilidades são construídas e solidificadas ao longo dos anos de estudo ao piano. Para adquirir fluidez na leitura à primeira vista ao piano deve-se fazer uma prática diária. Deve-se extrapolar o conteúdo dos métodos e adquirir o hábito de ler constantemente, além de buscar condicionar padrões rítmicos, de dedilhados, padrões melódicos e harmônicos, além da assimilação dos estilos. Para concluir esta pesquisa, observa-se que em todos os métodos encontramos pontos positivos e outros que poderiam receber maior atenção. Bucher introduz o aprendiz à uma gama de competências importantes para o desenvolvimento da leitura, tais como: observar o direcionamento melódico, reconhecimento dos intervalos escritos na pauta, treinamento rítmico, dentre outros. Contudo, ela não aprofunda tais competências. Cabe ao estudante fazer uma pesquisa acerca das mesmas. Keilmann foca bastante no desenvolvimento do tato no teclado e trabalha a padronização da forma da mão para tocar intervalos, tríades e tétrades. Porém, o autor negligencia algumas questões importantes, relacionadas ao dedilhado – faltam indicações de dedilhado nos exercícios a partir da página 7, como mencionamos anteriormente. Além disso, há muitos exercícios em uníssono, o que prejudica o desenvolvimento da leitura em ambas as claves. Schäefer também procura desenvolver várias habilidades no que se referem à fluidez da leitura, tais como: saltos de terças e de quartas, intervalos harmônicos, dentre outros. Porém, como não há explicações sobre estas competências, pode haver mau uso do método. O professor ou o aluno que desejar utilizá-lo deverá fazer uma pesquisa sobre competências necessárias à habilidade de leitura à primeira vista para que sua utilização seja mais eficaz. Espera-se ter destacado as contribuições de cada método analisado. Por fim, conclui-se que os métodos de leitura a primeira vista podem ser uma boa ferramenta para auxiliar no desenvolvimento da leitura à primeira vista, mas não devem ser o único caminho. O músico que pretende adquirir esta habilidade deve buscar também outros caminhos, como conhecer vários estilos, aprofundar os conhecimentos musicais e apurar a técnica pianística. Referências ARÔXA, Ricardo Alexandre de Melo. Leitura a primeira vista: Perspectivas para a formação do violonista. 2013. 192f. Dissertação (Programa de pós-graduação em música) – Centro de Comunicação, Turismo e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013. BUCHER, Hannelore. Leitura à primeira vista: a ciência da conquista. 1. ed. Vitória: Edição da autora, 2009. COSTA, José Francisco da. Leitura à primeira vista na formação do pianista colaborador a partir de uma abordagem qualitativa. 2011. 277f. Tese (Doutorado em Música) – Instituto de Artes da UNICAMP. UNICAMP, Campinas, 2011. FIREMAN, Milson Casado. 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