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31 10 TERAPIA GÊNICA NO ESPORTE E SUAS IMPLICAÇÕES ÉTICAS UMA REVISÃO BIBLIOMÉTRICA (1)

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TERAPIA GÊNICA NO ESPORTE E SUAS IMPLICAÇÕES ÉTICAS: UMA REVISÃO BIBLIOMÉTRICA
Anna Késia Pires Gomes D’Ávila, Rafael da Silva Passos
Faculdades Unidas de Pesquisa, Ciências e Saúde (FAPEC). Jequié, Bahia, Brasil. CEP – 45200-000.
RESUMO
Introdução: Os atletas são a população mais exposta ao surgimento de lesões, e diversas dessas lesões provocam o afastamento das atividades profissionais. A terapia gênica surge como uma ferramenta o tratamento dessas possíveis lesões, mas que também pode ser utilizada para a obtenção de vantagens indevidas, o que tornaria essa terapia uma forma de doping. Objetivo: realizar uma revisão bibliométrica para avaliar a literatura que trata do uso e desempenho da terapia gênica em atletas, além de investigar se a utilização desse meio de tratamento é uma forma de Doping esportivo. Métodos: Foi realizada uma busca na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), buscando artigos na língua inglesa que tratassem sobre a temática a ser abordada. Resultados e discussão: para a finalidade dessa revisão, foram encontrados 7 artigos, que foram utilizados para discutir sobre as principais formas de terapia gênica no esporte, que são Eritropoetina (gene EPOR), fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), enzima conversora de angiotensina (ECA), alfa-actinina-3 do gene AT1 (A1166C) e AT2 (G1675A), antagonista de miostatina (GDF-8) e o fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). Conclusão: Diversos são os procedimentos envolvidos no processo da terapia gênica, e as alterações genotípicas dos atletas precisam ser levadas em consideração quando da avaliação dos indivíduos, no entanto, a alteração do genótipo de forma exógena consiste em um processo de doping, o que é proibido pela Agência Mundial Anti-Doping (WADA). 
Palavras chaves: Terapia gênica; Esporte; Genes; Atletas. 
ABSTRACT
Introduction: Athletes are the population most exposed to the onset of injuries, and several of these injuries cause them to move away from their professional activities. Gene therapy appears as a tool to treat these possible injuries, but it can also be used to obtain undue advantages, which would make this therapy a form of doping. Objective: to perform a bibliometric review to evaluate the literature on the use and performance of gene therapy in athletes, and to investigate whether the use of this treatment medium is a form of sports Doping. Methods: A search was performed in the Virtual Health Library (VHL) database, searching for articles in the English language that dealt with the subject to be addressed. Results and discussion: 7 articles were used to discuss the main forms of gene therapy in sports, which are Erythropoietin (EPOR gene), vascular endothelial growth factor (VEGF), angiotensin (ACE), alpha-actinin-3 of the AT1 gene (A1166C) and AT2 (G1675A), myostatin antagonist (GDF-8) and insulin-like growth factor-1 (IGF-1). Conclusion: Several procedures are involved in the gene therapy process, and the genotypic alterations of the athletes need to be taken into account when evaluating the individuals; however, the genotype alteration exogenously consists of a doping process, which is banned by the World Anti-Doping Agency (WADA).
Keywords: Gene therapy; Sport; Genes; Athletes.
INTRODUÇÃO
Os atletas estão mais expostos ao surgimento de lesões musculares provocadas pelo esforço físico por serem submetidos a cargas mais elevadas de exercícios físicos que os indivíduos que não praticam esportes de forma competitiva. As lesões musculoesqueléticas são um dos principais fatores de afastamento no esporte, o que pode ocasionar um baixo índice de rendimento esportivo e limitações físicas. 
Todas as modalidades esportivas apresentam um componente competitivo, de modo que a busca de estratégias para fornecer aos atletas uma "vantagem" de desempenho em relação a seus concorrentes é uma parte importante da cultura esportiva. Uma das novas ferramentas para a conquista dessa “vantagem” consiste na pesquisa com genes para a aceleração da melhoria e rendimento no esporte (GIANNINI et al, 2007; VLAHOVICH et al, 2017).
A terapia gênica é caracterizada pela introdução de um material genético em células no sentido de graduar a funcionalidade de um gene ou substituir um gene não funcional. Esta estratégia foi desenvolvida e vem sendo aperfeiçoada com o propósito de prevenir, tratar ou aliviar os sintomas das doenças hereditárias ou desordens adquiridas (GONÇALVES, 2011).
O doping genético foi incluído pela Agência Mundial Antidoping na lista de procedimentos proibidos pelos atletas em 2003 (WADA,2009). O principal objetivo do procedimento genético no ramo esportivo consiste na alteração genotípica a fim de selecionar determinados polimorfismos que se relacionem com a expressão de proteínas a fim de aumentar o desempenho no esporte atuante, bem como reduzir em proteínas que reduzem a funcionalidade atlética (LJUNGQVIST et al, 2008).
Atualmente, existe o conhecimento sobre algumas proteínas que conseguem alterar o metabolismo para melhora do desempenho físico, dentre as quais podemos citar a liberação de eritropoietina para fins de aceleração do metabolismo, um aumento nas taxas séricas de endorfina e encefalina constante, presença aumentada do fator de crescimento endotelial vascular e maior liberação dos antagonistas de miostatina (OLIVEIRA, et al 2011). No entanto, ainda não existe uma sistematização abrangente em língua portuguesa sobre os genes que influenciam tais fatores.
A bioética relata que o fato de um atleta ser aprimorado geneticamente levanta a questão da verdadeira dignidade da atividade esportiva humana e como as novas maneiras de melhorar o desempenho atlético podem distorcer ou prejudicar os verdadeiros valores de uma atividade digna (COELHO, 2012).
Dado o crescente interesse que existe sobre a temática do doping no meio científico, na comunidade atlética e na sociedade em geral, torna-se imperativo compreender a relação que existe entre a terapia gênica, qual sua contribuição no contexto da prática desportiva profissional, e as implicações bioéticas desse processo. 
Desse modo, o presente artigo objetiva fazer uso de uma revisão bibliométrica para avaliar a literatura que versa sobre o uso e desempenho da terapia gênica (utilização de genes e proteínas) em atletas, além de investigar se a utilização desse meio de tratamento é uma forma de Doping esportivo. 
METODOLOGIA 
O presente estudo consiste em uma revisão bibliométrica, que, através da utilização de dados bibliográficos, permite realizar inferências sobre determinado tema, assim como utilizar tais informações como suporte para a compreensão de um determinado tema. 
Considerando o escopo do presente trabalho, foi realizada uma busca na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), sendo selecionados artigos na língua inglesa, a fim de avaliar a produção internacional sobre o tema, sobretudo considerando a importância que tal discussão tem ganhado nos meios científicos e esportivos.
RESULTADOS 
A busca foi realizada em setembro de 2018, utilizando os termos Genetic doping, sports e ethics, mediadas pelo operador booleano AND. Também foram utilizados filtros para refinar a busca (texto completo; ano de publicação de 2011 a 2018; idioma inglês). O Quadro 1 relata esses processos.
Quadro 1 - Pesquisa das palavras chave e aplicação dos filtros, com o número de artigos. 
	Termos e filtros utilizados
	Número de artigos
	Genetic doping 	
	251
	Genetic doping AND sports	
	196
	Genetic doping AND sports AND ethics	
	33
	Genetic doping AND sports AND ethics + ano de publicação 2011-2018 	
	10
	Genetic doping AND sports AND ethics + texto completo + ano de publicação 2011-2018	
	8
	Genetic doping AND sports AND ethics + texto completo + ano de publicação 2011-2018 + idioma inglês
	7
Após a aplicação dos filtros determinados, foi identificado que um dos artigos estava em duplicidade, restando uma seleção de6 artigos. 
Quadro 2 – Título dos artigos utilizados para a revisão 
	Título dos artigos
	Ethics of genetic testing and research in sport: a position statement from the Australian Institute of Sport. Vlahovich, N., Fricker, P. A., Brown, M. A., & Hughes, D. Br J Sports Med, p. bjsports-2016-096661, 2016.
	Gene doping: gene delivery for olympic victory. Gould, D. British journal of clinical pharmacology, v. 76, n. 2, p. 292-298, 2013.
	Human genetic variation: New challenges and opportunities for doping control. Schneider, A. J., Fedoruk, M. N., & Rupert, J. L. Journal of sports sciences, v. 30, n. 11, p. 1117-1129, 2012.
	Testing the ethics of genetic testing in sports. Collier, R. Canadian Medical Association Journal, p. cmaj. 109-4064, 2011.
	Gene doping: Olympic genes for Olympic dreams. Battery, L., Solomon, A., & Gould, D. Journal of the Royal Society of Medicine, v. 104, n. 12, p. 494-500, 2011.
	The use of genes for performance enhancement: doping or therapy? Oliveira, R. S., Collares, T. F., Smith, K. R., Collares, T. V., & Seixas, F. K. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, v. 44, n. 12, p. 1194-1201, 2011.
Quadro 3 – Revistas das publicações dos artigos
	Nome da revista
	Número de artigos
	Br J Clin Pharmacol 
	1
	Br J Sports Med 
	1
	Braz J Med Biol Res 
	1
	CMAJ 
	1
	J R Soc Med 
	1
	J Sports Sci 
	1
DISCUSSÃO
O objetivo do presente estudo foi de revisar a literatura que versa sobre o doping genético, identificando as principais formas de doping, assim como estabelecendo a diferença entre doping genético e terapia gênica, e identificando as implicações éticas desse processo.
Ao analisar as informações obtidas pela bibliometria, foi possível identificar que ainda existe um baixo número de artigos discutindo a ética do doping/terapia gênica. É importante observar que, apesar do doping genético estar presente na lista de procedimentos proibidos da Agencia Mundial Anti-Doping (WADA) desde 2015, existem alguns polimorfismos (alteração em alelos de determinados genes) que podem acontecer, gerando alterações em níveis de substâncias e hormônios, o que pode alterar a performance ou o desenvolvimento muscular.
Dentre os principais genes candidatos citados na literatura, podemos citar a eritropoietina, o fator de crescimento endotelial vascular, o IGF-1, a alfa-actinina-3, a enzima conversora de angiotensina e os antagonistas de miostatinas.
O gene EPOR é uma glicoproteína produzida pelos rins que atua como codificador da eritropoietina, sendo atuante principalmente na formação e desenvolvimento dos eritrócitos pela medula óssea, a fim de regular a produção de hemoglobina e hematócritos, onde será produzido um volume maior de oxigênio, sendo assim haverá um desempenho melhor da função pulmonar e distribuição do oxigênio pelo corpo, o que proporciona ao atleta uma melhor e maior resposta para o desenvolvimento da modalidade esportiva (GOULD, 2013), de modo que o uso de tal proteína é particularmente útil para modalidades predominantemente aeróbicas. 	
O fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) é um gene percussor de angiogênese, onde uma proteína se liga a heparina e formam-se novos vasos sanguíneos a partir de um já pré-existente. No esporte, a formação de novos vasos endoteliais permite que haja novos suprimentos sanguíneos e de oxigênio pelo músculo, o que facilitaria o processo de hipertrofia (VALIATTI et al, 2011).
A enzima conversora de angiotensina (ECA) também apresenta relação com uma melhora do desempenho, para a qual a inserção do alelo I está relacionada com uma melhora da performance, sobretudo em relação à eficiência e resistência muscular, sendo particularmente efetiva para aumentar a duração do exercício, atuando diretamente no plasma sanguíneo, nos tecidos e músculos (VLAHOVICH et al, 2017). Essa enzima aumenta os estímulos esportivos como o desenvolvimento da atividade aeróbia, aumento de força e hipertrofia. (COSTA, et al 2009). 
A alfa-actinina-3 do gene AT1 (A1166C) e AT2 (G1675A), é uma proteína proveniente do sistema esquelético tendo interação com a miosina, possuem aspecto contrátil, onde tem grande participação na função musculo esquelética e aumentando assim o desempenho esportivo. Outra característica dessa enzima é a participação no metabolismo oxidativo disponibilizando mais resposta energética celular (ALVES, et al 2011). Além disso, polimorfismos do alelo 577X estão relacionados com um direcionamento para atividades de resistência (deleção) e força (inserção) (VLAHOVICH et al, 2017).
O antagonista de miostatina é proveniente do gene GDF-8, que sintetiza uma proteína que carrega um fator contrário à hipertrofia, impedindo o desenvolvimento de massa muscular. Para que aconteça a hipertrofia muscular é necessário que haja uma inibição onde será associada com outras proteínas capazes de se ligar a miostatina e neutralizar a ação de crescimento e fortalecimento muscular (BRAZ, 2011). 
O fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1) é o gene que participa da síntese proteica, se ligando ao hormônio GH, mais conhecido como hormônio do crescimento. O aumento da quantidade do hormônio GH e o IGF-1 na massa corpórea irá promover a densidade óssea, ganho seco de massa magra e densidade óssea, o que promove ganhos de hipertrofia, beneficiando atletas de modalidades que necessitem de força (CRUZAT, et al 2008).
Os genes são essenciais para que haja um desenvolvimento e uma resposta maior no ambiente esportivo, são os grandes sinalizadores de respostas fisiológicas para os atletas submetidos a essa terapia e seus resultados funcionais de uso na modalidade realizada. Do ponto de vista ético, o uso de alterações genotípicas consiste sem em um procedimento de doping, no entanto, algumas pessoas já nascem com polimorfismos de alelos próprios, que geram uma alteração nos genes de forma particular, de acordo com cada indivíduo. 
A presença de alterações próprias no genótipo nos indivíduos é um dos indicativos para uma performance de elite, no entanto, a identificação desses genes não é suficiente para identificar atletas de elite, por conta de os esportes serem modalidades complexas, que envolvem uma combinação de componentes de potência, força e resistência, além de um conjunto adequado de elementos adequados do ponto de vista genético, psicológico, físico e ambiental.
CONCLUSÃO
A terapia genética tem sido cada vez mais utilizada de forma rotineira, e os benefícios de tais práticas poderiam ser aplicados ao esporte. No entanto, a alteração do genótipo com fins de benefícios de performance se encaixa na descrição de doping da Agencia Mundial Anti-Doping, por trazer vantagens indevidas aos indivíduos que realizem tais práticas. Apesar disso, como alguns indivíduos podem apresentar certas alterações genotípicas que os beneficiem para determinadas modalidades, a presença de tais alterações não tira o mérito de tais atletas, considerando que o sucesso em uma modalidade esportiva é um resultado multifatorial, que envolve questões para além da genética, como características físicas, mentais e ambientais. 
 
REFERÊNCIAS
ARTIOLI, Guilherme Giannini; HIRATA, Rosário Dominguez Crespo; JUNIOR, Antonio Herbert Lancha. Terapia gênica, doping genético e esporte: fundamentação e implicações para o futuro. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, v. 13, n. 5, p. 317-321, 2007.
COELHO, Mário Marcelo. Doping genético, o atleta superior e bioética. Revista Bioethikos. São Paulo, v. 6, n. 2, 2012.
COSTA, Aldo Matos et al. Efeitos do sistema renina angiotensina-aldosterona e do polimorfismo I/D do gene da ECA no desempenho esportivo. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 31, n. 1, 2009.
CRUZAT, Vinicius Fernandes et al. Hormônio do crescimento e exercício físico: considerações atuais. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas/Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences, v. 44, n. 4, p. 549-562, 2008.
GONÇALVES, Giulliana Augusta Rangel;PAIVA, Raquel de Melo Alves. Terapia gênica: avanços, desafios e perspectivas. Einstein (São Paulo), v. 15, n. 3, p. 369-375, 2017.
GOULD, David. Gene doping: gene delivery for olympic victory. British journal of clinical pharmacology, v. 76, n. 2, p. 292-298, 2013.
MANSKE, George Saliba. Gradientes de doping e definições de fronteiras: Desafios e contingências no esporte de alto rendimento.. Pensar a Prática, v. 20, n. 1.
OLIVEIRA, R. S. et al. The use of genes for performance enhancement: doping or therapy?. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, v. 44, n. 12, p. 1194-1201, 2011.
VALIATTI, Fabiana Borba et al. Papel do fator de crescimento vascular endotelial na angiogênese e na retinopatia diabética. Arquivos brasileiros de endocrinologia & metabologia= Brazilian archives of endocrinology and metabolism. São Paulo. Vol. 55, n. 2 (2011), p. 106-113, 2011.
VIEIRA BOMTEMPO, Tiago. Doping Genético e Eugenia: Diálogos além do esporte. Revista Latinoamericana de Bioética, v. 16, n. 2, p. 82-101, 2016.
VLAHOVICH, Nicole et al. Ethics of genetic testing and research in sport: a position statement from the Australian Institute of Sport. Br J Sports Med, v. 51, n. 1, p. 5-11, 2017.

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