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Fluoreto: da Ciência à Prática Clínica Lívia Maria Andaló Tenuta Jaime A. Cury 4 INTERAÇÃO DENTE – MEIO BUCAL – FLUORETO Por muito tempo a Odontologia buscou na resistência dos dentes a solução para o problema da cárie dental, acreditando que a estrutura mineralizada seria a responsável por determinar a ocorrência ou não da desmineralização (dissolução dos minerais dos dentes). Entretanto, quando um dente irrompe, ele estabelece com o meio bucal uma condição extremamente dinâmica, a qual é responsável pelas modificações que sofrerá, podendo se manter como está, perder ou ganhar minerais. Essa interação se baseia em eventos físico-químicos que ocorrem entre o esmalte, a saliva e a placa dental (biofilme dental), causados por diferentes condi- ções de equilíbrio mineral entre eles. Eventos como desmineralização (cárie ou erosão dental) e remineralização (reversão da desmineralização, reposição de mi- neral perdido) ou formação de tártaro (precipitação de minerais sobre o dente) podem ocorrer com a estrutura dental em contato com o meio bucal (Fig. 4.1). ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 114 Considerando que os efeitos observados nos dentes são principalmente resultado de sua intera- ção com o meio bucal, e não de sua composição mineral, para que um agente interfira com os pro- cessos de desmineralização e remineralização ele deve, preferencialmente, estar presente no meio. É o caso do flúor, que quando presente no meio bucal na forma livre (íon flúor, F-), melhor chamado de fluoreto, pode modificar significativamente esses processos. Por outro lado, para entender os diversos eventos que ocorrem com o dente, é necessário conhecer sua estrutura mineral, formada princi- palmente por hidroxiapatita (HA), cuja fórmula é Ca10(PO4)6(OH)2. Todo processo de troca entre esse mineral e o meio bucal ocorrerá com base no equi- líbrio de dissolução de um mineral em ambiente aquoso. Assim, embora a HA apresente baixa solu- bilidade, se dissolve quando em meio aquoso. Esta dissolução ocorrerá até ser alcançado um equilíbrio iônico entre a fase sólida e a fase iônica, represen- tado pela equação 1: Sólido → Solução (1) [Ca10(PO4)6(OH)2]n ← 10 Ca 2+ + 6 PO4 3- + 2 OH- Esse equilíbrio é expresso por uma constante denominada de produto de solubilidade (Kps), que representa a concentração de íons dissolvidos quando a dissolução entra em equilíbrio, ou seja, quando se diz que a solução está “saturada” com o mineral, sendo que o Kps da HA (KpsHA) é da ordem de 10-117. Resumidamente, isso significa que, estan- do em solução aquosa a 25oC, a HA se dissolverá até ser atingida na solução uma concentração mo- lar de íons Ca2+, PO4 3- e OH- da ordem de 10-117, obtida pela fórmula [Ca]10 x [PO4] 6 x [OH]2, de- monstrando sua baixa solubilidade. O equilíbrio entre as fases não ionizada (sólido) e ionizada (em solução) segue a lei de equilíbrio de ação das massas (princípio de Le Chatelier), onde a constante do produto de solubilidade é mantida, seja às custas de dissolução de mais sólido ou pela precipitação no sólido do excesso dos íons em solu- ção. Assim, quando a concentração de qualquer um Fig. 4.1 Interações dente, meio ambiente e conseqüências: 1. A saliva é saturada em relação aos minerais do dente, cálcio e fósforo. 2. A queda de pH, tornando o meio ácido, estabelece uma condição de subsaturação em relação aos minerais do esmalte. 2a. Condições ácidas extremas promovem erosão. 2b. A produção de ácidos pelas bactérias no biofilme dental promovem a formação da lesão de cárie. 3. A lesão de cárie sofre remineralização quando uma condição de supersaturação é estabelecida. 4. Minerais podem se depositar sobre a superfície dental, formando o cálculo dental. Ácido Subsaturado Subsaturado Supersaturado Lesão de cárie biofilme dental Lesão de cárie parcialmente reminealizada a = b Equilíbrio a > b Desmineralização b > a Remineralização Conseqüência Saliva Ca X P Ca X P Ca X P Açúcar + bactéria = ácido [Ca10 (PO4)6 (OH)2]n Ca X P Ca X P erosão Saturado Supersaturado tártaro Ca P Ca 1 2a 2b 3 4 FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 115 dos íons (Ca2+ ou PO4 3- ou OH-) for diminuída na solução, o equilíbrio se deslocará para o lado direito da equação 1, promovendo dissolução da fase sóli- da até satisfazer o KpsHA deste mineral. Da mesma forma, um aumento na concentração de qualquer dos íons no lado direito da equação 1 promoverá a precipitação de mais mineral na fase sólida, man- tendo-se a constante do equilíbrio de solubilidade da HA. Em outras palavras, frente a condições es- tressantes no meio, haverá uma compensação, dis- solvendo mais sólido ou reprecipitando os íons em excesso na solução, mantendo o KpsHA. Entre os fatores que provocam o desequilíbrio de solubilidade da HA, a variação de pH que ocorre no meio bucal (saliva, fluido do biofilme, fluido do esmalte-dentina) é o mais relevante. Este desequi- líbrio é devido justamente à diminuição da concen- tração de 2 dos 3 componentes do lado direito da equação 1: PO4 3- e OH-. Deste modo, quando o pH diminui, o íon PO4 3- se liga ao H+ dos ácidos, se transformando sucessivamente nas formas HPO4 2, H2PO4 -, inclusive H3PO4 (ácido fosfórico), depen- dendo do pH atingido. Sendo assim, como ape- nas a forma PO4 3- é de interesse na dissolução da HA, a diminuição da concentração desse íon pela ligação com o íon hidrogênio tem que ser com- pensada pela dissolução de mais HA no sentido de manter o KpsHA. Essa mesma tendência ainda é reforçada pelo consumo dos íons hidroxila (OH-), pois estes reagem com o H+, formando água, ocorrendo conseqüentemente a diminuição da concentração de mais um dos termos do lado direito da equação 1, levando à dissolução de mais sólido. Por outro lado, havendo um aumento na con- centração de qualquer um dos íons do lado direito da equação de solubilidade, Ca2+, PO4 3- ou OH-, esta tenderá para a esquerda, ou seja, no sentido de precipitação de minerais no sólido. Assim, quando o pH sobe, há aumento das concentrações de OH- e de PO4 3-, favorecendo a reposição do mineral que foi perdido (remineralização), ou mesmo sua preci- pitação sobre o dente (cálculo dental). Logo, se houver excesso de cálcio, fosfato e hidroxila (supersaturante) no meio bucal, os dentes não sofrerão desmineralização. Isso ocorre normal- mente pela ação da saliva, que é supersaturada em relação a esses íons. Entretanto, quando há a for- mação de biofilme dental e conseqüente queda de pH pela exposição a açúcares fermentáveis, atinge- se uma condição de subsaturação no meio. Consi- derando as concentrações fisiológicas de cálcio, fos- fato e hidroxila na saliva, estima-se que seja neces- sário que ocorra no meio ambiente bucal uma que- da de pH abaixo de 5,5 para que a saliva perca sua propriedade protetora e assim o esmalte sofra des- mineralização. No caso da dentina, devido ao me- nor conteúdo mineral e maior concentração de car- bonato, uma queda do pH abaixo de 6,5 seria sufi- ciente para a ocorrência de desmineralização. Abai- xo desse limite de queda de pH, chamado de pH crítico, as concentrações fisiológicas totais de íons cálcio, fosfato e hidroxila no meio bucal não são suficientes para evitar a dissolução da HA presente nos tecidos dentais, ou seja, o meio fica subsatura- do em relação à solubilidade da HA. Acima do pH crítico, as concentrações de PO4 3- e OH- aumentam, tornando o meio supersaturado em relação à HA, promovendo a precipitação de minerais e conferin- do à saliva sua reconhecida propriedade reminerali- zante. Quando destas condições críticas de diminui- ção de pH, a presença de fluoreto (F-) no meio poderá não impedir a dissolução da HA, mas terá efeitos importantes na quantidade total de mineraldissolvido (desmineralizado), através de um fenô- meno de equilíbrio de solubilidade. DINÂMICA DE AÇÃO DO FLUORETO NO EQUILÍBRIO DE SOLUBILIDADE DE MINERAIS TIPO APATITA Cada mineral, por apresentar composição dife- rente, apresenta uma solubilidade típica, de acordo com os íons que o compõe. Assim, se no lugar das hidroxilas houver fluoreto, o mineral resultante, a fluorapatita (FA), apresentará um grau de dissolu- ção diferente. Por outro lado, FA colocada em solu- ção aquosa também se solubilizará, de acordo com a equação abaixo (2). Sólido Solução (2) [Ca10(PO4)6F2]n 10 Ca 2+ + 6 PO4 3- + 2 F- FA é um mineral mais estável que a HA, pos- suindo menor constante de produto de solubilidade, KpsFA, da ordem de 10 -121. Quanto maior o valor negativo ao qual o número 10 está elevado, menor →← ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 116 será o número resultante, e assim FA é 10.000 vezes (10-121/10-117) menos solúvel que HA. Por esse motivo, acreditava-se que se houvesse fluo- reto na estrutura mineral dos dentes, este teria uma menor solubilidade e inclusive seria mais re- sistente aos ácidos bacterianos. Entretanto, sua concentração no esmalte de quem ingeriu fluoreto durante a formação dental é muito pequena, po- dendo-se dizer que o mineral presente é na verda- de uma apatita fluoretada, mineral este onde ape- nas 5 a 10% das hidroxilas estão substituídas por fluoreto. Esse mineral heterogêneo contendo fluo- reto não é capaz de diminuir a solubilidade do esmalte. Além disso, apenas na superfície do es- malte a concentração de fluoreto no mineral é alta, diminuindo gradativamente para o seu inte- rior (Tabela 4.1). Assim, o efeito principal do fluoreto na prevenção da cárie dental deve ser atri- buído à sua ação no meio bucal, durante os pro- cessos de desmineralização e remineralização a que o esmalte está sujeito. Isso acontece porque, da mesma forma que a HA, a FA tem sua solubilidade governada pelas con- centrações dos íons que a compõem, ou seja, cál- cio, fosfato e fluoreto, no meio bucal. A concentra- ção de fosfato é grandemente influenciada pela di- minuição do pH, como já descrito para a HA. Assim, mediante diminuição do pH, também a FA se dissol- verá. Entretanto, independente do pH, a FA é sem- pre menos solúvel do que a HA (Fig. 4.2). Assim, quando o pH cai abaixo do crítico (5,5) para a dissolução do mineral mais solúvel (HA), na presen- ça de apenas 0,02 ppm (parte por milhão) de F- no meio, este ainda se mantém supersaturado em re- lação a FA (Fig. 4.3), de tal forma que, nesta faixa de pH, ao mesmo tempo em que um mineral se dissolve (HA) para satisfazer seu Kps o outro sofre precipitação iônica (FA). Apenas abaixo de 4,5, con- siderado como pH crítico para a FA, ocorrerá sua dissolução. Conseqüentemente, se o pH ficar entre 5,5 e 4,5, haverá dissolução de HA, mas se houver F- no meio, haverá precipitação de FA, fazendo com que a perda líquida de mineral seja menor do que a ocorrida na ausência de F- no meio. Por esse moti- vo é relevante a manutenção de fluoreto constante- mente no meio bucal, em níveis baixos, mantendo este meio supersaturado em relação à FA. Este é o princípio básico envolvido especificamente no me- canismo de ação do fluoreto na redução da desmi- neralização do dente. Embora pareça pouco rele- vante, o benefício trazido por essa pequena altera- ção na queda de pH necessária para que ocorra perda mineral líquida é um dos fatores responsá- veis pela significante diminuição nos índices de cá- rie em populações que utilizam fluoreto, indepen- dente do meio de escolha. PAPEL DO FLUORETO NA PREVENÇÃO DA CÁRIE DENTAL O importante efeito do fluoreto na prevenção de lesões de cárie foi descoberto no início do século passado. Assim, ao se pesquisar as causas de den- tes manchados (“mosqueados”), descobriu-se que era devido ao excesso de fluoreto na água consu- mida, porém os pacientes comprometidos tinham menos lesões de cárie. Dessa forma, desde o início da descoberta do fluoreto como um agente preven- tivo, presumiu-se que seria necessária sua ingestão durante o período de formação dos dentes para que ele tivesse ação anticárie. Hoje há consenso de que o efeito do fluoreto incorporado ao dente é secundário e que aquele presente na cavidade bucal, livre para interferir no processo de desmineralização e remineralização (des-re) do esmalte-dentina, é o principal respon- sável pelo efeito de redução da cárie. O efeito sistê- mico secundário, pode ser explicado pelo fato de que os dentes, mesmo quando são formados du- rante a ingestão de fluoretos, apresentam uma concentração de FA muito inferior do que a neces- sária para uma efetiva diminuição em sua solubili- dade. Assim, se o esmalte fosse composto exclusi- vamente de FA, apresentaria uma concentração de fluoreto em torno de 38.000 ppm. Esse valor é irreal, pois mesmo na camada mais externa do es- malte, a mais rica em fluoreto, a concentração che- ga no máximo a 3.000 ppm, a qual diminui pro- gressivamente quando as camadas mais profundas são analisadas (Tabela 4.1). Assim, o fluoreto presente no esmalte está in- corporado aos cristais de HA, substituindo algumas hidroxilas de alguns cristais de HA. Logo, diz-se que o mineral do esmalte é na verdade uma apatita fluoretada. Outros contaminantes também substi- tuem a hidroxila, como é o caso do carbonato, considerado um substituinte natural. Este último, inclusive, aumenta a solubilidade do mineral e o mineral do esmalte na realidade deve ser conside- rado uma apatita carbonatada fluoretada. FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 117 100 10 1,0 0,1 0,01 10 1 0,1 0,01 0,001 3 5 7 9 pH Cálcio (mmol/l) Apatita (g/l) FA HA Fig. 4.2 Dissolução de hidroxiapatita (HA) ou fluorapatita (FA) em função do pH. À esquerda e à direita, respectivamente, podem ser vistas as concentrações de cálcio na solução ou apatita dissolvida. Em qualquer pH, a HA é mais solúvel do que a FA. A seta em vermelho mostra o pH crítico para esmalte, 5,5. Nesse pH, embora tenha se atingido uma condição de subsaturação para a HA, promovendo sua dissolução, se houver fluoreto no meio, este ainda será supersaturado em relação à FA, promovendo sua precipitação. De Thylstrup e Fejerskov, 1988. Fig. 4.3 Grau de saturação da saliva da parótida em relação à hidroxiapatita (HA) e à fluorapatita (FA), em função de diferentes pHs. O valor zero indica que a saliva está saturada em relação aos minerais. Valores positivos indicam supersaturação, e valores negativos, subsaturação. A saliva é saturada em relação à HA até o pH 5,5 e em relação à FA até o pH 4,5. Adaptado de Larsen, 1975. 10 5 0 - 5 - 10 HAHA pH 6,0 pH 5,5 pH 5,0 pH 4,5 pH 4,0 HA HA HAFAFA FA FA FA ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 118 Considerando que a concentração de fluoreto na apatita fluoretada não é suficiente para garantir ao tecido menor solubilidade frente aos ataques ácidos, deve-se considerar que o fluoreto incorpo- rado ao esmalte terá pouco efeito preventivo. En- tretanto, o fluoreto livre presente na cavidade bucal será extremamente importante no processo de ini- bição da desmineralização e ativação da reminerali- zação. Como não é necessária a incorporação de fluo- reto na estrutura mineralizada do dentes para dimi- nuir sua solubilidade, mas sim garantir sua presen- ça em níveis baixos constantemente na cavidade bucal, parece óbvio que o efeito preventivo do fluore- to independe não só da idade do indivíduo, como do meio de usar fluoreto. Assim, desde que haja a formação de biofilme dental sobre os dentes, o que ocorre em todos os indivíduos a todo o momento, independente de idade, a presença de fluoreto na cavidade bucal sempre terá algum efeito preventi- vo, quando açúcar for ingerido. Ação dofluoreto no processo de desmineralização-remineralização O dente, banhado pela saliva, não sofre des- mineralização. Pelo contrário, a saliva, sendo su- persaturada de íons cálcio e fosfato, tende cons- tantemente a repor minerais na estrutura dental exposta, seja ela esmalte ou dentina, dirigindo a reação de solubilidade no sentido da precipitação no sólido. Entretanto, quando há a formação de biofilme dental, fermentação bacteriana de açúcar e conse- qüente produção de ácidos, a dissolução dos mine- rais do dente tenderá a ocorrer. É importante res- saltar que, nesse caso, a saliva continua sendo su- persaturada com relação aos minerais do dente. Entretanto, a queda de pH no micro-ambiente entre o biofilme e a superfície dental irá, neste local, favorecer a desmineralização (Fig. 4.4), gerando um fenômeno localizado em relação à superfície dental. Assim, quando o biofilme dental é exposto a algum açúcar fermentável, haverá produção de áci- dos e dissolução de minerais do dente para o biofil- me, e posteriormente deste para a saliva, que o está banhando constantemente. Esse fenômeno ocorre constantemente sobre os dentes que apre- sentam algum acúmulo de biofilme, mesmo naque- les indivíduos que não desenvolvem lesões visíveis de cárie. É que após a desmineralização, ocorrerá, quando o pH retornar a níveis maiores que 5,5, a reposição dos minerais perdidos, pois agora a rea- ção de solubilidade tenderá no sentido de precipita- ção no sólido (Fig. 4.5). Este fenômeno de remine- ralização será favorecido, por exemplo, pela remo- ção/desorganização do biofilme dental e exposição do esmalte/dentina à saliva. Entretanto, este nunca é eficiente para repor todo o mineral perdido. Tabela 4.1. Concentração de fluoreto no esmalte a diferentes distâncias da superfícieTabela 4.1. Concentração de fluoreto no esmalte a diferentes distâncias da superfícieTabela 4.1. Concentração de fluoreto no esmalte a diferentes distâncias da superfícieTabela 4.1. Concentração de fluoreto no esmalte a diferentes distâncias da superfícieTabela 4.1. Concentração de fluoreto no esmalte a diferentes distâncias da superfície dental.dental.dental.dental.dental. ESTUDOS DISTÂNCIA DA SUPERFÍCIE FLUORETO NO ESMALTE (PPM) (µM) Rosalen e Cury, 1991 2,7 1801,0 Cury et al., 1985 5,0 1020,0 Cury e Usberti, 1982 10,0 600,0 FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 119 DENTE [Ca10(PO4)6(OH)2]n HA SALIVA pH < 5,5 BIOFILME subsaturação 7,0 6,0 5,0 pH minutos 10 20 30 40 Sacarose H+ 10 Ca++ + 6 PO4 --- + 2 OH - 10 Ca++ + 6 PO4 --- + 2 OH - 10 Ca++ + 6 PO4 --- + 2 OH - Sacarose 7 1 2 3 6 5 4 Ácido DENTE [Ca10(PO4)6(OH)2]n HA Ácido SALIVA pH > 5,5 Sacarose Sacarose BIOFILME supersaturação 7,0 6,0 5,0 pH minutos 10 20 30 40 10 Ca++ + 6 PO4 --- + 2 OH - 10 Ca++ + 6 PO4 --- + 2 OH - 10 Ca++ + 6 PO4 --- + 2 OH - Sal 1 3 5 2 4 7 8 9 6 Fig. 4.4 Eventos da desmineralização do esmalte pelo biofilme dental: ingestão de açúcar (1); transformação de açúcar em ácido (2); difusão do ácido (3); queda do pH abaixo de 5,5 (4) e dissolução da HA (5, 6, 7). Fig. 4.5 Eventos da remineralização do esmalte: interrupção da ingestão de açúcar (1); paralisação da formação de ácido (2); diluição e neutralização dos ácidos (3, 4, 5); retorno do pH à normalidade (6); pH > 5,5 com supersaturação do meio (7, 8) e reposição de mineral perdido (9). ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 120 Estes ciclos de des- e remineralização ocorrem freqüentemente em todos os indivíduos, desde que algum acúmulo bacteriano presente sobre alguma região dos dentes seja exposto a um substrato fer- mentável. O desenvolvimento da lesão de cárie ocorrerá quando, por um consumo freqüente de substratos fermentáveis, houver uma preponderân- cia de eventos de des- sobre os de remineralização. Nesse caso, o tempo em que o biofilme dental apresenta um pH mais alto, que favorece a remine- ralização, é muito pequeno, não sendo suficiente para repor os minerais perdidos. Após semanas ou meses de repetição deste processo, a lesão de mancha branca no esmalte será evidente, sendo que os indivíduos ou mesmo faces dentais diferem na velocidade em que isto ocorre. Como já descrito anteriormente, quando da presença de fluoreto, apesar do pH cair abaixo de 5,5, favorecendo a dissolução da HA, se ele per- manecer acima de 4,5 haverá tendência de preci- pitação de FA. Assim, ao mesmo tempo em que um mineral é dissolvido (HA), o outro (FA) é for- mado, e conseqüentemente a perda mineral re- sultante será menor (Fig. 4.6). Nesse processo não há a formação de novos cristais de mineral, mas aqueles parcialmente desmineralizados são preenchidos com a FA que se precipita (ver Fig. 4.17). Fig. 4.6 Eventos da desmineralização do esmalte na presença de fluoreto no biofilme dental: ingestão e transformação de açúcar em ácido (1, 2); difusão do ácido (3); queda do pH abaixo do crítico para HA (< 5,5), mas ainda permanecendo acima do crítico (> 4,5) para FA (4); dissolução da HA (5, 6, 7) e concomitante formação de FA (8, 9, 10). SALIVA Sacarose BIOFILME DENTE [Ca10(PO4)6(OH)2]n HA Sacarose H+ 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 OH -10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 OH- 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 OH - 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 F - F - 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 F - 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 F - Ca10(PO4)6F2 FA subsaturação 7,0 6,0 5,0 pH minutos 10 20 30 40 pH < 5,5 e > 4,5 00 c rí tico HA c rí tico FA Ácido 1 3 9 6 5 10 4 2 7 8 FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 121 Vale ressaltar que a FA não é insolúvel, é ape- nas menos solúvel do que a HA. Como sua solubili- dade também é função de pH e depende da concen- tração de F no meio, quando o pH cai abaixo de 4,5, a concentração de fluoreto no meio bucal teria que ser muito grande para evitar a dissolução da FA. A manutenção de uma concentração alta é irreal clini- camente, tendo em vista a constante lavagem da cavidade bucal pela saliva, diluindo a concentração salivar atingida após o uso do fluoreto. Assim, este não é capaz de impedir a ocorrência de cárie, mas sim de reduzir a velocidade de sua progressão. Além do fluoreto inibir a desmineralização, também ativa a remineralização dos cristais parcial- mente dissolvidos. Isso ocorre porque, em condi- ções de supersaturação com relação à HA, havendo fluoreto presente no meio, mesmo em baixa con- centração, o meio se tornará altamente supersatu- rado com relação à FA (Fig. 4.3), acelerando o processo de precipitação (Fig. 4.7). Como descrito, eventos de des- e remineraliza- ção ocorrem diariamente na boca de todos os indi- víduos, mesmo naqueles que não desenvolvem le- sões, nos quais os eventos de re- superam os de desmineralização. Devido a esse processo contínuo, a superfície do esmalte vai tendo sua composição modificada, pela dissolução de minerais mais solú- veis e precipitação de minerais menos solúveis na superfície. A maior mineralização da superfície do esmalte, conhecida como maturação pós-eruptiva, também é resultado desse processo. Pela análise das Figs. 4.4 a 4.7, pode-se con- cluir que na ausência de biofilme dental não ha- verá lesão de cárie, pois não haverá produção de Fig. 4.7 Eventos da remineralização do esmalte na presença de fluoreto no biofilme dental ou na saliva: interrupção da ingestão de açúcar (1); paralisação da formação de ácido (2); diluição e neutralização dos ácidos (3, 4, 5); retorno do pH à normalidade (6); supersaturação do meio com relação à HA (7, 8); precipitação de HA (9); supersaturação do meio com relação à FA (10, 11)com precipitação de FA (12). Ácid o SALIVA pH > 5,5 Sacarose B IOFILME DENTE Sacarose 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 OH - 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 OH- 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 OH - [Ca10(PO4)6(OH)2]n HA 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 2 3 4 7 11 9 6 12 8 1 F - 10 5 F - 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 F - 10 C a++ + 6 PO 4 --- + 2 F - Ca10(PO4)6F2 FA supersat uraçã o 7,0 6,0 5,0 pH minutos 10 20 30 40 S al ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 122 ácidos na superfície dental. Entretanto, essa é uma condição irreal, pois em algum momento haverá a deposição de bactérias sobre alguma superfície dental, o que aliás trata-se de um fe- nômeno natural. Por outro lado, quando há pre- sença de má higiene bucal, o fluoreto retardará o aparecimento de lesões, conferindo proteção par- cial contra a cárie. Na presença de fluoreto, a proteção será total apenas quando a higiene bu- cal for satisfatória (Diagrama 4.1). Enquanto o fluoreto presente no meio bucal é eficiente para reduzir a desmineralização do esmal- te provocada por ácidos do biofilme dental, isto não é verdade para ácidos de outras origens. Assim, o efeito do fluoreto para evitar a erosão do esmalte/ dentina é muito mais limitado. No caso da erosão, o princípio de dissolução de minerais é semelhante àquele envolvido no desenvolvimento da cárie, po- rém sem a presença de biofilme dental e em condi- ções extremas de queda de pH (abaixo de 4,5). Nesse pH, mesmo que no meio bucal haja fluoreto, este não será suficiente para manter a supersatura- ção em relação à fluorapatita, sendo impossível im- pedir a perda mineral. Os minerais serão imediata- mente dissolvidos e removidos do local, diferente- mente do que ocorre no caso da cárie, onde há a presença do biofilme. No caso da cárie, antes de se diluírem para a saliva, os íons dissolvidos permane- cem no biofilme, permitindo a ocorrência de remi- neralização da superfície quando forem alcançadas condições de supersaturação pela elevação do pH. No caso da erosão, os minerais são removidos em camadas, permanecendo abaixo da área atingida uma estrutura amolecida e menos mineralizada. Desde que não haja abrasão da estrutura amoleci- da, esta poderá ser parcialmente remineralizada (Fushida e Cury, 1999; Hara et al., 2003). Entretan- to, se a porção mais externa atacada pelo ácido for mecanicamente removida, será impossível a reposi- ção química do mineral. Dentre as soluções que podem causar erosão estão diversas bebidas (sucos de frutas ácidas, re- frigerantes, isotônicos, alguns chás e enxagüatórios bucais, etc.) e o próprio suco gástrico, pois apre- sentam um pH extremamente baixo. O pH de cer- tos refrigerantes, por exemplo, pode chegar a 2,5. Paralelamente ao pH das soluções, sua capacidade tampão, ou seja, a capacidade de manter o pH baixo mesmo quando há exposição a produtos alca- linos, também é importante. O suco de laranja, por exemplo, apresenta um pH em torno de 4,0, mas por apresentar uma alta capacidade tampão, man- tém esse pH baixo, ao contrário de outras bebidas de menor pH porém baixa capacidade tampão, que têm seu pH aumentado pelo contato com substân- cias alcalinizantes presentes na saliva. Acredita-se que uma aplicação tópica de flúor fosfato acidulado em gel poderia inibir a erosão, através da camada de fluoreto de cálcio que se forma sobre a superfície do esmalte. Essa camada teria uma ação protetora mecânica, prevenindo o contato do esmalte com a solução ácida. Isso pode ser demonstrado em estudos laboratoriais, porém com eficiência muito limitada na clínica, pois neces- sitaria uma freqüência de aplicação de acordo com os hábitos das pessoas, tornando quase utópica a importância do clínico na prevenção da erosão pelo uso de fluoreto. MEIOS DE UTILIZAÇÃO DO FLUORETO NA PREVENÇÃO DA CÁRIE DENTAL O importante em termos de prevenção da cárie dental é manter o fluoreto constantemente na cavi- dade bucal e independente da utilização sistêmica ou tópica, o mecanismo de ação será sempre local. Dessa forma, parece irracional a obrigatoriedade de utilização de um método sistêmico quando outros métodos tópicos estão disponíveis. Isso deve ser avaliado com critério no caso de regiões que não apresentam água fluoretada, onde ainda hoje se sugere, sem necessidade, a utilização de suplemen- tos de fluoreto (medicamentos) para suprir a au- sência do método sistêmico. Considerando a necessidade de classificar os vários métodos de utilização do fluoreto, e visando Diagrama 4.1 Relação entre higiene, presença de fluoreto na cavidade bucal e proteção contra a cárie. Higiene bucal parcial + F → Proteção total Má higiene bucal + F → Proteção parcial FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 123 eliminar esses erros de interpretação e o mau uso, parece mais razoável classificá-los meramente de acordo com o meio de utilização, incluindo aqueles que abrangem populações ou apenas um indivíduo. 1.1.1.1.1. Meios comunitários (coletivos)Meios comunitários (coletivos)Meios comunitários (coletivos)Meios comunitários (coletivos)Meios comunitários (coletivos) São aqueles utilizados em nível comunitário, abrangendo populações. Entre eles estão a água fluoretada, o sal fluoretado e o leite fluoretado. Como são utilizados por toda a população de uma região, cidade ou país, apenas um deve ser adota- do, para não causar excesso de ingestão de fluore- to. Dentre esses meios, a água fluoretada é o de utilização mais racional, pois apresenta baixo custo, alta abrangência e alcança os indivíduos de manei- ra mais homogênea, pois o consumo de água é semelhante para diferentes indivíduos, o que não se aplica ao sal e ao leite. Água fluoretadaÁgua fluoretadaÁgua fluoretadaÁgua fluoretadaÁgua fluoretada O nível de fluoreto a ser adicionado na água deve ser determinado de acordo com a temperatu- ra média anual da região. Isso se deve ao fato de que em países de clima temperado, com tempera- turas anuais mais baixas, a ingestão diária de água é menor, o inverso ocorrendo em países tropicais como o Brasil. Os estudos pioneiros de fluoretação realizados nos Estados Unidos e Europa indicavam o nível de 1 ppm de fluoreto como adequado (“óti- mo”) para prevenir a cárie, mantendo os índices de fluorose em esteticamente aceitáveis. Utilizando uma fórmula de conversão que considera a tempe- ratura média anual, a concentração ótima de 0,7 ppm (0,6 – 0,8 ppm) foi estabelecida como ideal para a maioria das regiões do Brasil, considerando a maior ingestão de líquidos devido às maiores temperaturas. Isto tem sido confirmado para clima brasileiro semelhante ao de Piracicaba (Lima e Cury, 2003). Baixo Guandu, no Espírito Santo, foi a primeira cidade do Brasil a adicionar fluoreto artificialmente na água, em 1953. A partir dessa data, a fluoreta- ção foi se expandindo por todo o país e hoje é estimado que aproximadamente 43% da população brasileira receba este benefício (Narvai, 2000). En- tretanto, a proporção de cidades que apresentam água fluoretada não é igualmente distribuída entre as cinco regiões brasileiras. As regiões sudeste e sul concentram o maior número de cidades com água fluoretada, enquanto que nas regiões centro- oeste, nordeste e norte esse número é significante- mente menor. Por outro lado, isto não implica na necessidade de ingerir fluoreto por outras fontes se não for viável sua agregação ao tratamento a água. O efeito da fluoretação da água de abasteci- mento público nos índices de cárie em três cidades brasileiras pode ser visto na Fig. 4.8. Baixo Guandu, Curitiba e Campinas iniciaram a fluoretação em 1953, 1958 e 1961, respectivamente. A redução nos índices de cárie em crianças de 12 anos, 10 anos após o início da fluoretação, está próximade 50%, demonstrando o benefício do método. Entre- tanto, deve-se lembrar que esses resultados foram obtidos em uma época em que os dentifrícios fluo- retados não estavam disponíveis. Hoje a diferença nos índices de cárie em cidades com ou sem fluore- tação das águas é bem menor do que 50%, como será discutido posteriormente. Fig. 4.8 Índice CPOD aos 12 anos em cidades brasileiras, antes e 10 anos após o início da fluoretação das águas de abastecimento público, quando dentifrícios fluoretados ainda não estavam disponíveis. De Narvai, 2000. 9 8 7 6 5 4 3 Baixo Guandu, ES Curitiba, PR Cidade Campinas, SP Antes 57,0%57,0% 36,9%36,9% 51,4%51,4% Após 10 anos 2 1 0 C P D O a o s 1 2 a n o s ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 124 O efeito preventivo da água fluoretada deve ser atribuído a um aumento na concentração de fluoreto na saliva e, conseqüentemente, no biofilme dental. Após a ingestão da água contento fluoreto, este será absorvido no trato gastrintestinal e distribuído pelo sangue aos tecidos do organismo. Uma pequena parte desse fluoreto será excretada através da sali- va. Assim, um indivíduo que ingere água deficiente de fluoreto em termos de efeito anticárie (< 0,3 ppm) apresenta concentração de fluoreto na saliva menor do que 0,01 ppm. Essa concentração aumen- ta para 0,02 ppm, em média, em indivíduos ingerin- do água fluoretada (0,7 ppm). Embora a diferença pareça pequena, é extremamente relevante em ter- mos de prevenção da cárie (suficiente para manter a saliva supersaturante com relação à FA; ver Figs. 4.6 e 4.7). A diferença se torna mais evidente quando o biofilme dental é analisado. No biofilme o fluoreto fica acumulado em maiores concentrações, chegan- do a aproximadamente 0,3 ppm quando a água não é fluoretada, e a aproximadamente 3 ppm quando está é fluoretada (Tabela 4.2). Vendo por esse as- pecto, e considerando que a dinâmica do processo ocorre entre o biofilme e o dente, a ingestão de água fluoretada promove um aumento significativo no fluoreto livre para interferir na cárie. Cabe lembrar que em regiões de água fluoreta- da, os alimentos cozidos com essa água também apresentarão uma concentração de fluoreto mais elevada. Considerando os alimentos típicos ingeri- dos diariamente por brasileiros, arroz e feijão, a concentração de fluoreto nesses alimentos será próxima à concentração de fluoreto presente na água em que forem cozidos (Fig. 4.9). Assim, mes- mo que um indivíduo que vive em região de água fluoretada beba água mineral não fluoretada, esta- rá se beneficiando do efeito do fluoreto presente nos alimentos cozidos com essa água. Estima-se que 50% do fluoreto ingerido pela dieta (sólidos + líquidos) seja fornecido pelos alimentos cozidos com água fluoretada. Assim, parece não ser válida a alegação de que fluoretação da água no Brasil tem efeito anticárie limitado porque há resistência a beber água de abastecimento público. Também, pela mesma razão, não há fundamentação de falar em suplementação medicamentosa com fluoreto. Tabela 4.2. Concentração de fluoreto no biofilme dental em diferentes condições de fluore-Tabela 4.2. Concentração de fluoreto no biofilme dental em diferentes condições de fluore-Tabela 4.2. Concentração de fluoreto no biofilme dental em diferentes condições de fluore-Tabela 4.2. Concentração de fluoreto no biofilme dental em diferentes condições de fluore-Tabela 4.2. Concentração de fluoreto no biofilme dental em diferentes condições de fluore- tação da água.tação da água.tação da água.tação da água.tação da água. CONDIÇÃO DE FLUORETAÇÃO DA ÁGUA FLUORETO NO BIOFILME (PPM*) Fluoretada (0,8 ppm)** 3,2 Paralisada (0,06 ppm)** 0,3 Refluoretada (0,7 ppm)*** 2,6 * µg F/g peso úmido de biofilme; ** Nobre dos Santos & Cury, 1988; *** Cury, 1992 e 2001. FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 125 A importância da fluoretação das águas para a saúde bucal no mundo pode ser enfatizada pela sua indicação, pelo Centro de Controle de Doen- ças dos Estados Unidos, como um dos 10 maiores avanços que ocorreram na saúde pública no sé- culo passado, juntamente com a vacinação, con- trole de doenças infecciosas, planejamento fami- liar, saúde da mãe e bebê, entre outros. Assim, é uma importante conquista da população em ter- mos de saúde pública, pois beneficia todas as classes sociais. Fluoreto naturalmente presente na água eFluoreto naturalmente presente na água eFluoreto naturalmente presente na água eFluoreto naturalmente presente na água eFluoreto naturalmente presente na água e em alimentosem alimentosem alimentosem alimentosem alimentos Quando se fala em meios coletivos de utiliza- ção de fluoreto, é necessário lembrar que este pode estar presente naturalmente na água de cer- tas regiões, o que contra-indicaria a agregação de fluoreto ao tratamento de água de abastecimento público. Isso ocorre em diversos locais no Brasil, que apresentam níveis elevados de fluoreto na água de poços artesianos, em alguns casos levan- do até a casos de fluorose endêmica. Além disso, muitas águas minerais, apesar de nem sempre re- latado pelos fabricantes, apresentam fluoreto em concentrações elevadas, em alguns casos acima do ótimo para ingestão (até 0,7 ppm) (Villena et al., 1996). Paralelamente, é necessário considerar a inges- tão de fluoreto por outras fontes, como por exem- plo, alimentos. Em alimentos industrializados vendi- dos no Brasil, particularmente os à base de soja tem sido relatadas quantidades de fluoreto expres- sivas como fonte de risco de fluorose dental (Fer- nandes et al., 2001). Chás do tipo preto e oolong apresentam natu- ralmente altas concentrações de fluoreto. Mesmo que seja utilizada água não fluoretada em seu pre- paro, o chá terá uma concentração final de fluoreto elevada. Uma alta quantidade de fluoreto (1,27 a 1,58 mg F/lata) foi encontrada em alguns chás prontos para beber, em análises realizadas em 1999. Em pelo menos uma das marcas, uma lata por dia seria suficiente para expor uma criança de 1-3 anos a uma dose superior ao limite estimado como seguro para ingestão de fluoreto visando evi- tar fluorose dental (Hayacibara et al., 2004a). Análi- ses atuais de diversas marcas de chás demonstram que esta alta concentração de fluoreto não é mais encontrada em nenhum dos produtos avaliados (Ta- bela 4.3), embora seu consumo deva ser considera- do como uma importante fonte de fluoreto através da dieta. Essas informações devem ser ponderadas, pois mesmo em regiões não-fluoretadas, a popula- ção está ingerindo fluoreto por outras fontes, o que contra-indicaria qualquer tipo de suplementação. Fig. 4.9 Flúor total presente em amostras de arroz e feijão cozidas com água destilada ou fluoretada (0,7 ppm). De Cury et al., 2003a. g F/g g F/gÁgua Fluoretada Água Fluoretada Água destilada e deionizadaÁgua destilada e deionizada 1,2 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0 Tio João Prato Fino Camil Tio João Prato Fino Camil ARROZ FEIJÃO Broto Legal Grão de Campo Vencedor Broto Legal Grão de Campo Vencedor µ µ ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 126 2.2.2.2.2. Auto-uso de fluoreto (meios individuais)Auto-uso de fluoreto (meios individuais)Auto-uso de fluoreto (meios individuais)Auto-uso de fluoreto (meios individuais)Auto-uso de fluoreto (meios individuais) São considerados meios de auto-uso de fluoreto todos aqueles utilizados pelo próprio indivíduo, como dentifrício e soluções para bochecho fluoretados. Entre eles, os dentifrícios fluoretados ganham desta- que, pois são utilizados por praticamente toda a po- pulação brasileira e têm sido considerados como um dos fatores responsáveis pelo declínio de cárie observado mundialmente(Bratthall et al., 1996). Os meios individuais de utilização do fluoreto permitem a indicação de acordo com o risco de cárie do paciente. Assim, em pacientes com boa higiene bucal e dieta adequada, não é necessária a indicação de nenhum outro método de uso de fluo- reto, além dos dentifrícios fluoretados. Por outro lado, em pacientes que apresentam higiene defi- ciente e hábitos dietéticos cariogênicos, a utilização de mais de um meio pode ajudar no controle do processo de cárie. Dentifrícios fluoretadosDentifrícios fluoretadosDentifrícios fluoretadosDentifrícios fluoretadosDentifrícios fluoretados Dentifrício fluoretado é considerado o método mais racional de prevenção da cárie, pois alia a remoção do biofilme dental à exposição constante ao fluoreto. Sua utilização tem sido considerada responsável pela diminuição nos índices de cárie observados hoje em todo mundo, mesmo em paí- ses ou regiões que não possuem água fluoretada. Considerando a necessidade de nortear as con- dutas clínicas com base em evidências científicas, o efeito de produtos fluoretados deve ser avaliado com base em estudos clínicos de qualidade. Em uma recente análise da literatura científica, sendo computados 70 estudos clínicos controlados sele- cionados a partir de rigorosos critérios de qualidade (revisão sistemática), Marinho et al., (2004a) con- cluíram que a eficiência de redução de cárie é da ordem de 24%, mostrando a evidência do benefício. No Brasil, o papel dos dentifrícios fluoretados na redução dos índices de cárie também tem sido marcante. Em setembro de 1988, o dentifrício res- ponsável por 50% das vendas no mercado nacional foi fluoretado, seguindo-se posteriormente a agre- gação de fluoreto na grande maioria das marcas, até 1990, quando todos os dentifrícios brasileiros passaram a conter fluoreto. O ano de 1989 é consi- derado, para fins epidemiológicos, como o ano no qual grande parte dos brasileiros passou a ter aces- so a dentifrícios fluoretados. Paralelamente à disponibilidade de dentifrícios fluoretados, uma queda mais acentuada nos índices de cárie passou a ser observada em cidades que possuíam água fluoretada, como sugere o exemplo ilustrado na Fig. 4.10. O gráfico mostra que após a fluoretação da água da cidade de Piracicaba, em 1971, uma queda significativa nos índices de cárie foi observada. En- tretanto, após 1990, um decréscimo adicional pode ser identificado, o qual não pode ser atribuído à água fluoretada, visto que ela não teria nenhum efeito adicional a não ser que tivesse havido ou aumento em seu consumo ou melhor controle da fluoretação, os quais podem ser descartados em se tratando de Piracicaba. Assim, essa queda adicional Tabela 4.3. Concentração de fluoreto em chás preparados e prontos para consumo. AnálisesTabela 4.3. Concentração de fluoreto em chás preparados e prontos para consumo. AnálisesTabela 4.3. Concentração de fluoreto em chás preparados e prontos para consumo. AnálisesTabela 4.3. Concentração de fluoreto em chás preparados e prontos para consumo. AnálisesTabela 4.3. Concentração de fluoreto em chás preparados e prontos para consumo. Análises realizadas em 02/2004, Laboratório de Bioquímica Oral, FOP-UNICAMP.realizadas em 02/2004, Laboratório de Bioquímica Oral, FOP-UNICAMP.realizadas em 02/2004, Laboratório de Bioquímica Oral, FOP-UNICAMP.realizadas em 02/2004, Laboratório de Bioquímica Oral, FOP-UNICAMP.realizadas em 02/2004, Laboratório de Bioquímica Oral, FOP-UNICAMP. MARCA VOLUME COMERCIAL CONCENTRAÇÃO DE QUANTIDADE DE OU UTILIZADO NO FLUORETO (PPM) FLUORETO POR SACHÊ PREPARO (ML) OU LATA (MG) Leão (sachê) 200 0,72 0,14 Twinings (sachê) 200 1,53 0,31 Matte Leão Diet (copo) 200 0,21 0,04 Nestea 340 0,71 0,24 Ice Tea Lipton 340 0,46 0,16 Iced Tea Leão 340 1,12 0,38 FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 127 deve ser atribuída a outros fatores, como a presen- ça de dentifrícios fluoretados no mercado em gran- de escala e a mudança nos serviços de saúde, que passaram a priorizar programas preventivos que in- cluíam escovação supervisionada nas escolas públi- cas, além do fornecimento de dentifrícios fluoreta- dos e escovas aos escolares a cada 3 meses. O declínio nos índices de cárie devido aos den- tifrícios fluoretados foi observado em cidades com ou sem água fluoretada. Isso fez com que a dife- rença entre os índices de cárie entre esses dois grupos de cidades, que antes era da ordem de 50%, caísse para 20-30%, como mostra o exemplo da Fig. 4.11. 7 6 5 4 3 2 1 1970 CP D O a os 1 0 an os 20001980 1985 Ano 1990 19951975 Água fluoretada: 1971 Dentrifício fluoretado: 1989 Programas de escovação: 1992 Fig. 4.10 Declínio no índice CPOD aos 10 anos na cidade de Piracicaba, SP. Em 1971, a água foi fluoretada. Dentifrícios fluoretados foram disponibilizados no mercado em grande escala a partir de 1989. Em 1992, a reforma no sistema de saúde passou a priorizar procedimentos preventivos coletivos, como programas de escovação. Fig. 4.11 Índice CPDO aos 12 anos em Piracicaba (água fluoretada desde 1971) e Iracemápolis (não fluoretada até 1997). A diferença nos índices de cárie, que era da ordem de 50% no início dos anos 90, caiu para 24,1% em 1997, devido aos dentifrícios fluoretados e programas preventivos nas escolas. De Pereira et al., 2001. 8 7 6 5 4 3 2 1 0 1990 CP O D a os 1 2 an os 1991 1992 1993 1994 Ano 1995 1996 1997 1998 24,1% 50% Piracicaba Iracemápolis ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 128 Embora a diferença entre cidades com ou sem água fluoretada tenha diminuído, ainda hoje a fluo- retação é responsável por uma diferença nos índi- ces de cárie no Brasil. No estado de São Paulo, o levantamento de saúde bucal realizado em 2002 mostrou um CPOD aos 12 anos de 2,34 em municí- pios com fluoretação das águas e 3,51 em municí- pios não fluoretados (Secretaria do Estado da Saú- de, SP, 2002). Essa diferença, da ordem de aproxi- madamente 1 dente, é extremamente relevante em termos de saúde pública e justifica ainda hoje a manutenção da fluoretação das águas, particular- mente nas grandes cidades. O dentifrício fluoretado apresenta uma grande ação na prevenção da cárie porque aumenta a con- centração de fluoreto na saliva por cerca de 40 minutos. Esse aumento da concentração de fluoreto na saliva se deve a sua retenção na cavidade bucal pela ligação com íons cálcio que se adsorvem a radicais negativos. Além disso, o fluoreto do denti- frício reage com o dente, formando regularmente pequena quantidade de fluoreto de cálcio na super- fície do esmalte-dentina. Assim, a utilização fre- qüente do dentifrício associa a remoção de biofilme a um aumento nos níveis de fluoreto na cavidade bucal, para interferir no processo de des- e remine- ralização. A Tabela 4.2 mostra que a utilização de água fluoretada promove um aumento significante nas concentrações de fluoreto na placa dental, que di- minui pela paralisação da fluoretação. Entretanto esses resultados foram obtidos em 1986 antes da ampla disponibilidade de dentifrícios fluoretados no mercado brasileiro (na época, 25%). Quando se utiliza dentifrício fluoretado, mesmo cessando a fluo- retação, a concentração de fluoreto na placa dental continua alta (Seppä et al., 1996), como mostrado na Finlândia em 1995, o que muito provavelmente também ocorra hoje no Brasil, mas não na década de 80. A eficácia do dentifrício fluoretado na inibição da desmineralização pode ser ilustrada a partir dos resultados de um estudo in situ com voluntários que utilizaram um aparelho intrabucal palatino con- tendo blocos de esmalte, expostos a acúmulo de biofilme dental e uso 8x/dia de sacarose a 20%. Em uma fase os voluntários utilizaram dentifrício fluoretado e em outra, dentifrício não fluoretado. Quando se comparaa composição do biofilme fren- te à utilização de dentifrício fluoretado ou não, um aumento significativo na concentração de fluoreto ocorre no primeiro caso. Paralelamente, uma signi- ficativa diminuição no desenvolvimento de cárie é observada (Tabela 4.4). Tabela 4.4. Efeito do dentifrício fluoretado no desenvolvimento de lesões de cárie e compo-Tabela 4.4. Efeito do dentifrício fluoretado no desenvolvimento de lesões de cárie e compo-Tabela 4.4. Efeito do dentifrício fluoretado no desenvolvimento de lesões de cárie e compo-Tabela 4.4. Efeito do dentifrício fluoretado no desenvolvimento de lesões de cárie e compo-Tabela 4.4. Efeito do dentifrício fluoretado no desenvolvimento de lesões de cárie e compo- sição bioquímica do biofilme dental.sição bioquímica do biofilme dental.sição bioquímica do biofilme dental.sição bioquímica do biofilme dental.sição bioquímica do biofilme dental. TRATAMENTOS % DE PERDA MINERAL FLUORETO NO BIOFILME (PPM*) Dentifrício não fluoretado 50,6 5,1 Dentifrício fluoretado 12,7 54,8 (1100 ppm F - NaF) * µg F/g peso úmido de biofilme. De Tenuta et al., 2003. FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 129 Com relação ao efeito de dentifrício na ativa- ção da remineralização de blocos de esmalte com lesão de cárie, este também pode ser ilustrado através de 3 estudos, dois laboratoriais (in vitro) e outro utilizando voluntários (in situ). A Tabela 4.5 mostra que a propriedade remineralizante da saliva (controle, dentifrício não fluoretado) é ativada da ordem de 2 vezes devido a efeito do fluoreto. Dois tipos de compostos fluoretados podem ser utilizados nos dentifrícios: fluoreto de sódio (NaF) ou monofluorfosfato de sódio (MFP, Na2PO3F). Inde- pendente do composto utilizado, a ação na cavida- de bucal será a mesma, pois ambos liberam o íon fluoreto: o fluoreto de sódio se ioniza quando em contato com água, liberando os íons sódio e fluore- to; já no MFP, o fluoreto está ligado covalentemen- te ao fosfato, sendo liberado pela ação de enzimas chamadas fosfatases, que estão presentes na cavi- dade bucal (Cury et al., 2003b). Embora o composto fluoretado não interfira na eficácia do dentifrício, os demais componentes da formulação devem ser compatíveis para evitar que o fluoreto se ligue a outros íons, tornando-se inso- lúvel e perdendo sua ação. Por exemplo, NaF não deve ser agregado a dentifrícios contendo carbona- to de cálcio, pois ocorre a ligação do fluoreto com o cálcio do abrasivo, formando-se fluoreto de cálcio (CaF2) dentro do tubo e não no dente. Quando for utilizado para escovação, o fluoreto de cálcio for- mado no dentifrício não libera o fluoreto, impedindo assim sua ação preventiva. Por outro lado, o carbo- nato de cálcio pode ser utilizado como abrasivo nos dentifrícios que utilizam o MFP, pois este último só libera o fluoreto quando na cavidade bucal, não permitindo sua reação com o cálcio do abrasivo dentro do tubo. A maioria dos dentifrícios brasilei- ros (92%) são formulados com MFP/CaCO3 e a efi- cácia anticárie desta formulação tem sido demons- trada (Delbem et al., 2002, 2004a; Cury et al. 2003b, 2004a). Para dentifrícios que utilizam fluore- to de sódio, o agente abrasivo deve ser compatível, sílica, por exemplo, a qual não reage quimicamente com o fluoreto. Esses requisitos de formulação são geralmente respeitados pelos fabricantes, garantin- do fluoreto livre quando da utilização do dentifrício. A concentração de fluoreto adicionada aos dentifrícios, usualmente em torno de 1100 ou 1500 ppm, tem comprovadamente um efeito sobre os índices de cárie das populações. No Brasil, a legisla- ção que regulamenta os dentifrícios determina ape- nas que eles tenham no máximo 1500 ppm de flúor (ANVISA, 2000). Infelizmente, a legislação não exi- ge que esse flúor seja solúvel, ou seja, esteja na forma de íon flúor (fluoreto) ou íon monofluorfosfa- to (FPO3 -), que têm importância para a prevenção. Assim, pela atual legislação é possível agregar fluo- reto de cálcio ao dentifrício e vendê-lo como fluore- tado, mesmo que não haja liberação do fluoreto durante a escovação e, portanto, sua ação preven- tiva esteja comprometida. Felizmente, estudos periódicos têm mostrado que a concentração de fluoreto solúvel na maioria dos dentifrícios vendidos no Brasil está de acordo com o ideal em termos de prevenção. Sua estabili- Tabela 4.5. Ativação da remineralização utilizando dentifrício fluoretado.Tabela 4.5. Ativação da remineralização utilizando dentifrício fluoretado.Tabela 4.5. Ativação da remineralização utilizando dentifrício fluoretado.Tabela 4.5. Ativação da remineralização utilizando dentifrício fluoretado.Tabela 4.5. Ativação da remineralização utilizando dentifrício fluoretado. TRATAMENTOS REMINERALIZAÇÃO (%) IN VITRO * IN VITRO ** IN SITU *** Dentifrício não 15 40 42 fluoretado Dentifrício fluoretado 33 54 73 (1100 ppm F - NaF) * Maia et al., 2003; ** Paes Leme et al., 2003a; *** Nobre dos Santos et al., 1998. ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 130 dade após armazenamento à temperatura ambiente também é importante, pois pode ocorrer reação do fluoreto com o abrasivo dentro do tubo antes do vencimento do prazo de validade. Isso ocorre, por exemplo, em alguns dentifrícios que contêm MFP, que é hidrolisado dentro do tubo e acaba por reagir com o cálcio do carbonato. Alguns casos isolados de dentifrícios com baixa concentração de fluoreto solúvel e baixa estabilidade (Fig. 4.13) demonstram a necessidade de revisão da legislação. Assim, a concentração de fluoreto solúvel em diversos dentifrícios encontrados no mercado nacio- nal, incluindo aqueles indicados para pacientes infan- tis, inicialmente e após armazenamento à temperatu- ra ambiente, pode ser vista nas Figs. 4.12 e 4.13. Enquanto os dados da Fig. 4.2 não são alarmantes, a Fig. 4.13 mostra que um dos dentifrícios infantis ana- lisados apresentava após 18 meses, porém ainda den- tro de seu prazo de validade, concentração de fluore- to solúvel que comprometeria seu potencial anticárie. 1600 1200 800 400p pm F s ol úv el Close-UP Colgate Crest Gessy Signal Sorriso Relatado Inicial Após 12 meses 0 Fig. 4.12 Concentração de fluoreto solúvel em diversos dentifrícios brasileiros, antes e após 12 meses de armazenamento à temperatura ambiente. De Conde et al., 2003. 1600 1200 800 400 pp m F s ol úv el Colgate Baby Colgate Junior Tandy Oral B Aquafresh Kids Digimon Relatado Inicial Após 12 meses 0 Fig. 4.13 Concentração de fluoreto solúvel em diversos dentifrícios infantis, antes e após 18 meses de armazenamento à temperatura ambiente. De Ribeiro et al., 2003 e Tenuta et al., 2004a. FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 131 Soluções fluoretadas para bochecho/Soluções fluoretadas para bochecho/Soluções fluoretadas para bochecho/Soluções fluoretadas para bochecho/Soluções fluoretadas para bochecho/ aplicaçãoaplicaçãoaplicaçãoaplicaçãoaplicação Pacientes que se apresentam em fase de risco para o desenvolvimento de cárie podem precisar de uma maior exposição ao fluoreto do que aquela pro- veniente só dos dentifrícios. Nesses casos, a utilização de soluções fluoretadas pode ser indicada, como por exemplo para pacientes sob tratamento ortodôntico. Usualmente utilizam-se as concentrações de 225 ppm de fluoreto (solução de fluoreto de sódio a 0,05%, de uso diário) ou 900 ppm de fluoreto (solução de fluoreto de sódio a 0,2%, de uso sema- nal). Em ambos os casos, a concentração é menor do que aquela presente nos dentifrícios e, portanto, seu uso deve ser visto como um adicional aos pro- cedimentos convencionais de higiene com os denti- frícios fluoretados. Essas soluções, quando utiliza- das regularmente, promovem redução de 26% nos índices de cárie, segundo uma recente análise dos estudos clínicos controladosde qualidade existen- tes sobre o assunto (Marinho et al., 2004b). A legislação que regulamenta os enxagüatórios bucais fluoretados (ANVISA, 2000) estabelece que estes apresentem concentração de fluoreto de 225 ppm, com no máximo 10% de variação para mais ou para menos. Entretanto, análises realizadas em 2000 com alguns produtos disponíveis no mercado demonstraram, em pelo menos uma das marcas comerciais, uma concentração de fluoreto muito in- ferior (Rodrigues et al., 2002). Embora a concentra- ção encontrada fosse igual à relatada pelo fabrican- te, o produto estava em desacordo com as normas brasileiras. Em 2002, em análises realizadas no La- boratório de Bioquímica Oral da FOP - UNICAMP, foi encontrada uma marca comercial de solução para bochecho semanal, que deveria conter fluoreto de sódio a 0,2%, com mais de 2 vezes a concentração adequada. A opção pela manipulação em farmácias especializadas também pode não ser confiável; de uma amostra de 6 farmácias de manipulação de Piracicaba, uma delas formulou, em 3 ocasiões dife- rentes, uma solução para bochecho diário com em média 50 ppm de fluoreto (Tabchoury et al., 2004), ao invés dos 225 ppm solicitados. Por outro lado, a utilização de soluções fluore- tadas com concentração de fluoreto menor do que 225 ppm, como a solução de fluoreto de sódio a 0,02% (90 ppm de fluoreto), pode não apresentar efeito preventivo (Chedid & Cury, 2004). A solução de fluoreto de sódio a 0,02% tem sido recomenda- da por alguns autores para aplicação em bebês, antes do início da escovação com dentifrícios fluo- retados. Entretanto, seu uso dentro de ações edu- cativas pode gerar expectativa na mãe de algum efeito benéfico, quando na verdade talvez o maior benefício para os dentes do bebê viria da higiene adequada, com remoção do biofilme dental e con- trole da dieta, visando a promoção de saúde. Gomas de mascar contendo fluoretoGomas de mascar contendo fluoretoGomas de mascar contendo fluoretoGomas de mascar contendo fluoretoGomas de mascar contendo fluoreto Já estão disponíveis no mercado brasileiro go- mas de mascar contendo fluoreto. Esse fluoreto é liberado para a saliva, atuando topicamente duran- te alguns minutos, antes de ser ingerido. A quanti- dade de fluoreto por tablete é de aproximadamente 0,4 mg gerando preocupação com relação a fluoro- se dental. Desde que sejam respeitados os limites de ingestão, considerando o risco de toxicidade aguda (abordado no tópico “Toxicidade do fluore- to”), as gomas de mascar fluoretadas podem ser utilizadas como uma fonte adicional de fluoreto tó- pico para pacientes adultos que estejam passando por fase de alta atividade de cárie, na tentativa de ativar a capacidade remineralizante da saliva esti- mulada pela mastigação, embora ainda não haja evidência da eficácia anticárie desta formulação. Em acréscimo, devido à ingestão do fluoreto, essas gomas de mascar não devem ser indicadas para crianças, principalmente abaixo dos 6-7 anos, devi- do ao risco de fluorose dental. Suplementos de fluoreto – pós-natais eSuplementos de fluoreto – pós-natais eSuplementos de fluoreto – pós-natais eSuplementos de fluoreto – pós-natais eSuplementos de fluoreto – pós-natais e pré-nataispré-nataispré-nataispré-nataispré-natais A indicação de suplementos de fluoreto para serem ingeridos e agirem sistemicamente surgiu a partir da suposta ação do fluoreto durante o perío- do de mineralização dos dentes. Considerando que o fluoreto age quando presente na cavidade bucal e levando-se em conta a abrangência dos métodos tópicos de utilização do fluoreto, em especial desta- que os dentifrícios fluoretados, a indicação de com- primidos fluoretados para se alcançar um efeito sis- têmico, que nada mais é do que um aumento da concentração de fluoreto na cavidade bucal, parece ser irrelevante. Além de se levar em conta que, mesmo em regiões não fluoretadas, os indivíduos estão expos- tos a outras fontes sistêmicas de fluoreto, outros fatores demonstram que a indicação dos suplemen- tos não é uma medida racional. Normalmente eles ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 132 são indicados para crianças, ignorando-se o fato de que o efeito independe da idade, pois causam, as- sim como a água fluoretada, aumento da concen- tração de fluoreto na saliva. Acrescente-se ainda a dificuldade de controle da utilização desse medica- mento, que deveria ser ingerido diariamente para assegurar algum efeito. Os médicos prescrevem sua utilização em doses empíricas e variadas, sem levar em conta a dose correta. Finalmente, faltam estudos clínicos controlados justificando sua indica- ção nos dias atuais, frente a outros métodos de utilização de fluoreto. A mesma linha de raciocínio deve ser seguida quando se trata da suplementação pré-natal de fluoreto. Inicialmente, deve-se considerar que a in- gestão de fluoreto durante a gravidez beneficiaria apenas os dentes decíduos da criança, que são aqueles que já iniciaram sua mineralização in utero. Ao nascimento, apenas os primeiros molares per- manentes estão iniciando sua mineralização. Adicio- nalmente, alguns conceitos ultrapassados ainda são mencionados atualmente, como a suposta presença de uma barreira placentária. Esse erro histórico se deveu a limitações das técnicas de dosagem de fluoreto na época, que não detectava níveis altos do íon no líquido amniótico. Hoje se sabe que todo o fluoreto que a gestante ingerir alcançará o bebê em formação (Fernandes et al., 1996). Se a gestante ingerir água fluoretada, a suple- mentação pré-natal está contra-indicada de ante- mão. Para regiões sem fluoreto na água, tem sido sugerido empiricamente a utilização de 1 mg de fluoreto por dia. Entretanto, sabe-se que uma ges- tante que vive em região com água fluoretada inge- re em média 2 a 4 mg de fluoreto por dia. Outro problema é a ingestão do fluoreto em complexos vitamínicos que contêm cálcio. Este reage com o fluoreto, diminuindo a absorção de ambos. Embora a diminuição na absorção de fluoreto não traga nenhuma conseqüência séria, a diminuição na absorção de cálcio sim, pois este é extremamente importante para a gestante. Além disso, nenhum estudo comprovou a eficiência da ingestão de fluo- reto durante a gravidez na diminuição da incidência de cárie em dentes decíduos, e nenhuma organiza- ção internacional recomenda sua prescrição. De acordo com as “Recomendações sobre uso de produtos fluorados no âmbito do SUS/SP em função do risco de cárie dentária”, elaboradas por grupo de trabalho da Secretaria da Saúde do Esta- do de São Paulo (RSS-95, de 27/06/00), a prescri- ção de medicamentos fluoretados, no período pré- natal não traz nenhum benefício que justifique sua indicação e o pós-natal tem indicação muito limita- da. Esta conclusão é compartilhada internacional- mente (Riordan, 1999; CDC, 2001). 3.3.3.3.3. Meios profissionaisMeios profissionaisMeios profissionaisMeios profissionaisMeios profissionais A justificativa para a indicação da aplicação profissional de fluoreto em acréscimo aos meios de auto-uso baseia-se na necessidade de aumentar a quantidade de fluoreto presente na cavidade bucal, no caso de pacientes em atividade de cárie. A apli- cação profissional utiliza fluoreto em altas concen- trações. Nessas concentrações, além do aumento na concentração salivar de fluoreto, este reagirá com a estrutura mineralizada dos dentes, formando 2 produtos: a.a.a.a.a. fluorapatita:fluorapatita:fluorapatita:fluorapatita:fluorapatita: é depositada principal- mente na camada superficial do esmalte. A formação de novos cristais de fluorapa- tita é muito difícil; ela será depositada em cristais pré-existentes, aumentando a concentração de fluoreto na apatita fluo- retada. b.b.b.b.b. fluoreto de cálcio:fluoreto de cálcio:fluoreto de cálcio:fluoreto de cálcio:fluoreto de cálcio: é depositado na superfície do dente íntegro e no interiordaquele com lesão de cárie, ou mesmo no biofilme dental, sob a forma de glóbulos. Esses glóbulos ficam cobertos por uma camada de fosfatos provenientes da sali- va, que lhes confere certa estabilidade. Entretanto, o fluoreto de cálcio é solúvel; quando o pH cai, a camada de fosfatos se deteriora, liberando íons cálcio e fluoreto para interferirem com o processo de des- mineralização. O aumento no pH paralisa esse processo de liberação, conservando parte dos glóbulos para novos episódios de produção de ácidos. Assim, o fluoreto de cálcio funciona como uma reserva de fluoreto que é liberada quando mais ne- cessário, ou seja, durante a queda de pH. Isso justifica a indicação de meios profis- sionais de aplicação de fluoreto em pa- cientes de alto risco de cárie. Cabe lem- brar, no entanto, que as reservas de fluo- reto de cálcio se esgotam em alguns dias, a depender da freqüência dos eventos de queda de pH. FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 133 A formação de produtos de reação no esmalte e sua posterior ação no processo de cárie pode ser ilustrada por um estudo com voluntários utili- zando dispositivos palatinos contendo blocos de esmalte nos quais foi realizada uma aplicação tópi- ca de fluoreto em gel acidulado. O dispositivo foi utilizado durante 14 dias, deixando-se acumular biofilme sobre os blocos de esmalte, mediante fre- qüentes aplicações de solução de sacarose. Os re- sultados podem ser vistos na Tabela 4.6. A aplica- ção de fluoreto acidulado em gel aumentou signi- ficantemente a concentração de fluoreto no es- malte. Nesse caso, grande parte do produto for- mado é fluoreto de cálcio. Mediante eventos de queda e elevação de pH, essas reservas de fluore- to vão se extinguindo, liberando o íon para agir no processo de des-re e conseqüentemente se incor- porar à estrutura dental na forma de fluorapatita, como mostra a concentração após 14 dias de de- safio cariogênico. Aplicação tópica de fluoretoAplicação tópica de fluoretoAplicação tópica de fluoretoAplicação tópica de fluoretoAplicação tópica de fluoreto 1. Flúor fosfato acidulado a 1,23% O flúor fosfato acidulado na forma de gel é o agente fluoretado de aplicação profissional mais uti- lizado. Sua utilização parece estar relacionada a uma redução de 20-30% nos índices de cárie, segundo uma recente meta-análise da literatura, envolvendo 23 estudos controlados (Marinho et al., 2004c). Ele apresenta fluoreto na concentração de 12.300 ppm, muito maior do que aquela encontrada em dentifrí- cios. Além disso, seu pH ácido promove a formação de grande quantidade de fluoreto de cálcio (Tabela 4.6), pois disponibiliza cálcio presente no mineral do dente para a reação com o fluoreto. Tabela 4.6. Concentração de fluoreto no esmalte antes e após aplicação de fluoreto e apósTabela 4.6. Concentração de fluoreto no esmalte antes e após aplicação de fluoreto e apósTabela 4.6. Concentração de fluoreto no esmalte antes e após aplicação de fluoreto e apósTabela 4.6. Concentração de fluoreto no esmalte antes e após aplicação de fluoreto e apósTabela 4.6. Concentração de fluoreto no esmalte antes e após aplicação de fluoreto e após desafio cariogênico.desafio cariogênico.desafio cariogênico.desafio cariogênico.desafio cariogênico. SITUAÇÃO FLUORETO NO ESMALTE (PPM*) Inicial 236 Após ATF 2626 Após desafio cariogênico 2225 * µg F/g esmalte. De Paes Leme et al., 2003b. Tabela 4.7. Concentração de fluoreto no esmalte após aplicação tópica de fluoreto em gelTabela 4.7. Concentração de fluoreto no esmalte após aplicação tópica de fluoreto em gelTabela 4.7. Concentração de fluoreto no esmalte após aplicação tópica de fluoreto em gelTabela 4.7. Concentração de fluoreto no esmalte após aplicação tópica de fluoreto em gelTabela 4.7. Concentração de fluoreto no esmalte após aplicação tópica de fluoreto em gel acidulado, realizando ou não lavagem imediatamente após a aplicação, e porcentagem deacidulado, realizando ou não lavagem imediatamente após a aplicação, e porcentagem deacidulado, realizando ou não lavagem imediatamente após a aplicação, e porcentagem deacidulado, realizando ou não lavagem imediatamente após a aplicação, e porcentagem deacidulado, realizando ou não lavagem imediatamente após a aplicação, e porcentagem de desmineralização após 15 dias de desafio cariogênico desmineralização após 15 dias de desafio cariogênico desmineralização após 15 dias de desafio cariogênico desmineralização após 15 dias de desafio cariogênico desmineralização após 15 dias de desafio cariogênico in situ.in situ.in situ.in situ.in situ. TRATAMENTO FLUORETO NO ESMALTE (µG/CM2) % DESMINERALIZAÇÃO Controle 2,2 46 ATF * 11,5 21 ATF + lavagem ** 11,8 22 ATF + copo de água 12,1 21 * 30 minutos sem comer ou beber; ** lavagem com seringa tríplice. De Delbem et al., 2004b. Com relação ao tempo de aplicação, clinicamente não parece haver diferença entre a utilização por 1 ou 4 minutos. Embora um maior tempo leve à formação de maior quantidade de fluoreto de cálcio, em termos de prevenção da desmineralização, essa diferença não é relevante (Delbem e Cury, 2002). Com relação ao tempo de 30 minutos após a aplicação, quando se recomenda não comer ou beber nada, essa medida parece não interferir tanto na quantidade de fluoreto depositada no esmalte quanto no efeito preventivo mediante desafio cariogênico, segundo os resultados de um estudo com voluntários (Tabela 4.7). ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 134 A redução de cárie da ordem de 20-30%, observada em alguns estudos, levou à indicação da aplicação tópica de gel de fluoreto acidulado indis- criminadamente a todos os pacientes, em especial aos jovens. Entretanto, conhecendo-se o mecanis- mo de ação desse agente, seria mais racional sua indicação apenas para pacientes em atividade de cárie, sem restrição de idade. Pacientes controla- dos, sem acúmulo de biofilme e com dieta não baseada no consumo de carboidratos fermentáveis em alta freqüência, não necessitam desse sobretra- tamento. Embora não cause nenhum prejuízo para esses pacientes, parece que a aplicação tópica de flúor fosfato acidulado em todos os pacientes deno- ta um desconhecimento do seu mecanismo de ação. Atualmente todos no Brasil têm acesso a den- tifrícios fluoretados de qualidade, sendo reservada a aplicação tópica àqueles pacientes que realmente necessitam. Além disso, trabalho recente sugere que durante o processo de cárie ativa, com alta exposição do biofilme dental a carboidratos fermen- táveis, o melhor agente terapêutico é o dentifrício fluoretado aplicado diariamente, que significante- mente reduz a desmineralização. Uma única aplica- ção tópica profissional de fluoreto acidulado previa- mente à utilização diária de dentifrício fluoretado foi eficaz, mas não mostrou nenhum efeito aditivo quando comparada à utilização isolada do dentifrí- cio fluoretado (Paes Leme et al., 2004) (ver tópico, Associação de Meios). Adicionalmente ao fluoreto acidulado disponível na forma de gel, espumas importadas do mesmo agente (“mousse”) estão disponíveis no mercado brasileiro. Seu efeito é semelhante ao do produto em gel, apresentando como vantagem a utilização de menor quantidade de fluoreto devido ao maior volume, porém baixa densidade. Em um estudo la- boratorial, a quantidade de fluoreto de cálcio for- mada sobre o esmalte após a aplicação de um des- ses produtos foi expressiva, o que pode ser explica- da por um pH ligeiramente menor para o produto na forma de espuma testado (Fig. 4.14). 2. Fluoreto de sódio neutro a 2% A utilização do fluoreto em gel acidulado pode promover erosão de restaurações estéticas de resi- na composta ou porcelana, se aplicado regularmen- te. Assim, como uma alternativa, pode-se lançar mão do gel neutro de fluoreto de sódio. A concen- tração de fluoreto nesse produto é de 9.000 ppm, um pouco menor do que a do gel acidulado. Além disso,por ser neutro, a formação de fluoreto de cálcio após a utilização desse gel é menor do que após a utilização do gel acidulado. Assim, sua indi- cação se restringe aos casos onde a presença de restaurações estéticas contra-indicaria a utilização freqüente do gel acidulado (Delbem e Cury, 2002). 3. Verniz fluoretado O verniz fluoretado é utilizado alternativamente à aplicação de fluoreto em gel, podendo ser aplica- do localmente em áreas com atividade de cárie, por exemplo. Embora poucos estudos clínicos controla- dos de qualidade existam avaliando seu efeito pre- ventivo, este parece estar em torno de 40% para dentes permanentes e 30% para dentes decíduos, segundo uma recente revisão sistemática (Marinho et al., 2004d). O verniz fluoretado é uma suspensão de fluo- reto de sódio em solução alcoólica de resinas natu- rais. A concentração de fluoreto de sódio no produ- to é de 5%, que corresponde a 22.600 ppm de fluoreto. Apesar da alta concentração, o pH do pro- duto é neutro, o que promove a formação de me- nor quantidade de fluoreto de cálcio quando com- parado ao fluoreto acidulado (Fig. 4.14). Em acrés- cimo, somente 20% do fluoreto presente está numa forma solúvel (Fujimaki et al., 2001). Apesar de promover a liberação lenta do fluo- reto, diminuindo o risco de toxicidade aguda, a in- gestão gradativa do produto durante as horas que seguem a aplicação, promoverá exposição sistêmi- ca ao fluoreto presente no produto, pela absorção no trato gastrintestinal. Assim, o verniz fluoretado também expõe sistemicamente o paciente ao fluo- reto, devendo ser utilizado com critério. Além disso, alguns casos de alergia ao componente resinoso do produto (colofônio), já foram relatados. Normal- mente sua aplicação é indicada para regiões de risco de cárie, como manchas brancas ou superfí- cies oclusais de dentes em erupção, o que diminui a exposição ao fluoreto pela menor quantidade de material aplicada. Além disso, um estudo laboratorial mostrou que mesmo para acelerar a remineralização do es- malte, o dentifrício fluoretado utilizado diariamente apresenta um maior efeito do que uma única apli- cação do verniz, sem efeito aditivo quando verniz e dentifrício fluoretado são utilizados em conjunto (Maia et al., 2003) (ver tópico Associação de Meios). FLUORETO: DA CIÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA 135 Assim, esse método deve ser visto como um coadjuvante, sempre considerando o grande efeito preventivo do dentifrício fluoretado. Materiais odontológicos que liberam fluoretoMateriais odontológicos que liberam fluoretoMateriais odontológicos que liberam fluoretoMateriais odontológicos que liberam fluoretoMateriais odontológicos que liberam fluoreto A utilização de materiais odontológicos que li- beram fluoreto é uma medida muito racional, pois associa propriedades intrínsecas do material ao efeito local do fluoreto na cavidade bucal, em espe- cial em pacientes com atividade de cárie. Os princi- pais materiais desse grupo são os cimentos de io- nômero de vidro, que apresentam a capacidade de liberar fluoreto e absorvê-lo do meio bucal. Embora inicialmente apresentassem propriedades mecâni- cas deficientes, a incorporação de resina nos ci- mentos de ionômero de vidro, os chamados cimen- tos de ionômero de vidro modificados por resina, melhorou o desempenho desses materiais para a realização de restaurações maiores, sem o compro- metimento de suas propriedades anticariogênicas. Os cimentos de ionômero de vidro, sejam eles convencionais ou modificados por resina, apresen- tam uma alta liberação de fluoreto nas primeiras horas ou dias após a inserção, que posteriormente diminui gradativamente. Entretanto, estando em contato com os diversos produtos fluoretados aos quais a cavidade bucal está exposta, mantêm níveis consideráveis de liberação durante um grande pe- ríodo de tempo. O fluoreto liberado pelo cimento de ionômero de vidro se acumula na placa dental, sendo respon- sável por uma diminuição significativa na desmine- ralização do esmalte adjacente (Benelli et al., 1993; Tenuta et al., 2004b). Além do efeito físico-químico do fluoreto liberado por esses materiais, já foi de- monstrado que o cimento de ionômero de vidro pode influenciar a composição do biofilme dental formado sobre ele, diminuindo sua proporção de estreptococos do grupo mutans (Benelli et al., 1993) e sua acidogenicidade (Hayacibara et al., 2003), e alterando sua estrutura (Hayacibara et al., 2003). Provavelmente, outros elementos liberados pelos materiais ionoméricos, como o alumínio, tam- bém tenham importância nesse efeito antibacteria- no (Hayacibara et al., 2003 e 2004c). Esses materiais podem ser utilizados em res- taurações, selamentos de fossas e fissuras, cimen- tação de próteses ou mesmo na cimentação de bandas e braquetes ortodônticos. Nesse último caso, liberam fluoreto nas áreas retentivas geradas pelos aparatos ortodônticos, prevenindo as man- chas brancas em dentes anteriores que podem re- sultar do aumento da atividade de cárie nesses pacientes (Pascotto et al., 2004). Fig. 4.14 Fluoreto de cálcio formado na superfície do esmalte após aplicação tópica de fluoreto (tempo de aplicação: gel e espuma = 4 minutos; verniz = 24 horas; controle = não tratado) (média, dp; n=10). De Hayacibara et al., 2004b Gel 50 40 30 20 10 0 Espuma Verniz Controle µ g F/ cm 2 ODONTOPEDIATRIA • BASES CIENTÍFICAS PARA A PRÁTICA CLÍNICA 136 A utilização de cimentos de ionômero de vidro para o selamento de fossas e fissuras é também uma ótima opção, pois promove vedamento e libe- ração de fluoreto na área oclusal. Apesar da baixa retentividade em comparação com os materiais re- sinosos, o selamento com ionômero tem efeito pre- ventivo durante a fase de risco da superfície oclusal à cárie, principalmente durante a erupção. Mesmo que posteriormente seja removido pela ação mecâ- nica da mastigação, o material cumpriu seu papel quando necessário; considerando que o paciente deve ser educado com relação à saúde bucal, e após a fase de erupção a higiene se torna facilita- da, não há a necessidade da manutenção do selan- te por vários anos. Materiais resinosos, apesar da maior retenção, muitas vezes sofrem pequenas fra- turas nas bordas, o que promove a retenção de biofilme no local. Outra vantagem do cimento de ionômero de vidro é a possível manutenção de par- te do material no fundo das fissuras, já demonstra- da em alguns trabalhos, o que promove vedamento e liberação de fluoreto, mesmo que clinicamente não mais seja evidenciada sua presença. Resinas contendo fluoreto também podem ser consideradas como meios de utilização profissional de fluoreto. Embora grande parte da liberação res- trinja-se a poucas horas ou dias após a inserção, sem a capacidade de reincorporação de fluoreto do meio devido às próprias características do material, esses materiais mantém níveis baixos de liberação. Embora pequena, essa quantidade liberada pode ser importante, quando se considera a micrométri- ca área ao redor da restauração ou do selante que se beneficiará do fluoreto presente. 4.4.4.4.4. Associação de meiosAssociação de meiosAssociação de meiosAssociação de meiosAssociação de meios Como já comentado pontualmente em alguns dos meios citados anteriormente, nem sempre a associação indiscriminada de meios de utilização de fluoreto resultará em melhores resultados em ter- mos de eficiência de redução da cárie. Isso ocorre porque, como descrito ao longo deste capítulo, o importante é que o fluoreto esteja presente cons- tantemente na cavidade bucal, em baixas concen- trações. Um exército de meios de utilização de fluoreto pode não ser melhor do que apenas um. Em acréscimo, o efeito do fluoreto nos fatores etio- lógicos da doença cárie, isto é a formação do biofil- me dental e sua capacidade de fermentar açúcar, é limitado. Por outro lado, a água fluoretada,
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