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Aplicação do direito estrangeiro 5ª. Aula DIPr Professor, Dr. Francisco Ercilio Moura Abordagem sobre o tema Uma primeira questão, consiste em que não existindo um organismo jurídico supranacional, não poderá um juiz declarar-se incompetente para o julgamento de determinado processo e remetê-lo ao magistrado do país a cuja justiça caberia julgar a causa. Desse modo, não pode o juiz brasileiro, na sua decisão, afirmar que a competência é do juiz chileno ou argentino, até porque se o fizesse, sua decisão não produziria efeitos. Poderá, isto sim, declarar-se incompetente ou utilizar no seu julgamento a lei estrangeira quando, qualificada a questão jurídica, o elemento de conexão indicar a lei estrangeira. Em outras palavras: no uso de sua competência jurisdicional, a Justiça brasileira, dentro das condições admitidas pelo exercício pleno da soberania do país, decide aplicar o direito estrangeiro. Considerações sobe a legislação estrangeira A lei estrangeira pode regular questões jurídicas nacionais de duas formas: por meio de sua aplicação direta pelo juiz brasileiro equiparada à lei do foro, e pela aplicação indireta, por meio de sentenças prolatadas no estrangeiro e que gerem efeitos no território nacional. Veremos agora essa primeira forma de aplicação, ocupando-nos das sentenças de outros países posteriormente. Aplicação da lei estrangeira Está pacificada na doutrina a questão de ser a lei estrangeira recepcionada como tal e não como fato. Isto traz consequências benéficas para os interessados (ficam livres do ônus da prova) e torna o direito estrangeiro equiparado ao nacional, sem a antipatia de considerá-lo inferior. Poderá a lei estrangeira ser aplicada, ex officio, entendimento também admitido pelo Código Bustamante (art. 408). São exemplos de casos em que se aplica a legislação de outro Estado: capacidade de pessoa física domiciliada em outro país, contrato firmado no estrangeiro ou sobre algum bem lá situado, e demanda sobre moeda do país considerado. Quando se invoca a lei estrangeira A norma estrangeira poderá ser invocada, como direito que é, em qualquer instância, mesmo em recurso extraordinário ou em ação rescisória. Como não seria razoável esperar que os magistrados tenham ciência prévia das leis estrangeiras, o artigo 14 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro preceitua que “não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência”. O Código de Processo Civil, artigo 337, dispõe que “a parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz”. Conhecimento da lei estrangeira O conhecimento da lei estrangeira pelo magistrado poderá ocorrer de várias formas: pessoal, judicial, extrajudicial, documental, pericial e até testemunhal (salvo o simples juramento). Ainda pode ser conhecida pela apresentação de cópia autêntica de publicação oficial, pela citação de obra jurídica conceituada, por parecer ou depoimento de juristas especializados, de advogados militantes e de consulta a associações dedicadas à matéria, inclusive por meio de carta rogatória. A utilização da lei estrangeira Normalmente se faz prova com códigos, certidões, revistas, livros ou jornais. Toda e qualquer lei estrangeira poderá ser invocada – Constituição, leis ordinárias, decretos, regulamentos e costumes. O Código Bustamante, no artigo 409, admite a justificação do direito estrangeiro por certidão de dois advogados em exercício no país de cuja legislação se trate. Na total impossibilidade de inteirar-se do teor da lei estrangeira, busca-se outra regra de DIPr do foro, subsidiária, da conexão mais próxima, ou aplicação da própria lei do foro. As exceções Nesse contexto, Jacob Dolinger refere casos interessantes, relatados por autores franceses, nos quais foi impossível o conhecimento da lei estrangeira, e o tribunal parisiense aplicou a lei francesa: acidente automobilístico em Andorra; litígio entre americano e polonês na Mandchúria, território sob ocupação soviética; e tunisino contratado por empresa francesa para trabalhar na Líbia, lá morrendo em acidente de serviço. Trata-se de processos em que, ante a dúvida, deu-se preferência à lei interna, caso do in dubio pro lege fori. Ibidem Esse princípio não deixa de ser paradoxal, pois seria, de certa forma, uma exceção, facultada ao magistrado, ao que estipula o art. 3.º da LINDB: Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Quanto à interpretação da lei estrangeira, não difere das formas usadas no ordenamento jurídico brasileiro, como a sociológica, a sistemática, a lógica, a analógica, a declarativa, a restritiva e a extensiva. Adaptações às condições locais Lembra Dolinger a adaptação ou aproximação, interpretação do direito estrangeiro adequado às circunstâncias locais (como desquites de nipo-brasileiros no anterior direito brasileiro, já que o Japão admitia o divórcio) Refere-se, ainda, a chamada interpretação construtiva ou aproximação excepcional: pedidos de divórcio extrajudicial deferidos em nome do Rei da Dinamarca e dos prefeitos do Japão, em cujos países essas autoridades do executivo têm competência para concedê-lo. Salienta-se que o processo segue a lex fori, ou seja, as regras processuais do juízo, sendo que a lei estrangeira observada é apenas a lei material, substancial. Conforme o artigo 13 da LINDB, os meios de prova são os da legislação estrangeira quanto ao ônus e aos meios de produzi-los, desde que não sejam desconhecidos pela lei brasileira. Retorno Retorno é a operação pela qual o juiz do foro volta ao seu próprio direito ou vai a um terceiro direito, seguindo a indicação feita pelo Direito Internacional Privado da jurisdição cuja legislação consultara de acordo com a norma de DIPr de seu país, segundo Osíris Rocha. De início, cumpre esclarecer que a expressão direito estrangeiro pode significar apenas as normas substantivas ou materiais, ou incluir as regras de Direito Internacional Privado estrangeiro. Quando adotado esse último significado, surge a possibilidade do retorno, chamado de primeiro grau, e o reenvio, de segundo grau. Ibidem A regra de DIPr desse segundo país, por seu turno, poderia direcioná-lo para um terceiro ordenamento jurídico, no qual nova indicação o conduziria a um quarto e assim sucessivamente, com prejuízos para a solução da lide e para a segurança jurídica. Caso ocorrido na Justiça francesa ilustra essa teia indesejável: para determinar a capacidade de um inglês domiciliado nos Estados Unidos, que celebrara contrato na Bélgica, o juiz francês deveria aplicar a lei inglesa (nacionalidade da pessoa), mas essa o remeteu ao direito norte-americano (seu domicílio), que, por sua vez, encaminhou-o ao direito belga (lugar da celebração do ato), o qual, por fim, ré enviou-o ao direito inglês (lei nacional, por indicação do Código Civil belga). Casos comparados Segundo Beat Rechsteiner, em muitos países, caso da Inglaterra e dos Estados Unidos, o direito estrangeiro abrange apenas o direito substantivo ou material; para outros, como Alemanha e Áustria, o direito estrangeiro abrange normas materiais e normas de Direito Internacional Privado estrangeiro; e alguns terceiros, como a Suíça, cuja lei aceita o reenvio em matéria de estado civil, adotam posição intermediária ou mista. Os termos retorno, devolução, reenvio e remissão, entre outros, têm sido usados como sinônimos pelos autores, com prevalência de retorno e reenvio. Na doutrina francesa é renvoi, e para os ingleses, remission. Entendemos mais racional o emprego de retorno para o chamado retorno de primeiro grau (devolução da lide à ordem jurídica da qual proveio) e reenvio para os demais (segundo ou terceiro graus). Aplicação no Brasil O direito positivo brasileiro, que era silente sobre o retorno, em 1942, com o advento da Lei de Introdução ao Código Civil, excluiu-o explicitamente, pois o artigo 16 prescreve que “quando, nos termos dos artigos precedentes, se houverde aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei” (grifo acrescido). É interessante registrar que Clóvis Beviláqua, Eduardo Espínola, Lafayette Pereira e, mais enfaticamente, Haroldo Valladão, são favoráveis ao retorno. Já Oscar Tenório e o Grupo Mineiro (Amílcar de Castro, Osíris Rocha e Agenor Pereira de Andrade) sempre se colocaram contra, sob alegações teóricas e práticas, estando seus posicionamentos de acordo com a vigente legislação brasileira sobre o retorno. Nosso entendimento é pela recusa ao retorno. Casos emblemáticos: caso Forgo Tornou-se clássico, na doutrina de Direito Internacional Privado, e foi um marco na jurisprudência sobre o retorno, o chamado caso Forgo, ocorrido na França do final do século XIX. Um cidadão nascido na Baviera, François-Xavier Forgo, filho natural, migrou com a mãe, aos cinco anos de idade, para a França, onde fez fortuna, especialmente em bens móveis, vindo a falecer aos 68 anos de idade, na cidade de Pau, sem descendentes e sem testamento. Um casal, parentes colaterais de sua mãe, reivindicou a sucessão, alegando a lei bávara, pela qual eles seriam os herdeiros. Pela lei francesa, apenas irmãos herdavam em caso de filiação natural, com o que o patrimônio de Forgo passaria ao Tesouro francês, como herança vacante. Ibidem Como Forgo nunca oficializara o seu domicílio na França, pela norma de Direito Internacional Privado francês, sua sucessão seria baseada no direito da Baviera, uma vez que nesse Estado alemão era seu domicílio (elemento de conexão). Ocorre que o DIPr bávaro não distinguia domicílio de fato de domicílio de direito. Para a lei da Baviera, em matéria de estatuto pessoal dever-se-ia aplicar a lei do domicílio ou da residência habitual, e em matéria de estatuto real, a lei da situação dos bens, móveis ou imóveis. Aceitando essa norma do Direito Internacional Privado bávaro, Forgo tinha domicílio na França, e pela legislação francesa deveria ser processada a sucessão. A justiça francesa voltou-se, então, para a lei do foro, e por suas instâncias superiores confirmou finalmente a decisão, em 1878, sendo a herança atribuída ao Tesouro francês.. Os limites à lei estrangeira A lei estrangeira a ser aplicada – em tese apenas direito material ou substancial – não o será necessariamente na sua amplitude. Isso ocorre porque cada ordenamento jurídico tem o seu critério de aplicação do direito estrangeiro, preservando a ordem pública. Essa limitação foi chamada por Edgar Amorim de salvaguarda imunológica. Entre as limitações mais usadas, brevemente analisadas a seguir, estão a ordem púbica, a soberania nacional, os bons costumes, a fraude à lei, o favor negotii, o prélèvement, as instituições desconhecidas e as instituições abomináveis. A ordem pública Nenhum país aplica a lei estrangeira quando esta viola a ordem pública interna, mesmo nos casos em que a norma estrangeira fosse a aplicável à relação jurídica. No direito positivo brasileiro, o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, preceitua que “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. Em realidade, ordem pública é de difícil e controversa definição, variando ao sabor de interesses e ideologias no tempo e no espaço, uma vez que a lei não a define. Amorim considera-a como sendo “a soma dos valores morais e políticos de um povo”. Haroldo Valladão observa, com propriedade, que a noção de ordem pública “é fluida, relativíssima, que se amolda a cada sistema jurídico, em cada época, e fica entregue à jurisprudência em cada caso. Ibidem Para Jacob Dolinger, o princípio de ordem pública reflete a filosofia sociopolítica-jurídica de toda legislação, representando “a moral básica de uma nação e que atende às necessidades econômicas de cada Estado”. Muitos autores, como Irineu Strenger e João Baptista Machado, distinguem ordem pública interna (nacional, doméstica) de ordem pública externa (internacional, global), dicotomia que é rejeitada por outros estudiosos, como Oscar Tenório e Amílcar de Castro. A doutrina, o mais das vezes, engloba na ordem pública a soberania nacional e os bons costumes. Esses últimos, em oportunas palavras de Clóvis Beviláqua, são “os que estabelecem as regras de proceder, nas relações domésticas e sociais, em harmonia com os elevados fins da vida humana”. O conceito de soberania Conceituamos soberania como o poder que, no plano interno, está legalmente acima de todos os outros e, na esfera internacional, se encontra em condições de igualdade com os dos demais Estados, não se subordinando a nenhum deles. Em outras palavras, soberania deve ser entendida como o poder que paira sobre todos os demais, o poder supremo, não admitindo outro nem mesmo igual. Inúmeros casos na jurisprudência exemplificam o princípio de ordem pública, limitando a aplicação da lei estrangeira, como o da sentença argelina que condenou mulher ao divórcio e à perda da posse e guarda do filho por não querer acompanhar o marido para fora da França, decisão inadmitida pela Corte de Poitiers; o da lei tunisina que não admite fixação de filiação não decorrente de casamento, resultando que o filho natural não pode nem pleitear alimentos; e o da lei mexicana que veda a cidadãos americanos o controle de negócios e de terras no México. Ibidem Albergado no preceito da ordem pública, o Supremo Tribunal Federal brasileiro negou homologação a diversas sentenças de divórcio alicerçadas no repúdio islâmico. Tribunal de Nova Iorque rejeitou, por contrariar sua ordem pública, lei de Massachusetts que arbitrava em cento e cinquenta mil dólares indenização de nova-iorquino que lá morrera em acidente, por ser essa indenização em quinze mil dólares em sua própria lei. No que tange a esse último exemplo, convém acentuar que os Estados norte-americanos dispõem de legislações próprias, com o que situação como essa aplica, excepcionalmente, postulados de Direito Internacional Privado. Recordemos, finalmente, que o princípio de ordem pública é o mais empregado para limitar a aplicação de lei estrangeira. As questões da fraude à lei A fraude à lei é a prática, pelo ser humano, de um ato legal na forma e na aparência, mas que esconde a intenção de burlar a lei aplicável in casu a qual lhe seria desfavorável. A vítima na fraude à lei é a própria coletividade. Caso frequente de fraude à lei é o do cidadão que transfere domicílio para outro país, onde exerce a sua capacidade civil, assegurando o exercício de um direito que ainda não detinha em seu domicílio nacional, em razão da lei ali vigente, retornando após. Era o caso, na vigência do Código Civil de 1916, de brasileiro de dezenove anos, relativamente incapaz em seu ordenamento jurídico, que transferia domicílio para o Uruguai, onde a capacidade plena ocorre aos dezoito anos de idade, o que lhe permitia praticar determinados atos da vida civil que no Brasil não lhe seriam possíveis. Ibidem Muitas vezes os casos de fraude não são questionados ou, mesmo o sendo, consegue o fraudador vê-la reconhecida como legal. Ocorrendo a mudança intencional, em tema de estatuto pessoal, da nacionalidade ou do domicílio da pessoa, que busca colocar-se sob a influência de ordem jurídica diversa da que lhe seria originalmente aplicável, com o fim de fugir a um limite dessa lei, estará caracterizada a fraude à lei. Dessa forma, trata-se de mudança ardilosa, esquiva, artificial, evasiva, odiosa, escusa, condenável e maldosa de uma situação jurídica. Werner Goldschmidt afirma que “a fraude à lei consiste em um duplo abuso de direito: a pessoa fraudadora abusa de um direito para burlar a finalidade de outra norma jurídica”. Ibidem Entre os exemplos de fraude à lei cabe mencionar a conversão ao islamismo para sustar a obrigação de alimentos à ex-esposa e o proprietário que leva bens móveis para país onde o prazo para aquisiçãopor usucapião é menor do que o de seu domicílio. Comprovar a fraude à lei é difícil, pois implica analisar a intenção do pretenso fraudador e isso, para alguns autores, envolve uma intromissão indevida do Judiciário no campo da consciência humana. Por outro lado, é oportuno referir a possibilidade legal de avaliar a intenção das pessoas, como na tipificação penal do crime tentado. O favor negotii Segundo De Plácido e Silva, trata-se do “princípio de prevalência do negócio em favor daqueles que intervieram de boa-fé, quando uma das partes, sendo estrangeira, não tinha capacidade para fazê-lo, segundo sua lei nacional, desde que a lei local admita sua capacidade, se pertencesse ao país em que se encontra”. Assim, o contrato é válido, e o incapaz se obriga pelo cumprimento do ajustado, ainda que em desacordo com seu estatuto pessoal. O favor negotii tem sua aplicação na área do Direito Comercial. O prevélèvement Palavra francesa que significa literalmente “tirar antes”, sendo usada para indicar a primeira parte de uma peça teatral. No campo do DIPr representa um instituto que visa, em certas situações, beneficiar o nacional em detrimento do estrangeiro. Embora visto como justo por alguns autores, consideramos inadequado em nosso tempo esse princípio de aplicar a lei mais favorável ao nacional, pois qualquer resquício de xenofobia deve ser prontamente rejeitado. O artigo 10, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em sua redação atualizada pela Lei n. 9.047, de 18.05.1995, indica um caso de prélèvement, pois limita a aplicação da lei estrangeira, como se vê: “A sucessão de bens de estrangeiro, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus” Ibidem É o que chamamos lei imperfeita, norma que privilegia uma parte em detrimento de outra, visando beneficiar o cidadão nacional, amparada no próprio texto constitucional (art. 5º, XXXI, da Carta Magna de 1988). Na verdade, a palavra francesa prélèvement e a expressão latina favor negotii significam a mesma coisa, ou seja, favorecer o nacional em detrimento do estrangeiro. Interessa-nos distinguir que o prélèvement é mais abrangente, pois tem aplicação também no Direito Civil. As instituições desconhecidas A diversidade de raças, origens, costumes, tradições, idiomas e religiões, entre os povos faz surgir, em certas ocasiões, institutos jurídicos peculiares a determinados ordenamentos jurídicos. Essas instituições dividem-se entre as simplesmente desconhecidas pela lex fori e as incompatíveis com a ordem internacional. As primeiras são ignoradas por força de elementos históricos na formação do direito interno e não representam limites para o DIPr. Por outro lado, as incompatíveis com a ordem internacional (embora compatíveis com a sua ordem jurídica interna) devem ser afastadas e serão estudadas no item seguinte. Ibidem Cabe referir, no primeiro caso, o noivado no direito italiano, o bem de família no Brasil, o trust do direito inglês e o desquite no antigo direito brasileiro, lembrando, ainda, institutos como o dote, os esponsais e a hipoteca de bens móveis, que fazem parte de alguns ordenamentos jurídicos, inexistindo na maioria das legislações. Sugere Dolinger que a instituição desconhecida seja contornada por meio de adaptação a outra existente no foro, cujos efeitos sejam correspondentes ou semelhantes à instituição estrangeira desconhecida. Esse autor lembra que o desquite brasileiro era aceito na Europa como separação de corpos – instituto menos radical – e no Japão, que admitia o divórcio, cujos efeitos eram mais amplos. Ainda menciona juízo de Francisco Rezek, então Ministro do Supremo Tribunal Federal: “O só fato de não conhecermos determinado instituto jurídico não impede a homologação de uma sentença estrangeira.” Ibidem No mesmo sentido, afirma Beat Rechsteiner que as instituições jurídicas desconhecidas são frequentemente detectadas quando se trata de reconhecer, no direito interno, atos jurídicos ocorridos no estrangeiro, em especial no direito de família e das sucessões, situação em que pode haver necessidade de adaptar esses institutos ao direito do foro. Muitos autores, por outro lado, consideram que “admitir uma instituição desconhecida equivale a conferir aos forasteiros mais direito que aos nacionais, e por isso deve a mesma ser repelida”, como assevera Luís Ivan Araújo. Ibidem Salienta-se que não constitui limite à aplicação da lei estrangeira a falta de reconhecimento ou não existência de relações diplomáticas entre o país do foro e o Estado de cujo ordenamento faz parte a lei aplicável ao caso. Nesse sentido, o juiz brasileiro poderia aplicar a lei taiwanesa quando invocada por cidadão de Taiwan, embora esse país não seja reconhecido pelo Brasil. Seria um contrassenso aplicar ao caso a legislação da China continental (já que o Brasil reconhece apenas uma China), pois esse cidadão não está submetido ao ordenamento jurídico chinês. Concluindo, pode-se afirmar que a instituição desconhecida merece um estudo apurado dos aplicadores do direito, buscando a efetiva intenção do autor por meio da interpretação teleológica, sistemática, sociológica e analógica do postulado, com o que se poderá encontrar motivo para adotá-la no julgamento da lide. As instituições abomináveis Entre as instituições incompatíveis com o espírito do direito brasileiro, e que devem ser repelidas, as mais citadas são a poligamia, a escravidão e a morte civil. Para a maior parte da doutrina, na qual nos incluímos convictamente, a pena de morte se integra no rol das instituições abomináveis. Entre as instituições incompatíveis com o espírito do direito brasileiro, e que devem ser repelidas, as mais citadas são a poligamia, a escravidão e a morte civil. Para a maior parte da doutrina, na qual nos incluímos convictamente, a pena de morte se integra no rol das instituições abomináveis. Também é repelido pelos tribunais de muitos povos o repúdio, adotado no direito corânico, pelo qual o marido obtém a separação religiosa sem que a esposa seja consultada; a discriminação racial, de que foi lamentável exemplo o “apartheid” que vigorou na África do Sul durante muitos anos; a separação das pessoas em castas e a condenação de alguém à indigência. Todas essas instituições repugnam a consciência média dos povos civilizados. A retorsão A retorsão – ato pelo qual o Estado prejudicado por medida de outro utiliza em relação a ele atitude idêntica à que foi vítima –, forma egoísta e perversa da reciprocidade, não é admitida no Brasil, sendo lembrada a solicitação do Imperador D. Pedro II, que presidia a comissão que elaborava o Código Civil brasileiro, em 1889, de que “no Código se consignasse o que fosse mais justo, independentemente da reciprocidade”. A maioria dos países repele a retorsão. Quanto à reciprocidade propriamente dita, mesmo legislações contemporâneas a admitem para determinadas questões jurídicas, como na sucessão, emancipação, direitos de família, entre outros, conforme explicita Haroldo Valladão, para quem a reciprocidade e a retorsão são anticristãs constituindo a forma jurídica do egoísmo.