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O BANQUETE ANTÔNIO (2)

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PLATÃO. O Banquete. Texto integral. Trad. Jean Melville. São Paulo: Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, s/d.
Devemos honrá-lo e louvá-lo como a um dos mais velhos deuses, e a prova disso é que Eros não teve pai nem mãe, e que não lhe atribuem progenitores nenhum prosador ou inspirado poeta nosso. (p. 103)
Fedro usa recursos sofisticados para fazer um discurso sobre Eros. Fedro é preocupado em dar uma genealogia mítica de Eros como o mais antigo de todos os deuses tomando como fonte de Hesíodo e outros poetas envolvidos nas teogonias. 
De sorte que se fosse possível formar, por algum modo, um Estado ou um exército exclusivamente composto de amantes e amados, assim se obteria uma constituição política insuperável, pois ninguém faria o que fosse desonesto, e todos, naturalmente, se estimulariam para prática de belas coisas. (p. 104)
Fedro anunciou que Eros, deus do amor, é o deus original, o mais antigo, é central para a vida de todos, porque é a ligação entre o amante e o amado; nada é maior do que um amante digno. A partir do momento que essa ligação é originada, de acordo com Fedro, tudo é nobre, o verdadeiro amor é puro. Um exército de homens unidos desta forma seria praticamente invencível. Só o amor os colocariam em uma posição de dar suas vidas pelo o outro. Vê-se bem a relação construída entre a honra e o amor, de modo que a primeira tem a função e exaltação e respeito deste último. Abona essa interpretação o seguinte trecho do Discurso de Pausânias
Oras, bem estaria que assim fosse, se existisse apenas um Eros. Sucede, porém, que há mais de um e, havendo amis de um, é mister saber a qual deles devemos louvar, a qual Eros devemos dirigir as nossas homenagens. (p. 107)
O discurso de Pausânias fornece como a ideia mais importante a natureza dual de Eros. De um lado está o Eros Pandemo, que se inclina ao amor do corpo, ao físico, ao mortal e ao perecível; e por outro lado, há o Eros Urânio, que é o amor elevado, o amor da alma, para o imortal e o belo. Era essencial fazer essa distinção, já que o que é tratado no Banquete é o Amor de Urânio, o amor da alma, que é o que Sócrates falará mais tarde. 
 [...] é perfeitamente honroso entregar-se em nome da virtude. Este é o Eros da Afrodite celeste, e extremamente benéfico tanto para os indivíduos como para o próprio Estado, pois impele ao mesmo tempo amante e amado a procurarem incansavelmente a virtude da sabedoria.
Pausânias lança então uma série de distinções aparentemente mais filosóficas, já que se fala de dois Amores, um nobre e outro vulgar. Mas aqui novamente parece que a beleza e a nobreza do amor estão sempre ligadas ao respeito de uma posição social adequada; as virtudes morais e as regras sociais que Pausânias pede para respeitar em nome do amor refletem a dominação de uma aristocracia conservadora. 
Eros efetivamente é uma grande, um admirável deus, que exerce domínio sobre todas as coisas divinas e humanas. Vou iniciar meu discurso pela medicina [...] a natureza dos corpos, com efeito, possui esses dois Eros: pois é evidente que o que é sadio nos corpos e o que é doente apresentam diferenças entre si e são dessemelhantes... (p. 114)
O discurso de Erixímaco, que volta a reiterar a teoria dos dois tipos de Amor, propõe a harmonia entre ambos, o termo médio, a reconciliação dos opostos. Erixímaco abandona o tom mítico e, como médico, aborda o assunto de um ponto de vista puramente físico, considerando o Eros como uma força cósmica de natureza geradora que atua em todo o universo e persegue a harmonia.
A medicina [...] é a ciência do amor nos corpos relativamente a sua repleção e evacuação, e aquele que nesses movimentos consegue estremar o bom do mau amor. [...]Foi precisamente por haver alcançado esse ideal, por haver conseguido estabelecer o amor e a concórdia entre esses dois contrários, que Asclépio, nosso antepassado, fundou nossa arte [...]. (p. 115)
Representa o discurso naturalista tem em conta amor (Eros, tem o caráter de divindade) segurando-o como o início da evolução de todo o mundo físico, ou seja, como um poder gerador, poder criativo do que o amor Primal que com sua taxa periódica de enchimento e esvaziamento penetra e encoraja tudo. Enquanto Erixímaco aceita que há um juízo moral que pode ser feito no campo do amor, bom e mau, saudável e doente, ele acredita que a saúde é a combinação certa de opostos na natureza.
E começarei por declarar que os homens, hoje, ignoram completamente o extraordinário poder de que Eros se acha investido. Se conhecessem, haveriam de construir-lhe os templos mais magníficos, de lhe elevarem os altares mais suntuosos e votarem-lhe os mais ricos sacrifícios – coisa que absolutamente não se faz em nossos dias, e que, entretanto, deveria ser feita antes de tudo mais. (p. 119)
Já o desenvolvimento do discurso de Aristófanes se desdobra em um posicionamento poético e com grande eloquência. Sua abordagem do Eros o faz surgir do anseio metafísico do homem por uma totalidade de seres que se torna inacessível a qualquer indivíduo. Por esta razão, o discurso de Aristófanes usa uma recriação de um tempo mítico quando os seres humanos ainda estavam cheios três tipos de pessoas, todos do sexo masculino, só de mulheres e metade do sexo feminino, metade masculina: os andróginos. 
Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do outro (p. 121)
A teoria de Aristófanes amor é o mais poético, metafórico. Aristófanes imagina um tempo quando os homens eram duplos hermafrodita de alguma forma. Cada pessoa tem duas faces e dois genitais. Estes homens eram tão poderosos que tiveram a ideia de atacar os deuses. Portanto, Zeus decidiu reduzir o seu poder através da divisão: os homens passaram a ter somente um rosto, dois braços, duas pernas - e apenas um órgão genital, o que significa que agora existem apenas dois tipos.
Após a divisão dos homens em duas metades por Zeus, cada pessoa almeja e quer encontrá-la no meio do caminho para sentir a plenitude, aparecendo nessa posição mítica as possibilidades de orientação sexual em relação aos grupos a que pertenciam humana. Os pobres seres humanos não tinham a menor ideia e começaram a olhar para a sua metade, a sua parte em falta. Isto é, quando Eros intervém: Eros é a força que nos ajuda a encontrar nossa metade.
Pois bem, em vista dessas eventualidades todo homem deve a todos exortar à piedade para com os deuses, a fim de que evitemos uma e alcancemos a outra, na medida em que o Amor nos dirige e comanda. (p. 124)
O discurso de Aristófanes é notoriamente diferente do anterior na medida em que é, talvez, o primeiro a levar a sério o que é, o elogio do amor, porque torna um elemento chave - ambos essenciais e original - o mesmo tipo de homem. É comédia a Aristófanes que vai nos dizer as piores coisas e o mais autêntico no amor e (especialmente) a natureza do amor humano? Na verdade Aristófanes nos diz sobre uma lenda estranha, uma paródia, um mito, na verdade, quando o amor aparece como o remédio pelo qual os seres humanos buscam encontrar felicidade e realização.
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No entanto, está aí, não era esse o belo elogio ao que quer que seja, mas o acrescentam o máximo é coisa, e o mais belamente possível, quer ela seja assim quer não; quanto a ser falso, não tinha nenhuma importância. Foi com efeito combinado como cada um de nós entenderia elogiar o Amor, não como cada um o elogiaria. Eis por que, pondo em ação todo argumento, vós o aplicais ao Amor, e dizeis que ele é tal e causa de tantos bens, a fim de aparecer ele como o mais belo e o melhor possível, evidentemente aos que o não conhecem - pois não é aos que o conhecem - e eis que fica belo, sim, e nobre o elogio. (p. 134)
O discurso de Agatón diz que Eros é o mais feliz dos deuses, o melhor. Agatón contradiz diretamente Fédon alegandoque ele é o mais jovem, não o mais antigo dos deuses, porque ele odeia a velhice e pesquisa juventude. O amor sabe, como Agatón, ou a violência porque controla os desejos, a injustiça porque traz harmonia em todos os lugares. 
Se, com efeito, mesmo o forte quisesse ser forte, continuou Sócrates, e o rápido ser rápido, e o sadio ser sadio - pois talvez alguém pensasse que nesses e em todos os casos semelhantes os que são tais e têm essas qualidades desejam o que justamente têm, e é para não nos enganarmos que estou dizendo isso - ora, para estes, Agatão, se atinas bem, é forçoso que tenham no momento tudo aquilo que tem, quer queiram, quer não, e isso mesmo, sim, quem é que poderia desejá-lo? Mas quando alguém diz: Eu, mesmo sadio, desejo ser sadio, e mesmo rico, ser rico, e desejo isso mesmo que tenho. (p. 139)
O discurso de Sócrates, é claro, excede todos as anteriores e traz muitas ideias sobre Eros: não é um deus, mas algo intermediário, um demônio, uma espécie de ponte que une o mortal ao imortal; ele é filho de Penía – Pobreza – e de Poros -Recurso- e, como tal, tem características de ambos, daí sua natureza muitas vezes contraditória; é desejo pelo bem e por sempre possuir o bem; e ao mesmo tempo é um desejo de imortalizar e imortalizar o bem e o belo através da procriação, seja ela física, seja a procriação da alma, isto é, a virtude; O amor é alcançado através da beleza. Estas são algumas das ideias que Sócrates trata em seu discurso. 
Podes estar certo, ó Sócrates; o caso é que, mesmo entre os homens, se queres atentar à sua ambição, admirar-te-ias do seu desarrazoamento, a menos que, a respeito do que te falei, não reflitas, depois de considerares quão estranhamente eles se comportam com o amor de se tornarem renomados e de “para sempre uma glória imortal se preservarem”, e como por isso estão prontos a arrostar todos os perigos, ainda mais do que pelos filhos, a gastar fortuna, a sofrer privações, quaisquer que elas sejam, e até a sacrificar-se. (p. 149)
Assim, Sócrates propõe quatro passos de amor ao amor virtuoso. Em primeiro lugar, um belo corpo é amado, no entanto, ao mesmo tempo a decepção aparece, o que torna possível uma ascensão em direção O amor pela beleza dos corpos, mais uma vez, chega a um novo amor, desta vez por uma alma bela, que finalmente termina em amor pelas belas ideias que a alma contempla, ou seja, que as próprias ideias são amadas e estas eles são contemplados pela alma. Vemos como, sempre, é necessário que o engano mude para um estado de amor mais elevado, alcançando finalmente o estado de amor virtuoso que é orientado para as belas ideias.
Aquele, pois, que até esse ponto tiver sido orientado para as coisas do amor, contemplando seguida e corretamente o que é belo, já chegando ao ápice dos graus do amor, súbito perceberá algo de maravilhosamente belo em sua natureza, aquilo mesmo, ó Sócrates, a que tendiam todas as penas anteriores, primeiramente sempre sendo, sem nascer nem perecer, sem crescer nem decrescer, e depois, não de um jeito belo e de outro feio. (p. 154)
Eros Urano, o Amor da alma, foi elogiado. É por isso que não é possível que Sócrates ceda às proposições carnais de Alcibíades. O que Sócrates ama de seus discípulos e de Alcibíades, não são seus corpos, mas suas almas. 
O Eros socrático não é o amor-próprio que a outra pessoa restaura em nós. Trata-se de um amor ainda insatisfeito, destacando-se dos corpos para se voltar para objetos espirituais, cumprindo-se finalmente na busca filosófica.

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