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CAPÍTULO 1 Hematopoese Tópicos-chave � Locais de hematopoese 2 � Células-tronco hematopoéticas e células progenitoras 2 � Estroma da medula óssea 3 � Células-tronco tecido-específicas 5 � Regulação da hematopoese 6 � Fatores de crescimento hematopoéticos 6 � Receptores de fatores de crescimento e transdução de sinais 8 � O ciclo celular 10 � Apoptose 11 � Fatores de transcrição 12 � Moléculas de adesão 13 Hoffbrand_6ed_01.indd 1Hoffbrand_6ed_01.indd 1 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 2 A. V. Hoffbrand e P. A. H. Moss Este primeiro capítulo trata de aspectos gerais da formação de células sanguíneas (hemato- poese). São também discutidos os processos que regulam a hematopoese e os estágios iniciais da formação de eritrócitos (eritropoese), de granu- lócitos e monócitos (mielopoese) e de plaquetas (trombocitopoese). Locais de hematopoese Nas primeiras semanas da gestação, o saco viteli- no é o principal local de hematopoese. A hemato- poese definitiva, entretanto, deriva de uma popu- lação de células-tronco observada, pela primeira vez, na aorta dorsal, designada região AGM (aor- ta-gônadas-mesonefros). Acredita-se que esses precursores comuns às células endoteliais e he- matopoéticas (hemangioblastos) aninhem-se no fígado, no baço e na medula óssea; de 6 semanas até 6 a 7 meses de vida fetal, o fígado e o baço são os principais órgãos hematopoéticos e conti- nuam a produzir células sanguíneas até cerca de duas semanas após o nascimento (Tabela 1.1; ver Figura 7.1b). A medula óssea é o sítio hemato- poético mais importante a partir de 6 a 7 meses de vida fetal e, durante a infância e a vida adulta, é a única fonte de novas células sanguíneas. As células em desenvolvimento situam-se fora dos seios da medula óssea; as maduras são liberadas nos espaços sinusais e na microcirculação medu- lar e, a partir daí, na circulação geral. Nos dois primeiros anos, toda a medula óssea é hematopoética, mas, durante o resto da infância, há substituição progressiva da medula dos ossos longos por gordura, de modo que a medula hemopoética no adulto é confinada ao esqueleto central e às extremidades proximais do fêmur e do úmero (Tabela 1.1). Mesmo nessas regiões hematopoéticas, cerca de 50% da medu- la é composta de gordura (Figura 1.1). A me- dula óssea gordurosa remanescente é capaz de reverter para hematopoética e, em muitas doen- ças, também pode haver expansão da hemato- poese aos ossos longos. Além disso, o fígado e o baço podem retomar seu papel hematopoético fetal (“hematopoese extramedular”). Células-tronco hematopoéticas e células progenitoras A hematopoese inicia-se com uma célula-tronco pluripotente, que tanto pode autorrenovar-se como também dar origem às distintas linhagens celulares. Essas células são capazes de repovoar uma medula cujas células-tronco tenham sido eliminadas por irradiação ou quimioterapia letais. As células-tronco hematopoéticas são escassas, talvez uma em 20 milhões de células nucleadas da medula óssea. Embora tenham fenótipo exato desconhecido, ao exame imu- nológico são CD34+, CD38– e têm a aparência de um linfócito de tamanho pequeno ou médio (ver Figura 23.3). Residem em “nichos” especia- lizados. A diferenciação celular a partir da célula- -tronco passa por uma etapa de progenitores hematopoéticos comprometidos, isto é, com po- tencial de desenvolvimento restrito (Figura 1.2). Tabela 1.1 Locais de hematopoese Feto 0-2 meses (saco vitelino) 2-7 meses (fígado, baço) 5-9 meses (medula óssea) De 0 a 2 anos Medula óssea (praticamente todos os ossos) Adultos Vértebras, costelas, crânio, esterno, sacro e pelve, extremidades proximais dos fêmures Figura 1.1 Biópsia de medula óssea normal (crista ilíaca posterior). Coloração por hematoxilina-eosina; aproximadamente 50% do tecido intertrabecular é he- matopoético, e 50%, gordura. Hoffbrand_6ed_01.indd 2Hoffbrand_6ed_01.indd 2 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 Fundamentos em Hematologia 3 A existência de células progenitoras separadas para cada linhagem pode ser demonstrada por técnicas de cultura in vitro. Células progenito- ras muito precoces devem ser cultivadas a longo prazo em estroma de medula óssea, ao passo que células progenitoras tardias costumam ser culti- vadas em meios semissólidos. Um exemplo é o primeiro precursor mieloide misto detectável, que origina granulócitos, eritrócitos, monócitos e megacariócitos, chamado de CFU (unidade formadora de colônias)-GEMM (Figura 1.2). A medula óssea também é o local primário de ori- gem de linfócitos (Capítulo 9), que se diferen- ciam de um precursor linfocítico comum. A célula-tronco tem capacidade de autor- renovação (Figura 1.3), de modo que a celula- ridade geral da medula, em condições estáveis de saúde, permanece constante. Há considerá- vel ampliação na proliferação do sistema: uma célula-tronco, depois de 20 divisões celulares, é capaz de produzir cerca de 106 células sanguí- neas maduras (Figura 1.3). As células precurso- ras, contudo, são capazes de responder a fatores de crescimento hematopoético com aumento de produção seletiva de uma ou outra linhagem ce- lular de acordo com as necessidades. O desenvol- vimento de células maduras (eritrócitos, granu- lócitos, monócitos, megacariócitos e linfócitos) será abordado em outras seções deste livro. Estroma da medula óssea A medula óssea constitui-se em ambiente ade- quado para sobrevida, autorrenovação e forma- ção de células progenitoras diferenciadas. Esse meio é composto por células do estroma e uma Célula-tronco pluripotente Progenitor de eritroides CFUGEMM Célula progenitora mieloide mista BFUE CFUE CFUMeg Progenitor de megacariócito CFUGM Progenitor de granulócito e monócito CFUEo Progenitor de eosinófilo CFUGMEo CFUbaso Timo CFU-M CFU-G Célula-tronco linfoide Eritrócitos Plaquetas Monócitos Neutrófilos Eosinófilos Basófilos Linfócitos Células NK B T NK Figura 1.2 Diagrama mostrando a célula-tronco multipotente da medula óssea e as linhagens celulares que dela se originam. Várias células progenitoras podem ser identificadas por cultura em meio semissólido pelo tipo de colônia que formam. É possível que um progenitor eritroide/megacariocítico seja formado antes de o progenitor linfoide comum divergir do progenitor mieloide misto granulocítico/monocítico/eosinofílico. Baso, basófilo; BFU, unidade formadora explosiva; CFU, unidade formadora de colônia; E, eritroide; Eo, eosinófila; GEMM, granulocí- tica, eritroide, monocítica e megacariocítica; GM, granulócito, monócito; Meg, megacariócito; NK, natural killer. Hoffbrand_6ed_01.indd 3Hoffbrand_6ed_01.indd 3 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 4 A. V. Hoffbrand e P. A. H. Moss rede microvascular (Figura 1.4). As células do estroma incluem adipócitos, fibroblastos, célu- las endoteliais e macrófagos, e secretam molécu- las extracelulares, como colágeno, glicoproteínas (fibronectina e trombospondina) e glicosamino- glicanos (ácido hialurônico e derivados condroi- tínicos) para formar uma matriz extracelular, além de secretarem vários fatores de crescimento necessários à sobrevivência da célula-tronco. Células-tronco mesenquimais, também chamadas células estromais mesenquimais mul- tipotentes ou células mesenquimais aderentes, são críticas na formação do estroma. Junto com os osteoblastos, formam nichos e fornecem os fatores de crescimento, moléculas de adesão e citoquinas que dão suporte às células-tronco, por exemplo, a proteína que permeia as células estromais liga-se a um receptor NOTCH1 nas (b) Células maduras Precursores comprometidos Células progenitoras multipotentes Células-tronco Autor- renovação Multiplicação Diferenciação (a) Figura 1.3 (a) Com a diferenciação crescente,as células da medula óssea perdem a capacidade de autorreno- vação à medida que amadurecem. (b) Uma única célula-tronco produz, depois de múltiplas divisões (mostradas pelas linhas verticais), > 106 células maduras. Célula-tronco Matriz extracelular Célula adiposa Fibroblasto Molécula de adesão Fator de crescimento Ligante Receptor de fator de crescimento Célula endotelial Macrófago Figura 1.4 A hematopoese ocorre em microambiente adequado (“nicho”) fornecido pela matriz do estroma na qual as células-tronco crescem e se dividem. Há locais de reconhecimento específico e de adesão (ver p. 13); glicoproteínas extracelulares e outros componentes estão envolvidos na ligação. Hoffbrand_6ed_01.indd 4Hoffbrand_6ed_01.indd 4 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 Fundamentos em Hematologia 5 células-tronco, tornando-se um fator de trans- crição envolvido no ciclo celular. As células-tronco são capazes de circular no organismo e são encontradas em pequeno núme- ro no sangue periférico. Para deixar a medula ós- sea, as células devem atravessar o endotélio vascu- lar – e esse processo de mobilização é aumentado pela administração de fatores de crescimento, como o fator estimulante de colônias granulocí- ticas (G-CSF) (ver p. 6). O processo reverso, de “volta ao lar” (homing), parece depender de um gradiente quimiocinético, no qual tem papel crí- tico o fator derivado do estroma (SDF-1). Várias interações críticas suportam a viabilidade das cé- lulas-tronco e a produção no estroma, incluindo o fator de células-tronco (SCF) e proteínas per- meantes estromais e seus respectivos receptores KIT e NOTCH, expressos em células-tronco. Células-tronco tecido-específicas Células-tronco estão presentes em diferentes órgãos. São pluripotentes e podem gerar vários tipos de tecidos, como células epiteliais, células nervosas (Figura 1.5). Estudos em pacientes e em animais que receberam transplante de cé- lulas-tronco hematopoéticas (ver Capítulo 23) sugerem que as células hematopoéticas doadas podem contribuir para os tecidos, como o neu- ral, o hepático e o muscular. A contribuição de células hematopoéticas de doadores adul- tos a tecidos não hematopoéticos, entretanto, se houver, é mínima. A persistência de células pluripotentes na vida pós-natal, a presença de células-tronco mesenquimais na medula óssea e a fusão de células transplantadas com células do hospedeiro foram propostas como explicação Tecido nervosoMúsculo, tendão, cartilagem, gordura, etc. Célula-tronco epitelial Célula-tronco nervosaCélula-tronco mesenquimal Células mieloides e linfoides Células-tronco embrionárias Células-tronco adultas Célula-tronco hematopoética Fígado, etc. Célula totipotente (b) (a) Figura 1.5 (a) Células da camada interna do blastocisto no embrião recém-formado são capazes de gerar todos os tecidos do organismo e são designadas totipotentes. (b) Células-tronco especializadas adultas, da medula óssea, dos tecidos nervoso, epitelial e outros, originam células diferenciadas do mesmo tecido. Hoffbrand_6ed_01.indd 5Hoffbrand_6ed_01.indd 5 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 6 A. V. Hoffbrand e P. A. H. Moss alternativa de muitos resultados sugestivos de plasticidade das células-tronco. Regulação da hematopoese A hematopoese começa com mitoses das célu- las-tronco; em cada divisão, uma célula-filha repõe a célula-tronco (autorrenovação) e a outra se compromete em diferenciação. Essas células progenitoras precocemente compro- metidas expressam baixos níveis dos fatores de transcrição que as comprometem com li- nhagens específicas; a seleção da linhagem de diferenciação, portanto, pode variar tanto por alocação aleatória como por sinais externos recebidos pelas células progenitoras. Vários fatores de transcrição regulam a sobrevivência das células-tronco (p. ex., SCL, GATA-2, NO- TCH-1), enquanto outros estão envolvidos na diferenciação ao longo das principais linhagens celulares. Por exemplo, PU.1 e a família CEBP comprometem células para a linhagem mieloi- de leucocitária, enquanto GATA-1 e FOG-1 têm um papel essencial na diferenciação eritro- poética e megacariocítica. Fatores de crescimento hematopoéticos Os fatores de crescimento hematopoéticos são hormônios glicoproteicos que regulam a pro- liferação e a diferenciação das células proge- nitoras hematopoéticas e a função das células sanguíneas maduras. Podem agir no local em que são produzidos por contato célula a célula ou podem circular no plasma. Também podem ligar-se à matriz extracelular, formando nichos aos quais aderem as células-tronco e as células progenitoras. Os fatores de crescimento podem causar não só proliferação celular, mas também podem estimular a diferenciação, a maturação, prevenir a apoptose e afetar as funções de células maduras (Figura 1.6). Os fatores de crescimento compartilham certo número de propriedades (Tabela 1.2) e agem em diferentes etapas da hematopoese (Ta- bela 1.3, Figura 1.7). Tabela 1.2 Características gerais dos fatores de crescimento mieloides e linfoides Glicoproteínas que agem em concentrações muito baixas Atuam hierarquicamente Em geral, são produzidos por muitos tipos de células Em geral, afetam mais de uma linhagem Em geral, ativos nas células-tronco/progenitoras e nas células funcionais finais Em geral, têm interações sinérgicas ou aditivas com outros fatores de crescimento Muitas vezes, agem no equivalente neoplásico da célula normal Ações múltiplas: proliferação, diferenciação, maturação, ativação funcional, prevenção de apoptose de células progenitoras Tabela 1.3 Fatores de crescimento hematopoético Agem nas células do estroma IL-1 TNF Agem nas células-tronco pluripotentes SCF FLT3-L VEGF Agem nas células progenitoras multipotentes IL-3 GM-CSF IL-6 G-CSF Trombopoetina Agem em células progenitoras comprometidas G-CSF* M-CSF IL-5 (CSF-eosinófilo) Eritropoetina Trombopoetina* CSF, fator estimulante de colônias; FLT3-L, FLT3 ligante; G-CSF, fator estimulante de colônias granulocíticas; GM-CSF, fator estimulante de colônias granulocíticas e macrofágicas; IL, interleuquina; M-CSF, fator estimulante de colônias macrofágicas; SCF, fator de célula-tronco; TNF, fator de necrose tumoral; VEGF, fator de crescimento do endotélio vascular. * Estes também agem sinergicamente com fatores anteriormente ativos em progenitores pluripotentes. Hoffbrand_6ed_01.indd 6Hoffbrand_6ed_01.indd 6 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 Fundamentos em Hematologia 7 Células do estroma são as principais fontes de fatores de crescimento, com exceção da eri- tropoetina – 90% são sintetizados no rim –, e da trombopoetina, sintetizada principalmente no fígado. Um aspecto importante da ação dos fa- tores de crescimento é que eles podem agir siner- gicamente no estímulo a proliferação ou diferen- ciação de uma célula em particular; além disso, a ação de um fator de crescimento em uma cé- lula pode estimular a produção de outro fator de crescimento ou de um receptor de fator. O SCF e o ligante de FLT (FLT-L) agem localmente nas células-tronco pluripotentes e nos progenitores primitivos mieloides e linfoides (Figura 1.7). A interleuquina-3 (IL-3) e o GM-CSF são fatores de crescimento multipotenciais com atividades parcialmente superpostas. O G-CSF e a trom- bopoetina aumentam os efeitos de SCF, FLT-L, IL-3 e GM-CSF na sobrevida e na diferenciação das células hematopoéticas primitivas. Esses fatores mantêm um pool de células- -tronco e células progenitoras hematopoéticas sobre o qual agem os fatores de ação tardia, a eritropoetina, o G-CSF, o M-CSF, a IL-5 e a trombopoetina, para aumentar a produção de uma ou outra linhagem em resposta às necessi- Ativação de fagocitose,destruição, secreção Proliferação Diferenciação Maturação Célula inicial Célula final G-CSF G-CSF G-CSF Supressão da apoptose Ativação funcional G-CSF Monócito Neutrófilo G-CSF Figura 1.6 Fatores de crescimento podem estimular a proliferação de células primitivas da medula óssea, dirigir a diferenciação para um ou outro tipo de célula, estimular a maturação celular, suprimir a apoptose ou afetar a função de células maduras pós-mitóticas, como ilustrado nesta figura para o fator estimulante de colônias granu- locíticas (G-CSF) em relação a um progenitor primitivo mieloide e a um neutrófilo. Hoffbrand_6ed_01.indd 7Hoffbrand_6ed_01.indd 7 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 8 A. V. Hoffbrand e P. A. H. Moss dades do organismo. A formação de granulócitos e monócitos, por exemplo, pode ser estimulada por infecção ou inflamação por meio da libera- ção de IL-1 e fator de necrose tumoral (TNF), os quais, por sua vez, estimulam células do es- troma a produzir fatores de crescimento em uma rede interativa (ver Figura 8.4). Contrariamente, citoquinas, como o fator de crescimento trans- formador-� (TGF-�) e o interferon-� (IFN-�) podem exercer um efeito negativo na hemato- poese e podem desempenhar algum papel no de- senvolvimento de anemia aplástica (ver p. 289). Receptores de fatores de crescimento e transdução de sinais Os efeitos biológicos dos fatores de crescimento são mediados por receptores específicos nas cé- lulas-alvo. Muitos receptores (p. ex., receptor de eritropoetina [EPO-R], GMCSF-R) pertencem à superfamília dos receptores hematopoéticos, que dimerizam após haver conexão com os res- pectivos ligantes. A dimerização do receptor leva à ativação de uma complexa série de vias de transdução de sinais intracelulares; as três principais são a via JAK/STAT, a via proteinoquinase ativada por mitogênio (MAP) e a via fosfatidil-inositol 3 (PI3) quinase (Figura 1.8; ver também Figu- ra 15.2). As proteinoquinases Janus-associadas (JAK) são uma família de quatro proteinoqui- nases tirosina-específicas que se associam aos domínios intracelulares dos receptores de fatores de crescimento (Figura 1.8). Uma molécula de fator de crescimento liga-se simultaneamente ao domínio extracelular de duas ou três moléculas receptoras, causando sua agregação. A agregação dos receptores induz à ativação dos JAKs, que, então, fosforilam membros do transdutor de sinal e do ativador de transcrição (STAT) da fa- mília dos fatores de transcrição. A consequência é a dimerização e a translocação destes, do cito- 3-LI3-LI TPO Plaquetas Monócitos Neutrófilos EosinófilosEritrócitos SCF EPO FSC-MGFSC-MG BFUEMeg CFUMeg CFUE BFUE PSC CFUM CFUG CFUGM M-CSF G-CSF IL-5 CFUEo CFU-GEMM CFU-GMEo Figura 1.7 Diagrama do papel dos fatores de crescimento na hematopoese normal. Múltiplos fatores de cresci- mento agem nas células-tronco primitivas e progenitoras da medula óssea. EPO, eritropoetina; PSC, célula-tronco pluripotente; SCF, fator de célula-tronco; TPO, trombopoetina. Para outras abreviaturas, ver a Figura 1.2. Hoffbrand_6ed_01.indd 8Hoffbrand_6ed_01.indd 8 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 Fundamentos em Hematologia 9 plasma para o núcleo, através da membrana nu- clear. Dentro do núcleo, dímeros STAT ativam a transcrição de genes específicos. Um modelo para o controle da expressão gênica por um fator de transcrição é mostrado na Figura 1.9. A im- portância clínica dessa via foi comprovada pelo achado de uma mutação que ativa o gene JAK2 como causa da policitemia vera (ver p. 203). JAK também pode ativar a via MAPK, que é regulada por Ras e controla a proliferação. Quinases PI3 fosforilam lipídios do inositol, os quais têm um amplo espectro de efeitos em Expressão gênica MYC, FOS MAP-quinase Apoptose bloqueada RAF RAS Dímeros ativos de STAT Ativação da expressão gênica STATs JAK JAK AKT Quinase PI3 Membrana plasmática Núcleo Fator de crescimento M 1G2G S Rb p53 Dano do DNA E2F Figura 1.8 Controle da hematopoese por fatores de crescimento. Os fatores agem em células que expressam o receptor correspondente. A ligação de um fator de crescimento a seu receptor ativa as vias JAK/STAT, MAPK e fosfatidil-inositol 3-quinase (PI3K) (ver Figura 15.2), o que provoca ativação transcricional de genes específicos. E2F é um fator de transcrição necessário para a transição celular da fase G1 para a fase S. E2F é inibido pelo gene tumor-supressor Rb (retinoblastoma), o qual pode ser ativado indiretamente por p53. A síntese e a degradação de diversas ciclinas (Figura 1.10) estimulam a célula a passar pelas diferentes fases do ciclo celular. Os fatores de crescimento também podem suprimir a apoptose pela ativação de AKT (proteinoquinase B). Hoffbrand_6ed_01.indd 9Hoffbrand_6ed_01.indd 9 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 10 A. V. Hoffbrand e P. A. H. Moss sequência, incluindo ativação de AKT, que cau- sa bloqueio da apoptose e outras ações (Figura 1.8; ver Figura 15.2). Domínios diferentes da proteína receptora intracelular podem sinalizar para diferentes processos, como proliferação ou supressão da apoptose, mediados por fatores de crescimento. Um segundo grupo, menor, de fatores de crescimento, incluindo SCF, FLT-3L e M-CSF (Tabela 1.3), liga-se a receptores que têm um domínio extracelular semelhante ao das imuno- globulinas, ligado por uma ponte transmembra- na a um domínio tirosinoquinase citoplásmico. A ligação de fatores de crescimento resulta na dimerização desses receptores e na consequen- te ativação do domínio da tirosinoquinase. A fosforilação de resíduos de tirosina no próprio receptor gera sítios de ligação para proteínas si- nalizadoras que iniciam complexas cascatas de eventos bioquímicos, resultando em alterações na expressão gênica, na proliferação celular e na prevenção da apoptose. O ciclo celular O ciclo de divisão celular, em geral designado simplesmente como ciclo celular, é um pro- cesso complexo que se situa no núcleo da he- matopoese. A desregulação da proliferação ce- lular também é a chave do desenvolvimento de neoplasias malignas. A duração do ciclo celular varia de tecido para tecido, mas os princípios básicos são comuns a todos. O ciclo é dividido em uma fase mitótica (fase M), durante a qual a célula divide-se fisicamente, e uma interfase, durante a qual os cromossomos duplicam-se e a célula cresce antes da divisão (Figura 1.10). A fase M é subdividida em mitose, na qual se divide o núcleo, e citoquinese, em que ocorre a fissão celular. A interfase é dividida em três estágios prin- cipais: fase G1, na qual a célula começa a orien- tar-se no sentido da replicação; fase S, durante a qual é duplicado o conteúdo de DNA (Figura 1.10b) e os cromossomos replicam-se; e fase G2, na qual as organelas são copiadas, aumentando o volume citoplasmático. Se as células repousa- rem antes da divisão, elas entram em um estágio G0, em que podem permanecer por longos pe- ríodos. O número de células em cada estágio do ciclo pode ser avaliado pela exposição da célula a um agente químico ou a um marcador radioa- tivo que se incorpore ao DNA recém-formado ou por citometria em fluxo. O ciclo celular é controlado em dois checkpoints, que agem como freios para co- ordenar o processo de divisão no fim das fases G1 e G2. Duas classes principais de moléculas controlam esses checkpoints, proteinoquinases ciclina-dependentes (Cdk), que fosforilam alvos proteicos em sequência, e ciclinas, que se ligam às Cdks e regulam sua atividade. Um exemplo da importância desses sistemas é de- RNA-polimerase + Fatores acessórios Transcrição Domínio de ligação com DNA Domínio de transativação Amplificadorde sequência de DNA Caixa de sequência TATA (promotor) Gene estrutural Figura 1.9 Modelo para controle de expressão gênica por um fator de transcrição. O domínio de ligação com DNA de um fator de transcrição liga uma sequência amplificadora específica adjacente a um gene estrutural. O domínio de transativação então liga uma molécula de RNA-polimerase, aumentando sua ligação com a caixa TATA. A RNA- -polimerase inicia a transcrição do gene estrutural para formar mRNA. A translação do mRNA pelo ribossomo gera a proteína codificada pelo gene. Hoffbrand_6ed_01.indd 10Hoffbrand_6ed_01.indd 10 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 Fundamentos em Hematologia 11 monstrado pelo linfoma de células do manto que resulta da ativação constitucional da ciclina D1 como resultado de uma translocação cro- mossômica (ver p. 266). Apoptose Apoptose (morte celular programada) é um processo regulado de morte celular fisiológica pelo qual células individuais são estimuladas a ativar proteínas intracelulares que levam à pró- pria morte. Morfologicamente, é caracteriza- da por encolhimento celular, condensação da cromatina nuclear, fragmentação do núcleo e quebra do DNA em sítios internucleossômicos. É um processo importante de manutenção da homeostasia tecidual na hematopoese e no de- senvolvimento de linfócitos. A apoptose resulta da ação de cisteína-pro- teases intracelulares, chamadas de caspases, que são ativadas depois da clivagem e levam à diges- tão de DNA por endonuclease e desintegração do esqueleto celular (Figura 1.11). Há duas vias principais pelas quais as caspases são ativadas. A primeira é a sinalização por meio de proteínas da membrana como Fas ou receptor de TNF via seu domínio de morte intracelular. Um exem- plo desse mecanismo é mostrado por células T citotóxicas ativadas, expressando ligante FAS que induz apoptose em células-alvo. A segun- da via faz-se pela liberação de citocromo c das mitocôndrias. O citocromo c liga-se à APAF-1 que, então, ativa as caspases. O dano ao DNA induzido por irradiação ou por quimioterapia pode agir por essa via. A proteína p53 tem um papel importante em “sentir” quando há dano ao DNA. Ela ativa a apoptose, aumentando o nível celular de BAX, que estimula a liberação de citocromo c (Figura 1.11) e bloqueia o ciclo celular, impedindo que a célula lesada se divida (Figura 1.8). O nível celular de p53 é rigida- mente controlado por uma segunda proteína, MDM2. Depois da morte, as células apoptó- ticas expõem moléculas que levam à ingestão pelos macrófagos. Tal como as moléculas que favorecem apoptose, há várias proteínas intracelulares que protegem as células contra a apoptose. O exem- plo mais bem-caracterizado é a BLC-2, protó- tipo de uma família de proteínas relacionadas, algumas das quais são antiapoptóticas, e outras, como a BAX, que são pró-apoptóticas. A rela- ção intracelular de BAX e BCL-2 determina a suscetibilidade relativa das células à apoptose (p. ex., determina a sobrevida de plaquetas) e pode agir pela regulação da liberação de cito- cromo c pelas mitocôndrias. Muitas das alterações genéticas associa- das a doenças malignas diminuem o índice de apoptose e prolongam a sobrevida celular. O M Fase M G2 G1 G0 S Interfase (a) (b) Cdk2 Cdk2 Cdk2 Ciclina A Ciclina B Ciclina E Fase do ciclo celular G1 S G2 MC o n te ú d o d e D N A 4c 2c Figura 1.10 (a) Estágios do ciclo celular. A progressão por meio do ciclo celular é regulada por combinações específicas de proteinoquinases ciclina-dependentes (Cdk) e proteinociclinas. A síntese e a degradação de diferentes ciclinas estimulam a célula a passar por meio das diferentes fases do ciclo, embora o papel exato de cada heterodímer ainda não esteja estabele- cido. (b) Relação entre o conteúdo de DNA da célula, expresso em unidades arbitrárias como 2c aumentan- do para 4c, e sua posição no ciclo celular. (Adaptada de Wickramasinghe S.N. [1975] Human Bone Marrow, Blackwell Scientific, Oxford, p. 13.) Hoffbrand_6ed_01.indd 11Hoffbrand_6ed_01.indd 11 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 12 A. V. Hoffbrand e P. A. H. Moss exemplo mais claro é a translocação do gene da BCL-2 para o lócus da cadeia pesada de imuno- globulina na translocação t(14; 18) no linfoma folicular. A superexpressão da proteína BCL-2 torna as células B malignas menos suscetíveis à apoptose. A apoptose é o destino normal da maioria das células B que são selecionadas nos centros germinativos linfoides. Várias translocações que levam à fusão de proteínas, como t(9; 22), t(1; 14) e t(15; 17), também resultam em inibição da apoptose (ver Capítulo 11). Além disso, genes que codificam proteínas envolvidas na mediação de apopto- se quando há dano ao DNA, como a p53 e a ATM, também sofrem mutações frequentes e podem ficar inativos em doenças hematopoéti- cas malignas. Necrose é a morte celular com células ad- jacentes devido a isquemia, trauma químico ou hipertermia. As células incham e há perda da integridade da membrana plasmática. Em geral, há um infiltrado inflamatório em resposta à li- beração dos conteúdos celulares. A autofagia é a digestão de organelas celulares por lisossomos. Pode estar envolvida em morte celular, mas, em algumas situações, também na manutenção da sobrevida celular por nutrientes reciclados. Fatores de transcrição Fatores de transcrição regulam a expressão gê- nica pelo controle da transcrição de genes es- pecíficos ou de famílias de genes. Contêm ao menos dois domínios: um domínio de ligação ao DNA, como um zíper de leucina ou hélice- -alça-hélice, que se liga a uma sequência especí- fica do DNA, e um domínio de ativação, que contribui para a montagem do complexo de transcrição em um gene promotor (Figura 1.9). Mutação, deleção ou translocação de fatores de BCL-2 BCL-2 aumentada Fator de sobrevivência (p. ex., fator de crescimento) Fator de morte (p. ex., ligante FAS) Liberação de citocromo c Inibe Domínio de morte Procaspases Caspases APOPTOSE Dano ao DNA Fármacos citotóxicos Radiação Expressão do gene BAX Proteína BAX aumentada p53 Figura 1.11 Representação da apoptose. A apoptose é iniciada via dois estímulos principais: (i) sinal por meio de receptores da membrana celular como receptor de FAS ou fator de necrose tumoral (TNF) ou (ii) liberação de citocromo c da mitocôndria. Os receptores de membrana sinalizam apoptose por um domínio intracelular de morte levando à ativação de caspases que digerem DNA. O citocromo c liga-se à proteína citoplasmática Apaf-1, levando à ativação de caspases. A relação intracelular de pró-apoptóticos (p. ex., BAX) e antiapoptóticos (p. ex., BCL-2) da família BCL-2 pode influenciar a liberação de citocromo c. Fatores de crescimento aumentam o nível de BCL-2, inibindo a liberação de citocromo c, enquanto o dano de DNA, ativando a p53, aumenta o nível de BAX que, por sua vez, aumenta a liberação de citocromo c. Hoffbrand_6ed_01.indd 12Hoffbrand_6ed_01.indd 12 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 Fundamentos em Hematologia 13 transcrição são a causa subjacente de muitos ca- sos de neoplasias hematológicas. Moléculas de adesão Uma grande família de moléculas de glicopro- teínas, chamadas moléculas de adesão, medeia a ligação de células precursoras da medula, leu- cócitos e plaquetas a vários componentes da matriz extracelular, ao endotélio, a outras super- fícies e umas às outras. As moléculas de adesão na superfície de leucócitos são denominadas re- ceptores e interagem com moléculas (chamadas ligantes) na superfície de células-alvo potenciais. Há três famílias principais: 1 Superfamília de imunoglobulinas Inclui receptores que reagem com antígenos (re- ceptores de células T eimunoglobulinas) e moléculas superficiais de adesão indepen- dentes de antígenos. 2 Selectinas São principalmente envolvidas na adesão de leucócitos e plaquetas ao en- dotélio na inflamação e na coagulação. 3 Integrinas São envolvidas na adesão celular à matriz extracelular, por exemplo, ao colá- geno na cicatrização de feridas e na adesão de leucócitos e de plaquetas. As moléculas de adesão são importantes no desenvolvimento e na manutenção das respos- tas inflamatória e imunológica e nas interações de plaquetas e leucócitos com a parede dos va- sos. A expressão de moléculas de adesão pode ser modificada por fatores extra e intracelulares – e essa alteração pode ser quantitativa ou fun- cional. A expressão dessas moléculas pode ser aumentada por IL-1, TNF, interferon-�, ativa- ção de células T, adesão a proteínas extracelula- res e infecção viral. O padrão de expressão das moléculas de adesão em células tumorais pode determinar seu modo de disseminação e sua localização tecidual, por exemplo, o padrão de metástases de células carcinomatosas e de células de lin- fomas em padrão folicular ou difuso. As mo- léculas de adesão também podem determinar que as células circulem na corrente sanguínea ou permaneçam fixas no tecido. Há, também, a possibilidade de determinarem parcialmente a suscetibilidade de células tumorais às defesas imunológicas do organismo. RESUMO � A hematopoese (formação das células sanguíneas) origina-se de células-tronco pluripotentes na medula óssea. Células-tronco dão origem a células progenitoras que, após divisão e diferenciação, formam eritrócitos, granulócitos (neutrófilos, eosinófilos e basófilos), monócitos, plaquetas e linfócitos B e T. � O tecido hematopoético ocupa cerca de 50% do espaço medular na medula óssea normal do adulto. A hematopoese no adulto é confinada ao esqueleto central; em lactentes e crianças jovens, o tecido hematopoético extende-se pelos ossos longos dos membros superiores e inferiores. � Células-tronco residem na medula óssea em nichos formados por células do estroma e, em pequeno número, circulam no sangue. � Fatores de crescimento ligam-se a receptores celulares específicos e produzem uma cascata de eventos de fosforilação no núcleo celular. Fatores de transcrição conduzem a mensagem aos genes que devem ser ativados para estimular divisão celular, diferenciação, atividade funcional ou suprimir apoptose. Hoffbrand_6ed_01.indd 13Hoffbrand_6ed_01.indd 13 16/07/12 13:4516/07/12 13:45 14 A. V. Hoffbrand e P. A. H. Moss � Fatores de transcrição são moléculas que se ligam ao DNA e controlam a transcrição de genes específicos ou de famílias de genes. � Apoptose é um processo fisiológico de morte celular decorrente da ativação de caspases. A relação intracelular entre proteínas pró-apoptóticas (p. ex., BAX) e proteínas antiapoptóticas (p. ex., BCL-2) determina a suscetibilidade da célula à apoptose. � Moléculas de adesão são uma ampla família de glicoproteínas que medeiam o acoplamento de precursores mieloides, leucócitos maduros e plaquetas à matriz extracelular, ao endotélio – e uns aos outros. Acesse www.wiley.com/go/essentialhaematology (em inglês) para testar seus conhecimentos sobre este capítulo. Hoffbrand_6ed_01.indd 14Hoffbrand_6ed_01.indd 14 16/07/12 13:4516/07/12 13:45
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