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ALERGIA ALIMENTAR 4

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ALERGIA ALIMENTAR
ELISA DE CARVALHO
CRISTINA TARGA FERREIRA
■ INTRODUÇÃO
A alergia alimentar (AA) é um tema importante em pediatria, pois pode se associar a importante morbidade, com impacto negativo na sobrevida e na qualidade de vida da criança, se não for tratada adequadamente.1,2
A AA é uma reação adversa, imunologicamente mediada, à proteína alimentar.1,2 A reação adversa ao alimento consiste em resposta clínica anormal, desencadeada pela ingestão desse alimento, e é classificada em alergia e intolerância.
A AA é decorrente de mecanismos imunológicos – mediados por imunoglobulina E (IgE), não mediados por IgE e mistos. Em geral, são reproduzíveis e, na maioria das vezes, não são dose-dependentes. As reações de intolerância são decorrentes das propriedades inerentes dos alimentos (componentes farmacologicamente ativos) ou das características dos hospedeiros (desordens metabólicas, reações idiossincrásicas ou psicológicas). De modo diferente das alergias, essas reações, muitas vezes, não são reproduzíveis e podem ser dose-dependentes.1,2 A Figura 1 ilustra tais conceitos.
Figura 1 – Classificação, mecanismos e manifestações clínicas das reações adversas aos alimentos. EIPA: enteropatia induzida por proteína alimentar.
Fonte: Adaptada de Cianferoni e Spergel (2009).1
A prevalência da AA é difícil de ser estabelecida, pois os estudos publicados aplicam diferentes critérios de inclusão, definições e métodos diagnósticos. Apesar dessas dificuldades, sabe-se que a prevalência da AA é maior em lactentes e crianças (6 a 8%) e decresce com a idade, acometendo 4% dos adultos. O risco de desenvolvimento de atopia em recém-nascidos (RNs) e lactentes aumenta, se um dos pais ou irmão tiver doença atópica, para 20 a 40% e 25 a 35%, respectivamente; é ainda maior se ambos os pais forem atópicos (40-60%).1,3
De modo importante, nos últimos 10 a 15 anos, houve um aumento da prevalência das doenças atópicas, como asma, dermatite atópica e AA. O curto período de tempo em que ocorreu essa mudança sugere que os fatores ambientais devem estar mais envolvidos do que os genéticos, entre eles:
 
■ modo de preparo dos alimentos;
■ aumento do uso de antiácidos;
■ exposição a cremes medicinais contendo alérgenos alimentares;
■ composição da microbiota;
■ deficiência de vitamina D;
■ hipótese da higiene.
A hipótese da higiene sugere que, em ambientes de acentuada limpeza e higiene, a falta de exposição aos microrganismos ou seus produtos diminui o estímulo para células T auxiliares 1 (Th1, do inglês T helper 1), o que altera a relação Th1/Th2, aumentando a resposta Th2 e favorecendo o desenvolvimento da atopia e das manifestações alérgicas. Outros conhecimentos importantes referem-se ao papel dos linfócitos T reguladores, do TBF-β ne das células dendríticas tolerogênicas na indução e na manutenção dos mecanismos de tolerância.3
Os alérgenos alimentares mais comuns são:3
 
■ o leite de vaca;
■ a soja;
■ os ovos;
■ o trigo;
■ o amendoim;
■ as nozes;
■ os peixes e os frutos do mar;
■ a proteína do leite de vaca (PLV), especialmente em crianças.
Quanto ao tratamento da AA, atualmente, a única alternativa terapêutica estabelecida é a dieta de exclusão dos alérgenos. Para orientação alimentar, devem-se levar em consideração a idade do paciente, suas necessidades nutricionais e capacidade absortiva.
O que se observa na prática clínica é que, muitas vezes, os casos de intolerância alimentar confundem-se com os de alergia, especialmente da intolerância à lactose com a alergia à proteína do leite de vaca (APLV), o que pode superestimar o diagnóstico de AA pelos pacientes e suas famílias.4 Por outro lado, a suspeição de AA é, muitas vezes, esquecida nos cuidados primários da criança, o que atrasa o diagnóstico, trazendo prejuízos importantes para os pacientes.5,6
A intolerância alimentar e a AA diferem entre si quanto à fisiopatologia, às manifestações clínicas, às complicações, ao diagnóstico e ao tratamento. O esclarecimento de tais conceitos, aliado ao conhecimento das diversas fórmulas infantis disponíveis no mercado, é de extrema importância para que o pediatra aborde corretamente as situações, enfatizando, prioritariamente, a necessidade e a importância do aleitamento materno, antes de qualquer alternativa de dieta, sempre que possível.
■ OBJETIVOS
Ao final da leitura deste artigo, espera-se que o leitor seja capaz de:
 
■ conceituar as reações adversas aos alimentos, a AA e a intolerância alimentar;
■ identificar as diferenças entre a AA (mediada e não mediada pela IgE) e as várias etiologias da intolerância à lactose;
■ identificar as manifestações clínicas da AA que sugerem a suspeição diagnóstica;
■ avaliar a abordagem diagnóstica correta das diferentes apresentações da AA;
■ indicar a terapêutica das diversas manifestações clínicas da AA;
■ indicar a melhor fórmula infantil para o paciente, se o aleitamento materno não for possível;
■ reconhecer quando se deve fazer o enfrentamento e por quanto tempo manter a dieta de eliminação;
■ reconhecer e saber utilizar as diferentes opções de fórmulas infantis, poliméricas e oligoméricas, com e sem lactose, para RNs e lactentes, disponíveis no mercado brasileiro para tratamento das reações adversas aos alimentos.
■ ESQUEMA CONCEITUAL
■ RELATOS DE CASOS
A seguir, são apresentados dois casos clínicos sobre AA, a partir dos quais serão abordadas as principais informações referentes ao tema.
■ CASO CLÍNICO 1
Paciente do sexo masculino com 11 meses de idade foi admitido em hospital com queixa principal de diarreia há seis meses.
História da doença atual (HDA): segundo os pais, a criança vinha apresentando diarreia desde os 5 meses de idade, com média de cinco evacuações/dia, sem sangue ou muco. Os pais referiam diminuição do ganho de peso e negavam vômitos e febre.
Antecedentes: a criança nasceu de parto cesáreo, em boas condições, com 3.140g. Apresentou crises de broncoespasmo no passado e pneumonia aos 8 meses. A mãe relatou que tinha diarreia quando consomia muito leite de vaca, que o pai era asmático e o irmão apresentava dermatite atópica.
Histórico alimentar: o bebê recebeu leite materno exclusivo e total até 4 meses, quando foi iniciada a administração de fórmula infantil polimérica à base de PLV. Aos 5 meses, foram introduzidas as frutas e a papa de sal (arroz ou macarrão, legumes, verduras, feijão e carne). Aos 7 meses, o leite foi trocado por fórmula polimérica de PLV sem lactose.
Exame físico:
 
■ peso – 6.700g;
■ estatura – 71cm;
■ criança eupneica, hidratada, afebril, pálida, acianótica, ativa e distrófica;
■ exame segmentar – abdome distendido, timpânico à percussão, sem visceromegalias;
■ assadura perianal;
■ cabelos fracos e quebradiços;
■ sem outras alterações.
■ TERAPÊUTICA DO CASO 1
CONDUTAS NO CASO 1
Tendo em vista o quadro de diarreia crônica em lactente, após introdução da PLV aos 4 meses de vida, e os antecedentes familiares de atopia, a hipótese mais provável é de APLV. Como diagnóstico diferencial, devem ser avaliadas, especialmente, as possibilidades de fibrose cística (manifestações respiratórias) e doença celíaca (uso de glúten). Outros diagnósticos a serem considerados são gastrenteropatia eosinofílica, linfangiectasia intestinal, imunodeficiências e doença de Crohn. A última é menos frequentemente observada nessa faixa etária.
Como o diagnóstico de AA baseia-se no quadro clínico compatível e na exclusão de outras doenças, o paciente foi submetido aos seguintes exames para avaliar as outras hipóteses diagnósticas:
 
■ fibrose cística – teste de suor normal (duas vezes);
■ imunodeficiência – imunoglobulinas (normais) e anti-HIV (negativo);
■ doença celíaca – antitransglutaminase (negativo);
■ enteropatias – biópsia intestinal, que demonstrou atrofia vilositária e ausência de linfócitos intraepiteliais.
Após os resultados dos exames, pela hipótese diagnóstica de APLV, o paciente foi mantido com dieta de exclusão da PLV, sendo utilizada fórmula extensamente hidrolisada(FeH) sem lactose.
EVOLUÇÃO DO PACIENTE DO CASO 1
O paciente não apresentou melhora clínica; portanto, foi suspensa a FeH e iniciada a administração de fórmula de aminoácidos (FAA). A criança evoluiu bem, com melhora da diarreia e recuperação nutricional. Após dois meses do uso de FAA, foi introduzida a FeH sem lactose, que a criança aceitou bem. Sequencialmente, foi trocada por FeH com lactose, com boa evolução.
ACERTOS E ERROS NO CASO 1
Inicialmente, o erro consistiu em conduzir uma criança com APLV, com manifestação digestiva definida como EIPA, uma reação não mediada pela IgE, como se fosse intolerância à lactose, pois foi introduzida fórmula com proteína polimérica do leite de vaca sem lactose.
Os acertos que merecem destaque na conduta foram:
 
■ iniciar tratamento para APLV (FeH e FAA);
■ reintroduzir a FeH sem lactose após melhora clínica;
■ progredir para FeH com lactose posteriormente.
COMENTÁRIOS DO CASO 1
A EIPA é, em geral, decorrente da APLV, mas se deve também considerar a alergia aos outros alimentos, especialmente à soja. Ocorre mais frequentemente nos primeiros meses de vida, após o desmame e o início das fórmulas com leite de vaca ou soja. As manifestações clínicas podem tornar-se evidentes semanas ou até mais de um mês após o início da introdução do alérgeno, pois consiste em reação tardia, mediada por células.3
A EIPA é uma síndrome de má absorção, de início insidioso, caracterizada pela presença de diarreia crônica (fezes aquosas e ácidas), vômitos, anemia, distensão abdomi­nal, eritema perianal, perda de peso e/ou insuficiência do crescimento.3
De modo semelhante à doença celíaca, a EIPA pode cursar com:3
 
■ esteatorreia;
■ enteropatia perdedora de proteínas;
■ hipoalbuminemia;
■ edema;
■ variáveis graus de desnutrição.
Quanto ao diagnóstico da EIPA, na avaliação histológica da mucosa intestinal, observa-se infiltrado inflamatório constituído por linfócitos, plasmócitos, mastócitos e eosinófilos. Além disso, pode ocorrer atrofia das vilosidades intestinais em diferentes graus. Nos casos de lesão vilositária importante, para o diagnóstico diferencial com a doença celíaca, devem-se levar em consideração o número de linfócitos intraepiteliais, os anticorpos antiendomísio e antitransglutaminase, bem como o antígeno leucocitário humano (HLA) DQ2 e DQ8.3
A atrofia das vilosidades intestinais tem como consequências:3
 
■ a diminuição da superfície absortiva;
■ a redução da concentração das dissacaridases;
■ o aumento da permeabilidade da barreira intestinal, que facilita a absorção de macromoléculas e propicia a sensibilização às outras proteínas alimentares, o que perpetua a resposta imune alérgica, mantendo um ciclo vicioso.
A redução das enzimas digestivas decorrente da lesão das vilosidades ocasiona má absorção dos dissacarídeos (lactose e/ou sacarose) e, nos casos mais graves, dos monossacarídeos. Por esse motivo, a diarreia é aquosa, as fezes são ácidas e o lactente, em geral, apresenta distensão abdominal e assadura perianal. Tais aspectos são temporários, desaparecendo após a recuperação das microvilosidades e das vilosidades intestinais.
Nesses casos, deve ficar claro, inclusive para a família, que:
 
■ a intolerância à lactose é secundária à agressão intestinal ocasionada pela AA; dessa forma, as fórmulas com PLV e sem lactose não são indicadas para o tratamento. Não se trata de “alergia à lactose”, entidade que não existe;
■ as lesões das vilosidades são reversíveis e se recuperam com a dieta de eliminação dos antígenos alimentares (alimentos alergênicos), no caso, a PLV;
■ após a recuperação da mucosa intestinal, a capacidade absortiva, inclusive para dissacarídeos e monossacarídeos, é restabelecida. O tempo de recuperação é variável, na dependência do grau da lesão.
O tratamento da EIPA baseia-se na dieta de restrição dos alérgenos, mantendo-se a nutrição adequada. Para definição da fórmula infantil, deve-se levar em consideração o potencial alergênico e as características nutricionais da fórmula, bem como a capacidade de digestão e absorção do paciente para todos os nutrientes, incluindo os dissacarídeos/monossacarídeos, que dependem do grau de lesão da mucosa. Assim, nas fases iniciais do tratamento, além da exclusão do(s) alérgeno(s), pode ser necessária a suspensão dos dissacarídeos (lactose e/ou sacarose). Nos casos mais graves, está indicado o uso de fórmulas de aminoácidos ou até mesmo de nutrição parenteral.
A evolução com a dieta adequada usualmente é satisfatória. A Figura 2 ilustra o desenvolvimento e a evolução da EIPA.
Figura 2 – Os antígenos alimentares, continuamente absorvidos pela mucosa intestinal, são processados e transportados por via linfática para os nódulos mesentéricos ou pela veia porta para o fígado. Conforme a resposta imune, são desencadeados mecanismos de tolerância ou alergia. A barreira intestinal intacta, a imunoglobulina A secretora (IgAS), as células dendríticas tolerogênicas, a secreção de interleucina 10 (IL-10), o fator de transformação do crescimento beta (TGF-β), os linfócitos T reguladores e outros mecanismos de tolerância favorecem o controle da inflamação e a manutenção da integridade da mucosa intestinal. Em contraste, a deficiência dos mecanismos de tolerância desencadeia uma resposta imune alérgica, que ocasiona atrofia das vilosidades e aumenta a permeabilidade da mucosa, favorecendo a absorção de antígenos e iniciando um ciclo vicioso, que pode ser interrompido com a dieta de eliminação do alérgeno. A retirada deste promove a recuperação da integridade da mucosa intestinal e da sua capacidade absortiva.
Fonte: Adaptada de Carvalho e Ferreira (2012).3
A lactose é um açúcar e não desencadeia AA. A PLV pode ocasionar AA; neste caso, a intolerância à lactose pode ser um evento secundário à lesão das vilosidades intestinais, induzida pelas respostas inflamatórias da alergia.
 
	
1. Por que o paciente do caso 1 desenvolveu AA?
Confira aqui a resposta
 
2. Por que não foram realizados testes alérgicos (pesquisa de anticorpo IgE específico) na avaliação diagnóstica do paciente?
A) Foi uma falha na condução do caso. A pesquisa do anticorpo IgE específico é essencial para o diagnóstico de AA.
B) Porque esses testes tem alto valor preditivo positivo e baixo valor preditivo negativo para o diagnóstico de AA.
C) Pelo fato de a EIPA ser uma reação não mediada pela IgE.
D) Porque é alto o número de falsos negativos dos testes alérgicos (anticorpo IgE específico).
Confira aqui a resposta
 
3. Por que a criança não apresentou resposta satisfatória com uso da FeH?
A) Porque apenas 10% dos pacientes com APLV respondem bem às FeHs para tratamento de APLV.
B) Porque, nos casos mediados por IgE, a resposta à FeH não é satisfatória.
C) Nos quadros avançados de EIPA, com lesão vilositária importante e desnutrição, a possibilidade de a criança não responder às FeHs aumenta.
D) Porque a FeH tem alto residual alergênico.
Confira aqui a resposta
 
4. Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) nas afirmativas a seguir sobre à EIPA:
(  ) A EIPA constitui uma síndrome de má absorção, de início abrupto, caracterizada pela presença de diarreia crônica (fezes aquosas e ácidas), vômitos, anemia, distensão abdomi­nal, eritema perianal, perda de peso e/ou insuficiência do crescimento.
(  ) De modo semelhante à doença celíaca, a EIPA pode cursar com esteatorreia, enteropatia perdedora de proteínas, hiperalbuminemia, edema e variáveis graus de desnutrição.
(  ) Quanto ao diagnóstico da EIPA, na avaliação histológica da mucosa intestinal, observa-se infiltrado inflamatório, pode ocorrer atrofia das vilosidades intestinais em diferentes graus e, nos casos de lesão vilositária importante, para o diagnóstico diferencial com a doença celíaca, devem-se levar em consideração o número de linfócitos intraepiteliais, os anticorpos antiendomísio e antitransglutaminase, bem como o HLA DQ2 e DQ8.
(  ) Nas fases iniciais do tratamento, baseado na dieta de restrição dos alérgenos, mantendo-sea nutrição adequada além da exclusão do(s) alérgeno(s), pode ser necessária a suspensão dos dissacarídeos (lactose e/ou sacarose) e, nos casos mais graves, está indicado o uso de fórmulas de aminoácidos ou até mesmo de nutrição parenteral.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:
 
A) V – F – V – F.
B) F – F – V – V.
C) F – V – F – V.
D) V – V – F – F.
Confira aqui a resposta
 
5. O que se espera da evolução do paciente: tornar-se tolerante ou manter-se com alergia à PLV?
Confira aqui a resposta
 
	
■ CASO CLÍNICO 2
Paciente do sexo feminino com 4 meses chegou para atendimento com queixa principal de sangue nas fezes há um mês.
HDA: segundo a mãe, a criança evoluiu bem até 3 meses de idade, quando iniciou quadro de enterorragia (sangue vivo nas fezes). A mãe referiu que a criança vinha apresentando, associados ao quadro, irritabilidade e choro frequente, mas com boa evolução ponderoestatural.
Antecedentes: criança nascida de parto cesáreo, em boas condições, com índice de Apgar 8 e 10, 3.550g e 48cm. Mãe GIII PII AI (gestação/parto/aborto) saudável. Pai com relato de rinite alérgica e sinusites de repetição. Irmã de 3 anos que apresenta dor abdominal e vômitos, desencadeados pela ingestão de leite de vaca.
Histórico alimentar: a lactente manteve aleitamento materno exclusivo até os 3 meses de idade. A mãe permaneceu com dieta oral livre nos primeiros dois meses, quando foi orientada a fazer dieta de exclusão de leite de vaca e derivados, pelo choro e irritabilidade da criança. Tendo em vista a volta da mãe ao trabalho, aos 3 meses, foi iniciada fórmula infantil polimérica com PLV sem lactose, mantida até hoje.
Exame físico:
 
■ peso – 6.180g;
■ estatura – 61cm;
■ criança em bom estado geral, eupneica, hidratada, afebril, acianótica, descorada (+/4+), anictérica, ativa e eutrófica;
■ sem alterações no exame segmentar.
■ TERAPÊUTICA DO CASO 2
CONDUTAS NO CASO 2
No caso apresentado, o diagnóstico sindrômico que orienta o diagnóstico diferencial etiológico é o de enterorragia, de pequena monta, em lactente com bom estado geral. Nesse contexto, o sangramento retal é um problema comum em lactentes, mesmo em aleitamento materno exclusivo, e seu diagnóstico diferencial inclui:
 
■ fissuras anais;
■ colite infecciosa;
■ distúrbios de coagulação;
■ doença inflamatória intestinal;
■ pólipos intestinais;
■ lesões vasculares da mucosa intestinal;
■ divertículo de Meckel;
■ AA.
Tendo em vista a dieta livre da mãe nutriz nos primeiros meses de vida, os antecedentes familiares de atopia, a presença de sangue vivo nas fezes em lactente com bom estado geral e boa evolução ponderoestatural, foi feita a suspeição de proctocolite por APLV.
Para a avaliação geral da criança, foram solicitados os exames que demonstraram:
 
■ hemograma com eosinofilia;
■ plaquetose;
■ velocidade de hemossedimentação elevada;
■ ferro sérico, ferritina e saturação de transferrina diminuídos;
■ coeficiente internacional normatizado (INR) normal.
Com base nos dados descritos, foi feita a suspeição diagnóstica de proctocolite por APLV, e orientou-se o uso de FeH com lactose.
EVOLUÇÃO DA PACIENTE DO CASO 2
A criança apresentou evolução satisfatória, com diminuição progressiva do sangramento, até completa remissão dos sinais e sintomas. Posteriormente, foram introduzidas papa de frutas e papa principal, com boa aceitação.
ACERTOS E ERROS NO CASO 2
Assim como no caso clínico 1, a criança portadora de APLV (proctocolite alérgica) recebeu tratamento direcionado para intolerância à lactose, pois foi iniciada fórmula infantil polimérica com PLV sem lactose. É importante lembrar que a intolerância à lactose ocasiona apenas a má absorção desse dissacarídeo e não tem o potencial de desencadear uma lesão tecidual com enterorragia. Além disso, para a recuperação da mucosa, é necessária a exclusão dos alérgenos, nesse caso, a PLV. Vale comentar outro erro da conduta inicial: a prescrição de fórmula de PLV polimérica em lactente cuja mãe estava orientada a manter dieta de restrição da PLV.
Um acerto na conduta foi iniciar FeH com lactose, pois, nos casos de proctocolite alérgica, sem comprometimento do intestino delgado, a capacidade absortiva dos dissacarídeos, como a lactose, está preservada. Esses aspectos serão mais detalhados ao longo deste artigo.
COMENTÁRIOS DO CASO 2
Trata-se de um caso de APLV, com manifestação digestiva, a proctocolite alérgica, uma reação não mediada pela IgE, de caráter intermediário ou tardio. Esse é um quadro de início insidioso, que pode aparecer dias ou semanas após a introdução do alérgeno. Acomete, especialmente, RNs e lactentes nos primeiros três meses de vida, estando 50% deles em uso de leite materno exclusivo. Nesses casos, pensa-se que a sensibilização ao leite de vaca possa ser induzida pela betalactoglobulina, uma PLV presente no leite materno de mães que ingerem leite de vaca. Assim, não se trata de alergia ao leite materno, mas de alergia às proteínas alimentares ingeridas pela mãe nutriz e presentes no leite materno.
Os pacientes portadores de proctite ou proctocolite alérgicas apresentam, em geral, enterorragia, com estado geral satisfatório e ganho de peso adequado. O sangramento, na maioria das vezes, é de pequena intensidade, caracterizado por raias de sangue nas fezes ou diarreia com muco e sangue, muitas vezes acompanhado de cólica, irritabilidade e choro excessivo.
Na prática clínica, não existe uma obrigatoriedade de testes endoscópicos, pois o diagnóstico é feito, na maioria das vezes, presuntivamente, em lactentes com sangramento retal, aparentemente “saudáveis”, sem toxemia ou febre, que não apresentem fissura anal ou colite infecciosa.
Os exames diagnósticos mais invasivos devem ser solicitados em casos selecionados. Nos casos mais graves (sangramento de maior intensidade) ou naqueles refratários à dieta de eliminação, deve-se solicitar a retossigmoidoscopia/colonoscopia, exame que pode demonstrar a presença de enantema, erosões e ulcerações da mucosa. É comum haver associação com hiperplasia nodular linfoide. Do ponto de vista histológico, a colite alérgica caracteriza-se pela presença de infiltrado inflamatório, predominantemente eosinofílico, com erosões no epitélio, microabscessos e fibrose.3
Quanto ao tratamento, pelos vários benefícios do leite materno, não se deve desmamar a criança, mas sim orientar a dieta de restrição para a mãe nutriz, com suplementação de cálcio. Os pacientes são alérgicos, habitualmente, apenas ao leite de vaca e apresentam evolução satisfatória, com resolução dos sintomas, após a retirada desse alimento da dieta da mãe. Em torno de 20% dos casos podem necessitar de outras restrições, como soja, ovo e/ou outros alimentos.7
Nos pacientes em uso de fórmulas à base de leite de vaca ou soja, recomenda-se a mudança destas para as FeHs. Apenas nos casos mais graves ou naqueles refratários ao uso dos hidrolisados está indicada a FAA. Em geral, a evolução é satisfatória, com resolução dos sintomas em meses.7
A lactose está presente no leite materno independentemente da dieta materna. A exclusão do leite de vaca e de derivados da dieta da mãe nutriz evita que as proteínas do leite de vaca ingeridas pela mãe passem para o lactente pelo leite materno, mas não influenciam o teor de lactose do leite materno.
 
	
6. Por que foi feita a suspeição de APLV?
Confira aqui a resposta
 
7. Por que o tratamento dietético baseou-se no uso da FeH com lactose?
A) A FeH relaciona-se à evolução satisfatória em 100% dos pacientes com proctocolite por APLV, mesmo tendo lactose em sua composição.
B) Na proctocolite induzida por proteínas alimentares, existe lesão vilositária importante.
C) Foi um erro o uso de FeH, pois deveria ter sido iniciada a administração de FAA.
D) Na proctocolite, a capacidade de absorção dos dissacarídeos está, em geral, preservada.
Confira aqui a resposta
 
8. Existem vantagens do uso da lactose? Por que não utilizar FeH sem lactose?Confira aqui a resposta
 
9. Por que a FAA não foi utilizada como primeira opção?
A) Por ser indicada apenas para pacientes com anafilaxia e risco de vida imediato.
B) Pela alta possibilidade de resposta satisfatória com a FeH (90% das crianças com APLV), considerada a primeira opção terapêutica nos paciente com proctocolite alérgica.
C) Por ser incompleta do ponto de vista nutricional.
D) Por ter alto residual de alergenicidade, já que é produzida a partir da caseína.
Confira aqui a resposta
 
10. Por que não foram utilizados leites de outros mamíferos ou de arroz?
A) São nutricionalmente incompletos para o lactente, além de haver risco de reatividade cruzada entre os leites de mamíferos.
B) Deveriam ter sido utilizados, pois são mais palatáveis e de menor custo.
C) Houve um erro de conduta, pois, do ponto de vista nutricional, o leite de arroz oferece vantagens para o lactente.
D) Pelo alto teor alergênico do leite de arroz.
Confira aqui a resposta
 
11. Por quanto tempo deve ser mantida a restrição da PLV (etapa terapêutica)?
Confira aqui a resposta
 
12. Assinale a alternativa INCORRETA quanto à proctocolite alérgica como manifestação digestiva de APLV:
A) A proctocolite alérgica acomete, especialmente, RNs e lactentes nos primeiros três meses de vida, estando 50% deles em uso de leite materno exclusivo.
B) Os pacientes portadores de proctocolite alérgica apresentam, em geral, enterorragia, que, na maioria das vezes, é de pequena intensidade, caracterizada por raias de sangue nas fezes ou diarreia com muco e sangue, muitas vezes acompanhada de cólica, irritabilidade e choro excessivo.
C) Nos casos mais graves (sangramento de maior intensidade) ou naqueles refratários à dieta de eliminação, deve-se solicitar a retossigmoidoscopia/colonoscopia, exame que pode demonstrar a presença de enantema, erosões e ulcerações da mucosa.
D) Nos pacientes em uso de fórmulas à base de leite de vaca ou soja, recomenda-se a mudança destas para as FAAs, sempre como primeira opção.
Confira aqui a resposta
 
	
■ INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
A seguir, são apresentadas informações a respeito da AA e da intolerância à lactose.
■ ALERGIA ALIMENTAR
DIAGNÓSTICO
A abordagem diagnóstica da AA inicia-se com a suspeição pelas manifestações clínicas, que são diversas e dependem dos mecanismos envolvidos (mediados e não mediados pela IgE) e do órgão acometido.2
Nas reações de hipersensibilidade imediata, mediadas por anticorpos IgE específicos, os sinais e sintomas ocorrem de modo agudo, minutos ou até duas horas após a ingestão do alérgeno.1 De modo diferente, as manifestações mediadas por células (não mediadas pela IgE) apresentam sintomas subagudos ou crônicos.5
Quanto ao órgão acometido, a maioria das crianças desenvolve sintomas relacionados ao trato digestório (50-60%), à pele (50-60%) e ao trato respiratório (20-30%), com grau de intensidade que vai desde alterações leves até aquelas graves, com risco de vida (anafilaxia e edema laríngeo) e alta morbidade (insuficiência do crescimento).5
As alergias mediadas pela IgE estão relacionadas a maior risco de alergias múltiplas e associação com outras doenças atópicas, como asma, mais tardiamente.8,9
É importante o conhecimento e a compreensão das manifestações clínicas que sugerem a suspeição do diagnóstico de AA.
Manifestações clínicas
As manifestações clínicas associadas à AA podem ser classificadas conforme a cronologia do aparecimento dos sintomas (imediatas, intermediárias ou tardias), como descrito a seguir.
Reação imediata mediada pela imunoglobulina E
A AA de reação imediata inclui síndrome da alergia oral, anafilaxia e alergia gastrintestinal imediata:
 
■ síndrome da alergia oral: na síndrome da alergia oral, estão incluídos os pacientes alérgicos a polens (bétula, ambrósia e artemísia), nos quais as reações clínicas podem ser desencadeadas após o contato com frutas, verduras e legumes crus, pela reação imunológica cruzada entre o pólen e esses antígenos. Nesses casos, a tolerância oral é ignorada porque a sensibilização ocorre pela via respiratória (classe 2 de alergia).2 Os sintomas da alergia oral também podem ser desencadeados por outros alérgenos, como o leite de vaca, o ovo, o amendoim e os frutos que têm reação cruzada com látex (banana, quiuí, abacate e noz).10 Na síndrome de alergia oral, as manifestações ocorrem logo após o contato com o alérgeno e incluem angioedema, prurido, formigamento dos lábios, língua, palato e orofaringe, podendo haver broncoespasmo. O quadro pode ser desencadeado pelo contato do alimento com o lábio do paciente; em lactentes, após o contato com a mamadeira. Na maioria dos pacientes, as manifestações permanecem circunscritas às mucosas orais e faríngeas. Entretanto, o edema da língua pode evoluir para edema de faringe e laringe, ocasionando um quadro grave de obstrução das vias respiratórias;3,10
■ anafilaxia: na anafilaxia, imediatamente ou mi­nutos após a ingestão da proteína, podem ocorrer sintomas como exantema, urticária, hipotensão, broncoconstrição e formas mais graves de comprometimento respiratório, que colocam a vida do paciente em risco;3
■ alergia gastrintestinal imediata: o quadro de alergia gastrintestinal imediata é caracterizado pelo desencadeamento, logo após a ingestão dos alérgenos, de dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia.
Reação intermediária não mediada pela imunoglobulina E
A AA de reação intermediária não mediada pela IgE inclui a enterocolite.
Comumente, o quadro de enterocolite é desencadeado pela PLV, mas também pode ser ocasionado por soja, peixe, galinha, entre outros. Os sintomas, em geral, desenvolvem-se no primeiro ano de vida. O início mais tardio está associado à introdução tardia do leite de vaca ou de soja em crianças amamentadas exclusivamente.7,11,12
A enterocolite é uma manifestação pouco comum da AA e caracteriza-se pela presença de náuseas, vômitos intratáveis, hipotonia, palidez, apatia e diarreia mucossanguinolenta. Em geral, os sintomas iniciam-se 1 a 3 horas após a ingestão da proteína, podendo haver desidratação, acidose metabólica e choque hipovolêmico, o que propicia o diagnóstico equivocado de sepse.3
Como a enterocolite induzida por proteínas alimentares não é uma hipersensibilidade mediada pela IgE, os testes alérgicos que detectam anticorpos IgE específicos para antígenos alimentares podem ser negativos, e o diagnóstico baseia-se nos dados clínicos, isto é, na resolução dos sintomas com a eliminação do antígeno, associado ao reaparecimento dos sintomas com o desafio oral.12
Durante o episódio agudo, pode haver leucocitose no hemograma. Ademais, pode ser observada a presença de pneumatose intestinal na avaliação radiológica, sugerindo o diagnóstico de enterocolite necrosante. Assim, antes de confirmar o diagnóstico, devem-se excluir outros distúrbios gastrintestinais e a presença de infecção.12
A biópsia jejunal pode apresentar atrofia em graus variáveis, edema e aumento de linfócitos, eosinófilos e mastócitos. A colonoscopia, que não é realizada rotineiramente, demonstra a presença de colite, com acometimento ileal variável. A mucosa do cólon pode estar friável e demonstrar hemorragia, erosões e/ou úlceras. Os abscessos de criptas são identificados no estudo histológico de alguns pacientes.10
Nas crises agudas, em geral, as crianças evoluem bem, com uso de hidratação venosa e FeHs.12 Os pacientes que apresentam quadros desencadeados pela PLV, em geral, tornam-se tolerantes por volta dos dois a três anos de idade, enquanto aqueles desencadeados por alimentos sólidos tendem a ter evolução mais prolongada.10
Reação intermediária ou tardia não mediada pela imunoglobulina E
A reação intermediária ou tardia não mediada pela IgE inclui proctite e proctocolite. O quadro clínico da proctocolite alérgica já foi abordado anteriormente neste artigo (Caso clínico 2).
Reação tardia não mediada pela imunoglobulina E
A reação tardia não mediada pela IgE inclui a EIPA. A EIPA é uma importante manifestação clínicada AA nos primeiros meses de vida, pois pode ocasionar impacto negativo nutricional e, consequentemente, afetar o crescimento e o desenvolvimento da criança. Os aspectos relacionados à EIPA já foram abordados neste artigo, nos comentários do Caso clínico 1.
Métodos diagnósticos
O diagnóstico diferencial dos quadros de AA inclui:5
 
■ intolerâncias alimentares;
■ alterações anatômicas do trato digestório e respiratório;
■ erros inatos do metabolismo;
■ doença celíaca;
■ fibrose cística;
■ insuficiência pancreática;
■ linfangiectasia intestinal;
■ imunodeficiências;
■ infecções (trato digestório e sepse);
■ doença inflamatória intestinal, entre outras.
A confirmação do diagnóstico de AA baseia-se na exclusão dessas doenças e no quadro compatível com AA. A história clínica minuciosa do paciente, com recordatório alimentar associado aos sintomas, continua sendo fundamental para a suspeição diagnóstica, especialmente nos casos mediados pela IgE, nos quais as reações ocorrem logo após a ingestão do alimento. Nos casos não mediados pela IgE, deve-se levar em consideração que os sintomas podem ocorrer dias ou semanas após a introdução do alimento.1
Em ambos os casos, mediado e não mediado pela IgE, uma revisão sistemática da dieta do paciente e dos sintomas deve ser realizada para identificação de alimentos suspeitos, incluindo:
 
■ recordatório alimentar;
■ associação dos sintomas aos alimentos;
■ se a reação é reproduzível;
■ intervalo de tempo entre a ingestão do alimento suspeito e os sintomas.
Após a identificação do alimento suspeito, recomenda-se a eliminação deste por duas a quatro semanas. Como a resposta clínica favorável pode ser apenas uma coincidência, é necessária a confirmação diagnóstica por meio de teste de desencadeamento e/ou exames complementares.
Pelos inúmeros fatores limitantes dos exames diagnósticos, tanto nos casos de AA mediados pela IgE quanto nos não mediados, o teste de provocação com alimento duplo-cego e controlado por placebo continua sendo o padrão-ouro para o diagnóstico de AA.13,14
Dietas de eliminação e testes de provocação (desencadeamento) oral
A eliminação do antígeno da dieta fornece informações diagnósticas ao mesmo tempo que proporciona alívio dos sintomas. Se não houver melhora com a retirada do alimento, não se trata de AA ou não foram eliminados todos os antígenos. Se a dieta de eliminação do antígeno tem sucesso, a provocação (desencadeamento) oral está indicada para confirmação do diagnóstico de AA e para definição de quais alimentos desencadeiam as manifestações.1,5,14
O teste de provocação oral faz parte do arsenal diagnóstico da AA mediada e não mediada pela IgE, mas se deve ter cuidado na sua indicação, pois pode desencadear situações de risco, como a anafilaxia.
O teste de provocação oral tem papel importante em duas situações:
 
■ na confirmação diagnóstica das crianças com suspeita de AA;
■ na avaliação do desenvolvimento de tolerância nos pacientes em tratamento para AA.
Em ambas as situações, o teste de provocação oral indica a necessidade de manutenção ou não da dieta de restrição.
O teste de provocação oral consiste em oferecer alimentos em doses crescentes e intervalos regulares, sob supervisão médica, para detecção de possíveis reações clínicas.
Nos casos de reações graves anteriores, com história de anafilaxia grave e presença de anticorpo IgE específico para o alimento causal, o teste de provocação oral pode ser contraindicado ou, se realizado, deve ser em ambiente hospitalar, com recursos para tratamento de possíveis situações de emergência.3,7
De acordo com a substância ingerida (alimento em teste ou placebo) e o conhecimento do paciente (ou de sua família) e do médico, o teste de provocação oral é classificado em:3
 
■ aberto – paciente e médico cientes, sem necessidade de placebo;
■ simples-cego – apenas o médico tem conhecimento do alimento que está sendo administrado, se placebo ou alimento em teste. O paciente e os familiares desconhecem o momento em que o alimento teste é oferecido;
■ duplo-cego e controlado por placebo – nenhuma das partes (médico e paciente) tem conhecimento do preparado a ser testado pelo paciente (placebo ou alimento em teste). Uma terceira pessoa, como nutricionista, responsável pela randomização, tem as informações.
O teste de provocação oral duplo-cego e controlado por placebo é considerado o padrão-ouro para o diagnóstico das AAs, mas exige tempo e deve ser realizado em centros especializados, por médicos especialistas treinados, em ambiente hospitalar.
O teste de provocação oral deve ser feito em momentos diferentes, um para o alimento em teste e outro para o placebo, que deve estar mascarado em relação a cor, sabor e odor, o que pode ser obtido pela mistura com outros alimentos, por liofilização ou por administração com cápsulas. Pelo alto custo e dificuldade de realização, esse teste tem sido utilizado apenas em situações especiais, como quando os sintomas são subjetivos (pela possibilidade de viés) ou quando o objetivo é a pesquisa. Assim, pela simplicidade e por razões socioeconômicas, o simples-cego e o desafio aberto são considerados satisfatórios para propósitos de diagnóstico na prática clínica.3
Quando há dúvidas no resultado do teste de provocação oral aberto ou simples-cego, está indicado o teste duplo-cego controlado por placebo. Deve-se lembrar que, em crianças menores de 1 ano de idade, o teste aberto tem fidedignidade semelhante à do teste simples-cego.3
Para a realização do teste de provocação oral:
 
■ os pacientes precisam estar em restrição do alimento suspeito por pelo menos duas semanas,5 estáveis em termos de sintomas alérgicos e livres de doenças agudas;
■ os anti-histamínicos devem ser descontinuados por mais de 72 horas;
■ qualquer outra medicação direcionada para a prevenção e o tratamento de doenças alérgicas deve ser interrompida por período variável, conforme sua vida média e duração de ação;15
■ as medicações para asma devem ser reduzidas ao limite mínimo para evitar que mascarem os sintomas.
O teste de provocação oral deve ser precedido pelo exame físico da criança sem roupas, com inspeção da pele.
Alguns autores preconizam o teste labial no início do procedimento, prosseguindo com a realização do teste de provocação oral, se não houver qualquer reação local ou sistêmica. Uma gota da fórmula é colocada nos lábios da criança, e, se não houver reação em 15 minutos, a fórmula é oferecida oralmente. As doses são oferecidas a cada 15 a 30 minutos, durante 1 a 2 horas. Intervalos mais longos podem ser preconizados em casos de reações graves ou para aqueles que têm reações tardias. Se houver sinais suspeitos de reações, a próxima dose deve ser adiada para observação da progressão dos sintomas ou a mesma dose deve ser oferecida para evitar sobrecarga.3,14,15
O teste de provocação oral deve iniciar com 1g (1mL) ou menos do alimento. O esquema clássico consiste em dividir a dose total em 3 a 6 doses com aumentos subsequentes dobrados, como 1, 5, 10, 25, 50 e 100mL de leite ou 1, 2, 4, 8 e 16g de ovo cozido. Doses menores, como 0,5, 1,0, 3,0, 10, 30, 50 a 100mL a cada 30 minutos ou com 0,1mL de dose inicial devem ser consideradas em pacientes com histórico de reações graves.3,14,15
Os pacientes devem ser mantidos no hospital por mais de 2 horas após a última dose ou após o desaparecimento de sintomas que possam ter surgido. Os familiares devem ser instruídos quanto aos sinais tardios das manifestações alérgicas, que podem ocorrer mesmo após o resultado negativo do teste. As crianças que não desenvolverem sintomas no enfrentamento e após uma semana de acompanhamento podem retornar à dieta habitual, devendo permanecer sob observação.
Os pais devem ser avisados que reações tardias podem ocorrer dias ou semanas após a introdução do alimento no teste de provocação oral.5,6 Para AA com manifestações digestivas mediadas por células (reação tardia), considera-se que o período de observação deve se estender por 30dias, embora esse seja um limite ainda arbitrário.
Os pacientes portadores de APLV devem ser submetidos ao teste de provocação oral em intervalos de 6 a 12 meses, para determinar se desenvolveram tolerância e evitar a manutenção desnecessária da dieta de restrição.5
Os testes orais são importantes não apenas para o diagnóstico, mas também para o acompanhamento dos pacientes alérgicos, pois avaliam o desenvolvimento da tolerância.5
Nos pacientes com reações leves a moderadas, o teste de provocação oral pode ser realizado sem testes laboratoriais prévios, sob supervisão médica. Os pacientes que apresentam sinais como angioedema e urticária imediatamente após a ingestão do alimento em teste devem buscar normas de maior segurança para o teste de provocação para evitar manifestações clínicas graves, como anafilaxia.5
A pesquisa do anticorpo IgE específico pode ser útil, pois a normalização ou a melhora dos testes pode indicar o melhor momento do teste de provocação oral.5 Se o paciente tem um teste de punctura (prick test) com pápula maior que 7mm ou altos títulos no RAST (do inglês radioallergosorbent test), a chance de ter uma resposta positiva no enfrentamento é de até 90%.16
Nos pacientes altamente atópicos, o teste de provocação oral confirmatório pode ser adiado até que a criança demonstre menor positividade nos testes para detecção de alergia mediada pela IgE.3,5
Exames complementares
A solicitação dos exames complementares deve levar em consideração o tipo de reação de hipersensibilidade e o órgão acometido, mas, ainda hoje, não existe um teste laboratorial considerado padrão-ouro para o diagnóstico da alergia. Na prática clínica, o exame mais utilizado é a pesquisa de anticorpo IgE específico para os alimentos, cujo resultado deve ser avaliado considerando-se os fatores limitantes descritos a seguir.
Existem duas categorias de exames laboratoriais que avaliam a presença de anticorpos IgE específicos: testes cutâneos (in vivo) e no sangue (in vitro). Em geral, existe boa concordância entre os resultados dos testes in vivo e in vitro. A variabilidade dos resultados pode depender de vários fatores, como método do teste cutâneo (percutâneo ou intradérmico), qualidade e estabilidade dos extratos e dos reagentes biológicos utilizados.
Independentemente do teste utilizado, a detecção dos anticorpos IgE específicos significa apenas a sensibilização, mediada pela IgE, para o antígeno testado, e não necessariamente a doença alérgica. A história clínica faz o elo crítico entre o resultado do teste e a doença alérgica. Se existe inconsistência entre as observações clínicas e o resultado dos exames, o diagnóstico final deve basear-se na história clínica, no exame físico e no teste de provocação oral.
Determinação de anticorpo IgE específico in vivo: teste de punctura ou prick test
O prick test é um teste de punctura epicutâneo, de hipersensibilidade imediata, que avalia a presença de anticorpo IgE específico para uma proteína alimentar. Se existe sensibilização, a liberação de histamina pelos mastócitos cutâneos ativados leva à formação de pápula e eritema locais, o que indica a presença de anticorpo IgE específico.1
Para a realização do prick test, são colocadas gotas de alérgenos na superfície anterior do antebraço, e uma lanceta apropriada é utilizada para atingir a região epicutânea através da gota. A leitura do resultado é realizada 15 minutos após a aplicação e comparada com o controle positivo (histamina) e negativo (diluente). Considera-se o teste positivo quando ocorre formação de pápula, com diâmetro médio igual ou superior a 3mm, desde que exista uma diferença mínima de 2mm em relação ao controle negativo e que exista resposta positiva à histamina. Os resultados altamente positivos (diâmetro com mais de 8 a 10mm), em geral, relacionam-se a maior reatividade clínica.3
O prick test pode ser realizado com extratos padronizados e, na ausência destes, com alérgenos in natura, o que pode ser superior ao uso dos extratos comerciais. Após a introdução da lanceta no alimento, esta é aplicada sobre a pele do paciente, sendo a leitura realizada da mesma forma que no teste convencional.3
Para o diagnóstico de AA mediada pela IgE, o valor preditivo positivo de uma prova cutânea positiva é baixo, inferior a 50%, enquanto o valor preditivo negativo do resultado negativo do teste é alto, em torno de 90%. Assim, a aplicabilidade clínica do prick test é maior para atestar que não existe alergia mediada pela IgE, se o resultado for negativo, do que para confirmar a presença desta, pois um resultado positivo está associado a reações clínicas verdadeiras em apenas 50% dos casos. Além disso, os resultados dos testes podem permanecer positivos durante algum tempo após a reatividade clínica já estar resolvida.3
Outras aplicações para o uso do prick test são, nos casos de mecanismos combinados, como na esofagite eosinofílica, como guia para identificação do antígeno causal e na identificação de pacientes com chances de se tornarem tolerantes. Foi demonstrado que pápulas com menos de 5mm e valores de IgE para o leite de vaca abaixo de 2kU/L identificaram, respectivamente, 83 e 82% das crianças que se tornaram tolerantes aos quatro anos de idade.17
O teste cutâneo é facilmente executado, pouco invasivo, de leitura prática e rápida, pode ser realizado em consultórios e permite a avaliação de múltiplos alérgenos em uma única sessão.
Embora altamente seguro, o teste cutâneo não deve ser realizado nos casos de anafilaxia, pois tem o potencial de desencadear reações alérgicas.
O teste cutâneo pode ser realizado em qualquer idade, mas deve-se levar em consideração que lactentes, especialmente os menores de 6 meses, podem não ter sido expostos a várias proteínas.
Os medicamentos com efeitos anti-histamínicos, como os antagonistas da histamina e os antidepressivos tricíclicos, devem ser suspensos por um mínimo de cinco dias antes da realização do teste cutâneo para evitar resultados falso-negativos. Para evitar resultados falso-positivos, os testes não devem ser realizados nos pacientes com dermografismo evidente. Os testes cutâneos também são menos confiáveis em indivíduos com dermatite atópica, com até 24% de falsos-positivos.13
O teste cutâneo não deve ser utilizado nos pacientes com distúrbios de coagulação ou uso de betabloqueadores. Em tais circunstâncias, o uso de ensaios in vitro para determinação de IgE sérica alérgeno-específica pode ser indicado.
Determinação da IgE sérica específica in vitro
A detecção de anticorpo IgE específico para proteínas alimentares no soro de pacientes pode ser realizada pelos testes RAST® e ImmunoCAP®.
O RAST é um radioimunoensaio cujo resultado é dado em classes, sendo considerado compatível com o diagnóstico de AA a partir da classe 3. O ImmunoCAP é um ensaio imunoenzimático fluorescente.4
O ImmunoCAP tem sido mais utilizado, pois avalia quantitativamente os anticorpos IgE específicos dirigidos aos alimentos.4 Seus valores são representados por unidades internacionais de quilo por litro (kU/L).
Ainda que os níveis de IgE total sejam baixos, podem ser detectados valores aumentados de anticorpos IgE específicos para um determinado alérgeno. A pesquisa também pode ser realizada na forma de microarray (ImmunoCAP®Isac – Immuno Solid Phase Allergen Chip), exame que consiste em um imunoensaio em que os componentes alergênicos ficam imobilizados em um substrato sólido. Os resultados são expressos em Isac Standardized Units (ISU), com cut-off de positividade de 0,3ISU.
De modo similar ao prick test, a IgE sérica específica detecta, meramente, a presença do anticorpo (sensibilização) e não indica, necessariamente, que a ingestão do alimento resulte em reações clínicas. Pode ocorrer reatividade cruzada entre as diferentes proteínas, tanto nas reações clínicas, como nos testes alérgicos, pela homologia na sequência de aminoácidos.3
O RAST e o ImmunoCAP necessitam de punção venosa e são mais onerosos, mas têm vantagens como poderem serrealizados em pacientes com reações anafiláticas, lesões cutâneas e em uso de medicações como anti-histamínicos.
A determinação do anticorpo IgE específico (in vitro ou in vivo) pode ser utilizada para fins diagnósticos da AA (com as limitações descritas) a fim de indicar o melhor momento para o teste de provocação (desafio oral) ou para predição do prognóstico, pois os pacientes com níveis elevados de anticorpo IgE específico parecem ter maior probabilidade de apresentar alergia persistente e maior risco de desenvolver doenças atópicas, como asma, dermatite atópica e rinoconjuntivite.18
Os pacientes com RAST ou prick test negativos, em geral, são menos propensos a desenvolverem alergias alimentares múltiplas, tornam-se tolerantes mais precocemente do que as crianças atópicas com esses testes positivos e têm menor risco de reações agudas graves durante o enfrentamento.18
Teste atópico de contato (atopy patch test)
Apesar das dificuldades relacionadas ao diagnóstico das alergias mediadas pela IgE, existe um conhecimento satisfatório sobre seus mecanismos e testes diagnósticos. Para as alergias não mediadas pela IgE, poucos testes laboratoriais existem, o que implica maior dificuldade no estabelecimento do diagnóstico. Nesse contexto, o teste atópico de contato pode ser utilizado para quadros não mediados pela IgE ou mistos, embora represente apenas um guia, não havendo ainda padronização adequada.1
No teste atópico de contato, o alimento é aplicado por 48 horas sobre a pele do dorso do paciente, recoberta com adesivo. Depois da remoção, são realizadas duas avaliações: uma 20 minutos após e outra depois de 24 a 48 horas. Considera-se o teste positivo se houver aparecimento de eritema, pápula ou vesículas no local do contato, 24 a 48 horas após a aplicação. Esse teste reproduz, teoricamente, um mecanismo mediado por células T, similar ao envolvido na EIPA.3,7
Endoscopia digestiva alta com biópsias
Nos casos de alergia não mediada pela IgE, os exames para pesquisa de IgE não definem o diagnóstico. Nessas situações, os dados clínicos, a endoscopia digestiva alta (EDA), a retossigmoidoscopia e a colonoscopia com biópsias são importantes ferramentas diagnósticas. Como esses exames são invasivos, devem ser solicitados com critério, por profissionais com experiência na área, em casos selecionados. Em geral, são mais utilizados para excluir outras doenças, e não para confirmar alergia.
TERAPÊUTICA
O tratamento da AA baseia-se na restrição dos alérgenos da dieta, devendo-se também evitar a inalação e o contato com a pele. Para os RNs e lactentes em aleitamento materno, recomenda-se a dieta de restrição para a mãe nutriz. Para aqueles que estão em uso de fórmulas infantis, deve-se avaliar a melhor opção conforme a idade e o quadro clínico do paciente.
Atualmente, existe uma grande variedade de fórmulas infantis disponíveis para uso no Brasil. A busca por novas fórmulas foi estimulada, entre outros aspectos, pelo aumento da prevalência das doenças atópicas nas últimas décadas.
As fórmulas, se bem indicadas, podem contribuir de modo favorável para a nutrição infantil, processo pelo qual se fornecem energia e nutrientes em quantidade e qualidade adequadas para o crescimento, o desenvolvimento e a manutenção da saúde.
Apesar da evolução das fórmulas infantis, deve-se enfatizar que o leite materno continua como a primeira opção para a nutrição de RNs e lactentes.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde, as crianças devem receber leite materno exclusivo, sem outros líquidos ou sólidos, com exceção de gotas ou xaropes contendo vitaminas e sais de reidratação oral, até seis meses de vida, e, após essa idade, o aleitamento deve ser complementado com outros alimentos, de forma oportuna e saudável, até os 2 anos de idade ou mais.
Excluindo-se os pacientes que possuem indicações médicas para o uso de fórmulas infantis, a prescrição desses produtos para a nutrição da criança deve ser considerada inapropriada. Apenas em situações especiais e/ou quando a criança já estiver necessitando de leites artificiais, recomenda-se o uso de fórmulas infantis, produzidas industrialmente, a partir de componentes cientificamente seguros e adequados para a idade, seguindo o Codex Alimentarius.
Os fatores que determinam a escolha da fórmula infantil são:
 
■ a composição;
■ o custo;
■ a disponibilidade;
■ a aceitação da criança;
■ o potencial residual de alérgenos;
■ as evidências que demonstram sua eficácia.
As fórmulas infantis disponíveis atualmente podem ser classificadas conforme o Quadro 1.
Quadro 1
	FÓRMULAS INFANTIS DISPONÍVEIS
	Fórmulas poliméricas
Obs.: podem conter componentes especiais como prebióticos, probióticos, ácido docosa-hexaenoico, ácido araquidônico e/ou variar no teor de proteínas.
	■ Fórmulas de partida – 0 a 6 meses
■ Fórmulas de seguimento – 6 a 12 meses
■ Fórmula infantil hipercalórica para lactentes – 0 a 18 meses
■ Fórmulas de primeira infância ou transição – 1 ano até 3 a 5 anos
■ Fórmulas antirregurgitação (AR) – 0 a 12 meses
■ Fórmulas isentas de lactose – 0 a 1 ano
■ Fórmulas para prematuros e/ou RNs
■ Fórmulas poliméricas à base de proteína de soja
	FpHs
	■ Fórmulas com lactose (HA) – 0 a 12 meses
■ Fórmulas sem lactose (HA) – 0 a 12 meses
■ Fórmulas sem lactose (HA) > 1 ano
	FeHs
	■ Complemento para prematuros
■ Fórmulas sem lactose – 0 a 12 meses
■ Fórmulas com lactose – 0 a 12 meses
	FAAs sem lactose
	■ Fórmulas de aminoácidos – 0 a 2 anos
■ Fórmulas de aminoácidos – 1 a 10 anos
FePHs: fórmulas parcialmente hidrolisadas.
O conhecimento das fórmulas infantis é importante para saber como e quando utilizá-las da melhor forma.
Fórmulas infantis
As fórmulas poliméricas de PLV e as FpHs não estão indicadas para tratamento da APLV, independentemente de terem ou não lactose na sua composição. Para esse caso, deve-se indicar uma fórmula de soja, as FeHs ou as FAAs.
Fórmulas poliméricas à base de proteína de soja
As fórmulas poliméricas à base de proteína de soja dividem-se em três grupos:
 
■ fórmulas infantis com proteína isolada de soja e acrescidas dos demais nutrientes para que se tornem nutricionalmente completas, obedecendo às recomendações para lactentes;
■ fórmulas com extrato de soja, que não atingem as recomendações nutricionais para lactentes e não devem ser utilizadas em crianças menores que um ano de idade;
■ “bebidas de soja”, que são nutricionalmente incompletas e não devem substituir as formulações lácteas para crianças.
Para uso no primeiro ano de vida, estão recomendadas apenas as fórmulas infantis com proteína isolada de soja.
Quanto à composição de carboidratos, nenhuma das fórmulas de soja contém lactose, mas podem conter sacarose. As vantagens das fórmulas de soja são os custos mais acessíveis e a melhor palatabilidade em comparação às FeHs, mas a proteína da soja não é hipoalergênica.
As alergias concomitantes, APLV e APLS, podem estar presentes, apesar de não existir uma “reação cruzada”. As reações adversas à soja têm sido relatadas em 10 a 35% dos pacientes com APLV. Esse índice é menor nos mediados pela IgE (10 a 14%) e maior nos não mediados pela IgE (25 a 60%) e nos lactentes com alergias múltiplas.19
As fórmulas com proteína de soja podem ser indicadas para os pacientes com APLV, especialmente se mediada pela IgE, com reações de menor gravidade, especialmente para aqueles que recusam as FeHs e as FAAs ou pela preferência familiar (pais veganos).
O uso das fórmulas com proteína da soja para os casos não IgE mediados, especialmente os pacientes com EIPA, merece importantes considerações, como já mencionado. A concomitância da APLV com a alergia à soja é alta nos casos de enteropatia (lesão da barreira intestinal), aumentando o percentual de resultado insatisfatório.
O aumento da permeabilidade da mucosa pode contribuir para a sensibilização à soja e alergias múltiplas. Por esse motivo, se for necessária a utilizaçãoda fórmula de soja, recomenda-se promover a recuperação da mucosa com uso de FeHs ou, nos casos mais graves, com as FAAs, iniciando a administração de soja apenas após o restabelecimento da barreira intestinal íntegra.
Quanto à idade, recomendações da European Society of Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) indicam que as fórmulas de soja não devem ser utilizadas antes dos 6 meses de idade, período no qual as fórmulas lácteas devem constituir a base da alimentação.
As desvantagens nutricionais da proteína da soja incluem a presença dos fitatos, que podem diminuir a absorção de minerais e elementos-traço, e a quantidade apreciável de isoflavonas, com ação estrogênica fraca, mas que pode alcançar concentrações séricas consideráveis em crianças.14 Esse conceito vem sendo questionado, como descrito em uma metanálise publicada recentemente, de estudos compreendidos entre 1909 e 2013, que refere não existir motivos, por aspectos de alergenicidade, para adiar o uso da soja em pacientes portadores de APLV mediada pela IgE.20
Fórmulas extensamente hidrolisadas
As FeHs são compostas por oligopeptídeos com peso molecular inferior a 3.000 dáltons e aminoácidos.
As FeHs são indicadas para o tratamento da APLV e alergia à soja.
Nas FeHs, a maioria dos epítopos, tanto os conformacionais quanto os lineares, é destruída por meio de tecnologias, como calor, hidrólise enzimática e ultrafiltração. A hidrólise extensiva gera peptídeos com cadeias de dois a três aminoácidos. Em princípio, quanto maior o grau de hidrólise, menor a extensão da cadeia de aminoácidos, o que pode ser demonstrado pelo peso molecular (< 500kDa), e, consequentemente, menor o potencial residual de alergenicidade da fórmula. Com a quebra dos epítopos, os sítios de ligação para a IgE e para o receptor de células T estão, em geral, ausentes com esse peso molecular. As FeHs estão disponíveis para venda em formulações com e sem lactose.3
Do ponto de vista clínico, uma fórmula hipoalergência deve ser tolerada por número igual ou superior a 90% dos pacientes com APLV documentada, com um mínimo de 30 pacientes testados. Esse critério permite incluir na categoria somente as FeHs e as FAAs. As FpHs contêm oligopeptídeos com peso molecular, de modo geral, inferior a 5.000 dáltons, não estando indicadas para tratamento da AA, pelo potencial alergênico residual, como já especificado.
As fórmulas de PLV extensamente hidrolisadas são indicadas no tratamento da APLV, com resultados satisfatórios na maioria dos pacientes, porque a maioria dos epítopos (conformacionais e lineares) é destruída pela hidrólise da proteína (Figuras 3 e 4).
Figura 3 – Proteína com epítopos conformacional e sequencial. O epítopo conformacional é significativamente modificado ou destruído quando a forma nativa da proteína é alterada, o que pode ocorrer pelo processo de desnaturação da proteína pelo cozimento, enquanto o linear permanece inalterado.
Fonte: Adaptada de Carvalho e Ferreira (2012).3
Figura 4 – Proteína com epítopos conformacional e sequencial. Destruição dos epítopos conformacionais e lineares pela hidrólise, que constitui o princípio da hipoalergenicidade das fórmulas infantis. Quanto maior o grau de hidrólise e menor a cadeia de peptídeos, menor o potencial de alergenicidade. As FpHs não são consideradas terapêuticas. As fórmulas indicadas para o tratamento da APLV são as FeHs e as FAAs.
Fonte: Adaptada de Carvalho e Ferreira (2012).3
A escolha entre a FeH com e sem lactose vai depender se existe ou não intolerância à lactose associada à AA.
Nos casos de reações mediadas pela IgE, a concentração de lactase está usualmente normal, e pode-se indicar o uso das FeH com lactose. Da mesma forma, nos quadros de proctite e proctocolite, as FeHs com lactose são as mais utilizadas, pois, apesar de ser não IgE mediado, o acometimento ocorre no intestino grosso. Todavia, de modo diferente, para as crianças com enteropatia e má absorção (acometimento de jejuno/íleo), pelo menos nas fases iniciais do tratamento, além da exclusão do(s) alérgeno(s), deve ser indicada a exclusão da lactose (FeH sem lactose).
As vantagens da presença de lactose na fórmula são:
 
■ menor custo;
■ melhor palatabilidade;
■ efeito bifidogênico.
As crianças alérgicas têm uma microbiota gastrintestinal incomum, com baixo número de Bifidobacterium e Lactobacillus e altos níveis de Clostridium, Staphylococcus e Escherichia coli. A adição de lactose na dieta aumenta significativamente a população de bifidobactérias e lactobacilos e diminui a dos bacteroides e clostrídios, de modo a alcançar o nível observado em controles saudáveis. Ademais, aumenta a concentração de ácidos graxos de cadeia curta, especialmente dos ácidos acético e butírico, como demonstrado pelo metaboloma.
As preocupações anteriores de que as crianças com APLV reagiriam aos vestígios de proteínas residuais em fórmulas com lactose resultaram, muitas vezes, na restrição de ambas (lactose e PLV). Atualmente, as evidências demonstram que não é necessária a restrição de lactose em todos os pacientes com APLV.
As FeHs com lactose são consideradas seguras, efetivas e podem ser indicadas para tratamento nutricional da APLV desde que o paciente seja tolerante à lactose e não necessite de FAA.
Fórmulas de aminoácidos
As fórmulas de aminoácidos não contêm peptídeos, mas uma mistura de aminoácidos essenciais e não essenciais, sendo consideradas não alergênicas. As formulações disponíveis para venda são isentas de lactose.
Apesar dos bons resultados com as FeHs, nenhuma delas está completamente livre de alérgenos e do risco de desencadear reações graves, que, embora raras, já foram descritas com seu uso.
O risco de resultado insatisfatório com as FeHs situa-se em torno de 10% das crianças com APLV. Esses pacientes reagem aos alérgenos residuais dessas fórmulas, desencadeando especialmente sintomas gastrintestinais e outros não mediados pela IgE, embora as reações mediadas pela IgE já tenham sido descritas com as FeHs.
As FAA, que são não alergênicas, promovem a nutrição adequada e estão indicadas para tratamento da AA, como:3,14
 
■ primeira opção – casos graves de anafilaxia, que ameaçam a vida, ou EIPA com importante lesão de vilosidades e prejuízo nutricional;
■ segunda opção – casos que não tiveram boa resposta com as FeHs (5 a 10%).
Nos casos de EIPA, como a recuperação da mucosa não é imediata, pode-se esperar duas a quatro semanas com as FeHs para avaliação dos resultados e decisão de mudança para FAAs.
Tanto as FeHs como as FAAs são completas e atendem ao Codex Alimentarius, com respeito a todos os nutrientes essenciais. Podem ser fornecidas por via oral ou através de sondas.
O Quadro 2 resume as fórmulas infantis adequadas para as diferentes manifestações clínicas da APLV.
Quadro 2
	FÓRMULAS INFANTIS: CONSIDERAÇÕES PARA TRATAMENTO DA ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE VACA
	Fórmula
	Recomendações
	Soja
	Melhor resultado:
■ mediada pela IgE
■ barreira intestinal íntegra
 
Enteropatia alérgica: não é considerada boa opção terapêutica
Preferência dos pais (desde que tolerada):
■ alto custo da FeH
■ veganos
 
Pacientes que não aceitaram FeH (palatabilidade)
	FeH
	Com lactose:
■ pacientes com APLV e concentração normal de lactase
■ pacientes com AA mediada pela IgE (se tolerantes às FeHs)
■ pacientes com proctocolite alérgica, sem enteropatia associada
■ pacientes sem diarreia ou assaduras (sem má absorção de lactose)
 
Sem lactose:
■ pacientes com APLV e intolerância à lactose
	FAA
	Primeira opção:
■ casos graves
 
Segunda opção:
■ refratariedade às FeHs (residual alergênico)
■ não aceitação da FeH (palatabilidade)
	FpH
	Não são recomendadas para tratamento: alto potencial alergênico
	Leites de outros mamíferos
	Não são recomendados: alto potencial alergênico
	Leites de arroz, amêndoas, aveia
	Não são recomendados: nutricionalmente incompletos
a A idade de início da soja está abordada neste artigo.
b Pelaopinião de expertos, na etapa diagnóstica da AA, as FAAs poderiam ter custo-benefício favorável como primeira opção, mesmo nos casos de menor gravidade, aspecto que ainda não foi comprovado.
Tempo de restrição alimentar
As crianças com reações imediatas e graves (mediadas pela IgE) devem, inicialmente, permanecer com a dieta de eliminação por até 12 a 18 meses. Antes do desafio oral, deve ser dosado o anticorpo IgE específico e, se este estiver muito elevado, o desafio oral deve ser adiado. Nos casos de APLV mediada pela IgE, o desafio oral deve ser realizado em ambiente hospitalar, com disponibilidade de recursos que permitam o tratamento adequado em casos de anafilaxia.
Nos casos de EIPA ou proctocolite, se o diagnóstico da APLV for confirmado em crianças de até 12 meses de idade, o lactente deve ser mantido com a dieta de eliminação por pelo menos 6 meses ou até 9 a 12 meses de idade. Para liberação da PLV na dieta, deve-se realizar o desafio oral.
Para lactentes menores que 1 ano de idade, o desafio oral deve ser feito com fórmula infantil polimérica de PLV, adequada para idade. Como o leite de vaca integral não é recomendado para lactentes, não se deve utilizar o leite in natura no enfrentamento desses pacientes.
Para as crianças maiores de 3 anos, a fim de evitar a confusão diagnóstica entre a APLV e a intolerância à lactose por deficiência ontogenética de lactase, pode-se utilizar, para desafio oral, fórmulas poliméricas de PLV sem lactose.
A Figura 5 resume os conceitos da abordagem diagnóstica e terapêutica da AA.
Figura 5 – Algoritmo diagnóstico e terapêutico da APLV. Observações: pela opinião de expertos, a FAA pode ter relação custo-benefício favorável na etapa diagnóstica, mesmo em pacientes com menor gravidade.
Fonte: Arquivo de imagens das autoras.
No momento de escolher a fórmula infantil para tratamento da APLV, deve-se ter cuidado para não confundir o diagnóstico com a intolerância à lactose, aspecto comumente observado na prática clínica. Para evitar esse erro de conduta, é importante compreender as diferentes etiologias de intolerância à lactose a fim de estabelecer a melhor orientação terapêutica.
■ INTOLERÂNCIA À LACTOSE
Os indivíduos que, por defeitos de digestão e/ou absorção da lactose, desenvolvem manifestações clínicas após a ingestão desse açúcar, de modo temporário ou definitivo, são considerados intolerantes à lactose.
A lactose é hidrolisada por ação da lactase, uma dissacaridase, em uma molécula de galactose e outra de glicose, monossacarídeos que são absorvidos. Na ausência ou na deficiência de lactase, a lactose ingerida não é hidrolisada, e a sua presença na luz intestinal ocasiona:
 
■ aumento da formação de gases;
■ borborigmo;
■ flatulência;
■ distensão abdominal;
■ dor abdominal;
■ náusea;
■ diarreia.
Na intolerância à lactose, a diarreia é aquosa, as fezes são líquidas e explosivas, com elevada carga osmótica e pH baixo. Como as fezes são ácidas, é comum haver dermatite perianal (assadura). Nos casos mais graves, pode haver desidratação e acidose metabólica.
Os exames complementares para confirmação diagnóstica de intolerância à lactose são:
 
■ pH fecal;
■ pesquisa de substâncias redutoras nas fezes;
■ teste de absorção da lactose com sobrecarga oral;
■ teste do hidrogênio molecular (H2) expirado;
■ dosagem da lactase em fragmento de mucosa intestinal.
Os testes identificam a presença da má digestão e/ou absorção da lactose, mas não identificam a etiologia da intolerância, que pode ser decorrente de deficiências enzimáticas congênitas, primárias ou secundárias.
Em todos os casos de intolerância à lactose, o tratamento consiste na exclusão da lactose da dieta.21
O início e a duração da restrição da lactose, bem como o tipo de fórmula sem lactose a ser utilizada, se polimérica ou oligomérica, dependem das causas da intolerância, listadas a seguir:21
 
■ deficiência congênita de lactase (alactasia congênita);
■ deficiência relativa de lactase do prematuro;
■ deficiência ontogenética de lactase (hipolactasia tipo adulto; deficiência primária de lactase);
■ deficiência secundária de lactase.
DEFICIÊNCIA CONGÊNITA DE LACTASE
A deficiência congênita de lactase, também denominada alactasia congênita, é uma entidade muito rara, decorrente da ausência ou intensa deficiência de atividade lactásica.21
A deficiência congênita de lactase é mais comum no sexo masculino e caracteriza-se pela presença de diarreia, de início precoce, após o nascimento, assim que o leite materno ou fórmula infantil contendo lactose é introduzido.21
Que fórmulas devem ser utilizadas na deficiência congênita de lactase? O tratamento baseia-se na exclusão da lactose da dieta. O leite materno e os leites de outros mamíferos (vaca, cabra) não são recomendados.
Como opções de dieta, indicam-se:
 
■ fórmula infantil à base de leite de vaca isenta de lactose. Se o RN ou lactente não apresenta outras alterações, como AA, não existe a necessidade do uso de fórmulas hipoalergênicas (oligoméricas). Nesses casos, podem ser indicadas as fórmulas infantis poliméricas (proteína integra, sem hidrolise), sem lactose;
■ fórmula infantil à base de soja.
Por quanto tempo se deve manter a eliminação da lactose na deficiência congênita de lactase? A exclusão da lactose deve ser iniciada ao nascimento e mantida por toda a vida.
DEFICIÊNCIA RELATIVA DE LACTASE DO PREMATURO
Até a 34ª semana de gestação, a concentração da lactase está diminuída, aumentando nas últimas semanas. Assim, os prematuros, com menos de 34 semanas de gestação, podem cursar com deficiência relativa de lactase e, consequentemente, digestão e absorção diminuídas de lactose. Entretanto, o uso de fórmulas com lactose e, especialmente do leite humano nesses prematuros, não parece produzir efeitos deletérios a curto ou a longo prazo, provavelmente, porque os níveis de lactase aumentam rapidamente após o nascimento.21
Que fórmulas devem ser utilizadas na deficiência relativa de lactase do prematuro? Em razão de seus benefícios, o leite materno deve ser mantido. Quanto à indicação da fórmula infantil, deve-se avaliar a necessidade de exclusão da lactose, conforme a evolução clínica do paciente.
Por quanto tempo se deve manter a eliminação da lactose na deficiência relativa de lactase do prematuro? Se for necessário o uso de dieta de restrição da lactose, esta deve ser mantida por período curto, pois os níveis de lactase aumentam rapidamente após o nascimento, como já citado.
DEFICIÊNCIA ONTOGENÉTICA DE LACTASE
A deficiência ontogenética de lactase, também denominada hipolactasia tipo adulto ou deficiência primária de lactase, ocorre pelo declínio na expressão da lactase, que se inicia após o desmame e pode alcançar níveis inferiores a 10% do valor de sua atividade maior. A presença das mutações C/T- 13910 e G/A-22018 no teste genético que avalia o gene que controla a expressão da enzima lactase/florizina-hidrolase identifica os indivíduos tolerantes à lactose.21
De modo diferente da deficiência congênita de lactase, a deficiência ontogenética é um evento comum, e as manifestações são tardias.
A deficiência ontogenética de lactase acomete até 70% da população mundial, variando conforme a etnia. A maioria dos indivíduos inicia os sintomas na adolescência ou na vida adulta, mas a idade de início varia entre as populações. Das crianças hispânicas, asiáticas e negras, 20% com menos de cinco anos de idade já apresentam evidência de deficiência de lactase, enquanto crianças brancas desenvolvem os sintomas, em geral, após os 4 anos de idade. 21
Os sintomas da deficiência ontogenética de lactase tendem a ser mais leves quando comparados aos da ausência congênita e podem ser progressivos. O grau da má absorção é variável, e quantidades diversas de lactose podem ser toleradas. A maioria dos portadores de deficiência ontogenética de lactase tolera pequena quantidade de lactose.
Que fórmulas devem ser utilizadas na deficiência ontogenética de lactase? Como o início da deficiência ontogenéticade lactase é tardio, em geral, não é necessário o uso de fórmulas sem lactose para RNs, lactentes e crianças nos primeiros anos de vida. Na maioria dos casos, mesmo após o início dos sintomas, a restrição absoluta de lactose não é recomendada, pois não ocorre a ausência total de lactase, mas sim uma redução enzimática. Em geral, as crianças maiores podem ingerir os derivados de leite, ou mesmo o leite in natura, em quantidade que não provoque sintomas. Essa medida evita que elas se privem de uma fonte importante de cálcio.
Se for necessária a utilização de fórmulas, devem ser indicadas as fórmulas poliméricas isentas de lactose. Essas fórmulas são produzidas com PLV intactas, que exigem maior trabalho digestivo, mantêm alto potencial alergênico, mas não têm a lactose na sua composição. Como, nessa deficiência, em geral, as crianças já são maiores e com alimentação variada (não totalmente láctea), a organização do cardápio é mais fácil.
Por quanto tempo se deve manter a dieta de eliminação da lactose na deficiência ontogenética de lactase? A dieta de eliminação da lactose deve ser recomendada apenas após início dos sintomas e mantida por toda a vida.
DEFICIÊNCIA SECUNDÁRIA DE LACTASE
A intolerância secundária à lactose instala-se quando ocorre diminuição da concentração da lactase, decorrente de lesões da mucosa intestinal (vilosidades). Nesses casos, a deficiência de dissacaridase mais comumente observada e a última a se recuperar é a deficiência da lactase porque esta é a dissacaridase mais superficial e de menor concentração.
Eventos frequentes em crianças podem agredir a mucosa jejunal e ocasionar a deficiência secundária de lactase, como:
 
■ a gastrenterite aguda;
■ a síndrome pós-enterite;
■ a AA;
■ a doença celíaca;
■ a giardíase;
■ a criptosporidíase;
■ a fibrose cística;
■ a doença de Crohn;
■ a desnutrição;
■ as deficiências imunológicas.
Para a orientação da conduta adequada, é importante identificar a doença que determinou a lesão da mucosa intestinal.
Que fórmulas devem ser utilizadas na deficiência secundária de lactase? O tratamento específico da deficiência secundária de lactase direciona-se para a doença que está agredindo a mucosa intestinal e associa-se à exclusão da lactose da dieta. É importante enfatizar que apenas a suspensão da lactose não permite a recuperação vilositária. Para tal, a causa da lesão da mucosa (doença do paciente) deve ser reconhecida e tratada.
Como exemplo, em crianças, a APLV pode ser causa de intolerância secundária à lactose. Nesse caso, não basta retirar a lactose, mas deve-se tratar, de modo concomitante, a APLV, com a dieta de eliminação da PLV.
Para os lactentes com APLV e intolerância secundária à lactose, estão indicadas as FeHs sem lactose ou as FAAs, conforme a gravidade do caso.
Por quanto tempo se deve manter a dieta de eliminação da lactose na deficiência secundária de lactase? A deficiência enzimática é temporária, pois a retirada dos alérgenos, associada à nutrição adequada, promove a recuperação das vilosidades e da concentração da lactase. Assim, também é temporária a restrição de lactose, que é reintroduzida assim que for tratada a causa básica da agressão intestinal e promovida a recuperação da lesão vilositária, o que varia de semanas a meses. Com a evolução satisfatória do paciente, pode-se fazer a transição da FAA ou da FeH sem lactose para a FeH com lactose, pelas vantagens já mencionadas.
A Figura 6 a seguir ilustra o desenvolvimento da intolerância secundária à lactose, resultante da deficiência secundária de lactase.
Figura 6 – EIPA. A) Mucosa intestinal normal. B) Os mecanismos imunomediados (não mediados pela IgE) ocasionam lesão progressiva da mucosa intestinal, com achatamento e alargamento das vilosidades, (C) atrofia focal, (D) podendo chegar à atrofia total das vilosidades, quadro semelhante ao observado na doença celíaca. Quanto maior a agressão das vilosidades, menor a capacidade de digestão e absorção, maior a permeabilidade intestinal e maior a possibilidade de ocorrer deficiência secundária das dissacaridases, mais comumente, da lactase (intolerância secundária à lactose). Esse quadro é reversível se a recuperação da mucosa é restabelecida.
Fonte: Arquivo de imagens das autoras.
O Quadro 3 resume as fórmulas infantis adequadas para as diferentes etiologias da intolerância à lactose.
Quadro 3
	FÓRMULAS INFANTIS: CONSIDERAÇÕES PARA TRATAMENTO DA INTOLERÂNCIA À LACTOSE
	Fórmulas
	Recomendações
	Fórmulas poliméricas com PLV sem lactose
	Deficiência congênita de lactase (alactasia congênita)
Deficiência ontogênica de lactase (crianças maiores)
	FeH sem lactose
	Deficiência secundária de lactase: pacientes com APLV/soja e intolerância secundária à lactose
	FAA
	Deficiência secundária de lactase: pacientes com APLV/soja (grave) e intolerância secundária à lactose
	Leites de arroz, amêndoas, aveia
	Não são recomendados: nutricionalmente incompletos
	Fórmulas de soja
	Lactentes com intolerância à lactose e sem EIPA
	Leites de outros mamíferos
	Não são recomendados: presença de lactose
O teste de sobrecarga de lactose avalia a capacidade absortiva do paciente para esse dissacarídeo, mas não tem a capacidade de distinguir as diferentes causas de intolerância à lactose.
 
	
13. Analise as afirmativas quanto ao diagnóstico da AA:
I – A abordagem diagnóstica da AA inicia-se com a suspeição pelas manifestações clínicas, que são diversas e dependem dos mecanismos envolvidos (mediados e não mediados pela IgE) e do órgão acometido.
II – Nas reações de hipersensibilidade imediata, mediadas por anticorpos IgE específicos, os sinais e sintomas ocorrem de modo agudo, minutos ou até duas horas após a ingestão do alérgeno, enquanto as manifestações não mediadas pela IgE apresentam sintomas subagudos ou crônicos.
III – As alergias não mediadas pela IgE estão relacionadas a maior risco de alergias múltiplas e associação com outras doenças atópicas, como asma, mais tardiamente.
Estão corretas apenas as afirmativas:
 
A) I e II.
B) I e III.
C) II e III.
D) I, II e III.
Confira aqui a resposta
 
14. Assinale a alternativa correta quanto às manifestações clínicas e os métodos diagnósticos da AA:
A) Na síndrome de alergia oral, as manifestações ocorrem logo após o contato com o alérgeno e incluem angioedema, prurido, formigamento dos lábios, língua, palato e orofaringe, podendo haver broncoespasmo.
B) A enterocolite é uma manifestação bastante comum da AA e caracteriza-se pela presença de náuseas, vômitos intratáveis, hipotonia, palidez, apatia e diarreia mucossanguinolenta, com os sintomas iniciando-se, em geral, 1 a 3 horas após a ingestão da proteína.
C) A enteropatia induzida por proteínas alimentares (EIPA), como a intolerância à lactose, não ocasiona impacto negativo nutricional e no crescimento e desenvolvimento da criança.
D) Pelos inúmeros fatores limitantes dos exames diagnósticos, apenas nos casos de AA mediados pela IgE, o teste de provocação com alimento duplo-cego e controlado por placebo continua sendo o padrão-ouro para o diagnóstico de AA.
Confira aqui a resposta
 
15. Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) considerando as dietas de eliminação e os testes de provocação na AA:
(  ) O teste de provocação oral tem papel importante em duas situações: na confirmação diagnóstica das crianças com suspeita de AA e na avaliação do desenvolvimento de tolerância nos pacientes em tratamento para AA.
(  ) Quando há dúvidas no resultado do teste de desencadeamento oral aberto ou simples-cego, está indicado o teste duplo-cego, controlado por placebo.
(  ) Os anti-histamínicos e outras medicações direcionadas para a prevenção e tratamento de doenças alérgicas não devem ser retiradas para o desafio oral, pelo risco iminente de reações anafiláticas.
(  ) Para AA com manifestações digestivas mediadas por células (reação tardia), considera-se que o período de observação após a introdução do alimento no teste de provocação

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