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Práticas Religiosas no Mediterrâneo

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA 
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE 
 
Práticas Religiosas 
No 
Mediterrâneo Antigo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
NEA/PPGH/UERJ 
2011 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
2 
 
Copyright©2011: todos os direitos desta edição estão reservados ao 
Núcleo de Estudos da Antiguidade – NEA, da Universidade do Estado 
do Rio de Janeiro, 2011. 
Capa: Junio César Rodrigues 
Diagramação: Carlos Eduardo da Costa Campos & Luis Filipe Bantim 
de Assumpção 
Imagem da Capa: 
Museum Collection: Museum of Fine Arts, Boston, Massachusetts,USA 
Catalogue Number: Boston 99.518 
Beazley Archive Number: 302569 
Ware: Attic Black Figure Shape: Kylix 
Painter: Name vase of the Painter of the Boston Polyphemos 
Date: ca 560 - 550 BC Period: Archaic 
Editoração eletrônica: Equipe NEA 
www.nea.uerj.br 
 
CATALOGAÇÃO NA FONTE 
UERJ/REDE SIRIUS/CCSA 
Ficha eletrônica 
 
 
P912 CANDIDO, Maria Regina; CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa 
(Orgs.). Práticas Religiosas no Mediterrâneo Antigo. Rio de Janeiro: 
NEA/UERJ, 2011. 252 p. 
 
 
ISBN: 
 
1. Mediterrâneo, Mar, Região - Religião. 2. Religião. I. Cândido, Maria 
Regina. II. Campos, Carlos Eduardo da Costa. 
 
CDU 931(262) 
 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
3 
 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
 
Reitor: Ricardo Vieiralves de Castro 
Vice-reitor: Christina Maioli 
Extensão e cultura: Nádia Pimenta Lima 
 
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas 
José Augusto Souza Rodrigues 
 
Departamento de História 
André Luiz Vieira de Campos 
 
Programa de Pós-Graduação em História (PPGH/UERJ) 
Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira 
 
Conselho Editorial 
Claudia Beltrão da Rosa 
Deivid Valério Gaia 
José Roberto de Paiva Gomes 
Maria do Carmo Parente Santos 
Maria Regina Candido 
 
Assessoria Executiva 
Alair Figueiredo Duarte 
Ana Carolina Caldeira Alonso 
Carlos Eduardo da Costa Campos 
Junio César Rodrigues Lima 
Luis Filipe Bantim de Assumpção 
Tricia Magalhães Carnevale 
Pedro Vieira da Silva Peixoto 
 
 
 
 
 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
4 
 
Sumário 
 
7 Apresentação 
 Maria Regina Candido 
10 Prefácio 
 Vicente Dobroruka 
13 A Situação Sócio-Política de Josefo: entre a História e a Traição 
 Alex Degan 
31 O cuidado para com os pobres no Cristianismo Primitivo – 
Reflexões a partir de João Crisóstomo 
 Carlos Caldas 
48 Elementos da religião doméstica romana na Aulularia de Plauto 
 Claudia Beltrão da Rosa 
58 Homero: magia e encantamento da palavra poética 
 Flávia Maria Schelee Eyler 
69 A cristianização do Império Romano: Algumas considerações de 
caráter historiográfico 
 Gilvan Ventura da Silva 
87 Identidade e Memória no Cristianismo Sírio-Palestino: o’amen 
nos ditos de Jesus de Nazaré 
 João Batista Ribeiro dos Santos 
101 A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristãos 
 João Oliveira Ramos Neto 
 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
5 
 
117 Bês em Deir el Medina e no Mediterrâneo(1540-400 a.C.) 
 Margaret M. Bakos 
 
135 Mito y sentido en Hesíodo: Las formas de habitar el mundo 
 Maria Cecilia Colombani 
147 A Rainha de Sabá e o Cristianismo da Etiópia 
 Maria da Conceição Silveira 
160 Muçulmanos e Cristãos: uma construção da alteridade dos fiéis 
das duas crenças 
 Maria do Carmo Parente Santos 
174 Santidade Feminina na Gália Merovíngia: Radegunda de Poitiers 
 Miriam Lourdes Impellizieri Silva 
190 O Culto Imperial como “Transcrito Público” 
 Norma Musco Mendes 
210 “Pondo o Lixo Pra Fora” da relação entre exclusão de grupos 
sócio-religiosos e interdição literaria na tradição judaico-cristã – João, 
Judas e Lutero 
 Osvaldo Luiz Ribeiro 
222 Considerações Sobre a Religiosidade Grega 
 Pedro Paulo Abreu Funari 
235 Um manuscrito pseudo-Zoroástrico e o papel do Salvador no 
Cristianismo Primitivo Oriental 
 Vicente Carlos Dobroruka 
 
 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
6 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
7 
 
Apresentação 
 
Maria Regina Candido 
 
 Ao apresentar uma publicação com um tema amplo como a 
Religião no Mediterrâneo Antigo, estamos trazendo ao debate as várias 
faces do sagrado na qual podemos construir uma relação interpretativa 
entre a natureza transcendente do ser humano diante da religião e 
como ele traduz a sua materialidade. A manifestação do sagrado 
contribui para uma nova semântica de relações no qual o homem 
religioso imprime ao mundo sensível uma descontinuidade, que 
reclassifica qualitativamente os objetos, sacraliza o mundo e atribui um 
significado ao espaço sagrado em oposição ao cotidiano do mundo 
profano. 
Por outro lado, não podemos esquecer da dinâmica do século 
XIX para os estudos da religião. Tal período perpassou pela 
revitalização dos textos clássicos, assim como vivenciou 
acentuadamente as novas descobertas arqueológicos. No meio 
acadêmico, o resultado emergiu com a institucionalização da disciplina 
da Ciências da Religião que fomentou a criação da cátedra 
universitária História das Religiões promovendo a realização de teses, 
congressos e publicações. 
 A identificação da temática da religião como objeto de estudo 
torna-se interessante para nós pesquisadores das práticas mágico-
religiosas na Antiguidade ao redor do Mediterrâneo. O fato se deve a 
ampliação da complexidade do ambiente religioso no Mundo Antigo 
assim como na Modernidade que pode ser lida de modos diferentes, 
antagônicos e complementares. Alex Degan investiga o judaísmo 
tardio e o cristianismo primitivo e os métodos de governança romana 
na Palestina. Carlos Caldas atualiza o tema ao trazer o personagem de 
João Crisóstomos e a relação da igreja cristã com os pobres 
considerados explorados e oprimidos. A pesquisadora Cláudia Beltrão 
analisa o teatro romano como reflexo da centralidade da vida religiosa 
dos romanos. A abordagem religiosa nos remete as práticas mágicas 
cuja fronteira nem sempre é visível para separar o sagrado do profano 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
8 
 
como aponta Flavia Maria Schlee Eyler. Gilvan Ventura da Silva 
analisa a expansão e fortalecimento das comunidades cristãs no 
decorrer do século IV no epicentro dos núcleos urbanos do orbis 
romanorum. 
Junto a os aspectos da vida religiosa no cotidiano, João Batista 
Ribeiro Santos analisa a tradição talmudica e João Oliveira Ramos 
Neto traz a reflexão sobrea vida dos primeiros cristãos no cotidiano 
dos habitantes da Palestina nos dois primeiro séculos da era comum. 
Retrocedendo no tempo, Margaret M. Bakos busca indícios da escrita 
antiga impressa no bastão mágico usado no culto no Egito Antigo, 
enquanto que Maria Cecilia Colombani busca identificar certa 
funcionalidade dos deuses e heróis visando tornar inteligível a lógica 
da narrativa mítica. O tema sobre a narrativa mítica perpassa também 
pela abordagem de Maria da Conceição Silveira ao analisar o mito da 
Rainha de sabá e o Cristianismo na região da Etiopia. A religiosidade 
do islamismo em embate com o cristianismo,tão ativa no tempo 
presente, transita pelo tema da pesquisadora Maria do Carmo Parente. 
Enquanto a Antiguidade Tardia e a emergencia de novos modelos de 
santidade e mártires revelam as mudanças ocorridas na percepção 
religiosa dos cristãos de acordo com a perspectiva de Miriam Lourdes 
Impellizieri Silva. O Culto Imperial como Transcrito Publico, segundo 
Norma Musco Mendes que analisa a institucionalização do sistema 
imperial romano de acordo com a documentação textual, epigrafia e 
arqueológica no final do periodo republicano expõe a fragil infra 
estrutura demarcada pelos caóticos expedientes administrativo. 
A tradição judaico-cristã foi constituída por múltiplas 
representações socio-religiosa, segundo Osvaldo Luiz Ribeiro, fossem 
todas as harmônicas e homogenias tenderiam a uma fusão pacifica, 
porem , não foi o que ocorreu, fato explicado pelo autor em seu texto. 
Ainda mantendo o interesse na esfera do religioso, Pedro Paulo de 
Abreu Funari analisa as considerações sobre a religiosidade gregas ao 
constatar que os gregos nunca foram muito unidos, falavam e viviam 
em diferentes regimes politicos e sociais e variadas eram as suas 
origens étnicas, mesmo assim continual a inspirar as gerações 
posteriores causando espanto e admiração ao qual cabe ao autor 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
9 
 
analisar. O pesquisador Vicente Dobroruka discute a formação do 
cristianismo primitiva em relação à refeição sagrada e o culto de Mitra. 
 
Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido 
Prof.ª Associada de História Antiga da UERJ 
Coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade 
& do Lato Sensu de História Antiga e Medieval da UERJ 
Coordenadora de Mestrado do PPGH/UERJ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
10 
 
Prefácio 
 
Vicente Carlos Dobroruka 
 
Prefaciar um livro que trata de ―práticas religiosas no 
Mediterrâneo antigo‖ seria algo fácil de fazer-se no Brasil de algumas 
décadas atrás? O tema era por si mesmo bizarro, os estudiosos, poucos 
e o acesso à informação inexistente. Ou se tinha dinheiro e acesso às 
bibliotecas estrangeiras (ou alternativamente, podia-se pagar o infame 
―dólar livro‖ e encomendar, por vezes com demora de anos, um livro 
numa das grandes livrarias de Rio ou São Paulo), ou o estudioso com 
freqüência mudava de área. Ouvi de mais de um colega de graduação 
que ele iria estudar ―história do Brasil‖ (um rótulo tão anódino quanto 
―História Antiga‖, diga-se de passagem por nada dizer acerca do tema 
estudado – pelo fato de que ―há fontes à vontade‖. 
Os menos cultos alegavam - falaciosamente - que ―não era 
necessário saber outra língua além do português‖. 
Diante de tamanho fracasso, o quadro atual é algo de que 
devemos nos orgulhar. Em aproximadamente duas décadas saíamos da 
virtual inoperância na área de estudos de religião no mundo antigo, 
como estamos aos poucos nos aventurando em terrenos pouco 
mapeados, mesmo por estudiosos de renome internacional. 
Obviamente, parte desse sucesso, espelhado nesta compilação que traz 
a marca da excelência dos trabalhos realizados pelo Núcleo de 
Estudos da Antigüidade - NEA da Universidade do Estado do Rio de 
Janeiro (UERJ), deve-se a fatores externos inimagináveis há duas 
décadas: o fim da inflação, a invenção da Internet, a "versão 2.0" da 
mesma, que nos coloca em contato com os grandes nomes de qualquer 
campo de pesquisa "em tempo real", a moeda brasileira forte, os 
programas de incentivo à pesquisa. 
Mas todos esses recursos, técnicos por natureza, de nada 
serviriam se não existissem pesquisadores dispostos ao esforço 
intelectual num campo tão escorregadio, tão cinzento e tão cheio de 
oportunidades quanto o do estudo das práticas religiosas no mundo 
mediterrânico da Antigüidade. Nesse sentido, o esforço mental de um 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
11 
 
Reitzenstein ou de um Nöldeke é comparável ao nosso - sua 
genialidade sobressai-se, em parte, pelas limitações que 
acompanhavam os trabalhos de sua época, contrapostos às 
supracitadas facilidades de que dispomos. 
Muito do avanço no estudo científico no estudo da religiosidade 
desse período deve-se à curiosidade despertada pela religiosidade do 
mundo helenístico em geral; com a admissão franca do judaísmo de 
Jesus (algo relativamente recente), o público leitos viu-se às voltas 
com um dado novo e "surpreendente": não apenas Jesus era judeu, 
mas em seu tempo teve concorrentes, com propostas e práticas 
distintos também. 
O que uma coletânea como esta nos lembra é a extrema 
variedade e, por vezes, superposição dessas práticas. E nos lembra 
também que, embora durante a vida de Jesus como hoje o essencial da 
vida espiritual de cada homem consistisse na oração (de petição, de 
promessa, de agradecimento ou mesmo de maldição), os textos nos 
quais essas tradições espirituais se apoiavam variavam enormemente. 
O uso de figuras sagradas parecia mesmo confundir-se entre diversos 
grupos, e o mesmo pode ser dito de seus textos: com freqüência nos 
deparamos diante de uma profecia, oração ou apocalipse que poderia 
igualmente ser judeu, cristão ou pagão. 
Ou ainda poderia ser tudo isso simultaneamente - quando 
Momigliano lançou a idéia de um "banco de dados" temático 
espalhado pelo Mediterrâneo após o séc.V ou VI a.C., referia-se não 
apenas a temas que apareciam um pouco por todo o lado como 
também a personagens que, se não eram os mesmos, dividiam muitas 
características comuns e, portanto, eram facilmente assimiláveis por 
seus adeptos. Pensemos em Jesus, Asclépio, Apolônio de Tyana e, 
mais tardiamente, Zoroastro, Ostanes e Apolo. 
O esforço representado pelos textos que compõem esta 
coletânea é tanto mais notável pelo fato de servirem-se com 
freqüência de bibliografia e fontes primárias compartilhadas com os 
melhores estudiosos de países com mais tradição. Sejamos justos: o 
resultado não é ainda comparável ao obtido por instituições com 
muitos séculos a mais de tradição acadêmica. Todavia, é de se 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
12 
 
enfatizar aqui o "ainda não" - a prosseguirmos nessa autêntica 
sementeira de talentos, orientações e publicações, em breve teremos 
avançado não apenas em função de nosso próprio atraso, mas em 
poucas gerações estaremos, como comunidade acadêmica e não 
apenas como indivíduos isolados, dialogando com estudiosos e 
instituições com muito mais tradição. 
Levamos uma vantagem inicial, é verdade - e isso fica também 
exemplificado nesta coletânea: pela ausência de quadros altamente 
especializados, temos de cobrir uma vastidão de campos de interesse e 
investigação inconcebíveis para um acadêmico inglês, alemão ou 
norte-americano. Damos aulas que, numa manhã, pulam de Flávio 
Josefo à magia ateniense, e do mercenarismo grego à confecção da 
Teogonia. Vejam bem leitores, estou falando desse tipo de proeza 
didática realizada não pelo aluno, mas pelo professor: aqui, tivemos 
de fazer da necessidade, virtude. 
Um dos aspectos positivos dessa limitação é que os autores dos 
textos desta coletânea foram forçados, creio que sem exceções, a 
travar contato com uma multiplicidade de tradições menos por 
interesse do que por urgência. E dessa urgência surgiu o gosto, e do 
gosto, o aprendizado dos modos de estudar e entender essas facetas do 
passado. 
Este livro parece-me, portanto, um balanço de estado atual das 
pesquisas sobre religiosidade no mundo antigo no Brasil; não é o 
único, é verdade, mas pela diversidade de temas, ele oferece ao leitorum diálogo não apenas entre temas distintos, mas também entre 
abordagens diferentes. E involuntariamente, presta homenagem ao 
grande melting-pot étnico-religioso-político que foi o mundo legado 
por Alexandre aos pósteros. 
 
 
Prof. Dr.Vicente Dobroruka 
Professor de História Antiga da UnB 
Professor Visitante em Clare Hall, Cambridge 
Membro do Ancient India and Iran Trust, Cambridge 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
13 
 
A Situação Sócio-Política de Josefo: entre a História e a 
Traição 
Alex Degan
1
 
Nascido no primeiro ano do reinado de Calígula
2
, filho de 
aristocratas de Jerusalém (Vita, 1-5) e sacerdote fariseu, Flávio Josefo 
situa-se em uma categoria de personagens polêmicos, seja por sua 
atribulada vida, seja por seus impressionantes livros
3
, ou por sua 
existência posterior dentro da tradição literária clássica. Ao investigar 
suas obras é empreitada difícil deixar de se envolver com suas 
controvérsias. Fonte importante para estudos que investigam o 
Judaísmo Tardio, o Cristianismo Primitivo e os métodos de 
governança romanos na Palestina, este estudo objetiva refletir sobre 
seu papel sócio-político dentro da sociedade judaica hierosolimitana, 
procurando responder a seguinte pergunta: quais eram suas relações 
políticas e sociais na eclosão da revolta, na condução dela e no trato 
desastroso com Roma, terminando com a capitulação judaica e a 
destruição de Jerusalém? 
 
1
 Professor Assistente do Departamento de História da Universidade Federal 
do Triângulo Mineiro (UFTM), doutorando em História Social pela 
Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Laboratório de Estudos 
Sobre o Império Romano (LEIR). E-mail: alexdegan@yahoo.com.br 
2
 Entre os anos 37 e 38, (Vita, 5). 
3
 A obra de Josefo, preservada com cuidado desde o início por intelectuais 
cristãos, é composta por quatro livros: Bellum Judaicum (dividido em sete 
livros que tratam desde a consolidação da dinastia asmonéia, até a conquista 
de Massada, escrito entre os anos 75 e 79), Antiquitates Judaicae (narrativa 
da história judaica, desde a criação do mundo até o início da revolta de 66, 
composta de vinte livros e redigida entre os anos 94 e 99), Vita (único livro, 
provavelmente um anexo incorporado a uma edição de Antiquitates, escrito 
entre 94 e 100) e Contra Apionem (tratado apologético organizado em dois 
livros que se preocupa em demonstrar a nobreza e antiguidade da história 
judaica, polemizando especialmente com escritos gregos, sendo redigido 
entre 94 e 100). 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
14 
 
Antes de analisarmos a aristocracia que Josefo pertencia, 
devemos dedicar atenção ao seu universo: a Judéia. É preciso ressaltar 
que a Palestina romana, região atrelada à província da Síria e lar 
nacional dos judeus, não se destacava comosendo uma grande 
áreaeconômica no Império (SARTRE, 1994: 383). Em relação aos 
judeus, provavelmente eles eram tratados como mais uma das muitas 
etnias que compunham o arranjo imperial, sem merecer uma atenção 
especial na política romana. Se pudermos atribuir alguma 
especificidade a Judéia, isto se justificava por sua posição fronteiriça 
entre os partos e pela relação que Jerusalém mantinha com imensa 
comunidade judaica da diáspora
4
. Estavam os judeus espalhados por 
grande parte dabacia mediterrânea, principalmente em grandes 
cidades como Roma
5
 e Alexandria
6
, como também formavam 
comunidades no Império Parta. Apesar das fontes registrarem 
problemas localizados e temporários entre judeus e gentios na 
diáspora até a eclosão da grande revolta de 66 - 70
7
era evidente que a 
relação exclusiva do povo judeu com YHWH, a observância doshabat, 
o cumprimento da dieta judaica e a prática da 
circuncisãodemonstravam que o particularismo não poderia ser 
ignorado(GOODMAN, 1994: 106), não necessariamente estruturando 
um problema de convivência. 
 
4
 Sobre a diáspora, consultar: GRUEN, 2002. 
5
 Martin Goodman (1994 A, p. 328) observa a existência de 11 ou mais 
sinagogas em Roma durante o século I a.e.c. 
6
 Ellen Birnbaum (2004: 114) entende que os gregos de Alexandria 
condenavam o comportamento passivo dos judeus frente ao comando romano 
da cidade, o que produzia muitos conflitos e ressentimentos entre as duas 
comunidades. 
7
 Sobre a relação dos romanos com a religião judaica, concordamos com o 
que diz Maurice Sartre (1994: 392): ―Es abusivo hablar con respecto al 
judaísmo de una religio licita, noción jurídica desconocida por los romanos, 
pero en función de su respeto de los derechos locales de todos los peregrinos 
del Imperio, se reconoce la Torah como la ley de los judíos, incluidos sus 
aspectos religiosos‖. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
15 
 
O Império Romano, composto por sociedades distintas
8
, se 
apoiava em algumas estruturas unificantes, como o imperador, a 
cidade e os exércitos. Em relação aos assuntos cotidianos, o poder 
romano encontrava-se ligado aos aparatos das políticas local e 
regional, tendo a cidade como unidade básica de organização. De fato, 
as cidades eram os centros primários de poder, e não Roma (PRICE, 
2004: 54). Foi nas cidades que a política romana procurou fazer sentir 
sua presença, cooptando suas classes dirigentes e buscando encontrar 
nesse centro de organização instituições unificadoras para estabelecer 
sistemas coletores de impostos, mantenedores da ordem pública
9
 e de 
culto ao imperador
10
. Na Palestina judaica a maior e mais honrada 
estrutura nacional era o Templo de Jerusalém (HORSLEY, 2000: 17), 
local no qual se nutriam as ramificações do poder na antiga Palestina 
judaica e de sua aristocracia religiosa sacerdotal que acabava 
assumindo também as direções de classe dirigente civil (VIDAL-
NAQUET, 1996: 33). Flávio Josefo, como muito se orgulhava (Vita, 
1, 1-6), pertencia a esta elite sacerdotal, descendente da casa real 
asmonéia e da tribo sacerdotal de Levi
11
. Yosef benMattitiahou ha 
 
8―Como todos os impérios os impérios, o império romano não era uma 
„sociedade‟ unitária, mas uma combinação de muitas „sociedades‟ [...]. 
Historicamente, qualquer grau apreciável de integração foi alcançado 
unicamente por meio do exercício de várias espécies de poder‖ (HORSLEY, 
2000: 17). 
9
Garnsey e Saller observam que os objetivos básicos deste método de 
governança construído por Roma e elites regionais eram dois: manter a 
ordem e arrecadar impostos. GARNSEY; SALLER, 1991: 32. 
10
 Sobre o culto ao imperador na parte oriental do Império do século I: 
PRICE, 2004: 53-76. 
11Sobre o lugar da elite sacerdotal na Palestina romana: ―O sacerdote era 
alguém separado para servir exclusivamente à sua vocação, tendo sua 
existência inteira comprometida com uma total entrega a Deus‖ 
(PEDREIRA, 2002: 271); ―Os próprios sacerdotes, ou cohanim, pertencem à 
tribo de Levi. Esta não recebeu territórios nos tempos bíblicos, pois cabe-lhe 
uma missão mais elevada: a de guardar a Aliança. Dessa tribo provêm, em 
especial, Aarão e Moisés, filhos de Amram, mas somente a descendência de 
Aarão, o irmão mais velho, é tida por fornecedora dos grandes sacerdotes 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
16 
 
Cohen, antes da adoção pelos Flávios o renomear 
comoTitusFlaviusJosephus
12
, era um sacerdote fariseu
13
 e, dando 
crédito aos seus textos, figura importante na sociedade de Jerusalém 
antes da revolta. Para Per Bilde
14
, TessaRajak
15
 e DavidM. Rhoads
16
 é 
sob este ponto que devemos ler e interpretar as descrições que Josefo 
faz da guerra, do Judaísmo e dos rebeldes: para estes autores, a elite 
sacerdotal a que Josefo pertencia estaria não só em desacordo com os 
grupos de revoltosos, mas também procuravam se opor a eles em um 
projeto nacional (RHOADS, 1976: 05). Bilde afirma que Josefo e seus 
pares formariam uma espécie de ―partido moderado‖, tentando 
equilibrar as tensões entre judeus e autoridades romanas, atuando 
como um grupo político que lutou por esvaziar o descontentamento 
 
„ungidos pelo Senhor‟ e pode usar o título de Cohen‖ (HADAS-LEBEL, 
1991: 19). 
12
Hadas-Lebel (1991: 11) explica que, ―Josefo é o prenome bíblico que o pai, 
Matias, lhe deu ao nascer. Quando, mais tarde, o imperador Vespasiano fez 
dele um cidadão romano, esse prenome „bárbaro‟ tornou-se um cognomen 
associado ao nome de família do benfeitor que o libertou após tê-lo 
aprisionado, o nome da gens Flávia‖. 
13
 Sobre Josefo com um fariseu na juventude, consultar: RAJAK, 1983: 11-
45. 
14
 Para Bilde (1988: 179): ―Josephus was of an aristocratic, priestly and 
noble family. He had been well educated […]. Moreover, he was wealthy 
throughout his life. Thus, Josephus was deeply rooted in the Palestinian-
Jewish and Jerusalem upper-class, and later it appears that in the Diaspora 
and in Rome, he seems to have established himself in a similar position‖. 
15
Para Tessa Rajak (1983: 79):―The various strands of Josephus‟ 
interpretation of the revolt fall into place, and make sense, when the simple 
point is understood that his opinions are, as is quite natural, the product of 
his position within Palestinian society, and that they are those of a partisan 
on one of the two sides in a violent civil conflict‖. 
16
Para David Rhoads (1976: 5): ―Josephus‟ heritage thus identifies him the 
priestly ruling class of Israel, the class which cooperated most directly with 
the Romans and which had the most to lose by a war white Rome‖. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
17 
 
popular de seu conteúdo revolucionário, tentando ganhar tempo
17
, 
dominando os fanáticos, preservando a amizade com Agripa II e 
esperando uma ação romana para abrir novas negociações. 
Provavelmente o desaparecimento da ordem romana também 
significaria uma séria ameaça a esta classe dirigente. 
Ainda centrada na classe dirigente a qual Josefo pertencia, 
Martin Goodman oferece uma interpretação interessante. Para 
Goodman a elite dirigente mantinha profundas oposições em relação 
aos grupos rebeldes (GOODMAN, 1994: 26), na maioria compostos 
por judeus camponeses (GOODMAN, 1994: 84), distantes do 
cotidiano dos ofícios do Templo e da cidade
18
. Josefo não esconde as 
diferenças entre o judeu que ele é e os galileus e idumeus, ressaltando 
as especificidades destes grupos em suas relações com o Judaísmo
19
. 
Entretanto, Goodman afirma que esta elite sacerdotal do Templo não 
se opôs ao conflito aberto contra Roma porque também o desejava. 
Para ele, ―a revolta foi, assim, desde o início conduzida pela classe 
dirigente, numa tentativa desesperada de manter sua importância na 
sociedade judaica depois que o apoio romano, em que haviam 
anteriormente confiado, foi retirado‖ (GOODMAN, 1994: 173). De 
fato, como nos mostra Richard A. Horsley, a centralidade do Templo 
e de suas estruturas de poder nunca foram totalmente aceitos por todos 
os judeus
20
, e os romanos, na tentativa de assentar sua influência na 
 
17―He tried to control the rebellious forces, to subdue the religious fanatics, 
to retain the relationship to King Agripa II and thus to the Romans, to 
maintain control of the entire province and, by and large, to wait and see, 
hoping that a possibility of negotiation might turn up‖ (BILDE, 1988: 179). 
18
 Sobre a relação entre banditismo social e meio rural na Palestina romana 
do século I: HORSLEY; HANSON, 1995: 57-88. 
19
Richard Horsley(2000: 19) observa que, ―embora em algumas passagens 
Josefo se refira aos hoiioudaioi de modo um tanto indefinido, em geral ele é 
bastante preciso com relação aos galileus ou aos idumeus em situações em 
que seus intérpretes substituem por judeus‖. 
20―O Templo, porém, foi sempre uma instituição contestada e negociada, 
quer no tempo de Salomão (construído com o emprego de trabalho forçado 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
18 
 
aristocracia nativa, aceleraram seu descrédito frente ao frágil corpo 
social da Palestina judaica. Com o fracasso do modelo de dinastia 
helenística após a morte de Herodes, os romanos incorporaram a 
região ao plano administrativo direto da província da Síria
21
, assistida 
por um procurador ou prefeito
22
, buscando ajuda no cargo de Sumo 
 
contra o qual quase todas as tribos finalmente se revoltaram; 1Rs 5:12), na 
época de sua reconstrução nas últimas décadas do século VI e sob o 
patrocínio do Império Persa (Ageu, Malaquias, Isaías 56-66, Esdras, 
Neemias), na crise do fim do século III / início do século II a.C. (1 Henoc 92-
104; Reforma Helenizadora, Rebelião Macabaica, comunidade de Qumrã / 
Manuscritos do Mar Morto), na reconstrução imponente do Templo em estilo 
romano-helenístico empreendida por Herodes ou na grande revolta de 66-
70. Instituições como a do Templo de Jerusalém eram resultados 
contestados, negociados, de compromisso continuado, assumido por um 
povo imperialmente dominado‖ (HORSLEY, 2000: 17-18). 
21―Siria, engrandecida con Cilicia Llana, sólo ocupa de hecho el Norte y 
Centro de la gran Siria (en sentido antiguo), puesto que en el sur están los 
reinos de Judea (Palestina) y Nabatea (Transjordania). Ella misma está 
conformada por una constelación de microestados que ocupan su territorio. 
El gobernador, que reside en Antioquia, gobierna de hecho sobre la Siria de 
las ciudades. Como provincia fronteriza limita con el territorio de los partos, 
lo que explica la presencia de tres o cuatro legiones en su territorio. Augusto 
conserva el mando de la provincia para sí mismo y nombra a un legado de 
rango consular. Siria permanece ininterrumpidamente como uno de los más 
importantes gobiernos provinciales‖ (SARTRE, 1994: 21). 
22
 Sobre a dúvida se a Judéia romana após o ano 6 era administrada por um 
procurador ou prefeito: SARTRE, M., 1994: 388. ―Siguiendo a Flavio Josefo 
y los escritos intertestamentarios, se creyó durante mucho tiempo que Judea 
formó una provincia autónoma confina a un procurador desde ese momento. 
Una inscripción encontrada en Cesarea en 1969 prueba que Poncio Pilato 
llevaba el título de praefectus. En realidad Judea estuvo, pues, anexionada a 
Siria – cosa probada suficientemente por las múltiples intervenciones de los 
gobernadores de Siria en Judea hasta la revuelta del 66 y por lo que Josefo 
declara explícitamente, pero un prefecto al mando de las tropas 
representaba al gobernador; el mismo hombre estaba también, sin duda, 
encargado de las finanzas de la región, al menos de la gestión de los 
dominios imperiales, y actuaba entonces como procurador‖ (SARTRE, 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
19 
 
Sacerdote
23
. Este antigo cargo, em acentuado desprestígio desde 37 
a.e.c., abalado pela ação centralizadora de Herodes, só seduzia ainda 
membros da própria classe sacerdotal. O Evangelho de João registrou 
este desgaste do sumo sacerdócio frente ao povo judeu em duas 
oportunidades24
, sugerindo que o ofício no cargo era anual. Não era, 
como demonstra Goodman (1994: 118), mas as rápidas mudanças, 
devido aos jogos de poder entre Herodes e, posteriormente, romanos e 
famílias sacerdotais, mimaram definitivamente a importância do cargo 
aos olhos dos judeus simples (GOODMAN, 1994: 118). 
Concordamos com Goodman em sua análisedo quadro de 
alienação política da elite dirigente judaica, falida e sem capital moral 
para comandar a Judéia
25
, mas não temos muita certeza quanto a sua 
participação decisiva na eclosão e condução da revolta. Mesmo 
quando Goodman argumenta que a razão da excessiva punição 
 
1994: 388);―Cette inscription découverte à Césarée […] porte le nom de 
Ponce Pilate et indique son tigre officiel, préfet de Judée. Après le bref 
intermède du règne d‟Agrippa, les gouverneurs de Judée prennent le titre de 
procurateur ‖ (HADAS-LEBEL, 1997 : 94). 
23
Concordamos com a precisa observação de Martin Goodman (1994: 116): 
―A Judéia havia sido governada durante quase um século e meio por 
monarcas de molde helenístico. Quando as instituições da monarquia 
desapareceram naturalmente com a destituição de Arquelau, os romanos 
procuraram instituições nativas alternativas para substituí-las. Foram 
atraídos a promover o sumo sacerdócio à liderança da nação apenas por 
aquela posição ser não só antiga como também venerada pelos judeus‖. 
24―Mas um deles, chamado Caifás, que era o pontífice daquele ano, disse-
lhe: Vos não sabeis nada‖ (Jo – 11:49). ―Primeiramente levaram-no à casa 
de Anãs, por ser sogro de Caifás, que era o pontífice daquele ano‖ (Jo – 
18:13). 
25―Eles (o povo judeu) não confiavam nas representações dos seus pretensos 
líderes. Se toda a classe dirigente de fato conseguiu, com Josefo, iludir-se de 
que seus membros eram a elite judaica natural, foram eles então a única 
porção da sociedade a ter essa ilusão. Outros judeus não sentiam tal 
confiança no direito da classe dirigente de governar‖ (GOODMAN, 1994: 
57). 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
20 
 
romana estaria ligada a elevada participaçãoda elite de Jerusalém na 
revolta (GOODMAN, 1994: 238-239), acreditamos que a causa disto 
estaria no fato de que uma nova dinastia de imperadores, os Flavianos, 
necessitava de uma gloriosa conquista, com um triunfo grandioso, 
para consolidar e legitimar seu poder. Preferimos a análise de 
TessaRajak que relacionou o desgaste e racha entre dirigentes judeus e 
romanos como um fruto das vacilações e inabilidades de sucessivos 
governantes latinos na administração da região, como também sendo 
gerada pelas disputas políticas locais e pela incapacidade da elite 
hierosolimitana em lidar com os complexos problemas que a Judéia da 
segunda metade do século I se encontrava
26
. Há uma clara falta de 
identificação entre as classes sociais (RAJAK, 1983: 85) e um surto 
de banditismo rural que nos revela a desintegração que a tradicional 
sociedade camponesa da Palestina sofreu
27
. Rajak (1983: 123-124) e 
Goodman (1994: 61-64) apontam períodos de secas e de aguda crise 
econômica na década de 60 e.c. Fica evidente a inabilidade da classe 
dirigente em administrar a região, com suas instituições 
constantemente vistas como injustas e intoleráveis (HORSLEY; 
HANSON, 1995: 58), sem indícios de um sincero engajamento em um 
levante popular contra o domínio romano. Como os romanos 
tradicionalmente viam as elites como as portadoras de riqueza 
 
26
Para Rajak (1983: 78): ―a rift between Jews and Romans had been opened 
by bad governors and was widened by various criminal or reckless types 
among the Jews themselves, for their own ends, or out of their own madness 
[…]. The inactivity of the established leadership made this possible‖. 
27
Segundo Horsley e Hanson (1995: 57-58):―o banditismo social surge em 
sociedades agrárias tradicionais, em que os camponeses são explorados por 
governos e proprietários de terras, particularmente em situações nas quais 
os camponeses são economicamente vulneráveis e os governos 
administrativamente ineficientes. Esse banditismo pode aumentar em épocas 
de crise econômica, incitado pela fome ou elevada tributação, por exemplo, 
bem como em períodos de desintegração social, talvez resultante da 
imposição de um novo sistema político ou econômico-social [...]. O contexto 
econômico-social do antigo banditismo judeu apresentava exatamente essas 
condições‖. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
21 
 
fundiária (GOODMAN, 1994: 131), e tampouco tinham sensibilidade 
para entender estruturas sociais distintas da sua
28
, esta insistência 
romana em apoiar a elite judaica, seja pela descendência sacerdotal 
desgastada, ou pela riqueza agrária, só fez piorar a situação. Os 
publicanos
29
, preferidos pelos romanos como mandatários locais, eram 
sumariamente desprezados pelos judeus
30
. Mesmo o evergetismo, 
traço fundamental da política romana
31
, parece que nunca seduziu por 
completo os judeus da Palestina: Herodes atraia muito mais a 
admiração grega por suas obras do que a judaica
32
. Em resumo, esta 
elite nacional judaica, que Josefo representava ativamente, padecia de 
uma ilusão se sentindo como inquestionável. Roma também, 
assentando seu poder nestes clientes judeus
33
, ignorava 
completamente a situação complexa da Judéia do século I. Yosef 
 
28―O governo romano era culposamente ignorante a respeito das estruturas 
sociais dos povos submetidos no império. Essa ignorância era profunda e 
entranhada em todo o arcabouço mental romano através do qual eles 
compreendiam outras nações‖ (GOODMAN, 1994: 247). 
29―Em outras províncias do Império Romano os homens ricos que 
arrecadavam os impostos estatais estavam entre os membros mais 
respeitados da sociedade. Chegando à atenção de governadores romanos 
através de tais serviços, eram eles justamente a espécie de homens que se 
tornavam procuradores do imperador e cujos descendentes eventuais 
ascendiam à classe dirigente romana‖ (GOODMAN, 1994: 137). 
30
 O assombro, registrado no Evangelho de Lucas, que os fariseus 
manifestaram ao saber que Jesus tinha se reunido em refeição com 
publicanos, confirma esta visão negativa que os judeus palestinos tinham dos 
coletores de impostos; Lucas 5:27-32. 
31
 Sobre a relação entre o papel sacerdotal do imperador e oevergetismo em 
Roma: GORDON, 2004: 134-140. 
32
 Josefo registra no Bellum Judaicum muitas passagens que refletem a 
gratidão grega ao evergetismo praticado por Herodes, em contraposição ao 
silêncio judeu sobre a maioria destas obras. Um longo relato das ações 
promovidas por Herodes com intuito de alegrar os gregos, incluindo o 
―patrocino‖ de um jogo olímpico, segue em Bellum Judaicum, I: 401-418. 
33
 Sobre a relação do Estado imperial romano com lideranças clientes do 
oriente: SARTRE, 1994: 60-66. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
22 
 
benMattitiahoue a classe sacerdotal a que pertencia eram marginais na 
sociedade que deveriam dirigir. 
No entanto, apesar desta profunda alienação política, em 66 
e.c. estava o ―partido moderado‖ de Josefo coordenando a resistência 
e administrando a Palestina judaica rebelada. Apesar da desconfiança 
de grupos populares como os sicários e os zelotes, algum prestígio 
eles ainda deveriam ter. Antes mesmo da revolta, em 64 e.c., o jovem 
fariseu Yosef benMattitiahou integrou uma comissão que viajou até 
Roma (Vita, 13-16) a fim de negociarjunto a Popeia Sabina a 
libertação de alguns sacerdotes detidos
34
. Conforme observaram 
David Rhoads
35
 e MireilleHadas-Lebel (1991: 73) a viagem o deve ter 
impressionado muito, estando na grande cidade e no centro do poder 
do grande império,e talvez esta experiência tenha aprofundado suas 
dúvidas sobre as reais chances de sucesso de um levante. A comissão 
foi bem sucedida e Josefo deve ter colhido algumas glórias entre os 
dirigentes de Jerusalém e os judeus de Roma
36
. Hadas-Lebel(1991: 
60) deduz que já neste ano Josefo deveria conhecer a língua grega, ao 
menos o suficiente para participar da embaixada judaica, observação 
reforçada por Momigliano (1992: 186) quando aponta a dupla 
formação de Josefo, versado no judaísmo farisaico e na retórica 
 
34―Em 64, „com 26 anos completos‟, Josefo foi encarregado de uma missão 
em Roma. Tratava-se, observa ele, de conseguir a libertação de alguns 
sacerdotes amigos seus, „homens distintos‟. Segundo o relato bastante 
sucinto contido na Autobiografia, o procurador da Judéia, Félix (52-60), 
„não se sabe por que razão‟, tinha mandado prendê-los e levá-los a Roma 
para que se explicassem diante do imperador Nero. Josefo gaba-se de ter 
tido êxito nessa missão intervindo junto á imperatriz Popéia‖ (HADAS-
LEBEL, 1991: 58). 
35―Josephus was especially impressed by the might of Rome. When he 
returned in 66 C. E. to a Jerusalem on the brink of revolt, he tried to 
dissuade those bent on revolution by reminding them of the power of Rome‖ 
(RHOADS, 1976: 06). 
36
 Sobre a relação de Josefo com os judeus de Roma: HADAS-LEBEL, 1991: 
67-72; GOODMAN, 1994 A. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
23 
 
grega
37
, se enquadrado numa constituição helenística geral das elites 
de Jerusalém que poderia provocar censura de alguns dos líderes 
populares do levante. Seu retorno ao lar dos judeus ocorreu 
praticamente ao mesmo tempo em que o rompimento com Roma se 
dava, e mais uma vez Josefo esteve presente no centro das decisões 
judaicas
38
: foi confiado a ele o comando e organização da Galileia 
(alta e inferior) e de Gamala, em Golan. Novamente podemos supor 
que seu prestígio entre os dirigentes hierosolimitanos era alto, pois a 
Galileia não era uma região pacífica.Fazendo fronteira com os partos e 
com o reinado de Agripa, ao norte de Jerusalém e sul da província da 
Síria, a região era a provável porta de entrada dos romanos na 
Palestina judaica independente, situação que se confirmou. Não 
obstante, a situação interna parecia caótica, já que a ordem política 
herodiana e romana desintegrou-se primeiro lá, mergulhando a região 
num surto de banditismo. Historicamente a Galileia sempre foi uma 
região complexa e particular, prensada entre impérios e 
continuadamente invadida. Horsley (2000: 23) observa que: 
Tanto as tradições hebraicas com a literatura judaica 
recente apresentam o povo da Galileia como ardentemente 
independente. Esse povo precisava ser assim, pois um 
soberano estrangeiro após o outro assumia o controle da 
região e determinava sua vida e sua geografia [...]. Os 
galileus devem ter sido resistentes e persistentes para 
 
37
 Josefo afirma que estudou língua grega antes de 64 em Antiquitates 
Judaicae, 20, 263. ―Procurei também, através de muito esforço, ter acesso 
aos textos e disciplinas elaboradas em grego, depois de ter recebido lições 
de gramática, ainda que, na verdade, eu não consegui a pronúncia correta, 
já que a maneira peculiar dos judeus ver as coisas me impediu‖. 
38―Ao voltar de sua missão, Josefo certamente não é partidário de um 
confronto com Roma. Não acaba ele de beneficiar-se de apoios na corte 
imperial, de avaliar o número de seus correligionários na capital do mundo? 
E, no entanto, alguns meses mais tarde, ele se encontra não só envolvido na 
guerra contra Roma, mas também investido de uma responsabilidade muito 
grande: o comando de toda a Galiléia e da região do Golan‖ (HADAS-
LEBEL, 1991: 77). 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
24 
 
manter seu espírito independente ao longo de uma série 
aparentemente interminável de dominadores estrangeiros, 
desde as primeiras cidadescananéias até o império romano. 
Mesmo as relações com Jerusalém e o Templo nunca foram 
absolutamente tranquilas (CHEVITARESE; CORNELLI, 2003: 28), 
registrando os textos bíblicos a Galileia como uma região conquistada 
e dominada pela realeza de Davi e Salomão (HORSLEY, 2000: 26-
28). O cisma das 12 tribos, provocado após a morte de Salomão, 
reforça a ideia de que as tribos do norte, dentre elas a região da 
Galileia, não aceitavam passivamente um comando partindo de 
Jerusalém. 
Assim, no início da revolta judaica estava Josefo coordenando 
os esforços e representando os interesses hierosolimitanos na Galileia. 
Só dispomos de informações que ele mesmo nos deu sobre este 
período, que não são poucas, mas desencontradas e com lacunas 
(HADAS-LEBEL, 1991: 251). Seu constrangimento em narrar suas 
ações contra a campanha de Vespasiano é evidente, e talvez por isto 
ele não nos forneça informações sobre sua formação militar antes de 
66. Sendo Josefo escolhido comandante de uma região importante, 
complexa e que seria a primeira a sofrer com a empreitada romana, 
deveria conhecer um pouco de disciplina e tática bélicas? Não 
sabemos. Josefo diz que procurou fortificar cidades, unificar as 
guerrilhas locais e organizar um exército seguindo o modelo romano. 
Informou que provocou imediatas desconfianças entre os líderes 
galileus populares quanto as suas intenções frente aos romanos e 
Agripa II. Para Richard Laqueureste é um indício que ele abusou de 
sua autoridade
39
, despertando rancores locais, e Cornelli observa que 
sua autoridade na Galileia era tão fraca que ele tinha que se valer de 
 
39―Josephus abused his mission by assuming the role of tyrant of the northern 
province. Laqueur builds this part of his reconstruction on Vita, partly the 
hypothetical „statement of affairs‟ from 67, and partly the final version which 
is supposed to be determined by Josephus‟ polemics against Justus of 
Tiberias‖ (BILDE, 1988: 174). 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
25 
 
sua guarda pessoal e de mercenários para se sustentar, mas não do 
povo (CHEVITARESE; CORNELLI, 2003: 42). O certo é que em sua 
missão galileia ele sustentou duas guerras: uma externa, contra 
Vespasiano e romanos, e outra interna, contra grupos independentes 
de judeus rebelados (IGLESIAS, 1994: 19). E de certa forma foi 
engolido pelas duas. 
Neste ponto, a posição política de Josefo se coloca na 
pergunta: ele foi um traidor
40
? Aos olhos dos rebeldes, sua capitulação 
em Jotapata foi uma grande traição nacional, mas será que esta era a 
visão de sua classe social? As discussões e dúvidas acerca de sua 
traição são contemporâneas aos seus escritos. Justo de Tiberíades, um 
antigo opositor galileu, contestou o papel de Josefo na guerra em uma 
obra que infelizmente não sobreviveu(Vita, 336-367). Imediatamente 
Josefo se justificou, publicando uma autobiografia, Vita, no final do 
século I e.c., na qual estruturou uma defesa política pessoal temperada 
com algumas informações pessoais
41
. MireilleHadas-Lebel observa 
que a necessidade de Josefo em se autojustificar era tão grande que 
nove décimos de Vita são dedicados ao período do comando na 
Galileia (HADAS-LEBEL, 1991: 77). Todavia, como observa Per 
Bilde (1988: 181), a traição de Josefo, negada com constrangimento,pode ser relativizada se interpretarmos seu comportamento o 
comparando com outros judeus de situação social parecida, como 
Herodes, Agripa II, Filo de Alexandria, os saduceus e os judeus de 
Roma
42
. Tampouco devemos desconsiderar que Josefo atemorizado 
pelas desgraças da guerra lutou instintivamente por sobreviver, 
 
40
 Sobre o tema da traição e Flávio Josefo: VIDAL-NAQUET, 1980. 
41
 Uma interessante leitura do Vita, observando as contradições com seus 
escritos anteriores e violência que o texto orienta sua polêmica foi feita por 
Denis Lamour, 1999. 
42―On a very crude level, of course, Jews in Rome must have seen Josephus 
as a highly desirable patron. He wasanimportantperson in Roman society‖. 
(GOODMAN, 1994 A: 332). 
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26 
 
observação apontada por Elias Canetti
43
. Os romanos, antigos 
parceiros da aristocracia de Jerusalém, lhe prometeram a vida, 
enquanto a causa da independência judaica lhe colocou o dilema da 
sobrevivência e do suicídio. Foi neste Josefo sobrevivente – Flavius 
Josephus – que os judeus da diáspora poderiam buscar algum modelo 
ou orientação frente ao desespero da destruição do Templo e da 
desconfiança sofrida pelo Judaísmo dentro do Império. Ele não 
renegou sua fé judaica para se tornar cidadão romano (Vita, 422-423), 
e trabalhou na redação de uma obra que se dedicou em mostrar que o 
Judaísmo poderia ser compatível com a sociedade romana e ordem 
imperial
44
. Aristocrata, fariseu, sacerdote com prestígio dentro da 
classe dirigente de Jerusalém, a posição política de Josefo transitou 
entre romanos e judeus, primeiramente tentando preservar a posição 
de destaque de sua classe social na Judéia e, depois da catástrofe de 
70, negociando a sobrevivência de sua religião em um ambiente hostil 
ao povo de YHWH. Este homem intermediário (VIDAL-NAQUET, 
1980: 32) permaneceu cindido até o fim, tentando sepultar as suspeitas 
que o cercavam e seus fantasmas passados escrevendo histórias do 
Judaísmo, com se tivesse a necessidade de se convencer de sua 
grandeza. Ator de paixões políticas e religiosas, testemunha parcial de 
 
43
Segundo Canetti (1983: 251), ―o momento de sobreviver é o momento de 
poder. O espanto diante da visão da morte se dissolve em satisfação, pois 
não se é o morto. O morto jaz estendido e o sobrevivente está de pé. É como 
se um combate tivesse antecedido aquele momento, e nós mesmos tivéssemos 
derrubado o morto. Na sobrevivência, cada qual é inimigo do outro, 
comparado com este triunfo elementar, qualquer outra dor não tem muita 
importância. Mas é importante que o sobrevivente esteja sozinho diante de 
um ou de vários mortos. Ele se Vê só, se sente só, e, quando se fala do poder 
que este momento lhe confere, jamais se deve esquecer que ele deriva da sua 
unicidade e somente dela‖. 
44―Josephus could have identified himself with Roman society. Much of is 
writing was aimed at convincing both Jews and Romans that the practice of 
Judaism was not incompatible with living in a roman society, and it would 
have been entirely logical for him to present himself as a „Roman of the 
Jewish faith‘‖ (GOODMAN, 1994 A: 334). 
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27 
 
deprimidos acontecimentos e fundador de uma historiografia 
judaica
45
, sua traição ajudou a nos legar uma obra forte e 
impressionante, sem paralelos para o historiador moderno dedicado ao 
período. Sua triste sorte revelou-se nosso prodígio. Estranhos 
caminhos da História. 
Documentação Textual 
JOSEPHUS. The Life.Against Apion. Translated by H. St. J. 
Thackeray. Cambridge: Harvard University Press (Loeb Classical 
Library), 2004. 
JOSEPHUS. Jewish Antiquities. Translated by H. St. Thackeray, 
Ralph Marcus, Louis H. Feldman and Allen Wikgren. Cambridge: 
Harvard University Press (Loeb Classical Library), 1957. 
JOSEPHUS. The Jewish War. Translated by H. St. Thackeray. 
Cambridge: Harvard University Press (Loeb Classical Library), 1989. 
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Life, his Works, and their Importance. Journal for the Study of the 
Pseudepigrapha Supplement Series 2, 1988. 
BIRNBAUM, Ellen. Portrayals of the Wise and Virtuous in 
Alexandrian Jewish Works: Jews´ Perceptions of Themselves and 
Others. In: HARRIS, William V.; RUFFINI, Giovanni (eds.). 
Ancient Alexandria between Egypt and Greece. Leiden/Boston: 
Brill, 2004. 
 
45
 Denis Lamour (2006: 145) observa que Josefo ―foi o primeiro judeu que 
procurou levar em consideração, por um lado, o encadeamento lógico das 
causas materiais e, por outro, o desígnio impenetrável de Deus de Israel, 
tendo evitado, ao mesmo tempo, a perdição‖. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
28 
 
BRUNT, P. A. LausImperii. In: HORSLEY, Richard A. Paulo e o 
império. Religião e poder na sociedade imperial romana. São 
Paulo: Paulus, 2004. 
CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo : Melhoramentos ; 
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CHEVITARESE, André Leonardo; CORNELLI, Gabriele. Judaísmo, 
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Mediterrâneo Antigo. Itu: Ottoni Editora, 2003. 
FONTETTE, François de. História do anti-semitismo. Rio de 
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GARNSEY, Peter; SALLER, Richard. El Imperio Romano: 
Economía, sociedad y cultura. Barcelona: Editorial Crítica, 1991. 
GOODMAN, Martin. A classe dirigente da Judéia. As origens da 
revolta judaica contraRoma. 66-77 d.C. Rio de Janeiro: Imago, 
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 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
31 
 
O Cuidado para com os Pobres no Cristianismo Primitivo – 
Reflexões a partir de João Crisóstomo 
Carlos Caldas
46
 
Uma das principais características das produções teológicas 
surgidas na América Latina desde a segunda metade do século XX – 
tanto a Teologia da Libertação (TdL) como a Teologia da Missão 
Integral (TMI) é ênfase e a atenção dadas ao fato que as igrejas cristãs 
devem dar aos pobres, explorados e oprimidos em sua atuação no 
mundo
47
. Evidentemente há uma diferença imensa e uma distância 
quase abissal entre as duas correntes teológicas latino-americanas no 
que diz respeito ao lugar e ao papel do pobre para a reflexão teológica 
e ação pastoral ou ação em missão da igreja no mundo. Enquanto a 
TMI enfatizou a importância do envolvimento social como parte 
integrante e absolutamente essencial para o cumprimento da missão da 
igreja no mundo, a TdL enfatizou o pobre como chave hermenêutica 
da leitura bíblica e como sujeito da reflexão teológica. Alguns críticos 
podem pensar que a TMI é tímida demais, especialmente se 
comparada à TdL. Não obstante, é impossível negar que a TMI 
representou avanço, se comparada ao pensamento dos que advogam 
uma compreensão da missão da igreja em termos puramente 
―espirituais‖ (entre muitas aspas...), metafísicos e extramundanos. São 
os que no meio evangélico latino-americano e brasileiro entendem a 
missão da igreja apenas, única e exclusivamente em termos de 
 
46
 Carlos Caldas, Doutor em Ciências da Religião pela Universidade 
Metodista de São Paulo, é professor da Escola Superior de Teologia e do 
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade 
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo. ccaldas@mackenzie.br 
47
 As igrejas que seguem orientação teológica libertacionista chamarão esta 
atuação de ―ação pastoral‖ ou simplesmente ―pastoral‖, e as que se afinam 
com a linha teológica da missão integral a chamarão de ―missão‖. Para mais 
detalhes consultar Longuini Neto (2002: passim). 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
32 
 
―evangelização‖, com vistas à ―salvação da alma‖. Nesta visão, sem 
dúvida estreita, tudo que não tem a ver diretamente com 
evangelização é tido como perda inútil de tempo, energia e dinheiro. 
O fim último da missão é o crescimento numérico da igreja. Esta 
perspectiva teórica, que gera uma prática concreta de missão, foi 
desafiada pela TMI. A grande referência da TMI está no documento 
conhecido como Pacto de Lausanne, produzido no Congresso 
Internacional para Evangelização Mundial (conhecido mais 
simplesmente como Congresso de Lausanne), realizado em 1974. O 
Pacto de Lausanne (PL) gerou uma série de encontros menores que 
por sua vez também geraram documentos, que se tornaram conhecidos 
no meio evangelical no Brasil como ―Série Lausanne‖48. Dentre estes 
volumes merecem destaque especial Viva a simplicidade! 
Compromisso evangélico com um estilo de vida simples (1985) e 
Evangelização e responsabilidade social (1984). Lausanne revigorou 
e oxigenou a reflexão teológica e a prática missionária das igrejas 
simpatizantes e aderentes da TMI. Nunca é demais destacar que a 
atuação dos teólogos evangelicais latino-americanos René Padilla (do 
Equador), Samuel Escobar (do Peru) e Orlando Costas (de Porto Rico) 
tanto no Congresso de Lausanne como na redação do PL foi 
determinante para que a teologia evangélica conservadora 
compreendesse que a missão da igreja não se resume a um discurso 
teórico e à mera aceitação de conteúdos racionais. A TMI advoga que, 
sem embargo do anúncio do evangelho, tão caro às igrejas de tradição 
evangélica, deve haver também um envolvimento com questões de 
natureza social, econômica e política
49
. Nos últimos anos a TMI 
desenvolveu articulações interessantes em sua práxis
50
, tais como a 
 
48
 Os dez volumes da Série Lausanne foram publicados no Brasil pela ABU 
Editora e Visão Mundial de 1982 a 1985. 
49
 Para detalhes quanto à TMI e sua atuação no contexto hispano-americano, 
consultar: www.kairos.org.ar 
50
 A palavra práxis é utilizada não na acepção do senso comum, que a 
entende como mero sinônimo de "prática", mas em seu sentido de reflexão 
sobre a prática. O conceito de "práxis" é bastante antigo, pois tem raízes 
remotas no pensamento de Aristóteles. Todavia, se tornou termo técnico 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
33 
 
Rede Miquéias (Mica Network) 
51
e a RENAS – Rede Evangélica 
Nacional de Ação Social
52
. São movimentos que priorizam de diversas 
maneiras a responsabilidade e o cuidado que a igreja em missão no 
mundo deve ter para com o pobre, o oprimido e o necessitado. Neste 
sentido, a TMI resgatou o aspecto original do evangelicalismo 
britânico dos séculos XVIII e XIX, o qual já tinha em sua gênese a 
compreensão e a prática do envolvimento em questões de natureza 
social, política e econômica
53
. O evangelicalismo é movimento 
teológico multifacetado por demais. Há pontos em comum entre suas 
diversas ramificações, como o aspecto fortemente estaurocêntrico do 
movimento, com uma visão substitucionária anselmiana da morte de 
Jesus na cruz, além das bandeiras – ―Solas‖ – da Reforma Protestante 
do século XVI (Sola Fide, Sola Gratia, Sola Scriptura e Solo Christo, 
ou Solus Christus – respectivamente, ―Só a fé‖, ―Só a Graça‖, ―Só as 
Escrituras‖ e ―Só Cristo‖). Mas vertente latino-americana do 
evangelicalismo é conhecida como ―Evangelicalismo radical‖, pela 
compreensão que tem da necessidade de radicalidade na inserção em 
problemas de natureza social, política e econômica, levando em conta 
 
central no materialismo histórico de Karl Marx, que, a partir de sua 
interlocução com o pensamento de Ludwig Feuerbach, a entende como 
atividade humana a um só tempo prática e crítica. Práxis sem dúvida é 
conceito multifacetado. Antonio Gramsci deu-lhe novos contornos, e o 
mesmo fizeram Georg Lukács e Jurgen Habermas. A teologia prática na 
América Latina se apropriou do termo, utilizando-o à farta, no sentido acima 
citado, de reflexão crítica sobre a ação pastoral da igreja em missão. 
51
 Para detalhes quanto aos propósitos e atuação da Rede Miquéias, consultar 
o web site do movimento: http://redemiqueias.org/ 
52
 Para detalhes quanto aos propósitos e atuação da RENAS, consultar o web 
site do movimento: http://www.renas.org.br/ 
53
 Exemplo clássico é William Wilberforce (1759-1833), político inglês, líder 
do movimento anti-escravagista no Império Britânico. Sua ação política foi 
motivada por sua convicção teológica evangelical. Para detalhes quanto à sua 
teologia, consultar Wilbeforce, William. Cristianismo verdadeiro. Brasília: 
Editora Palavra, 2008. 
 Práticas Religiosas No MediterrâneoAntigo NEA/UERJ 
 
34 
 
especialmente (mas não apenas) as doutrinas da criação e da 
encarnação
54
. 
 Já a TdL foi sem dúvida mais ―avançada‖ que a TMI no que 
diz respeito ao envolvimento da igreja em missão no mundo com 
questões sociais. Gustavo Gutierrez por exemplo (1981), padre 
católico peruano, fala a respeito da ―força dos pobres na história‖. A 
hermenêutica bíblica latino-americana de inspiração libertacionista 
usou a figura do pobre como chave de leitura dos textos bíblicos. 
Exemplo de tal utilização é a Bíblia Sagrada – Edição Pastoral – 
publicada no Brasil por Paulus desde 1991. Trata-se de uma edição da 
Bíblia com um português simplificado, apropriado para pessoas com 
pouca leitura (ao estilo da Nova Tradução na Linguagem de Hoje da 
Sociedade Bíblica do Brasil), com comentários em notas de rodapé, 
em perspectiva de uma hermenêutica libertacionista clássica
55
. A TdL 
latino-americana de inspiração católica recebeu impulso quando a 
Conferência do Episcopado Latino-Americano em Medellín, 
Colômbia (1968) assume a ―opção preferencial pelos pobres‖. Anos 
mais tarde o Vaticano envidou esforços para esvaziar a ação engajada 
das Comunidades Eclesiais de Base (CEB‘s), punir eclesiásticos 
afinados com a TdL, fechar instituições de ensino comprometidas com 
a proposta pedagógica da teologia libertacionista. Caso clássico neste 
sentido foi o acontecido com o ITER – Instituto Teológico do Recife – 
criado pelo legendário Dom Helder Câmara em 1968 e fechado por 
 
54
 Para detalhes quanto ao evangelicalismo radical latino-americano 
consultar, inter alia: CALDAS, Carlos. Orlando Costas: Sua contribuição 
na história da teologia latino-americana. São Paulo: Vida, 2007, pp. 74-83. 
55
 Desnecessário dizer que um empreendimento desta natureza, ainda que 
chamado de ―pastoral‖, não deixa de ser acadêmico (se bem que o pastoral e 
o acadêmico não estão em oposição – antes, devem se completar. Os Pais da 
Igreja que o digam!). Toda e qualquer chave de leitura para as Escrituras se 
transformará, mais cedo ou mais tarde, em um ―leito de Procusto‖, pois, por 
incrível que pareça, sempre será algo externo ao texto bíblico, e na prática 
pode produzir uma contradição, isto é, uma eisegese e nem tanto uma 
exegese. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
35 
 
determinação expressas do Vaticano em 1989, onde lecionaram 
expoentes da TdL, como Joseph (José) Comblin, conhecido 
missionário e teólogo belga radicado no Brasil. O ITER foi uma das 
principais casas de educação teológica e formação clerical católica no 
Brasil, na qual o ensino da TdL estava ligado ao trabalho das CEB‘s e 
da inserção em movimentos sociais e populares. 
 Esta breve introdução apresenta duas perspectivas teológicas 
latino-americanas bastante diferentes em termos de método teológico 
e pressupostos teóricos, mas com um ponto em comum, a saber, a 
compreensão que, biblicamente, a igreja tem responsabilidade para 
com o pobre. O que se pretende apresentar neste capítulo é que, na 
verdade, a preocupação e o cuidado para com os pobres não é uma 
inovação produzida no cristianismo latino-americano a partir da 
segunda metade do século XX. Antes, era prática do cristianismo 
primitivo. Como exemplo, mostrar-se-á a atuação de São João 
Crisóstomo (349-407), um dos Pais da Igreja Oriental. Pretende-se 
apresentar o antecedente histórico, seguido de uma tentativa de 
diálogo entre o pensamento teológico e pastoral de João Crisóstomo e 
a teologia latino-americana contemporânea. 
João Crisóstomo – Esboço biográfico56 
 Ιωάννης ο Χρσσόστομος nasceu em Antioquia, Ásia Menor 
(atual Antakya, sul da Turquia) no ano 349. À época do seu 
nascimento, Antioquia era a terceira cidade do Império Romano. João 
passou à história com o apelido Crisóstomo – literalmente, ―boca de 
ouro‖, por conta de seus dotes de oratória e retórica, que lhe deram 
fama e o tornaram conhecido como o maior orador da igreja grega. A 
alcunha lhe foi dada no século sexto. Filho de família culta e abastada, 
João perdeu seu pai muito cedo. O pai de João, por nome Segundo, 
sírio de nascimento, era oficial do exército romano, tinha o título de 
 
56
 Informações extraídas de Hall, Kelly, Altaner & Stuiber, Hamman e 
Meulenberg. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
36 
 
Magister Milium Orientis. Sua mãe, Antusa, era cristã piedosa, e 
contava com apenas 20 anos quando perdeu Segundo. João 
praticamente não conheceu o pai. Antusa no entanto esforçou-se para 
providenciar para o filho educação da melhor qualidade. O primeiro 
mestre de João em Filosofia e Retórica foi o filósofo sofista pagão 
Libânio (Λιβάνιορ)57. É batizado aos 18 anos, e não há relatos que 
tenha passado por alguma experiência de conversão em moldes 
dramáticos como aconteceria, grosso modo, século e meio mais tarde 
com o não menos famoso Agostinho de Hipona (que, a propósito, foi 
mais tarde influenciado por João Crisóstomo em sua abordagem ao 
texto bíblico). João se fez discípulo de Deodoro de Tarso, 
representante da conhecida ―Escola de Antioquia‖ de exegese bíblica, 
caracterizada pela ênfase no sentido literal dos textos bíblicos (em 
contraposição à Escola de Alexandria, no Egito, famosa pela 
interpretação alegórica)
58
. Deodoro propõe o que denominou theoria 
ou ―contemplação‖, o que incluía análise sintática propriamente do 
texto bíblico, além da importância dada ao elemento histórico dos 
relatos bíblicos (não tido como tão importante pelos exegetas da 
Escola de Alexandria, que davam mais valor ao elemento ―espiritual‖ 
dos textos bíblicos). A respeito do modelo de interpretação bíblica em 
Antioquia, David Dockery declarou: 
De maneira geral, é verdade que os alexandrinos viam um 
significado literal e alegórico, e os antioquenos 
encontravam um sentido histórico e tipológico. Os 
alexandrinos voltavam-se para a regra de fé, a interpretação 
mística e a autoridade como fontes do dogma. Por sua vez, 
os antioquenos voltavam-se para a razão e para o 
desenvolvimento histórico da Escritura como foco da 
teologia. Os antioquenos tinham mais consciência do fator 
 
57
 Curiosamente, Basílio de Cesaréia, outro dos grandes Pais da Igreja 
Oriental, também foi aluno de Libânio. 
58
 Quanto ao modelo de interpretação bíblica de Alexandria consultar, inter 
alia: HALL, Christopher. Lendo Lendo as Escrituras com os Pais da 
Igreja. Viçosa: Ultimato, 2000, p. 147-165. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
37 
 
humano da Escritura e buscavam ser justos com a autoria 
dual da revelação bíblica
59
. 
Dado o fato que João se notabilizou por seu trabalho como 
pregador, é importante sabe a maneira pela qual ele interpretava as 
Escrituras. Retomar-se-á este tema adiante neste capítulo. Além disso, 
João e Teodoro de Mopsuéstia (c. 350-428) foram os principais nomes 
da assim chamada Escola de Alexandria. Por hora, é interessante 
observar que 
Para Crisóstomo, teologia e hermenêutica não eram 
exercícios teóricos, mas práticos e pastorais. Ele acreditava 
que a mensagem bíblica gerava mudanças na vida das 
pessoas. Declarou que a mensagem divina das Escrituras 
preparava as pessoas para boas obras
60
. 
A interpretação bíblica praticada por Crisóstomo e por seus 
pares da tradição de Antioquia portanto leva em conta aspectos 
humanos propriamente do texto bíblico, tais como figuras de 
linguagem, de estilo e de pensamento, mas ao mesmo tempo o texto é 
visto como revelação de Deus,e, via de consequência, autoritativo. É 
um modelo de leitura bíblica que faz lembrar o assim chamado 
método histórico-gramatical, desenvolvido séculos mais tarde, e ainda 
hoje muito em voga na maioria das escolas teológicas evangélicas de 
corte conservador no Brasil e na América Latina. Vale ainda destacar 
que Antioquia não tem um conceito fundamentalista e fechado de 
revelação, no qual os escritores bíblicos são vistos como autômatos. 
Por um tempo João vive entre monges em montanhas, em 
ascetismo rigoroso de jejuns e vigílias, o que comprometerá em 
definitivo sua saúde. Robert Payne descreve de maneira vívida o 
período monástico de João: 
 
59
 DOCKERY, David. S. Hermenêutica contemporânea à luz da igreja 
primitiva. São Paulo: Vida, 2005, p. 115. 
60
 DOCKERY, op. Cit., p. 115. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
38 
 
Ele recolheu-se em uma gruta, onde negava-se a dormir e 
lia a Bíblia continuamente, e passou dois anos sem deitar-
se, visivelmente na crença de que um cristão deve estar 
pronto para obedecer à determinação: ―sê vigilante‖. O 
resultado foi inevitável: seu estômago contraiu-se e seus 
rins foram afetados pelo frio. Sua digestão estava sempre 
difícil. Incapaz de curar a si mesmo, ele desceu a montanha, 
foi para Antioquia e apresentou-se ao arcebispo Melécio, 
que o enviou imediatamente a um médico
61
. 
Na sequência, João foi diácono por Melécio entre 380/381. 
Como tal, trabalhou em Antioquia, sua terra natal, provavelmente 
entre os anos 386-397. No início da última década do quarto século da 
era cristã é ordenado sacerdote. Conta então com quase quarenta anos 
de idade. 
 Uma das tarefas às quais João mais se dedica é a pregação. É 
pregador ousado e combativo: condena erros de clérigos, critica 
costumes pagãos antigos, como os jogos de gladiadores, espetáculos 
teatrais imorais e corridas de cavalos, a instituição da escravidão 
(ainda que não com a mesma intensidade com que criticou a falta de 
misericórdia dos ricos para com os pobres), as festas em honra aos 
antigos deuses, critica o consumismo e a ostentação, defende a causa 
dos pobres e dos oprimidos. Este último tema será abordado com mais 
detalhes adiante. Suas homilias não raro são comentários bíblicos. 
Comenta Gênesis, Salmos, Isaías, o Evangelho de Mateus, o 
Evangelho de João, Atos dos Apóstolos, a Epístola aos Romanos, a 
Epístola aos Hebreus
62
. Sua grande preocupação é aplicar o texto 
bíblico à vida diária dos fiéis. Para tanto, usa com êxito ilustrações a 
 
61
 PAYNE, Robert. Fathers of the Eastern Church. New York: Dorset 
Press, 1989, p. 195, apud. HALL, op. cit., p. 91.. 
62
 Cf. HALL (op. cit., p. 97) João Crisóstomo escreveu 90 homilias sobre o 
Evangelho de Mateus, 55 sobre Atos, 32 sobre Romanos, 44 sobre 1 e 2 
Coríntios, um comentário sobre Gálatas, 24 homilias sobre Efésios, 15 sobre 
Filipenses, 12 sobre Colossenses, 18 sobre 1 Timóteo e 34 sobre Hebreus. 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
39 
 
um só tempo vívidas e comunicativas, extraídas muitas vezes de 
atividades comuns do dia a dia. 
Dedica-se também à obra literária. É escritor prolífico. São de 
sua lavra catequeses batismais (textos preparatórios para os candidatos 
ao batismo), e tratados: Sobre o Sacerdócio, Sobre a Vida Monástica, 
Sobre a Virgindade (De virginitate), Sobre a providência de Deus. 
Sobre o Sacerdócio (Perì hierosúnes – traduzido para o latim como 
De sacerdotio) é até os nossos dias um clássico no assunto. Conforme 
Hamman, 
João Crisóstomo é um orador nato. Conhece o tom 
pitoresco, a mania de sarcasmo, os jogos de palavras (que 
mais tarde lhe custarão caro), a apóstrofe direta, franca, 
apaixonada
63
. 
Não é de se admirar que sua fama de bom pregador crescesse e 
se espalhasse. A respeito de João é dito que multidões se reuniam para 
ouvir seus sermões, claros e corajosos. Não é de se admirar também 
que por esta causa tenha granjeado admiradores e adversários. 
Mais tarde, João foi indicado bispo de Constantinopla, capital 
do Império Romano do Oriente sem dúvida um privilégio, visto ser 
aquela cidade uma das grandes sés da igreja
64
. Mas por diferentes 
questões pessoais, políticas e religiosas, João foi expulso de 
Constantinopla no ano 404, por ordem direta do próprio imperador 
Arcádio (Flavius Arcadius), da citada porção oriental do império. Isto 
porque em alguns dos seus sermões João criticara Eudóxia, esposa de 
Arcádio. Esta tinha grande influência sobre o marido, e conseguiu que 
ele exilasse o bispo. Na verdade, o exílio de João se deu por conta de 
 
63
 HAMMAN, A. Os Padres da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 195. 
64
 As outras eram Jerusalém (berço do Cristianismo), Antioquia (mãe do 
movimento missionário mundial), Alexandria (cidade importante no Egito) e 
Roma (a capital do império). 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
40 
 
críticas contundentes feitas em seus sermões contra a falta de 
escrúpulos de políticos, a avareza e a ambição que viu na corte. Em 
seus sermões denunciou também colegas do clero. Os últimos três 
anos da vida de João foram passados em uma cidade pequenina 
chamada Cucusus, nas montanhas da Armênia, em condições bastante 
severas. 
 João é considerado um dos quatro Doutores da Igreja Oriental 
(os outros três são Atanásio, Gregório de Nazianzo e Basílio o 
Grande). A tradição cristã oriental consagrou-lhe o dia 13 de 
novembro. Já a tradição cristã ocidental não protestante consagrou-lhe 
o dia 13 de setembro, o dia anterior à sua morte no ano 407. Suas 
últimas palavras foram: ―Glória seja dada a Deus em tudo‖. Neste 
dia, nestas igrejas é feita a seguinte oração: ―Vinde Espírito Santo, 
dai-nos a têmpera dos mártires, dai-nos anunciar, mas também como 
São João Crisóstomo fez, denunciar aquilo que é injustiça, que é 
mentira, que prejudica principalmente os mais pobres. Vinde Espírito 
Santo, dai-nos a ousadia dos homens e mulheres de Deus‖ 65. 
O cuidado para com os pobres nas homilias de João Crisóstomo 
 João ficou conhecido como homem de grande sensibilidade, 
piedade, oração e compaixão. A seguir, citar-se-ão partes de sermões 
de João, exatamente a respeito da compaixão que os cristãos devem 
ter para com os pobres e necessitados: 
À medida que passava pelo mercado e pelas ruas estreitas 
[...] vi no meio das ruas muitos excluídos, alguns com as 
mãos feridas, outros com olhos vazados, outros cheios de 
úlceras purulentas e feridas incuráveis, fazendo exposição 
daquelas partes do corpo que, por conta de sua podridão 
 
65
Extraído de 
http://www.cancaonova.com/portal/canais/liturgia/santo/index.php?dia=13&
mes=9 [Acesso: 12 out 2010] 
 Práticas Religiosas No Mediterrâneo Antigo NEA/UERJ 
 
41 
 
concentrada, deveriam estar ocultas. Pensei que a pior falta 
de humanidade seria não apelar ao vosso amor para com 
eles, especialmente agora que a estação
66
 nos força a voltar 
a este assunto
67
. 
Neste mesmo sermão, bastante longo por sinal, o Crisóstomo 
faz um ―passeio‖ pelas Escrituras, trabalhando com vários textos para 
basear sua argumentação a favor de um envolvimento concreto com 
os pobres da sociedade. Neste esforço para fortalecer sua linha de 
raciocínio, cita textos como Gálatas 2:9-10, 1 Coríntios 16:1-2, 2 
Tessalonicenses 2:7, Romanos 15:25, Atos 11:29, e outros mais. Ele 
recomenda aos fiéis que dêem ―abundantemente‖

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