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INTRODUÇAO AO ESTUDO DA FALÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL Acabado nosso estudo sobre os títulos de crédito, passamos para a última parte que estudaremos dentro do Direito Empresarial, qual seja, a Falência e a Recuperação Judicial. Desde 1945, o Brasil adotava o Decreto-Lei n° 7661/45, que tratava das Falências e Concordatas. Imagine-se que, desde então, com a grande modificação da sociedade e do direito, principalmente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, certo que a legislação pertinente à Falência também teria que sofrer alteração e modernização. Durante 11 anos ocorreu a tramitação na Câmara dos Deputados e Senado da denominada "Nova Lei de Falências" que substituiu a antiga lei referida. Era óbvio que o modelo de procedimento previsto no referido Decreto-Lei para as empresas em processo falimentar estava obsoleto e não tinha mais a efetividade que o Direito Empresarial busca e exige. Referida legislação foi elaborada na época em que o Brasil tinha pequeno parque industrial e comercial, e ainda a economia amargava os reflexos da 2ª Grande Guerra. Salienta-se, ademais, que o país saia de um longo período ditatorial, personificada pelo chamado "Estado Novo", em que a legislação era praticamente imposta pelo Poder executivo. Ao longo dos 60 anos de vigência da antiga lei de falências (e concordatas), muitas mudanças ocorreram, quer por alteração da legislação, quer pela dinâmica da Jurisprudência, que foi ajustando as relações entre o falido ou concordatário e seus credores, na medida em que a legislação era omissa ou se distanciava da nova realidade econômica que então se desenhava. Esse é um fenômeno que vemos em muitos casos, não só no Direito Empresarial. Por exemplo, antes da existência do art. 50 do Código Civil que trata da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a jurisprudência já vinha adotando tal medida. Finalmente, o projeto de lei original nº 4376/1993, de iniciativa do Poder Executivo, depois de idas e vindas entre uma casa legislativa e outra, em razão de emendas e substitutivos que eram sugeridos, e ainda, da forte pressão das entidades representativas do comércio, da indústria, das instituições financeiras e demais setores interessados, restou aprovado. A Lei nº 11.101/2005 (nova lei de falências) recebeu a sanção do Presidente da República em 09 de fevereiro de 2005, com vacatio legis de 90 dias, começando sua vigência em 09 de junho de 2005, cujos aspectos principais nós estudaremos nessa segunda parte do semestre. PRINCÍPIOS DA NOVA LEI DE FALÊNCIAS O Projeto de Lei original foi aprovado pela Câmara dos Deputados, após 10 anos de debates com os segmentos interessados, incluindo o Poder Judiciário, as entidades representativas dos Advogados, com destaque para a Ordem dos Advogados do Brasil. Posteriormente, o texto aprovado pelos Deputados, foi remetido ao Senado, onde teve como relator o Senador Ramez Tebet. Inúmeras alterações foram feitas naquela casa legislativa, sendo mantida, todavia, a coluna dorsal consubstanciada na recuperação das empresas, que era um velho sonho acalentado pela classe empresarial e financeira do país. No relatório do Projeto de Lei Complementar nº 71/2003, o relator destacou doze princípios que deveriam orientar a nova lei a ser aprovada, assim enumerados: - Preservação da empresa – esse é importantíssimo. Hoje ganha grande destaque com o estudo do impacto do direito na economia e na consciência da importância da empresa para a sustentabilidade do Estado Democrático-Social de Direito; - Separação dos conceitos de empresa e de empresário - isso vocês já estão carecas de saber do empresarial I. - Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis - a fim de evitar ainda maiores prejuízos; - Proteção aos trabalhadores – a nossa legislação é paternalista no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores, frente ao histórico de escravidão e exploração existente – deve-se ter cuidado para não haver exagero nem quanto à proteção do empregado, nem com a liberdade do empresário-empregador - equilíbrio; - Redução do custo do crédito no Brasil – com a crise de 2008/2009 ainda mais forte restou a concretização desse princípio; - Celeridade e eficiência dos processos judiciais – não foge da regra geral de que a Justiça para ser efetiva deve ser rápida (interessante ler artigos escritos pelo renomado jurista Ovídio Baptista, que ilustra o risco de se fazer uma justiça rápida em detrimento de uma justiça correta e segura; - Segurança jurídica – tanto para o empresário, quanto para o consumidor, para o empregado, enfim, para a coletividade um todo; - Participação ativa dos credores – como a idéia é de preservação da empresa, os credores devem, frente a esta idéia, participar ativamente no sentido de reerguer aquela atividade para que possam vir a receber seus créditos. É espécie de luta conjunta; - Maximização do valor dos ativos do falido – quanto maior o ativo do falido, mais credores serão beneficiados e terão satisfeitos seus créditos; - Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte – na idéia de preservação da empresa e levando-se me consideração que, atualmente, grande parte das sociedades empresárias está nessa classificação – os benefícios para o micro-empresário e o empresário de pequeno porte passa por vários setores: de registro, contábil, fiscal; - Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial - obrigando o empresário a manter sua escrituração, contabilidade, enfim sua vida empresária organizada. Mesmo que com insucesso, o empresário que cumprir as determinações legais não sofrerá represálias, principalmente pelo fato de que o insucesso é um risco iminente na vida empresarial. Tais princípios nortearam o texto final da nova Lei já em vigor desde 2005. é importante que, na interpretação das regras contidas no sistema falimentar brasileiro, tenhamos em mente os princípios acima referidos, para que possamos tirar proveito de 100% do texto e de sua efetividade frente à atividade empresarial. AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA NOVA LEI A RECUPERAÇÃO DAS EMPRESAS E O FIM DA CONCORDATA O novo diploma legal dá ênfase especial para a recuperação judicial e extrajudicial das empresas – tal aspecto resta evidente quando percebemos que o primeiro princípio trazido no rol é o da manutenção da empresa. Assim, as empresas em dificuldade de liquidez (sem capital de giro, com passivo mais expressivo que o ativo, etc), poderão fazer um projeto (plano) de recuperação, sem solução de continuidade de suas atividades, e sem comprometimento das características, prazo e valores dos créditos constituídos. A recuperação das empresas substitui a antiga concordata que era uma prerrogativa dada aos devedores empresários, em dificuldades, para recuperarem a empresa, e sua concessão dependia do atendimento de determinados requisitos (bem específicos e estanques) e pressupostos, e dava um fôlego aos comerciantes, para pagar, em condições privilegiadas, no prazo de até 2 anos suas dívidas. O empresário decidia unilateralmente sobre o pedido e a forma de pagamento, e sujeitava todos os credores quirografários, independentemente de sua concordância, portanto, não havia a participação ativa dos credores na elaboração do plano de concordata – o plano era imposto aos credores, o que trazia grande desconfiança e insatisfação por parte dos últimos. O que invariavelmente ocorria, é que a concordata privilegiava um determinado empresário, e em contrapartida, levava seus credores ao regime falimentar, notadamente as empresas de pequeno porte, ou as que centralizavam suas operaçõescomerciais em poucos clientes. Alguns estudos1 determinaram que entre 70 a 80% das empresas em regime de concordata acabavam indo à falência, em razão da debilidade financeira, ou ainda empurradas pelas crises econômicas cíclicas que ocorreram no Brasil (imagine se ainda tivéssemos a concordata em 2008 – seria um caos), ou por problemas internos, ou pelas crises mundiais e seus reflexos, determinados pelos efeitos da globalização da economia. Ademais, não se pode deixar de referir que muitos empresários, movidos por má-fé, se aproveitavam dos efeitos do chamado "favor legal", como era conhecida a Concordata, e acabavam desviando recursos, mudando de ramo, constituindo novas empresas, desmantelando as estruturas das sociedades empresárias em dificuldades, levando-as à falência, com prejuízos significativos aos credores, ao fisco, e principalmente aos ex-funcionários, com reflexos negativos para toda sociedade. Há muitos casos narrados em que os empresários pediam a concordata não por estarem efetivamente em situação financeira complicada, mas para valerem-se das vantagens em relação a juros e correção e retirarem empréstimos com valores mais baixos, em detrimento de seus credores e parceiros comerciais. Para variar, o Direito traz uma arma forte para o auxílio do empresário e a mesma é desvirtuada por uma minoria fraudulenta. RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL DAS EMPRESAS Pelas considerações feitas pelo relator do Projeto de Lei nº 71/2003, no Senado, "a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, e dos interesses dos credores, promovendo assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica". 1 Lamento não ter os dados específicos com fontes confiáveis para dar uma precisa informação. Fiel a esse princípio que deu ênfase às vantagens da programação de sua recuperação, agora os empresários poderão optar por dois caminhos para sua reestruturação, e superação das dificuldades: - chamada recuperação extrajudicial, na qual serão chamados apenas os credores mais expressivos para renegociarem seus créditos, com objetivo de possibilitar a reestruturação da empresa, sem comprometer suas características, prazo e valores dos créditos dos demais credores, de menor expressão no passivo da empresa. Muitos chama de recuperação branca, como já era conhecida a concordata que não era levada ao Judiciário. - a recuperação judicial, que se realizará de maneira mais rígida e formal, sob a condução e controle do Poder Judiciário. Evidentemente, com a atuação do Poder Judiciário, não há a discricionariedade que há na recuperação extrajudicial, estando o empresário atrelado ao regramento especifico da lei e dependendo de autorização e homologação do Juízo para fazer efetiva sua recuperação. A recuperação será programada e decidida, em princípio, pelos próprios credores, que formarão, opcionalmente, o chamado comitê de credores (veremos essas características na aula específica de recuperação judicial – agora só estou dando uma pincelada para ficar mais clara a parte geral), em que prevalecerá a vontade da maioria, na aprovação do programa. Na hipótese do plano de recuperação não alcançar a aprovação, ou não atingir as metas almejadas, caberá ao Juiz decretar a falência da empresa. Na hipótese se não ser criado o comitê de credores, caberá ao administrador judicial (nomeado e de confiança do Juiz), ou ao próprio juiz, deliberar sobre a fiscalização das atividades do devedor. Importante salientar que os Juízes que vêm atuando nessa área têm buscado todas as formas possíveis para manter a empresa. O Juiz efetivamente se entrega ao trabalho e, juntamente com o empresário e os credores, busca a recuperação da empresa com a continuidade do negócio. Vejam abaixo a notícia que foi veiculada no sítio do Tribunal de Justiça que traz bem essa realidade de participação ativa do Juiz na recuperação: Recuperação judicial de empresa gaúcha é considerada inédita no País Depois de mais de dois anos de tramitação, foi concluído com êxito o processo de recuperação judicial da empresa Recrusul, de Sapucaia do Sul, pioneira na fabricação de carrocerias frigoríficas. O Juiz de Direito Fábio Vieira Heerdt, que conduziu o processo, afirma tratar-se da única grande recuperação judicial no Brasil que deu certo. "Foi cumprido o plano traçado e o pagamento dos créditos trabalhistas, quirografários, com garantia especial e até mesmo dos fiscais", explica. "Durante o processo, o plano foi alterado, conforme sentença de encerramento, em assembléias-gerais, para correção de rumos e não-decretação da falência." Na tarde de ontem (23/12), o magistrado fez o anúncio oficial do encerramento do processo na sede da empresa, perante os dirigentes e os cerca de 200 funcionários. Emocionado, lembrou do início do processo e da visita que fez às instalações da fábrica: "Quando fui ler sobre a Recrusul, disse para minha consciência: há uma história de vida aqui. Há um Brasil que deu certo. Há homens, há mulheres, há crianças. Há sonhos. Há vidas. Há dignidade; há sofrimento. Há algo que não cabe nas macilentas e frias folhas dos autos do processo. Há algo que os advogados não conseguem expressar e o juiz não saberá sentir. Por isso, tenho que ir até lá. Tenho de cheirar o perfume do aço, tenho de ver brotar o suor do rosto dos trabalhadores; tenho de conhecer o entusiasmo dos engenheiros", recordou. Sentença de encerramento do processo foi divulgada pelo magistrado... "Numa quente e modorrenta manhã de sábado, percorri o parque fabril. Com 37 anos, envergonhei-me de, apesar de jogar futebol, tênis e praticar corrida, não conseguir acompanhar o passos saltitantes de dois senhores que poderiam ser meus avós. Vi, em seus rostos, o entusiasmo juvenil, depois de tantos e tantos anos, que com certeza exibiam desde o primeiro dia. Mas percebi, também, a tristeza arrebatadora de quem emprestou seus melhores dias, o verdor da juventude, para construir algo para este País. Nesse momento, calou fundo em mim a idéia já resolvida: sim, vou apostar nessas vidas. Essas pessoas merecem uma chance." E recordou o dia em que, dois anos depois, uma funcionária do Foro irrompeu no em seu gabinete e disse: "Quero agradecer. Hoje meu marido, depois de um ano de depressão e desemprego, fardou seu uniforme, fez a barba e disse: mulher, faz minha marmita que hoje vou trabalhar, o juiz mandou reabrir a fábrica!" ...perante a direitoria e funcionários da fábrica Plano de recuperação Conforme a Lei nº 11.101/2005, o objetivo da recuperação judicial da empresa é sanear a situação de crise econômico-financeira do devedor; salvaguardar a manutenção da fonte produtora, do emprego de seus trabalhadores e os interesses dos credores e viabilizar a função social da empresa. O plano estabelecido teve como diretrizes: a existência de estoques; retomada inicial aquém da capacidade industrial redimensionada; gradual recuperação de crédito junto a fornecedores; desnecessidade de aquisição de bens de capital, face à manutenção do parque industrial e, por fim, redução do custo das matérias primas. Propõe-se a gradativamente ir conquistando mercado, dentro das limitações financeiras e creditícias da empresa. Para tanto, partiu de uma reserva financeira estimada em R$ 3 milhões, a ser obtido no lote de alienações do ativo imobilizado Na sentença de encerramento, publicada na sede da empresa, o Juiz registrou que foram cumpridos todos os requisitos legais essenciais ao processamento da recuperação, bem como cumpridas as obrigações constantes doplano aprovado em assembléia-geral. Estão previstos – e já se iniciaram - os pagamentos de todas as classes de credores, oportunizando-se, até mesmo que o Fisco (União), não sujeita ao procedimento em voga, pudesse compor seus débitos junto à devedora. A empresa A Recrusul foi pioneira no emprego do poliuretano para confecção de carrocerias e semi-reboques revestidas de fibra de vidro. Segundo material impresso – folder – de divulgação da empresa, que torno anexo à sentença, a Recrusul S.A., inicialmente denominada Indústria e Comércio Refrigeração Cruzeiro do Sul Ltda., fundada por Ewaldo Wosiak e Hélio Wosiak, em Marcelino Ramos (RS) em 1954, teve sua origem em 1937, com a utilização das horas noturnas ociosas de uma usina geradora de energia elétrica na fabricação de gelo para atender o transporte de pescado da região. Em 1958, para atender a demanda de transporte e estocagem de produtos perecíveis produzidos pelos frigoríficos locais para o centro do país, fabricou a primeira carroceria frigorífica para essa utilização. No ano de 1967, instalou uma nova planta industrial com área de 110.000m2 em Sapucaia do Sul. A partir daí, os refrigeradores comerciais e balcões frigoríficos até então fabricados deram lugar a uma nova linha, com tecnologia de ponta, colocando a Recrusul como líder brasileira na produção de carrocerias e semi-reboques frigoríficos. Chegou, nessa condição, a ter em seu quadro 800 funcionários, distribuídos nas sedes de Sapucaia do Sul, Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo. Na América Latina, desde 1968, firmou-se pioneira na produção de carrocerias e semi-reboques isolados com espuma rígida de poliuretano, revestidos interna e externamente com fibra de vidro. Também produz tanques autoportantes para transporte de produtos alimentícios, químicos e combustíveis fabricados em aço inoxidável e liga de alumínio, ar condicionado de teto para ônibus, chassi articulado para ônibus, túnel de congelamento e resfriamento dotados de controlador lógico programável (CLP). No planejamento de recuperação poderão ser programadas formas previstas no artigo 50, da Lei 11.101/05, das quais se destaca a capitalização da empresa, com a venda de parte da empresa, venda de ativos, renegociação e alongamento de prazos, cisão, incorporação e fusão de sociedade, alteração do controle societário, dentre outros, para o fim de melhorar o seu desempenho. No caso do plano de recuperação judicial ser aceito pelo Juiz, ficarão suspensas as ações de execução dos credores (até mesmo os trabalhistas) pelo prazo de 180 dias, podendo esse prazo ser prorrogado por mais 90 dias. Agora, a nova lei não estabelece um prazo fixo para a recuperação judicial da empresa, podendo este ser projetado no plano de recuperação, sendo essa uma modificação importante em relação ao processo de concordata que previa um prazo de até dois anos, com pagamento de 40% dos créditos no primeiro ano, e 60%, no segundo ano. A aplicação da recuperação no Judiciário tem imposto prazos sim para sua efetivação. A prática desmente essa idéia de prazo ilimitado que a lei trouxe. Houve algumas modificações da antiga lei para a atual lei de recuperação judicial e falências. Uma delas é a limitação do privilégio de créditos trabalhistas (limite de 150 salários mínimos para cada credor). A segunda colocação na classificação de credores ser dos credores com garantia real (na maioria das vezes, o bancos) também é grande novidade. Outra grande novidade é a da substituição do síndico pelo administrador judicial, profissional que deve ter conhecimentos multidisciplinares (ver art. 21 e seguintes da Lei nº 11.101/2005). O PROCESSO DE FALÊNCIA Já vimos os princípios que regem a falência e a recuperação judicial, vendo as grandes diferenças e inovações trazidas pela nova Lei de falências, lei n° 11.101/2005. Passada essa parte introdutória e geral, vamos passar ao estudo do processo falimentar propriamente dito, estabelecendo quem são os sujeitos que podem requerer a falência, como ocorre esse pedido, fases, etc. Inicia-se o estudo fazendo a seguinte análise: o devedor garante suas dívidas com o seu patrimônio, portanto se este não saldar suas obrigações, o credor poderá propor uma ação judicial denominada execução (vimos bastante essa questão nos títulos de crédito e, caso ainda não tenham estudado, o processo de execução é matéria de um semestre inteiro de processo civil), quando o Judiciário irá satisfazer seu crédito por meio da penhora e leilão dos bens suficientes do devedor. Em regra, essa ação judicial é individual, ou seja, credor contra devedor. O credor, por exemplo, aquele que detém um título de crédito, ingressa com ação contra o devedor, envolvendo o feito judicial somente essas duas partes. Todavia, se nos depararmos com uma situação em que o total do débito do devedor é inferior ao seu patrimônio, teríamos uma “corrida” de credores para tentarem satisfazer o seu crédito, pois aquele que não lograsse ajuizar a ação de execução a tempo ficaria sem patrimônio para garantir seu crédito. É uma corrida para ver quem penhora antes, quem recebe antes, pois se está ciente de que o patrimônio do empresário não é suficiente para arcar com todas as dívidas por ele contraídas. Tal situação, obviamente, é injusta, pois todos aqueles que contrataram com o empresário, querem e devem receber os valores devidos pelo mesmo, sob pena de eles mesmos terem sua atividade inviabilizada. Para a solução dessa hipótese, a lei criou uma forma de execução coletiva ou concurso de credores (expressão muito usada quando se trata da matéria que ora estudamos). Assim, se o devedor possui um patrimônio inferior às suas dívidas, os credores deverão satisfazer seus créditos por meio de uma ação coletiva e não individual. Surge, então, a falência, que é uma execução coletiva (concursal), proposta contra um devedor empresário, para obrigar a venda de seu patrimônio, partilhando o seu resultado em proporção aos seus credores, na tentativa de satisfazer, de forma igualitária, seus créditos. Não seria justo somente um credor receber a totalidade de seus créditos, enquanto os demais arquem com prejuízo total. Melhor que cada um receba um pouco, que seja, porém receba alguma coisa. A falência é um instituto privativo do devedor empresário, ou seja, somente contra um devedor empresário é que há possibilidade de ingressar com pedido de falência, e lhe concede certos benefícios na tentativa de proteger a existência da empresa, não se aplicando ao devedor civil. O insolvente civil será tratado de forma distinta. A falência está prevista na Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, conforme vimos na aula passada, e essa lei deve ser lida na sua integralidade por todos. Não veremos todos os seus artigos, porém é importante que tenham a idéia globalizada do que a lei expõe. Apesar da regra ser no sentido de que o empresário (num todo) está sujeito ao regime falimentar, a lei de falências traz algumas exceções: ver artigo 02º da lei de Falências. ESTADO DE FALÊNCIA O empresário sujeito à falência é aquele cujo patrimônio é inferior ao seu débito. Esse estado denomina-se insolvência. Eu tenho mais dívidas do que patrimônio. No entanto, para fins de falência, a definição de insolvência não será tão simples. O conceito de insolvência torna-se mais abrangente na falência, sendo caracterizado por outros elementos previstos em lei. Ainda que seu patrimônio seja superior ao seu débito, será decretada a falência, se ocorrer: a) Impontualidade: quando o empresário, sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquidamaterializada em título ou títulos executivos protestados, cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência. A impontualidade tem que ser injustificada. A prova da impontualidade do devedor é o protesto do título (instituto que já estudamos quando do estudo do direito cambiário). Veja-se que o empresário devedor, talvez, até tenha ativo suficiente para pagar o débito. No entanto, por inércia, poder ser requerida sua falência. b) Execução frustrada: quando o devedor for executado por qualquer quantia líquida e não pagar, não depositar e não nomear à penhora bens suficientes dentro do prazo legal. Mais uma vez a inércia que ira levar ao pedido de falência. Nesse caso, muitas vezes percebe-se a má-fé a “fuga” do empresário quanto aos atos executórios e de cobrança. c) Prática de atos de falência: quando o devedor pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial (quando estaremos diante de uma situação diferente, mas também enumerada pela lei nº 10.101/2005): ver artigo 94, III e alíneas da lei 11.101/2005. QUEM PODE REQUERER A FALÊNCIA Podem requerer a falência do devedor (lembrem-se – devedor EMPRESÁRIO) : I - o próprio devedor (AUTOFALÊNCIA); II - o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante; III - o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade; IV - qualquer credor, se for empresário, deverá provar essa condição. LEITURA DO ARTIGO 97 DA LEI DE FALÊNCIAS. DO PROCESSO FALIMENTAR A falência é uma ação judicial que, segundo Fabio Ulhoa Coelho, possui três etapas distintas: a) Pedido de falência: também chamada etapa pré-falencial, que tem início com o pedido de falência e se conclui com a sentença judicial declarativa da falência do empresário; o pedido de falência pode ser requerido pelos legitimados acima referidos. b) Etapa falencial: nesta etapa, que se inicia com a sentença declaratória da falência, realiza-se o ativo apurado e o pagamento do passivo admitido, concluindo com o encerramento da falência; ou seja, declarada a falência pelo Juiz, será feita a arrecadação do ativo (todo o patrimônio do empresário falido é avaliado e somado, assim como todas as suas dívidas são calculadas, a fim de que haja a venda dos bens do falido para satisfação dos créditos, o que ocorrerá respeitando uma ordem de credores). c) Reabilitação: é a fase em que se declara a extinção das obrigações civis do falido. Juízo Falimentar - competência A ação de falência deverá ser ajuizada no local onde se concentra o maior volume de negócios da empresa. É um critério diferente do que vemos na grande maioria das ações, em que o domicílio de uma das partes é que irá determinar o juízo competente para julgamento de demandas. Ocorre que, na grande maioria das vezes, o local onde se encontra a maioria dos negócios do empresário é o local onde está sua sede. Diz-se que o juízo da falência é universal, pois todas as ações referentes aos bens, interesses e negócios da massa falida serão processadas e julgadas por este juízo, com algumas exceções: a) ações não reguladas pela lei falimentar; b) reclamações trabalhistas; permanecem na Justiça do Trabalho. Após, auferido o valor do crédito trabalhista, o reclamante deve habilitar esse crédito junto ao processo de falência. Isso acontece, na grande maioria das vezes, de ofício pelo Juiz do Trabalho; c) execuções tributárias; continuam tramitando nas varas especializadas e, após calculado o débito, serão igualmente habilitados os valores nos autos da falência; d) ações que tem por objeto obrigação ilíquida; quando o valor do crédito ainda não é líquido, a parte credora deve, em processo autônomo, chegar a esse valor e, depois, proceder a habilitação do mesmo nos autos da falência; e) ações em que é parte a União. O juízo falimentar e da justiça estadual. As ações contra a União são de competência exclusiva da Justiça Federal. Por isso devem permanecer no juízo federal até que tenha um valor a ser habilitado no processo falimentar. Pedido de falência A falência pode ser requerida pelo próprio devedor ou por terceiros, como já vimos quando estudamos as partes legitimadas para ingressar com o pedido de falência. Dependendo do caso, terá procedimentos diversos. Se o pedido de falência for requerido por terceiros, o empresário será citado (ato judicial que lhe dá conhecimento do ajuizamento da ação) e terá o prazo de 10 dias para se defender. È fácil confundir esse prazo, uma vez que a regra para apresentação da contestação é de prazo de 15 dias!!! Cuidado!!! VER ARTIGO 98 DA LF! Se o referido pedido se fundamentar na impontualidade, poderá o empresário elidi-lo, depositando em juízo, no prazo de 10 dias, o valor do débito, com os acréscimos legais. Paga a totalidade da dívida (com a atualização), o pedido de falência é arquivado. Da mesma forma, se a falência for requerida com base na impontualidade, esta não será decretada, se o devedor provar as defesas trazidas no artigo 96 da Lei 11.101/2005. Sentença Declaratória da Falência Feita a instrução do feito (ampla defesa, devido processo legal, etc), o juiz decidirá por decretar ou não a falência, o que ocorrerá através de uma sentença. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações, deverá conter em seu corpo as matarias do art. 99 da LF (fazer a leitura). Termo legal da falência é o lapso de tempo anterior à decretação da falência, em que os atos praticados pelo falido são considerados ineficazes. Esse período é fixado na sentença e não pode retroagir a 90 dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1º (primeiro) protesto por falta de pagamento. Por exemplo, 60 dias antes da decretação da falência o falido vendeu sua sede, tal ato é nulificado caso esteja dentro do termo legal de falência dado pelo juiz quando da prolação de sentença. Exemplo: a falência foi decretada no dia 26 de maio de 2010, e o empresário alienou o estabelecimento empresarial no dia 05 de junho de 2010. Essa alienação será ineficaz e o estabelecimento será considerado como patrimônio do falido. ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA Além do Juiz, cuja função é presidir a falência, e o Ministério Público, que intervém na ação para fiscalizar o cumprimento da lei, a legislação prevê três órgãos para administrar a falência: o administrador judicial, a assembléia dos credores e o comitê dos credores. Administrador judicial O juiz nomeará um administrador judicial, que será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada (a nomeação de pessoa jurídica é incomum, apesar de não haver qualquer vedação da legislação para tanto). São funções do administrador judicial (ver arts. 21 e seguintes) a) avisar, pelo órgão oficial, lugar e hora em que, diariamente, os credores terão à sua disposição os livros e documentos do falido; b) examinar a escrituração do devedor; c) relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida – me cada processo da massa falida o administrador deve ser cadastrado e intimado das decisões, sob pena de nulidade das mesmas; d) receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o que não for assunto de interesse da massa; e) apresentar, no prazo de 40 (quarenta) dias, contados da assinatura do termo de compromisso,prorrogável por igual período, relatório sobre as causas e circunstâncias que conduziram à situação de falência, no qual apontará a responsabilidade civil e penal dos envolvidos (imaginem que tarefa complicada, ainda mais num prazo tão curto); f) arrecadar os bens e documentos do devedor e elaborar o auto de arrecadação (espécie de inventário, rol de todos os bens corpóreos e incorpóreos do falido); g) avaliar os bens arrecadados; h) contratar avaliadores, de preferência oficiais, mediante autorização judicial, para a avaliação dos bens, caso entenda não ter condições técnicas para a tarefa; i) praticar os atos necessários à realização do ativo e ao pagamento dos credores; j) requerer ao juiz a venda antecipada de bens perecíveis, deterioráveis ou sujeitos a considerável desvalorização ou de conservação arriscada ou dispendiosa; l) praticar todos os atos conservatórios de direitos e ações, diligenciar a cobrança de dívidas e dar a respectiva quitação; m) remir, em benefício da massa e mediante autorização judicial, bens apenhados, penhorados ou legalmente retidos; n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores; o) requerer todas as medidas e diligências que forem necessárias para o cumprimento da Lei, a proteção da massa ou a eficiência da administração; p) apresentar ao juiz para juntada aos autos, até o 10º (décimo) dia do mês seguinte ao vencido, conta demonstrativa da administração, que especifique com clareza a receita e a despesa - a prestação de contas é esencial!! q) entregar ao seu substituto todos os bens e documentos da massa em seu poder, sob pena de responsabilidade; r) prestar contas ao final do processo, quando for substituído, destituído ou renunciar ao cargo. O juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. Comitê dos Credores – ler artigo 26 da LF. É um órgão facultativo da falência, pois só se justifica nas empresas de grande porte e complexidade, cabendo aos credores decidir sobre a conveniência ou não de sua instalação. Lembre do princípio da maior participação dos credores nos processos de recuperação e falência. O comitê é um órgão que busca a maior segurança dos credores. Terá a seguinte composição: I - 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois) suplentes; II - 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes; III - 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes. Suas atribuições são: a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial; b) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei; c) comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores; d) apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados; e) requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores; f) manifestar-se nas hipóteses previstas na Lei; Assembleia Geral de Credores – ler artigo 35 e seguintes da LF A assembleia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre: a) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição; b) a adoção de outras modalidades de realização do ativo; c) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores: I - titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho – hoje as duas espécies de crédito são julgadas pela Justiça do Trabalho; II - titulares de créditos com garantia real; III - titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados. A assembléia-geral de credores será convocada pelo juiz por edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais (isso traz custos elevados ao processo de falência), e será presidida pelo Administrador Judicial. VERIFICAÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E HABILITAÇÃO DOS CRÉDITOS A verificação dos créditos é realizada pelo administrador judicial, com base na escrituração (olha a importância da correta escrituração que tanto falamos no semestre passado) apresentada pelo empresário e nos documentos apresentados pelos credores. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: ORDEM DO ARTIGO 83 DA LF. I - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho - a novidade frente à falência da antiga lei, na qual não havia limite de valores; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado – essa mudança veio do lobby dos bancos e em razão do princípio de facilitação de crédito no Brasil, que vimos amplamente na aula passada; III - créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; IV - créditos com privilégio especial. Serão considerados créditos extraconcursais (são pagos antes dos credores habilitados na falência que falamos acima): I - remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência – caso o administrador entenda por continuar as atividades do falido, algum contrato e trabalho pode permanecer vigendo ou mesmo serem celebrados novos contratos, podendo os mesmos produzir débitos; II - quantias fornecidas à massa pelos credores; III - despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência; IV - custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida – imaginem se o estado ficaria sem receber... V - obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência. Realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias recebidas com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores, atendendo à classificação prevista acima, respeitados os demais dispositivos da Lei e as decisões judiciais que determinam reserva de importâncias. Os credores devem apresentar a chamada habilitação de crédito. Cada habilitação é autuada de forma apartada, porém fica apensada aos autos da falência. O falido será intimado para impugnar a habilitação, sendo que o juiz decidirá se deve o crédito ser habilitado ou não ao final do procedimento. ENCERRAMENTO DA FALÊNCIA Após a realização do ativo para pagamento do passivo do falido e o julgamento das contas do administrador judicial, este apresentará em juízo o relatório final, e o juiz encerrará a falência, extinguindo-se as obrigações do falido. Julgadas as contas do administrador judicial, ele apresentará o relatório final da falência no prazo de 10 (dez) dias, indicando o valor do ativo e o do produto de sua realização, o valor do passivoe o dos pagamentos feitos aos credores, e especificará, justificadamente, as responsabilidades com que continuará o falido. Extingue as obrigações do falido: hipóteses do artigo 158 da lei! Com a sentença de encerramento da falência, termina o processo falimentar, mas o falido poderá requerer, posteriormente, sua reabilitação, requerendo ao juízo que declare por sentença a extinção de suas obrigações. O falido que não estiver respondendo a processo penal por crime falimentar, ou tiver sido absolvido, poderá retornar ao exercício das atividades empresariais. Entretanto, se tiver sido condenado por crime falimentar, deverá requerer sua reabilitação penal para isso – lembram dos impedimentos para comerciar? O empresário falido reabilitado, penal e civilmente, poderá retornar a exercer atividade empresarial; caso contrário, se não houver reabilitação, somente poderá retornar ao exercício das atividades empresariais após 05 anos contados da extinção da pena por crime falimentar. AS FASES DO PROCESSO DE FALÊNCIA Já foram estudados as causas e legitimados para a falência. Agora veremos mais claramente as fases que o processo tem, quais os credores, como podem habilitar seus créditos, etc. Renovando aquilo que vimos na aula passada, a falência é necessariamente é uma ação judicial que, segundo Fabio Ulhoa Coelho, possui três etapas distintas: a) Pedido de falência: também chamada etapa pré-falencial, que tem início com o pedido de falência e se conclui com a sentença judicial declarativa da falência do empresário; o pedido de falência pode ser requerido pelos legitimados acima referidos (isso vocês já sabem claramente em razão de toda a discussão travada na aula passada). b) Etapa falencial (a partir daqui é que retomaremos nosso estudo): nesta etapa, que se inicia com a sentença declaratória da falência, realiza-se o ativo apurado e o pagamento do passivo admitido, concluindo com o encerramento da falência; ou seja, declarada a falência pelo Juiz, será feita a arrecadação do ativo (todo o patrimônio do empresário falido é avaliado e somado, assim como todas as suas dívidas são calculadas, a fim de que haja a venda dos bens do falido para satisfação dos créditos, o que ocorrerá respeitando uma ordem de credores). c) Reabilitação: é a fase em que se declara a extinção das obrigações civis do falido. ETAPA FALENCIAL DA ARRECADAÇÃO Importante referirmos que o juiz, ao decretar a falência, irá nomear um administrador (art. 108), cujas atribuições estão nos arts. 22 e seguintes da LF. Os bens arrecadados ficarão sob a guarda do administrador, que deve fazer o melhor uso dos mesmos, até para a aferição de lucro para o pagamento do maior número de credores. Os bens serão avaliados e arrecadados, podendo o falido fiscalizar o trabalho desempenhado pelo administrador. Inicia-se, após a arrecadação, a realização do ativo, com a venda dos bens de propriedade do empresário falido (art. 139 e segs.). VERIFICAÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E HABILITAÇÃO DOS CRÉDITOS A verificação dos créditos é realizada pelo administrador judicial, com base na escrituração do empresário, vocês lembram dos livros contábeis e empresariais que vimos no semestre passado, apresentada pelo empresário e nos documentos apresentados pelos credores. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem (art. 83 da Lei de Falências): I - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho - a novidade frente à falência da antiga lei, na qual não havia limite de valores; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado – essa mudança veio do lobby dos bancos e em razão do princípio de facilitação de crédito no Brasil, que vimos amplamente na aula passada; III - créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; IV - créditos com privilégio especial. V - créditos com privilégio geral (art. 965, CC/02); VI - créditos quirografários; VII - multas contratuais e penas pecuniárias; VII - créditos subordinados – é o pro-labore (não deveria ter natureza alimentar? Eis uma questão para vocês refletirem...) dos sócios e administradores ou parte do lucro dos mesmos. Importante referir que não há ordem de classificação de crédito na recuperação judicial, o plano de recuperação que dirá quem receberá antes e como. Serão considerados créditos extraconcursais (são pagos antes dos credores habilitados na falência que falamos acima): I - remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência – caso o administrador entenda por continuar as atividades do falido, algum contrato de trabalho pode permanecer vigendo ou mesmo serem celebrados novos contratos, podendo os mesmos produzir débitos; II - quantias fornecidas à massa pelos credores; III - despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência; IV - custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida – imaginem se o estado ficaria sem receber... V - obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência. Claro, pois caso o administrador ou mesmo os funcionários e peritos que venham a trabalhar durante o processo de falência fiquem no fim da fila para receber, quem exerceria essa função? ´ DA HABILITAÇÃO DE CRÉDITOS – ver artigos 07º e seguintes da LF O administrador, após a decretação da falência, ira apresentar o inventário de bens (ativo) do empresário falido, assim como uma listagem preliminar de credores. Aqueles débitos do falido que o administrador conseguir achar na análise dos livros e documentos entregues pelo falido é que farão parte da lista de credores. Conforme dispõe o art. 7º, da Lei nº 11.101/05 (LF), a habilitação de crédito será realizada pelo administrador judicial (antigo síndico), mediante a cooperação dos credores, seja na falência ou na recuperação de empresas. “Publicado o edital previsto no art. 52, parágrafo 1º ou no parágrafo único do art. 99, desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou divergências quanto aos créditos relacionados” (parágrafo 1º, do art. 7º, Lei de Falências). Após examinar as habilitações e divergências apresentadas pelos credores, o administrador judicial deverá resolvê-las, fazendo publicar o edital disposto no art. 7º, parágrafo 2º, visando consolidar o quadro geral de credores. Cabe ao administrador judicial o encargo de receber as habilitações de crédito e divergências quanto à relação de credores, processá-las e resolvê-las administrativamente. Na lei anterior, cabia ao juiz fazer toda essa análise, o que fazia com que o processo fosse mais demorado e, tatvez, menos eficiente do que nos dias de hoje. Caso o administrador judicial entenda que a pretensão não esteja suficientemente demonstrada, tal como prescreve o art. 9º1, ele resolverá pela sua rejeição, excluindo-a da lista de credores de que trata o parágrafo 2º, do art. 7º, da nova Lei. A nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falência retirou do Judiciárioa competência para processar e julgar as habilitações de crédito. Assim, o administrador judicial, sem a intervenção do Estado-Juiz, irá receber e examinar os pedidos de habilitação de crédito e de divergências, com o objetivo de consolidar a relação de credores, por meio da publicação do edital previsto no parágrafo 2º, do art. 7º, da nova Lei. Não obstante inexista previsão legal expressa, é interessante destacar que a relação de credores acima referida deve conter todas as informações sobre os créditos ali incluídos, especialmente, o valor atualizado e a respectiva classificação. O fundamento da necessidade dessa especificação é que esse edital do parágrafo 2º representa o marco inicial para o ajuizamento da ação de impugnação, tratada no art. 8º, da aludida Lei. Logo, aqueles credores que tiverem sido omitidos na relação publicada pelo administrador judicial, em função de suas habilitações não terem sido acolhidas, ou que tiverem seus créditos lançados a menor ou classificados incorretamente, deverão mover ação judicial de impugnação contra a lista de credores. Art. 9º. A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7º, § 1º, desta Lei deverá conter: I - o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de qualquer ato do processo; II - o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação; III - os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a serem produzidas; IV - a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivo instrumento; V - a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor. Parágrafo único. Os títulos e documentos que legitimam os créditos deverão ser exibidos no original ou por cópias autenticadas se estiverem juntados em outro processo. Importante esclarecer que o ato do administrador judicial de deliberar sobre as habilitações de crédito e divergências não possui recurso, vez que é realizado na fase administrativa do procedimento de habilitação de crédito. Com essa modificação, a nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falência possibilitou um ganho de eficiência enorme ao procedimento de habilitação de crédito, contribuindo significativamente com a celeridade da consolidação do quadro geral de credores, principalmente, quando permitiu a realização dessa tarefa com auxílio de pessoa ou empresa especializada (afinal, não é um super-homem). A grande crítica em relação a essa simplificação da fase de habilitação de crédito diz respeito ao possível menosprezo aos princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa que podem ocorrer durante a fase administrativa do referido procedimento. Entretanto, não se pode perder de vista que o eventual prejudicado ou excluído pela lista de credores poderá sempre se valer da ação judicial de impugnação citada anteriormente para defender seus direitos, o que, de certa forma, ameniza o fato de ser uma decisão administrativa que não permite recurso. Houve uma simplificação do procedimento, trazendo maior celeridade, sem, contudo, na minha opinião, perder a segurança jurídica. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO Muitas vezes, quando da arrecadação dos bens, são arrecadados pelo administrador bens que não são de propriedade do falido. Por exemplo, imaginem uma máquina de café numa loja. A máquina está lá em razão de um contrato de comodato, ou seja, não é de propriedade do empresário falido. Ora, seria justo que o dono da máquina tivesse que ver o seu bem vendido e habilitar seu crédito junto ao rol de devedores acima referido? Certo que não. Por isso, é dada a oportunidade de requerer a restituição do bem. Tal oportunidade está disposta nos arts. 85 e seguintes da Lei de Falências, que assim dispõem: Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição. Parágrafo único. Também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e entregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua falência, se ainda não alienada. STF Súmula nº 193 Pedido de Restituição de Coisas Arrecadadas na Falência - Prazo Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro: I - se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, hipótese em que o requerente receberá o valor da avaliação do bem, ou, no caso de ter ocorrido sua venda, o respectivo preço, em ambos os casos no valor atualizado; II - da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente; III - dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato, conforme disposto no art. 136 desta Lei. Parágrafo único. As restituições de que trata este artigo somente serão efetuadas após o pagamento previsto no art. 151 desta Lei. Art. 87. O pedido de restituição deverá ser fundamentado e descreverá a coisa reclamada. § 1º O juiz mandará autuar em separado o requerimento com os documentos que o instruírem e determinará a intimação do falido, do Comitê, dos credores e do administrador judicial para que, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, se manifestem, valendo como contestação a manifestação contrária à restituição. § 2º Contestado o pedido e deferidas as provas porventura requeridas, o juiz designará audiência de instrução e julgamento, se necessária. § 3º Não havendo provas a realizar, os autos serão conclusos para sentença. Art. 88. A sentença que reconhecer o direito do requerente determinará a entrega da coisa no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. Parágrafo único. Caso não haja contestação, a massa não será condenada ao pagamento de honorários advocatícios. Art. 89. A sentença que negar a restituição, quando for o caso, incluirá o requerente no quadro-geral de credores, na classificação que lhe couber, na forma desta Lei. Art. 90. Da sentença que julgar o pedido de restituição caberá apelação sem efeito suspensivo. Parágrafo único. O autor do pedido de restituição que pretender receber o bem ou a quantia reclamada antes do trânsito em julgado da sentença prestará caução. Art. 91. O pedido de restituição suspende a disponibilidade da coisa até o trânsito em julgado. Parágrafo único. Quando diversos requerentes houverem de ser satisfeitos em dinheiro e não existir saldo suficiente para o pagamento integral, far-se-á rateio proporcional entre eles. Art. 92. O requerente que tiver obtido êxito no seu pedido ressarcirá a massa falida ou a quem tiver suportado as despesas de conservação da coisa reclamada. Art. 93. Nos casos em que não couber pedido de restituição, fica resguardado o direito dos credores de propor embargos de terceiros, observada a legislação processual civil. O que se percebe da leitura dos dispositivos acima é o seguinte: Aquele sujeito que vê bem de sua titularidade arrecadado em processo de falência deve, ou que entregou mercadoria nos quinze dias anteriores ao pedido de falência, deve endereçar pedido ao juízo da falência. Caso o bem não mais exista, haverá a restituição em dinheiro. O pedido de restituição é uma mini-ação, deve ser fundamentado comprovas, e será autuado de forma apartada ao feito falimentar. O juiz, recebendo o pedido, dará 05 dias para o comitê e assembléia de credores, administrador e falido se manifestarem sobre o pedido. Contestado o pedido, haverá a instrução, com a produção de provas e sobrevirá decisão. Caso venha a ser deferido o pedido, em 48 horas deve haver a restituição. Caso seja indeferido, caberá recurso de apelação sem efeito suspensivo. O autor do pedido de restituição será incluído no rol de credores de acordo com a natureza de seu crédito. Importante referir que outro mini-processo que poderá surgir é a ação revocatória. Vimos na aula passada que existe o termo legal da falência2. As vendas e doações ocorridas nesse período podem ser anuladas, sendo aberto processo pelo administrador, MP e credores, que provarão que a venda foi realizada nesse período e que o bem deve retornar à massa, ser arrecadado e vendido para pagamento dos credores. Vejam art. 129 e 130 da Lei de Falências. OS CRIMES FALIMENTARES Já estudamos o procedimento completo da falência. O ponto que restou não analisado foi a questão dos crimes falimentares. O primeiro aspecto importante é no que se refere à competência. Normalmente, quando temos uma demanda criminal, o juízo competente será criminal, quando temos no foro varas especializadas da localidade onde ocorreu a infração. No caso da falência, o próprio juízo falimentar é quem julgará se houve ou não a ocorrência de crime falimentar. Também temos que entender como será feita a denúncia, quem tem legitimidade para tanto e qual o prazo para a efetivação da mesma. 2 Termo legal da falência é o lapso de tempo anterior à decretação da falência, em que os atos praticados pelo falido são considerados ineficazes. Esse período é fixado na sentença e não pode retroagir a 90 dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1º (primeiro) protesto por falta de pagamento. Por exemplo, 60 dias antes da decretação da falência o falido vendeu sua sede, tal ato é nulificado caso esteja dentro do termo legal de falência dado pelo juiz quando da prolação de sentença. Exemplo: a falência foi decretada no dia 26 de outubro de 2009, e o empresário alienou o estabelecimento empresarial no dia 05 de outubro de 2009. Essa alienação será ineficaz e o estabelecimento será considerado como patrimônio do falido. DA AÇÃO PENAL DENTRO DO PROCESSO DE FALÊNCIA Assim dispõe o artigo 503 do CPP: "Nos crimes de falência fraudulenta ou culposa, a ação penal poderá ser intentada por denúncia do Ministério Público ou por queixa do liquidatário ou de qualquer credor habilitado por sentença passada em julgado". Na antiga lei, existindo a falência fraudulenta ou culposa (pode haver a intenção do empresário e seus sócios ou administradores agirem com má-fé ou simplesmente de forma incompetente), há a possibilidade de existência de: ação penal pública incondicionada, por denúncia de iniciativa do Ministério Público, e ação penal privada, por queixa a ser ofertada pelo liquidatário ou qualquer credor habilitado por sentença passada em julgado. Tal regra sofreu grande modificação com a entrada em vigor da Lei nº 11.101/2005. Foi excluída a possibilidade de ação penal privada (mantendo-se somente a subsidiária) em se tratando de crime falimentar, pois, conforme o texto do art. 184 da nova lei: "os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada", sendo a iniciativa exclusiva do Ministério Público, através da denúncia. Há que se considerar, entretanto, a possibilidade de ação penal privada subsidiária da pública, prevista no art. 5º, LIX, da Constituição Federal, e também nos arts. 29 do CPP e 100, § 3º, do CP. Quando não há a iniciativa do MP, o próprio particular toma as rédeas, conforme o texto seguinte: "Decorrido o prazo a que se refere o art. 187, § 1º, sem que o representante do Ministério Público ofereça denúncia, qualquer credor habilitado ou o administrador judicial poderá oferecer ação penal privada subsidiária da pública, observado o prazo decadencial de 6 (seis) meses". Quanto à decadência e o prazo para o oferecimento da queixa subsidiária, a regra reproduz o que está disposto no art. 38 do CPP. Assim, verificada a absoluta inércia do órgão Ministerial, qualquer credor habilitado ou o administrador judicial poderá intentar a ação penal nos moldes da regulamentação normativa, cumprindo observar, quanto ao mais, as disposições gerais do Código de Processo Penal. DA DENÚNCIA Eis o texto do art. 508 do CPP: "O prazo para denúncia começará a correr do dia em que o órgão do Ministério Público receber os papéis que devem instruí-la. Não se computará, entretanto, naquele prazo o tempo consumido posteriormente em exames ou diligências requeridos pelo Ministério Público ou na obtenção de cópias ou documentos necessários para oferecer a denúncia". O art. 187 da lei de falências cuidou da matéria nos seguintes moldes: "Intimado da sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial, o Ministério Público, verificando a ocorrência de qualquer crime previsto nesta Lei, promoverá imediatamente a competente ação penal ou, se entender necessário, requisitará a abertura de inquérito policial". A lei, dessa forma, tentou estabelecer, mantendo as linhas do regramento anterior, que a ação penal não poderá ser iniciada sem que exista prévia sentença de decretação da quebra, e também agora, concedendo a recuperação judicial. Fica mantida, portanto, a discussão a respeito da natureza jurídica da sentença declaratória da falência, onde também se insere, a partir da nova lei, a natureza da decisão que concede recuperação judicial. Portanto, sem a decretação de falência, os crimes dispostos no texto da lei não poderão ser considerados crimes, sendo que a efetiva declaração da quebra por sentença é que abre a possibilidade de denúncia por crime falimentar. Conforme o mesmo art. 187, intimado da sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial, o Ministério Público, verificando a ocorrência de qualquer crime previsto na lei, promoverá imediatamente a competente ação penal, prescindindo da instauração de inquérito policial, porquanto dispensável, apesar de sua inquestionável utilidade e necessidade na esmagadora maioria dos casos. Se o material probatório disponível não for suficiente para a formação de uma convicção segura e responsável acerca dos fatos sob análise, o representante do Ministério Público deverá requisitar a abertura de inquérito policial. Os crimes falimentares estão dispostos nos arts. 168 e seguintes, e tratam de casos de fraude, de irregularidade de escrituração, dentre outros. DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL A recuperação judicial, assim como a falência, é uma espécie de ação, prevista no artigo 47 e seguintes da Lei 11.101/ 2005, e destina-se, essencialmente, a reorganizar e viabilizar a superação da situação de crises econômicas ou financeiras de empresários ou sociedades empresárias, no intuito de manter seu funcionamento, para continuar perpetuando sua função social (lembrem que os princípios que estudamos se enquadram tanto para a falência quanto para a recuperação judicial). Art. 47 - A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.Importante referir que não falamos mais em concordata, mas em recuperação judicial e extrajudicial da empresa. Nem todos os empresários poderão ser objeto de recuperação, somente os viáveis econômico-financeiramente, e essa análise cabe ao Poder Judiciário quando falamos em recuperação judicial. MEIOS DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA A Lei de Falência e Recuperação enumera os meios que poderão ser utilizados na recuperação judicial da empresa, sendo um rol exemplificativo e não exaustivo: FAZER A LEITURA DO ARTIGO 50 DA LF. Cada item poderia ser discorrido e trabalhado amplamente, até porque, na matéria referente à recuperação, veremos a necessidade de análise multidisciplinar da atividade empresária, sendo necessários advogados, contadores, peritos, enfim, uma infinidade de profissionais que devem ser envolvidos. QUEM TEM LEGITIMIDADE PARA REQUERER A RECUPERAÇÃO – ARTIGO 48 DA LF. Não são todos os empresários poderão se valer da recuperação judicial da empresa, mas somente aqueles que atenderem aos requisitos legais, que são: O empresário que exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na Lei Falimentar. Os empresários que estiverem em situação irregular não poderão requerer a recuperação. PROCEDIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL A recuperação judicial, da mesma forma que a falência (como já vimos), é uma ação judicial que se divide em três etapas: a) Fase postulatória (artigo 51 da LF): é a fase do requerimento do benefício da recuperação judicial. O requerente deve instruir o pedido com: I - a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; II - as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; III - a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; IV - a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; V - certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; VI - a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; VII - os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; VIII - certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; IX - a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados. b) Fase Deliberativa: estando a documentação exigida em ordem, o juiz determinará o processamento da recuperação judicial, e, no mesmo ato: I - nomeará o administrador judicial (de novo nos deparamos com essa figura), observado o disposto no art. 21 desta Lei; II - determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; III - ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, com as ressalvas da Lei; IV - determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores; V - ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento. O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o deferimento de seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na assembleia-geral de credores. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de transformação em falência, e deverá conter: I - discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, e seu resumo; II - demonstração de sua viabilidade econômica; III - laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. O juiz ordenará a publicação de edital, contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções. Na elaboração do plano de recuperação, o empresário até tem certa liberdade. No entanto, a lei traz algumas exigências. Seguem as mesmas: O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. Da mesma forma, o plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação. Aprovado o plano pela Assembleia de Credores, o juiz concederá a recuperação judicial, caso contrário, se nenhum plano for aprovado, decretará a falência do empresário. Em alguns casos, permite e lei a concessão da recuperação judicial, com o seguinte quorum da Assembleia: I - o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; II - a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos da Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas; III - na classe que o houver rejeitado, o voto favorávelde mais de 1/3 (um terço) dos credores. c) Fase de execução: concedida a recuperação, encerra-se a fase deliberativa e inicia-se a fase de execução, dando-se cumprimento ao plano de recuperação. Proferida a decisão, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial. Durante esse período, o descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência. Em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao procedimento de recuperação judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial, a expressão “em Recuperação Judicial”. Cumpridas as obrigações vencidas no prazo, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial e determinará: I - o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, somente podendo efetuar a quitação dessas obrigações mediante prestação de contas, no prazo de 30 (trinta) dias, e aprovação do relatório previsto no inciso III do caput deste artigo; II - a apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas; III - a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, versando sobre a execução do plano de recuperação pelo devedor; IV - a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial; V - a comunicação ao Registro Público de Empresas para as providências cabíveis. ÓRGÃOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL Os órgãos da recuperação judicial são os mesmos estudados na falência, ou seja, administrador judicial, comitê de credores e assembleia geral de credores. Temos bem explicitados tais órgãos no material sobre falência. A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL O devedor empresário poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial. Importante salientar que, para simplesmente procurar seus credores (ou parte deles) e tentar encontrar, em conjunto com eles, uma saída negociada para a crise, o empresário não precisa atender a nenhum dos requisitos da lei para a recuperação extrajudicial. Estando todos envolvidos de acordo, assinam os instrumentos de novação ou renegociação e assumem, por livre manifestação da vontade, obrigações cujo cumprimento espera-se proporcione o reerguimento do devedor. É a negociação direta do empresário com seus credores. Posso, por exemplo, firmar uma séria de instrumentos de confissão de dívida, sem que, para isso, tenha a necessidade de preencher os requisitos trazidos na Lei de Falências e Recuperação Judicial. Quando a lei estabelecer requisitos para a recuperação extrajudicial, ela está se referindo apenas ao devedor que pretende, oportunamente, levar o acordo à homologação judicial. O empresário devedor faz as negociações diretamente com os seus credores, sem a interferência de administrador ou outro órgão de credores e simplesmente leva aqueles acordos à homologação pelo Juízo. Os requisitos legais para a homologação judicial do plano de recuperação, são os do artigo 48 da Lei de Recuperação já estudado. Essa homologação judicial poderá ser facultativa ou obrigatória. Quando todos os credores estiverem de acordo, a homologação judicial é facultativa. Na concordância de somente 3/5 dos credores, a homologação será obrigatória para atingir a totalidade dos credores. CONCEITO A recuperação extrajudicial é um procedimento concursal (engloba grande parte dos credores do empresário) preventivo (elemento essencial – é para que o empresário não venha a requerer sua auto-falência) que contém uma fase inicial de livre contratação e uma etapa final de homologação judicial. Seu objetivo é justamente, impedir que se instaure o processo falimentar – princípio da preservação da empresa. A recuperação extrajudicial, me palavras mais simples, nada mais é que um negócio, um acordo que pode ser celebrado entre o devedor e alguns credores ou todos os credores. Como já foi dito e como o próprio nome deixa entrever, a recuperação extrajudicial é verdadeira moratória (busca de maior prazo e melhores condições para o pagamento de dívidas), ou seja, acordo celebrado pessoalmente entre o devedor com os seus credores, estabelecendo novação, dação e outras formas de pagamento, tal como dilação de prazos. CREDORES NÃO ATINGIDOS PELA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL Não estão obrigados ao plano de recuperação extrajudicial os seguintes credores: a) credores trabalhistas (também acidentes de trabalho) – como já falamos, estamos diante de direitos indisponíveis. Não pode haver uma negociação dos trabalhadores com seu empregado sem a intensa fiscalização pelo Judiciário, sob pena dos trabalhadores virem a ter direitos suprimidos e que possam inviabilizar sua subsistência. A idéia aqui é da segurança do trabalhador e a manutenção dos direitos já adquiridos pelos mesmos; b) credores tributários – esses não são negociáveis; c) proprietário fiduciário, arrendador mercantil, vendedor ou promitente-vendedor de imóvel – há envolvimento de direitos reais, sendo que tal seguimento jurídico recebeu extrema proteção pela nova Lei de Falências; d) credores decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio para exportação – questão de política-econômica externa. O que se pode concluir disso, é que a recuperação extrajudicial englobará, na grande maioria das vezes, negociações com fornecedores. Essa hipótese, apesar de haver essa limitação quanto aos créditos que podem ser negociados, muitas vezes permite que a operacionalidade da atividade do empresário seja restabelecida. Feita esta introdução, passaremos ao estudo das características e do procedimento da recuperação extrajudicial. CARACTERÍSTICAS A recuperação extrajudicial somente vincula os credores que concordarem expressamente ao plano, sendo que estes ficarão sujeitos aos seus efeitos. O papel dos credores que não anuírem será o de mera fiscalização, podendo, quando muito, quando o plano já estiver em juízo para a homologação, manifestar-se sobre eventuais irregularidades que recomendem sua rejeição. Claro que nessa oportunidade poderão também anuir. Fica bem claro assim, que adere ao plano quem quer. E, como quem não quer não se sujeita aos efeitos do plano, a recuperação extrajudicial nada mais é que um negócio cuja irretratabilidade deriva da homologação judicial. Os requisitos para a recuperação extrajudicial estão nos arts. 48 e 161, § 3º da Lei de Falências e Recuperação Judicial: O preenchimento dos pressupostos dos artigos acima é fundamental para a obtenção de homologação da recuperação extrajudicial em juízo. Caso o empresário não venha a cumprir os requisitos, terá seu pedido indeferido. Conforme art. 162 da lei de falências e recuperação, a legitimação processual para requerer a homologação judicial do plano de recuperação é do agente econômico devedor – empresário (pessoa física ou jurídica – matéria do semestre passado): Art. 162. O devedor poderá requerer a homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente – mesma legitimidade que vimos quando do estudo da Falência. No tocante à legitimação passiva, recebendo o pedido de homologação, o juiz determinará a publicação de edital convocatório de credores para impugnações,