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DIREITO PENAL PARTE GERAL Modulo 05

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DIREITO PENAL GERAL 
PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS 
DOLO 
 
INTRODUÇÃO 
 
Dispõe o art. 18, I: 
“Diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. 
Nosso Código, como se vê, ao conceituar o crime doloso, por via indireta, acabou também 
definindo o dolo. 
Verifica-se, de antemão, que, do ponto de vista naturalista, essa definição compreende 
apenas os delitos de conduta e evento, isto é, os crimes materiais e formais, pois só esses delitos 
alojam dentro do tipo um resultado naturalístico. 
No tocante aos crimes de mera conduta, em que o tipo penal abstrai de seu interior qualquer 
evento físico, a definição legal, sob o prisma naturalístico, mostra-se imprestável. Manoel Pedro 
Pimentel já advertia que essa redação “poderia levar o intérprete menos avisado a supor que 
somente os crimes de resultado podem ser dolosos, já que o dispositivo legal alude expressamente 
à vontade do resultado”. 
O certo é que o nosso Código, ao vincular o dolo à vontade de se produzir o resultado, 
abraçou a ideia de que não há crime sem resultado, fenômeno explicável apenas se adotarmos a 
concepção jurídica do evento, que foi, aliás, o que fez o Código. 
Sob o prisma jurídico, resultado é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico penalmente 
protegido. Nesse aspecto, de fato, não há crime sem resultado, pois todo delito lesa ou põe em 
perigo o bem jurídico protegido. Cremos, porém, que a concepção jurídica do resultado é 
totalmente inócua, porquanto a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico insere-se na essência da 
antijuridicidade, de modo que não há nenhuma utilidade na desenvoltura dessa ideia no estudo do 
resultado. 
A noção de resultado, como já vimos, deve ser analisada do ponto de vista naturalístico, no 
sentido de modificação do mundo exterior produzida pela conduta. Sob o prisma naturalístico, nem 
todo crime tem resultado. Por isso sugerimos a seguinte definição: “Diz-se o crime doloso, quando 
o agente quis a conduta, ou o resultado, ou assumiu o risco de produzi-los”. 
Cumpre ainda esclarecer que a noção do dolo não se esgota na realização da conduta e do 
resultado, devendo a vontade do agente projetar-se sobre todas as elementares, qualificadoras, 
agravantes e atenuantes do crime. Todavia, para a caracterização do crime, em sua forma simples, 
é suficiente que o dolo compreenda apenas os elementos da figura típica fundamental. Mas a 
incidência dos tipos qualificados, privilegiados, das agravantes e atenuantes dependem da projeção 
do dolo do agente sobre essas circunstâncias. 
 
TEORIAS DO DOLO 
 
Sobre a discussão de concentrar-se o dolo na consciência ou na vontade, desenvolveram-se 
três teorias: a teoria da representação, a teoria da vontade e a teoria do assentimento. 
De acordo com a teoria da representação, para a configuração do dolo basta a previsão do 
resultado. Privilegia-se o momento intelectual, de ter agido com previsão do evento, deixando de 
lado o aspecto volitivo, de querer ou assumir o risco de produzi-lo. Essa doutrina, delineada por 
Frank e que mereceu o apoio de Liszt, não pode prevalecer, pois confunde dolo com culpa 
consciente. 
Já a teoria da vontade preconiza que, para a existência do dolo, não basta que o agente tenha 
previsto o resultado, urge ainda o desejo de realizá-lo. Segundo essa doutrina, o dolo pode ser 
 
 
 
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definido como a vontade consciente de realizar o fato criminoso. A consciência exprime a ideia de 
previsão do resultado, e a vontade, o desejo de concretizá-lo. 
Por outro lado, a teoria do consentimento ou assentimento ou anuência apenas 
complementa a teoria da vontade, acatando suas ideias, porém acrescentando que há também 
dolo quando o agente não quer propriamente o resultado, mas realiza a conduta prevendo e 
aceitando que ele ocorra, isto é, assumindo o risco de produzi-lo. 
O Código, no art. 18, I, filiou-se à teoria da vontade, completada pela teoria do 
consentimento, deixando de lado a superada teoria da representação, que acabou abandonada até 
por Von Liszt e Frank, seus mais árduos defensores. 
 
CONCEITO DE DOLO 
 
A definição de dolo, desenvolvida pelas teorias da vontade e do consentimento, encontra-se 
demasiadamente atrelada aos delitos de conduta e evento, não compreendendo os crimes que se 
esgotam numa ação ou omissão (crimes de mera conduta). Por isso, como ensina Bettiol, “é melhor 
usar a respeito do dolo o termo ‘fato’, ao invés de resultado, porque o termo se ajusta tanto aos 
crimes de ação e de evento, quanto aos crimes de simples ação ou omissão”. O equívoco dessas 
teorias deriva do fato de que, em matéria de evento, havia exagerado apego à concepção jurídica, 
pela qual o resultado seria constituído pela lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido. 
Podemos, portanto, definir o dolo, sob o aspecto naturalista, como a vontade consciente de 
realizar o fato criminoso. 
Alguns penalistas, no entanto, não se contentam em situar o dolo no plano psicológico-
naturalista, introduzindo-lhe, destarte, o caráter normativo. 
 Os adeptos do dolo normativo ora se amparam na teoria estrita do dolo, exigindo o 
conhecimento efetivo da antijuridicidade, ora na teoria limitada do dolo, segundo a qual o dolo se 
caracteriza pela “cegueira para o direito”, isto é, quando o agente não procura averiguar se a sua 
conduta é ou não lícita, preferindo praticá-la de forma irresponsável sem o conhecimento efetivo 
da antijuridicidade. 
O denominado dolo normativo é o que exige, para sua caracterização, a consciência da 
ilicitude do fato, ou pelo menos a possibilidade de consciência da ilicitude. 
Para os autores que pensam dessa maneira, a boa-fé exclui o dolo. Manzini entende que só 
age dolosamente quem tem a consciência da ilicitude do fato. No direito pátrio, Nélson Hungria e 
Magalhães Noronha defendem também a ideia do dolo normativo. De acordo com esses escritores, 
a gestante que mora num país onde o aborto é permitido e vem para o Brasil e aqui realiza 
manobras abortivas, insciente de agir de forma ilícita, e sem a possibilidade de captar o sentido 
antijurídico do fato, não age dolosamente. 
Entendemos, porém, que a consciência da ilicitude pertence à culpabilidade. Aliás, como nota 
Grandi, citado por Battaglini, “o objeto do dolo não pode ser senão o fato constitutivo do crime 
objetivamente considerado, independentemente de suas relações com a lei penal”. 
O nosso Código não adota a teoria do dolo normativo. Tanto é assim que o art. 18, I, não 
exige às expressas o conhecimento da ilicitude. E, por outro lado, o art. 21 do CP, depois de dizer 
que o desconhecimento da lei é inescusável, preceitua que o erro sobre a ilicitude do fato, se 
inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Como se vê, o 
erro sobre a ilicitude do fato não exclui o dolo, e, sim, a culpabilidade. O dolo penal é, pois, natural. 
Nesse ponto, cumpre ainda lembrar a questão do inimputável, que, segundo alguns 
penalistas, não realiza condutas dolosas. Pensamos de modo diferente; para nós, no inimputável 
processa-se a consciência e a vontade dentro do seu precário mundo valorativo. Isso é suficiente 
 
 
 
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para a caracterização do dolo. Já para a doutrina do dolo normativo, que procura concentrar no 
dolo a consciência da antijuridicidade, nem todos os menores e doentes mentais são portadores do 
dolo, pois este depende da possibilidade de consciência da ilicitude do seu comportamento. 
 
ELEMENTOS DO DOLO 
 
O conhecimento (elemento intelectual) e a vontade (elemento volitivo) são os dois elementos 
do dolo. 
Deve o conhecimento abranger todos oselementos constitutivos do tipo. Não pense, porém, 
que o agente deva ter consciência dos fatos não mencionados no tipo penal. A consciência só 
precisa ir até as circunstâncias do fato previstas no tipo legal. Se, por exemplo, “A” mata “B”, por 
confundi-lo com “C”, não há exclusão do dolo, diante da consciência de que estava matando 
alguém (“ser humano”). Se, por exemplo, “A” subtrai um relógio dourado pensando que é de ouro, 
subsiste o dolo, pois há a consciência de que se trata de coisa alheia. 
Em relação aos tipos penais que alojam em seu bojo termos ou expressões jurídicas, como, 
por exemplo, cheque, documento, funcionário público etc., a consciência do agente deve 
compreender o termo em seu sentido vulgar, isto é, pelo qual o leigo o concebe, e não em seu 
sentido técnico-jurídico. 
Quanto ao elemento volitivo, o dolo é a vontade de realização da conduta típica. Deve 
projetar-se inclusive sobre os elementos subjetivos do tipo legal. Assim, por exemplo, para a 
configuração do delito de extorsão, não basta constranger a vítima, sendo ainda necessária a 
vontade de obter a indevida vantagem econômica. A vontade deve compreender: a) o objetivo da 
conduta; b) o meio empregado para alcançar esse objetivo; c) as consequências derivadas do 
emprego desse meio. Convém esclarecer, como dizia Welzel, que a simples vontade é insuficiente 
para a configuração do dolo. Para que este se caracterize, urge uma vontade com poder de 
influência real no ocorrido; caso contrário, haverá apenas esperança ou desejo. 
Assim, nos crimes materiais e formais, o dolo do agente deve abranger: 
 
¾ a consciência da conduta e do resultado; 
¾ a consciência do nexo causal entre a conduta e o resultado; 
¾ a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado. 
 
No tocante aos crimes de mera conduta, o dolo deve compreender: 
 
¾ a consciência da conduta; 
¾ a vontade de realizar a conduta criminosa. 
 
Cumpre ainda chamar a atenção para o fato de que no momento da eclosão do resultado 
nem sempre existe no agente a vontade de produzi-lo. E isso não exclui o dolo desde que no 
momento da realização da conduta haja no agente a vontade de produzir o resultado. Basta, para a 
caracterização do dolo, que o evento se realize consoante a intenção do agente esboçada no 
momento da conduta. Subsiste o dolo, por exemplo, se “A” envia uma bomba-relógio para “B”, 
arrependendo-se antes da explosão, mas sem conseguir evitar a tempo a morte de “B”. 
No que tange ao nexo causal, não é preciso que se desenvolva nos moldes imaginados pelo 
agente, subsistindo o dolo se o objetivo visado for alcançado, embora de outra maneira. Assim, 
como dizia Aníbal Bruno, “não se altera a situação dolosa do sujeito no caso em que ele dispara o 
revólver sobre a vítima e esta não é atingida pela bala, mas morre da comoção que o fato lhe 
 
 
 
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causou, ou quando o agente lança o seu inimigo do alto de um talude ao rio, para que morra 
afogado, e a morte realmente se dá, mas porque a vítima, ao cair, despedaça o crânio, de encontro 
a uma pedra. Não acontece isso, porém, se o agente, embora com dolo de homicídio, apenas fere o 
seu adversário, que vem a morrer em um incêndio do hospital onde foi recolhido. É claro que o 
problema não deixa de encontrar-se com o da causalidade, e a este é que alguns autores 
pretendem reduzi-los”. 
 
ESPÉCIES DE DOLO 
 
Várias são as distinções que tradicionalmente são feitas a respeito do dolo. Elencaremos as 
mais importantes: 
 
DOLO DIRETO DE PRIMEIRO GRAU (DETERMINADO, INTENCIONAL, INCONDICIONADO) E 
DOLO INDETERMINADO (INDIRETO) 
 
No dolo direto de primeiro grau, o agente visa produzir um evento certo. Sua vontade se fixa 
numa só direção. Pedro atira contra Paulo para matá-lo. 
No dolo indeterminado ou indireto, a vontade do agente não se fixa num só sentido ou 
direção. Não há a vontade exclusiva de produzir determinado evento. Subdivide-se em: dolo 
alternativo e dolo eventual. 
Verifica-se o dolo alternativo quando o agente visa produzir, com igual intensidade, um ou 
outro resultado. Exemplo: o agente atira para ferir ou para matar. Nesse caso, deve ser imputado 
ao agente o crime mais grave, porquanto a sua vontade projetou-se também para esse sentido. 
No dolo eventual, o agente não quer propriamente o resultado, mas assume o risco de 
produzi-lo. Ele prevê a hipótese de produzir o resultado e mesmo assim realiza a conduta, 
assumindo e aceitando o risco de produzi-lo. Note-se, porém, que o agente não quer o resultado, 
caso contrário o dolo seria direto. O agente que realiza a conduta, na dúvida sobre se o resultado 
irá ou não verificar-se, responde pelo dolo eventual. 
Um médico, para fim científico, experimenta in anima nobili certa substância química, que 
talvez possa (juízo dubitativo) causar a morte do paciente, e o resultado letal vem, realmente, a 
ocorrer. Dá-se, aqui, incontestavelmente, um homicídio com dolo eventual (exemplo de Nélson 
Hungria). 
Ao contrário do que ocorre no dolo direto, observa Aníbal Bruno, “no eventual a vontade do 
agente não se dirige propriamente ao resultado, mas apenas ao ato inicial, que nem sempre é 
ilícito, e o resultado não é representado como certo, mas só como possível. Mas o agente prefere 
que ele ocorra, a desistir da conduta”. 
Sutil a linha divisória entre o dolo eventual e a culpa consciente, pois em ambos sobressai um 
ponto comum: a previsão do resultado. 
No dolo eventual, porém, o agente realiza a conduta sem afastar a hipótese de produzir o 
resultado ilícito. Segundo a fórmula de Frank, desenvolvida para a teoria positiva do 
consentimento, no dolo eventual o agente diz consigo mesmo: “seja como for, dê no que der, em 
qualquer caso não deixo de agir”. Já na culpa consciente, o agente realiza a conduta acreditando 
sinceramente que o resultado previsto não se realizará. Ele atua descartando a hipótese de 
produzir o resultado. Um caçador avista uma ave e resolve alvejá-la com a sua espingarda, 
prevendo que pode errar o alvo e atingir uma pessoa. Atira e fere a pessoa. Se, malgrado a 
previsão, considerava improvável a ocorrência do resultado, descartando a hipótese de produzi-lo, 
 
 
 
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haverá culpa consciente. Se, no entanto, aceitou o resultado como uma das hipóteses prováveis, 
atuando sem descartar a possibilidade de realizá-lo, haverá dolo eventual. 
Observe-se que o grau de probabilidade da produção do resultado previsto pelo agente é 
insuficiente para a caracterização do dolo eventual. É preciso ainda a sua anuência em realizar o 
resultado, isto é, que ele assuma o risco de produzi-lo. 
O Código equiparou o dolo direto e o dolo eventual. O dolo direto e o dolo alternativo estão 
compreendidos na expressão “quis o resultado” (art. 18, I, 1ª parte), enquanto o dolo eventual é 
abrangido pela expressão “assumiu o risco de produzi-lo” (art. 18, I, 2ª parte). 
Em regra, os delitos admitem o dolo direto e o dolo eventual. Em alguns crimes, porém, o tipo 
legal exige a certeza sobre determinada circunstância, excluindo o dolo eventual. Assim sendo, 
dentre outros, não admitem o dolo eventual os seguintes delitos: calúnia, na modalidade propalar e 
divulgar (art. 138, § 1º); receptação (art. 180, caput); conhecimento prévio de impedimento (art. 
237); circulação de moeda falsa ou alterada recebida de boa-fé (art. 289, § 2º), denunciação 
caluniosa (art. 339), etc. 
 
DOLO DE DANO E DOLO DE PERIGO 
 
Verifica-se o dolo de dano quando o agente quer ou assume o risco da lesão de um bem ou 
interesse juridicamente protegido. Esse dolo é exigido para os crimes de dano, que são aqueles cuja 
consumação depende da efetiva lesão dobem jurídico. 
Já o dolo de perigo ocorre quando o agente quer ou assume o risco de expor a perigo bens ou 
interesses juridicamente protegidos. Note-se que o agente não quer nem assume o risco de 
produzir a lesão efetiva do bem jurídico. O dolo de perigo, tal como o dolo de dano, pode ser direto 
e eventual. 
Nos crimes formais o agente atua com dolo de dano, isto é, com vontade de lesar o bem 
jurídico. Nos crimes de perigo, atua com dolo de perigo, isto é, não quer nem assume o risco de 
lesar o bem jurídico. O dolo de perigo também se distingue da culpa inconsciente e da culpa 
consciente. Na culpa inconsciente não há previsão do resultado; no dolo de perigo, o resultado 
lesivo é previsto. É, porém, estreita a ligação entre o dolo de perigo e a culpa consciente, já que em 
ambos o agente prevê o resultado danoso. Todavia, na culpa consciente nem o perigo é desejado 
pelo agente, que acredita sinceramente que nenhum dano ou perigo sobrevirá. No dolo de perigo, 
há a vontade de expor o bem jurídico à probabilidade do dano. Cumpre, contudo, observar que a 
superveniência do resultado lesivo pode transmudar o crime doloso de perigo em crime culposo de 
dano. Se, por exemplo, a equilibrista que, a pedido do dono do circo, exibe-se sem a rede de 
proteção, vem a morrer devido a uma queda, haverá delito de homicídio culposo. Se, no entanto, 
termina o espetáculo incólume, sem sofrer qualquer tipo de queda, haverá o delito de periclitação 
da vida (CP, art. 132). 
 
DOLO GENÉRICO E DOLO ESPECÍFICO 
 
A noção do dolo genérico e específico gira em torno do conceito de fato material, que, por 
sua vez, compreende os elementos objetivos do crime. 
Verifica-se o dolo genérico nos tipos penais em que a vontade do agente se esgota com a 
prática da conduta objetivamente criminosa. Exemplo: “matar alguém” (CP, art. 121). 
Já o dolo específico projeta-se nos tipos penais que exigem do agente uma finalidade 
particular, que ultrapassa os limites do fato material: “matar alguém para assegurar a execução, 
 
 
 
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ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime” (CP, art. 121, §2º, V). Outros exemplos: “com 
o fim de transmitir” (CP, art. 131); “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal” (art. 319). 
O dolo específico, também denominado dolo com intenção ulterior ou dolo especial, auxilia a 
diferenciar um delito de outro. Assim haverá crime de sequestro se a intenção do agente não for 
econômica (art. 148 do CP); haverá extorsão mediante sequestro se o fim for a obtenção de 
vantagem econômica e indevida (art. 159 do CP). 
Na verdade, o que se chama de dolo específico, a rigor, não é dolo, e sim a finalidade. Por isso 
diversos autores repudiam essa classificação. Para melhor compreender o assunto, cumpre 
distinguir três espécies de elementos subjetivos: 
 
¾ dolo: é a vontade consciente de realizar o fato descrito no tipo; 
¾ finalidade: é aquilo que o agente busca com a pratica do fato criminoso; 
¾ motivo: é o antecedente psíquico da ação, isto é, o móvel psicológico que leva o agente a 
realizar o fato. 
 
Enquanto o motivo é anterior ou concomitante à ação, a finalidade é o que se almeja alcançar 
após a ação, ao passo que o dolo é a vontade de realizar a ação. 
 
DOLO GERAL (“DOLUS GENERALIS”) OU ERRO SUCESSIVO 
 
Verifica-se o dolo geral quando o agente, supondo ter produzido o resultado visado, realiza 
nova conduta com finalidade diversa, sendo que esta é que acaba efetivamente produzindo o 
evento de início desejado. 
 
O exemplo clássico, reproduzido por Nélson Hungria, é o seguinte: um indivíduo, depois de 
haver, occidendi animo, golpeado outro, e supondo erroneamente que este já está sem vida, atira o 
presumido cadáver em um rio, vindo a verificar-se, pela autópsia, que a morte ocorreu por 
afogamento, e não em consequência da lesão anterior. 
Diversos autores vislumbram na hipótese uma tentativa de homicídio em concurso com 
homicídio culposo. 
Perante nosso Código, porém, torna-se insustentável semelhante ponto de vista, diante da 
adoção da teoria da conditio sine qua non. A ação ulterior, de lançar a vítima ao rio, encontra-se na 
mesma linha de desdobramento físico da conduta anterior, de modo que o agente deve responder 
por homicídio doloso consumado. Suprimindo in mente a conduta inicial o resultado não teria 
ocorrido como ocorreu. Por consequência, a sua conduta deu causa à morte da vítima (art. 13, 
caput). O erro sobre o nexo causal não exclui o dolo, devendo o agente responder pelo resultado 
ainda que este não se verifique de acordo com o que foi inicialmente projetado. 
Sobremais, como vimos, o dolo não precisa encontrar-se presente no momento da eclosão do 
resultado. Basta que a conduta inicial se desencadeie dolosamente. 
 
DOLO ANTECEDENTE, CONCOMITANTE E SUBSEQUENTE 
 
Dolo antecedente (inicial ou preordenado) é o que subsiste desde o início da execução do 
crime. Esse dolo é suficiente para fixar a responsabilidade criminal do agente, pois não precisa 
persistir durante todo o desenrolar dos atos executórios. Desse modo, o arrependimento ineficaz, 
que não consegue evitar a consumação, não exime o agente da responsabilidade criminal. 
Dolo concomitante é o que subsiste durante todo o desenrolar dos atos executórios. 
 
 
 
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Dolo subsequente (ou sucessivo), ensina Nélson Hungria, “ocorre quando o agente, tendo 
empreendido uma ação com intuito honesto, passa, em seguida, a proceder com má-fé e pratica 
um crime (ex.: o caixeiro-viajante recebe o dinheiro da clientela com o propósito de recolhê-lo a 
uma agência de banco em nome do patrão, mas, a seguir, arrisca-o em apostas de jogo), ou, vindo a 
conhecer ‘post factum’ a ilegitimidade de sua conduta, não procura evitar suas consequências (ex.: 
um indivíduo vem a saber que a cédula com que, em boa-fé, pagou o seu credor é falsa, e não cuida 
de substituí-la, mantendo-se reticente)”. 
A noção de dolo inicial (ab initio) e dolo subsequente (post factum) assume importante papel 
na distinção entre os delitos de estelionato e de apropriação indébita. No primeiro, o dolo é ab 
initio; no segundo, é subsequente, isto é, posterior ao recebimento da coisa. 
 
DOLO DE PROPÓSITO (OU REFLETIDO) E DOLO DE ÍMPETO (OU REPENTINO) 
 
Denomina-se dolo de propósito o que resulta de certo grau de reflexão sobre a prática da 
conduta criminosa. Verifica-se nos delitos cometidos mediante premeditação, que se caracterizam 
pelo intervalo de tempo, mais ou menos longo, entre a idealização do crime e a sua efetiva 
execução, de modo a demonstrar a perseverança do agente no propósito criminoso. A 
premeditação nem sempre revela maior perversidade ou periculosidade do agente. O pai pode 
premeditar a morte do estuprador da filha. Por isso, merece aplausos o nosso Código por não 
elencar a premeditação no rol das agravantes genéricas (arts. 61 e 62), nem incluí-la entre as 
qualificadoras do homicídio (art. 121, § 2º). A premeditação, por si só, não funciona como 
agravante nem como qualificadora do homicídio ou de qualquer outro delito, podendo, porém, 
conforme as circunstâncias, funcionar como circunstância judicial, exasperando a fixação da pena-
base (CP, art. 59). 
Por outro lado, tem-se o dolo de ímpeto quando o agente executa o crime sob o efeito do 
impulso de paixão ou extraordinária excitação de ânimo, de modo que não há hiato temporal entre 
a resolução criminosa e a prática do crime. 
O dolo de ímpeto funciona como atenuante genérica dos crimes cometidos sob influência de 
violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima (CP, art. 65, III, c, última parte). Além disso, 
privilegia o homicídio e a lesão corporal cometidossob o domínio de violenta emoção, logo em 
seguida a injusta provocação da vítima (art. 121, § 1º, e art. 129, § 4º), e autoriza o perdão judicial 
ao crime de injúria (art. 140, § 1º, I e II). 
 
“DOLUS BONUS” E “DOLUS MALUS” 
 
Essa classificação relaciona-se com as qualidades dos motivos do crime. O motivo pode 
exasperar a pena concreta (ex.: motivo fútil) ou amenizá-la (ex.: motivo de relevante valor moral ou 
social). Na verdade, como dizia Costa e Silva, “os motivos, por via de regra, nada têm a ver com o 
dolo. Podem ser morais, sociais ou antissociais, graves ou fúteis. Agravam ou diminuem a pena; 
mas deixam intacto e íntegro o mesmo dolo”. 
Dolo é a vontade consciente de realizar o fato criminoso. Motivo é a razão psicológica que 
determina o agente a realizar a conduta, podendo assumir formas variadas (vingança, paixão, 
futilidade, relevante valor moral etc.). 
Diante disso, repudiamos essa classificação de dolus bonus e dolus malus. 
 
“DOLUS IN RE IPSA” OU DOLO PRESUMIDO 
 
 
 
 
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Dolo presumido é o que não precisa ser demonstrado no caso concreto. É evidente que não 
existe dolo presumido, pois o direito penal moderno não se compactua com a denominada 
responsabilidade objetiva. 
A presença do dolo no ânimo do agente deve ser demonstrada no caso concreto. Admitem-se 
todos os meios lícitos de prova. A prova torna-se mais difícil quando se trata do dolo eventual. 
 
DOLO DIRETO DE SEGUNDO GRAU OU DOLO DE CONSEQUÊNCIAS NECESSÁRIAS 
 
Dolo de consequências necessárias é o que abrange os resultados derivados obrigatoriamente 
da prática da conduta criminosa. Exemplo: desejando eliminar o desafeto, o sujeito coloca uma 
bomba-relógio no avião onde a sua vítima devia viajar. A morte de outros passageiros do avião é 
uma consequência obrigatória do meio empregado para alcançar o seu objetivo. 
 Nesse caso, a morte dos outros passageiros deve ser imputada ao agente a título de dolo 
direto de segundo grau, pois ele tinha certeza da morte dos demais passageiros. 
Finalmente, cumpre não confundir o dolo direto de segundo grau e dolo eventual. Em ambos, 
o agente não quer produzir o resultado. Todavia, no dolo direto de segundo grau, o agente tem 
certeza de que, dos meios empregados, ocorrerá necessariamente o resultado indesejado, ao passo 
que, no dolo eventual, o agente não tem essa certeza, mas apenas dúvida. 
 
DOLO CIVIL 
 
No direito civil, o dolo tem o significado de engano. É o erro provocado pela má-fé alheia. 
Funciona como causa de anulação do ato jurídico, dando ainda ensejo a ação de indenização por 
perdas e danos. 
Já o dolo penal exprime a intenção criminosa. 
 
POSIÇÃO DO DOLO NA TEORIA GERAL DO CRIME 
 
Na doutrina, a discussão sobre a posição do dolo na estrutura dogmática do crime continua 
ainda acesa e longe de ser pacificada. 
A orientação mais tradicional inclui o dolo e a culpa na culpabilidade. 
A doutrina moderna, acertadamente, desloca, porém, o dolo e a culpa para o interior da 
conduta, que, por sua vez, integra o fato típico. Por consequência, a ausência de dolo ou culpa 
provoca a atipicidade do fato. 
 
DOLO E PENA 
 
A intensidade do dolo, que se gradua conforme a firmeza da vontade criminosa, não deve 
influenciar a dosagem da pena-base, pois, como vimos, com a reforma penal de 1984, o dolo deixou 
de pertencer à culpabilidade para integrar a conduta criminosa; tanto é assim que o art. 59 do CP, 
ao fixar os critérios de dosagem da pena, não faz alusão à menor ou maior intensidade do dolo. 
Cumpre recordar que o dolo não se confunde com os motivos do crime. Este último, sim, é 
critério de fixação da pena-base (art. 59). 
 
CRIME CULPOSO 
 
CONCEITO E ELEMENTOS 
 
 
 
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Dispõe o art. 18, II, do CP: 
“Diz-se o crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, 
negligência ou imperícia”. 
Nosso Código não define a culpa, mas, sim, o crime culposo. Do conceito acima, porém, é 
possível extrair os modos reveladores da culpa: imprudência, negligência e imperícia. 
Percebe-se, ainda, que o mencionado dispositivo legal vincula a culpa aos delitos em que a 
conduta produz um resultado lesivo, previsto no tipo penal. Mas, como veremos, há determinados 
delitos de mera conduta que, a despeito de não alojarem no tipo resultado naturalístico, admitem 
também a forma culposa. 
As hipóteses excepcionais de culpa consciente, em que o resultado é previsto, e de culpa por 
extensão, em que o resultado é querido em virtude de inescusável erro do agente, dificultam a 
elaboração de um conceito satisfatório de crime culposo. 
Arriscamo-nos, porém, a propor a seguinte definição: 
“Diz-se o crime culposo quando o agente, deixando de observar o cuidado necessário, realiza 
conduta que produz resultado, não previsto nem querido, mas previsível, e excepcionalmente 
previsto e querido, que podia, com a atenção devida, ter evitado”. 
Assim, em regra, o crime culposo apresenta os seguintes elementos: conduta inicial 
voluntária; violação do dever de cuidado, por imprudência, negligência ou imperícia; resultado 
involuntário; nexo causal entre a conduta e o resultado; previsibilidade objetiva do resultado; 
ausência de previsão; tipicidade. 
 
CONDUTA INICIAL VOLUNTÁRIA 
 
No crime culposo, a vontade limita-se à realização da conduta perigosa. Não há, todavia, 
vontade dirigida à produção do resultado naturalístico. 
Tenha-se presente, destarte, que no crime culposo a conduta inicial é sempre voluntária. Por 
exemplo, o motorista que se aventura a imprimir alta velocidade em local inadequado realiza, sem 
dúvida, um ato de vontade. 
Não se pode, contudo, negar a existência de diferença entre a conduta dolosa e a conduta 
culposa, pois enquanto na primeira a vontade é dirigida à realização do resultado ilícito, na 
segunda, a vontade se direciona à produção de um resultado lícito (em regra), diverso daquele que 
efetivamente se produz. 
De acordo com o finalismo, toda vontade é dirigida a um fim. No crime doloso, o fim é ilícito; 
no crime culposo, em regra, é lícito (p. ex.: imprimir alta velocidade em local inadequado para 
chegar a tempo ao baile de formatura). Excepcionalmente, porém, na denominada culpa imprópria, 
o resultado ilícito é desejado pelo agente. 
Costuma-se negar a existência da vontade no delito culposo omissivo, sobretudo, na hipótese 
de omissão inconsciente (p. ex.: a criada esquece o veneno de rato no local em que se encontra a 
criança). Em tal hipótese, malgrado a inconsciência da omissão, revela-se presente a vontade no 
ato de ter deixado o veneno no quarto da criança. Sobre o assunto, ensina Battaglini, “se um 
ferroviário se esquece de manobrar a alavanca, provocando assim um sinistro, não se pode dizer 
que tenha desejado o desastre, desde que o seu esquecimento se identifique como uma falta de 
atenção (e a atenção como se sabe é regida pela vontade)”. A causa é voluntária, como dizia 
Maggiore, porque remonta a um defeito de atenção, e a atenção se acha sob controle da vontade. 
A atenção é um fato voluntário. Cumpre, porém, esclarecer que no crime culposo nem sempre a 
conduta inicial é lícita, revestindo-se, às vezes, de caráter contravencional (ex.: omissão de cautela 
na guarda ou condução de animais). Às vezes ainda constitui crime de perigo (ex.: o dono do circo 
 
 
 
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PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS 
autoriza a equilibrista a exibir-se sem as redes de proteção para provocar sensacionalismo). Nesses 
casos, sobrevindo o evento lesivo (morte ou lesão), haverá delito culposo. Se, porém, não ocorrernenhum desses resultados, malgrado a exclusão do crime culposo, subsiste a responsabilidade do 
agente pelo fato convencional (art. 31 da LCP), no primeiro caso, e pelo crime de perigo (art. 132 do 
CP), no segundo caso. 
 
VIOLAÇÃO DO DEVER DE CUIDADO 
 
Na essência de todo crime culposo encontra-se uma falta de atenção inescusável, consistente 
na violação do dever de cuidado. 
A vida em comunidade social impõe, a cada pessoa, o dever de abster-se da prática de 
condutas perigosas, exigindo do homem as cautelas necessárias para evitar que de seus atos 
possam resultar dano a bens jurídicos alheios. 
É relativo, entretanto, esse dever de evitar situações de perigo para bens jurídicos alheios. 
Como explica Aníbal Bruno, “nem todo comportamento perigoso constitui só por isso uma 
conduta contrária ao dever. Há atividades exigidas pela vida social, como fabricação ou manejo de 
explosivos, funcionamento de fábricas, exploração de usinas, intervenções cirúrgicas, condução de 
veículos, construções de edifícios, que implicam por sua própria natureza um risco que pode 
conduzir, de maneira muitas vezes inevitável, a resultados de dano a coisas, lesões corporais ou 
morte. O simples exercício dessas atividades perigosas não basta para constituir o ato inicial de um 
ato culposo, se o agente atua com a atenção devida, maior ainda nesses casos, mantendo-se 
apenas dentro do risco necessário, que supõem essas empresas ou profissões. Esse 
comportamento perigoso não é contrário ao dever, porque corresponde a exigências sociais 
reconhecidas pelo Direito. Configura-se a culpa se o indivíduo ultrapassa os limites do risco 
permitido e o resultado típico sobrevém”. 
Assim, o ato de realizar a situação de perigo nem sempre constitui violação do dever de 
cuidado, desde que se trate de empresas ou profissões cujo risco seja tolerado diante de seu 
caráter imprescindível ao progresso da vida social. É evidente que maior deve ser a prudência e a 
vigilância, e, além da observância de conhecimentos práticos e científicos, dever-se-á ainda acatar 
as normas regulamentares dessas profissões e atividades. Nesses casos, a culpa depende da 
transposição inescusável dos limites do risco permitido. 
Por outro lado, ainda nesse tópico, cumpre examinar as três modalidades de culpa — 
imprudência, negligência e imperícia — responsáveis pela violação do cuidado objetivo necessário. 
Imprudência é a culpa in agendo, que consiste na prática de uma ação perigosa sem as 
cautelas oportunas. Exemplo: municiar arma de fogo na frente de outras pessoas. 
Negligência é a culpa in omitendo, consistente na inobservância dos cuidados exigidos pelas 
circunstâncias. Negligenciar é omitir a ação que o caso requer. 
Imperícia é a chamada culpa profissional, que se traduz na falta de aptidão para o exercício de 
arte, profissão ou ofício. Verifica-se sempre no exercício de uma atividade em que o agente, não 
obstante autorizado a exercê-la, não dispõe dos conhecimentos teóricos ou práticos para bem 
desempenhá-la. É o caso do médico que, não possuindo cabedal suficiente para efetuar certa 
operação, provoca a morte do paciente. 
É mister não confundir imperícia com negligência ou imprudência cometida no exercício de 
arte, profissão ou ofício. Na imperícia, o profissional inobserva a regra técnica ou prática que, 
devido ao despreparo, ele desconhecia. Na negligência, o profissional inobserva por desleixo uma 
regra que ele conhecia. Exemplo: o médico esquece uma pinça dentro do abdômen do paciente. Na 
 
 
 
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PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS 
imprudência, o profissional pratica um ato perigoso (ex.: o médico realiza a cirurgia por um 
processo complexo quando podia efetuá-la por processo simples). 
Não se perca de vista, porém, que a imperícia deve sempre ocorrer no exercício de uma 
atividade (arte, profissão ou ofício) que o agente esteja autorizado a exercer, caso contrário, sob o 
prisma jurídico, será imprudência ou negligência. O motorista que tem habilitação legal, mas não 
sabe dirigir o veículo que conduz, será imperito. Se, além de não saber dirigir, ainda não tem 
carteira de habilitação, será imprudente. 
Júlio Fabbrini Mirabete, com o seu peculiar bom-senso, explica que “além de imprecisos os 
limites que distinguem essas modalidades de culpa, podem elas coexistir no mesmo fato. Poderá 
haver imprudência e negligência (pneus gastos que não foram trocados e excesso de velocidade), a 
negligência e a imperícia (profissional incompetente que age sem providências específicas), a 
imperícia e a imprudência (motorista canhestro recém-habilitado que dirige em velocidade 
incompatível com o local)”. 
 
RESULTADO INVOLUNTÁRIO 
 
No crime culposo, o resultado funciona como elemento constitutivo do tipo. 
Não há crime culposo, nem mesmo na forma tentada, se da conduta culposa não advém o 
resultado lesivo. 
Insustentável o ponto de vista de Manzini, abraçado por Hungria, de que o resultado constitui 
mera condição objetiva de punibilidade. 
No crime culposo, o resultado aloja-se dentro do tipo, conferindo-lhe a essência criminosa. 
Tanto é assim que a simples conduta não caracteriza crime. A integralização do tipo penal culposo 
depende da superveniência do evento indesejado: se este não ocorre, a simples conduta, conforme 
o caso, constitui fato atípico (ex.: esquecer o revólver ao alcance de crianças) ou mera 
contravenção penal (ex.: omissão de cautela na guarda ou condução de animais — art. 31 da LCP) 
ou ainda delito de perigo (CP, art. 132). 
A condição objetiva de punibilidade situa-se fora do tipo penal e em linha desvinculada da 
causalidade material e psicológica desencadeada pela conduta do agente. Dessa forma, não se 
pode compreender o resultado como condição objetiva de punibilidade, pois a verificação do 
evento lesivo situa-se na mesma linha de desdobramento físico da conduta realizada pelo agente. 
Cumpre frisar que no crime culposo o agente não quer o resultado nem assume o risco de 
produzi-lo. Excepcionalmente, porém, como veremos adiante, na denominada culpa imprópria, há 
o desejo de produzir o resultado. 
E, ainda nesse passo, cabe registrar que há determinados delitos culposos, se bem que mui 
raros, que não alojam dentro do tipo resultado naturalístico. São os denominados crimes culposos 
de mera conduta, dos quais cuidaremos oportunamente. 
Assim, em regra, o resultado funciona como elemento do crime culposo. Excepcionalmente, 
contudo, admite-se crime culposo sem o evento naturalístico. 
 
NEXO CAUSAL 
 
A consumação do crime culposo depende da ocorrência do evento naturalístico. Assim, os 
delitos culposos ingressam na categoria dos denominados crimes materiais, que são aqueles em 
que o tipo penal descreve a conduta e o resultado, exigindo, para a consumação, que este último se 
verifique. 
 
 
 
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Como nos demais crimes materiais, o nexo causal, consistente na relação de causa e efeito 
entre a conduta e o evento, torna-se imprescindível à tipicidade do fato. 
 
PREVISIBILIDADE OBJETIVA DO RESULTADO 
 
O cerne da culpa reside na imprevisão do previsível. 
A previsibilidade, no plano da tipicidade do crime culposo, deve ser apurada de acordo com o 
grau de atenção do homo medius. 
Há previsibilidade quando o homem médio, nas circunstâncias em que se encontrava o 
agente, teria antevisto o resultado. 
O homo medius é uma figura hipotética que o juiz imagina reunir a inteligência e perspicácia 
inerentes à maioria das pessoas que integram a comunidade social. É, pois, o representante 
hipotético do homem comum. 
Na análise do caso concreto, o magistrado substitui o agente pelo homo medius e verifica se 
este, nas circunstânciasem que aquele se encontrava, teria previsto o resultado. Se afirmativa a 
resposta, verifica-se a tipicidade do crime culposo, presumindo-se, por consequência, a 
antijuridicidade, devendo a previsibilidade subjetiva ser avaliada apenas por ocasião da 
culpabilidade. Cumpre não confundir o juízo do homem médio com o senso comum. O 
comportamento do homem médio deve refletir o mínimo de prudência que o magistrado espera 
das pessoas, ao passo que o senso comum reflete a opinião da maioria. Esta, no entanto, pode não 
coincidir com o comportamento do homem médio. Exemplo: o motorista aciona o freio, após o 
estouro do pneu da frente, perdendo o controle do veículo, que vem a capotar. Talvez essa atitude 
seja a do senso comum. Todavia, caracteriza uma inequívoca imperícia, porque, diante do estouro 
do pneu, o homem médio, a menos que haja outro carro na frente, não deve acionar os freios, e 
sim tentar segurar o automóvel, mantendo-se firme na direção, conforme dispõem as normas de 
trânsito. 
Deve ser rechaçada a ideia de se apreciar a previsibilidade sob o aspecto subjetivo do agente, 
isto é, conforme os seus dotes intelectuais, sociais e culturais, pois o direito penal não pode 
subordinar-se aos interesses dos incautos, devendo estes, sim, amoldar-se ao perfil do comum dos 
homens. O perfil subjetivo do agente é analisado no juízo da culpabilidade. 
Não se pense, porém, que o direito se queda inerte diante da dessemelhança de certas 
pessoas, que, por algum motivo qualquer, encontram-se aquém do perfil fictício do homem médio. 
A essas pessoas, que deixam de prever o previsível, ainda é possível o juízo absolutório, não mais 
por exclusão da tipicidade ou antijuridicidade, mas por ausência de culpabilidade. Se o perfil 
subjetivo do agente, mesmo empregando carga razoável de atenção, não conseguir captar o 
resultado previsível ao comum dos homens, excluir-se-á a culpabilidade, por falta da potencial 
consciência da ilicitude do fato. O homem rústico, de parcas instruções, que adquire mercadoria 
criminosa, pagando preço desproporcional ao seu valor, realiza a conduta típica da receptação 
culposa, desde que a natureza criminosa da coisa pudesse ter sido antevista pelo homem médio. 
Nem por isso, porém, estará fadado à sujeição de uma sentença penal condenatória, pois, se os 
seus atributos individuais, por mais que se acionem os neurônios da prudência, não conseguirem 
captar a previsão do resultado, a culpabilidade é excluída. 
 
AUSÊNCIA DE PREVISÃO 
 
No crime culposo, o agente não prevê o resultado previsível ao homo medius; caso contrário, 
estaríamos diante do dolo. 
 
 
 
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Excepcionalmente, porém, na chamada culpa consciente, como veremos, há previsão do 
resultado. 
 
TIPICIDADE 
 
Os crimes culposos são tipos abertos, pois a complementação da definição da figura típica 
depende de um juízo valorativo do magistrado. 
A tipicidade depende da concretização de todos os elementos do crime culposo, dos quais 
merecem destaque a violação do dever de cuidado e a previsibilidade objetiva do resultado. 
 
ESPÉCIES DE CULPA 
 
Hão que se distinguir quatro espécies de culpa: a inconsciente (comum), a consciente (com 
previsão), a própria e a imprópria (por extensão, equiparação ou assimilação). 
Na culpa inconsciente (culpa ex ignorantia), o agente não prevê o resultado previsível. 
Na culpa consciente ou por representação (culpa ex lascivia), o agente, após prever o 
resultado, realiza a conduta acreditando sinceramente que ele não ocorrerá. 
Em alguns Códigos, como o italiano, a previsão do evento funciona como agravante genérica 
do crime culposo. No Brasil, porém, isso não acontece. Nosso Código dispensa tratamento paritário 
entre a culpa consciente e a culpa inconsciente, no que aliás andou muito bem, pois, como dizia 
Magalhães Noronha, “a culpa consciente nem sempre traduz maior periculosidade ou desajuste da 
pessoa. Um homem previdente pode, após madura reflexão, praticar um ato do qual antevê o 
resultado, contando com que, devido à sua cautela, este não sobrevirá, o que, entretanto, não 
impede que se verifique. Não necessita de maior corretivo do que o estabanado, o desatento, o 
imprudente que pratica o mesmo ato, sem que nem por um momento perceba a consequência 
funesta”. 
Assim, no que tange à aplicação de pena, não há distinção, a priori, entre a culpa consciente e 
a culpa inconsciente. 
Por outro lado, verifica-se a culpa própria quando o agente não quer o resultado nem assume 
o risco de produzi-lo. 
Já na denominada culpa imprópria, o agente, após ter previsto o resultado, realiza a conduta 
por erro inescusável quanto à ilicitude do fato. Nesse caso, o erro inescusável pode incidir sobre as 
chamadas descriminantes putativas ou sobre o excesso nas justificativas. Na culpa imprópria, o 
agente recai em erro quanto à ilicitude do resultado. Ele acredita encontrar-se em situação que, se 
realmente existisse, excluiria a ilicitude do fato. São as chamadas descriminantes putativas (legítima 
defesa putativa, estado de necessidade putativo etc.). 
Exemplo: “A” atira em “B”, supondo que estava prestes a ser alvejado, quando, na verdade, 
“B” enfiara a mão no bolso para pegar um cigarro. Se escusável o erro, exclui-se a culpabilidade 
(legítima defesa putativa); se inescusável, responde pelo crime a título de culpa. 
Na verdade, na denominada culpa imprópria o agente procede com dolo, pois realiza a 
conduta com a intenção de produzir o resultado. Todavia, por razões de política criminal, o Código 
aplica ao fato a pena do crime culposo. 
 
CULPA PRESUMIDA (OU “IN RE IPSA”) 
 
Culpa presumida é a que deriva da simples inobservância de disposição regulamentar. 
 
 
 
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O CP de 1890 consagrou-a, de modo que da conduta que violasse leis ou regulamentos 
emergia, juris et de jure, a responsabilidade do agente. Do atropelamento provocado pelo condutor 
de veículo que dirigisse sem habilitação legal, presumia-se a sua culpa, ainda que no caso concreto 
a culpa tivesse sido exclusivamente da vítima. 
Esse sistema da presunção de culpa, que consagrava a monstruosa responsabilidade objetiva, 
atentava contra o princípio da presunção de inocência. 
Felizmente, porém, o Código de 1940 eliminou a culpa presumida, que, na reforma penal de 
1984, continuou sepultada. 
Já não existe culpa presumida. Em nosso Código há somente a culpa efetiva: toda culpa 
necessita de demonstração real, em cada caso concreto. 
 
GRAUS DE CULPA 
 
De acordo com a sua intensidade, subdivide-se a culpa em grave (lata), leve e levíssima. 
A primeira se identificaria quando qualquer pessoa pudesse prever o evento (ex.: deixar arma 
de fogo nas mãos de uma criança). A segunda ocorreria no caso em que apenas o homem médio 
pudesse prever o resultado (ex.: guardar a arma carregada em cima do guarda-roupa). A terceira 
ocorreria quando o resultado fosse previsível apenas para o homem de excepcional cautela (ex.: 
guardar o revólver em lugar quase inacessível às crianças). A culpa levíssima equipara-se ao caso 
fortuito, culminando com a absolvição do agente. 
Na verdade, essa divisão de culpas, que deita suas raízes no direito privado romano, já não 
tem despertado o interesse dos penalistas, que, cada vez mais, vêm abandonando essa distinção. 
Com a reforma de 1984, o CP, no art. 59, nem sequer faz menção aos graus de culpa. É que, 
de acordo com o finalismo, a culpa aloja-se na conduta, e não na culpabilidade, de modo que a sua 
intensidade não é mais considerada na graduação da pena. 
No que tange à chamada culpa levíssima, desde que o evento não seja previsível ao homo 
medius, exclui-se o crime, equiparando-se,portanto, ao caso fortuito. Exemplo: no Brasil, 
terremoto derruba um prédio construído sem qualquer aparato para evitá-lo. Em nosso país, não 
há previsão da ocorrência de terremotos, de modo que o engenheiro responsável pela obra não 
pode ser responsabilizado penalmente pelos danos causados aos moradores. Noutros países, como, 
por exemplo, o Japão, o fenômeno é corriqueiro, recaindo a responsabilidade sobre o engenheiro 
que não providenciou o aparato necessário para suportar o tremor, deixando, nesse caso, a culpa 
de ser levíssima. 
 
COMPENSAÇÃO DE CULPAS 
 
Dá-se a compensação de culpas quando a culpa do acusado é anulada pela presença da culpa 
da vítima. Assim, o motorista que culposamente provocasse o atropelamento não poderia ser 
punido na hipótese de culpa concorrente da vítima. 
Semelhante ponto de vista afrontaria por certo a teoria da conditio sine qua non. 
No direito penal, não existe compensação de culpas porque a apuração da responsabilidade 
penal é obrigatória. A culpa da vítima não exclui a culpa do réu. O fenômeno da compensação de 
culpas só tem sentido no direito privado, para reduzir ou anular o valor da indenização. 
Cumpre, porém, anotar que a culpa da vítima, apesar de não excluir a culpa do agente, 
funciona como circunstância judicial favorável ao acusado, devendo o juiz considerá-la na fixação 
da pena-base (CP, art. 59). 
 
CONCORRÊNCIA DE CULPAS 
 
 
 
 
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Dá-se a concorrência de culpas quando dois ou mais agentes, culposamente, contribuem para 
a eclosão do resultado naturalístico. Todos respondem pelo evento lesivo, por força da teoria da 
conditio sine qua non. 
Não se confunde a co-autoria, em que diversos agentes realizam de comum acordo a conduta 
culposa, com a concorrência de culpas, em que diversos agentes realizam a conduta culposa sem 
que haja entre eles qualquer liame psicológico. 
 
CARÁTER EXCEPCIONAL DO CRIME CULPOSO 
 
O normal é que os crimes sejam cometidos dolosamente, tanto que, no silêncio da lei, 
presume-se que o tipo previsto é doloso. 
Excepcionalmente, porém, a lei institui os tipos penais culposos. 
O caráter excepcional dos crimes culposos significa que só se os admite nos casos 
taxativamente declarados na lei. 
É o que rege o parágrafo único do art. 18 do CP: 
“Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, 
senão quando o pratica dolosamente”. 
Como se vê, só há crime culposo nos casos expressos em lei (p. ex.: arts. 121, § 3º, 129, § 6º, e 
outros), que, por sinal, são diminutos. 
Nesse ensejo, cumpre registrar que o único crime contra o patrimônio punido a título de 
culpa é a receptação. Desse modo, o dano culposo, no Código Penal, constitui fato atípico, 
subsistindo apenas a responsabilidade civil pelo ato praticado. 
 
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPA 
 
São causas de exclusão da culpa: o caso fortuito ou força maior, o erro profissional e o 
princípio da confiança. 
 
a) Caso fortuito ou força maior é o acontecimento imprevisível e inevitável. Como vimos, para 
efeitos penais, equipara-se ao caso fortuito a chamada culpa levíssima. 
b) Já o erro profissional é o que decorre da falibilidade das regras da ciência. Difere da 
imperícia. No erro profissional, o agente observa as regras do ofício, que, no entanto, por estarem 
em constante evolução, mostram-se imperfeitas em determinado caso concreto (ex.: o anestesista 
ministra corretamente o medicamento na paciente, observando com rigor as regras da medicina, 
mas mesmo assim a morte sobrevém). O erro profissional exclui a culpa, pois a falha já não é do 
agente, e sim da própria ciência. Diferentemente, na imperícia, o agente inobserva as regras 
recomendadas pela profissão, arte ou ofício. A imperícia constitui uma das modalidades de culpa, 
visto que a falha não deriva da ciência, mas do próprio agente. 
c) De acordo com o princípio da confiança, o usuário da via pública que respeita as normas de 
circulação de veículos tem o direito de acreditar que os demais também irão conduzir-se 
corretamente. Se, por exemplo, diante do sinal aberto, o motorista ingressa no cruzamento, 
mesmo prevendo que um tresloucado veículo poderá desrespeitar o sinal, que para ele se encontra 
fechado, vindo a ocorrer a colisão, exclui-se a culpa do primeiro em atenção ao princípio da 
confiança. Tratando-se, porém, de pedestre que inadvertidamente vaga pelo centro da rua, não 
poderá o motorista, malgrado a abertura do sinal para ele, avançar com o seu veículo, matando e 
estropiando impunemente, pois, caso contrário, como dizia Nélson Hungria, “estaria implantada, na 
vida social, a lei do mato virgem”. 
 
 
 
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A CULPABILIDADE NOS CRIMES CULPOSOS 
 
Culpabilidade é o juízo de reprovação que recai sobre o sujeito ativo do crime, pelo qual se 
permite aferir o merecimento ou não da qualidade e quantidade da pena. 
A culpabilidade nos crimes culposos é idêntica à dos crimes dolosos, exigindo-se os seguintes 
requisitos: 
 
¾ imputabilidade; 
¾ potencial consciência da ilicitude; 
¾ exigibilidade de conduta diversa. 
 
CRIMES CULPOSOS DE MERA CONDUTA 
 
Vimos que o resultado naturalístico é elemento constitutivo do crime culposo; sem a 
ocorrência do evento físico não existe crime culposo, que, por isso mesmo, integra o rol dos 
denominados delitos materiais. 
Sabemos, também, que nos delitos de mera conduta (ou de simples atividade), o tipo penal 
descreve apenas a conduta, não alojando em seu interior nenhum evento naturalístico, de modo 
que o seu momento consumativo coincide com a realização da conduta (ação e omissão). 
Em face dessas considerações, força convir que, em princípio, a estrutura dos crimes culposos 
é incompatível com a dos delitos de mera conduta. Nos primeiros, o resultado encontra-se 
embutido no tipo. Nos segundos, expurga-se do tipo qualquer evento naturalístico. 
Nada impede, porém, a formulação de crime de mera conduta na modalidade culposa, pois se 
se trata de um tipo caracterizado pela conduta, observa Magalhães Noronha, “é óbvio que ela tanto 
pode ser dolosa, como informar-se da culpa, dependendo apenas de que, por determinados 
motivos, o legislador, criando o tipo, se contente com a conduta culposa ou exija como elemento 
integrante o evento”. 
Negar a possibilidade da criação de tipos culposos de mera conduta equivale a negar a 
existência da própria conduta culposa. 
Entretanto, se no plano teórico não há empecilho à definição de crime de mera conduta 
culposo, no ordenamento jurídico pátrio descobrir um exemplo real requer ampla garimpagem do 
Código Penal. 
Há, porém, dois exemplos marcantes de crimes culposos de mera conduta em nosso Código. 
O primeiro encontra-se no art. 270, § 2º (envenenamento de água potável ou de substância 
alimentícia ou medicinal); o segundo, no art. 280, parágrafo único (medicamento em desacordo 
com a receita médica). Alguns escritores têm-se insurgido contra a ideia de crime culposo de mera 
conduta. Para eles, nos exemplos ministrados, não haveria culpa, mas dolo de perigo, pois a 
exclusão do evento naturalístico do tipo penal eliminaria o crime culposo para dar ensejo a um 
crime doloso, consistente em agir com imprudência, negligência ou imperícia, transformando, 
destarte, a culpa em dolo de perigo. 
Fora do Código Penal, ainda há o delito do art. 38 da Lei n. 11.343/06 que também se revela 
como crime culposo de mera conduta, bem como o art. 29 da LCP, que é a única contravenção 
punida na modalidade culposa. 
De fato, a culpa desvestida do evento naturalístico muito se aproxima do dolo de perigo, 
sobretudo nas formas da imprudência e da imperícia. Todavia,no tocante aos chamados delitos de 
esquecimento (negligência inconsciente), nenhuma afinidade existe entre a culpa e o dolo de 
perigo; neste último o agente realiza a conduta consciente do perigo que dela pode advir, 
 
 
 
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subsistindo, destarte, pelo menos nesse aspecto, a distinção entre o crime culposo de mera 
conduta e o crime doloso de perigo. 
 
CRIMES CULPOSOS DE PERIGO 
 
No crime culposo, o resultado naturalístico integra o tipo legal. Todavia esse resultado 
naturalístico pode ser tanto de dano como de perigo, cumprindo lembrar que, no crime de perigo, o 
evento consiste no próprio perigo, isto é, na probabilidade do dano. 
Nada impede, por isso, a existência de crime culposo de perigo. Citemos os seguintes 
exemplos: 
 
¾ “perigo de contágio de moléstia venérea”, em que a forma culposa é admitida na expressão 
“deve saber” (art. 130); 
¾ incêndio (art. 250, § 2º); 
¾ explosão (art. 251, § 3º); 
¾ uso de gás tóxico ou asfixiante (art. 252, parágrafo único); 
¾ inundação, desabamento ou desmoronamento (arts. 254, 256, parágrafo único, 259, 
parágrafo único). 
 
CRIME PRETERDOLOSO 
 
 “VERSARI IN RE ILLICITA” 
 
De acordo com o princípio do versari in re illicita, o autor de conduta ilícita deveria responder 
também pelo resultado fortuito. Sob esse sistema desenvolveu-se a ideia do dolo indireto. 
Ocorria o dolo indireto quando o agente, ao praticar o crime, dava causa a outros resultados 
não previstos. Para essa doutrina, que teve grande voga entre os antigos criminalistas do século 
passado, lembrava Galdino Siqueira, “o delinquente que causa um mal maior do que o tencionado, 
ou diverso do tencionado, indiretamente o quer e responde por todas as consequências do seu 
ato”. Assim, punia-se como homicídio doloso a ofensa física de que resultasse morte, ainda que 
este evento mais grave derivasse de caso fortuito. 
No direito penal moderno, porém, não tem mais cabimento o versari in re illicita, pois vigora a 
máxima nulla poena sine culpa. 
Essa antiga noção de dolo indireto desapareceu. Atualmente, o dolo deve abranger todos os 
elementos do fato criminoso. Naquele rudimentar sistema do versari in re illicita, o resultado 
fortuito ou culposo advindo de uma conduta dolosa era atribuído ao agente a título de dolo 
indireto. Como se percebe, tal dolo indireto não passava de uma ficção jurídica, pela qual 
sustentava-se que o resultado mais grave foi querido pelo agente. 
 
CONCEITO DE CRIME PRETERDOLOSO OU PRETERINTENCIONAL 
 
Dá-se o crime preterdoloso quando a conduta dolosa produz um resultado culposo mais grave 
do que o querido pelo agente. Há, como se vê, dolo no antecedente e culpa no consequente. 
Nesse tipo de delito, o agente produz resultado diverso do pretendido. Há, pois, divergência 
entre a sua vontade e o resultado maior produzido. O exemplo clássico é o da lesão corporal 
seguida de morte (art. 129, § 3º), em que o agente dá um soco na vítima, que, durante a queda, 
 
 
 
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bate a cabeça no chão e morre. Note-se que o agente realiza a conduta com a intenção de ferir 
(animus laedendi), sobrevindo, por culpa, a morte da vítima. 
No crime preterdoloso, o agente não quer nem assume o risco de produzir o resultado mais 
grave, todavia este sobrevém por sua culpa. A existência de dolo direto ou eventual em relação ao 
evento agravador elimina o caráter preterdoloso do delito. 
São, pois, seus elementos: 
 
¾ conduta dolosa direcionada a resultado menos grave; 
¾ resultado culposo mais grave; 
¾ nexo causal entre a conduta dolosa e o resultado culposo. 
 
No antigo sistema do versari in re illicita o resultado fortuito era imputado ao agente que 
realizava a conduta ilícita. Reinava o brocardo Qui in re illicita versatur tenetur etiam pro caso 
(Quem se envolve em coisa ilícita é responsável também pelo resultado fortuito). Na verdade, essa 
doutrina consagrava a conturbada responsabilidade objetiva, que, de certa maneira, encontrava-se 
camuflada na noção do extinto dolo indireto, o qual presumia a vontade na causa (vontade 
indireta). 
Perante nosso Código, porém, o resultado maior que o desejado só pode ser atribuído ao 
agente que o houver causado ao menos culposamente. É o que dispõe o art. 19 do CP: “Pelo 
resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos 
culposamente”. Urge, portanto, que o evento seja previsível ao homo medius. Eliminou-se, 
destarte, o sistema da responsabilidade objetiva, de modo que o agente não responde mais pelo 
caso fortuito ou força maior, isto é, pelos eventos que escapam da perspicácia do homem médio. 
Se, por exemplo, “A” fere uma das falanges de “B”, que, por falta de higiene, deixa o ferimento 
infeccionar-se, vindo a contrair tétano e a morrer, não se lhe pode imputar o evento fortuito, cuja 
previsibilidade de verificação não podia ser captada pelo homo medius. Dir-se-á que a morte se 
encontra na mesma linha de desdobramento físico da conduta do agente, consoante o 
procedimento hipotético de eliminação de Thyrén. Todavia, não se pode olvidar que à causalidade 
física conjuga-se a causalidade psicológica (dolo e culpa), e, no caso, no tocante ao evento morte, 
não ocorreu dolo ou culpa, devendo por isso atribuir-se o evento ao acaso. 
Discute-se, na doutrina, se o crime preterdoloso é doloso ou culposo. 
Doloso não é, porque o resultado agravador não foi querido pelo agente, que também não 
assumiu o risco de produzi-lo. 
Também não é culposo, porque antes de sobrevir o resultado maior culposo realiza-se um 
resultado doloso de menor gravidade. 
Adotamos a corrente que vê no crime preterdoloso um misto de dolo e culpa. A conduta é 
dolosa, porquanto direciona-se à produção do resultado de menor gravidade, porém igualmente 
antijurídico. O resultado de maior gravidade é culposo, pois não se encontra dentro da esfera do 
desejo do agente. Há, destarte, conjugação de dolo e culpa. 
Ingressa o crime preterdoloso na categoria dos delitos de duplo resultado. O dolo do agente 
abrange apenas o resultado menos grave (ex.: vontade de ferir). O resultado mais grave (ex.: a 
morte involuntária), porém, lhe é atribuído a título de culpa. 
O reincidente em crime preterdoloso, contudo, deve ser tratado como reincidente em crime 
doloso, pois antes de integralizar-se o resultado culposo mais grave realiza-se, por completo, um 
crime doloso menos grave. 
Nosso Código admite, dentre outros, os seguintes crimes preterdolosos: arts. 127, 129, § 3º, 
133, §§ 1º e 2º, 135, parágrafo único, 136, §§ 1º e 2º, 137, parágrafo único, 148, § 2º, 157, § 3º 
 
 
 
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(espécies dolosa e preterdolosa); 159, §§ 2º e 3º (espécies dolosa e preterdolosa); 223, parágrafo 
único, 258, 263 e 264, parágrafo único. 
Finalmente, cumpre recordar que nem todo crime qualificado pelo resultado é preterdoloso, 
pois certos crimes apresentam duplicidade de resultados dolosos. O art. 19 admite a existência 
desses delitos ao dispor que “pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o 
agente que o houver causado ao menos culposamente”. Note-se que a expressão “ao menos 
culposamente” indica a existência de delitos em que o resultado agravador é atribuído ao agente a 
título de dolo. Tome-se como exemplo o latrocínio. Nesse delito há duplicidade de resultados: 
obtenção dos bens e morte da vítima. Se esses dois eventos ingressam no dolo do agente, haverá 
um delito qualificado pelo resultado. Se, porém, houver apenas o dolo de subtrair, mas a morte da 
vítima sobrevier por culpado agente, o delito passa a ser preterdoloso. O preterdolo, na verdade, é 
uma espécie de crime qualificado pelo resultado. A adequação típica, contudo, nos dois casos, é a 
mesma, com o enquadramento do agente na norma do art. 157, § 3º, 2ª parte do CP, devendo a 
diferença ficar por conta da dosagem da pena concreta (CP, art. 59). 
Nem sempre é tarefa fácil identificar um delito cujo resultado agravador é imputado ao 
agente exclusivamente a título de preterdolo. Nos §§ 1º e 2º do art. 129 do Código Penal os 
resultados agravadores podem ser imputados a título de dolo ou de preterdolo, à exceção do § 1º, 
II, e do § 2º, V, que admitem somente o preterdolo. 
A análise das hipóteses, no entanto, deve ser relegada ao estudo da Parte Especial do CP, 
exigindo do intérprete ampla intuição e conhecimento do ordenamento jurídico penal, porquanto, 
nesse assunto, tem predomínio o método de interpretação lógico-sistemática. “Na verdade, todo 
crime qualificado pelo resultado, tendo em vista o teor do art. 19 do CP, admite a forma 
preterdolosa (dolo no antecedente + culpa no consequente), sendo que alguns comportam 
exclusivamente o preterdolo, mas há aqueles cujo resultado agravador pode ser também doloso 
(dolo no antecedente + dolo no consequente). Se, no entanto, o resultado agravador for também 
delito autônomo, é mister comparar as penas abstratas. Se a pena do delito autônomo for superior 
à pena do delito qualificado é porque este último é exclusivamente preterdoloso, excluindo-se a 
sua incidência quando o resultado agravador for produzido dolosamente. Tome-se o exemplo da 
lesão corporal seguida de morte, prevista no 3º do art. 129 do CP, que tem uma pena de reclusão 
de 4 (quatro)a 12 (doze) anos. É evidente que a morte, a que se refere este tipo penal, é culposa, 
revelando-se o 3º do art. 129 do CP como sendo um crime exclusivamente preterdoloso, porquanto 
a pena prevista para a morte dolosa, no art. 121 do CP, é de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. 
Se o 3º do art. 129 do CP abrangesse também a morte dolosa haveria a ilógica de se absorver o 
delito mais grave, previsto no art. 121 do CP. Em contrapartida, se a pena do delito autônomo for 
inferior à pena do qualificado é porque este último abrange as duas formas qualificadas (dolo + 
culpa e dolo + dolo). Tal ocorre, por exemplo, com o latrocínio, previsto no § 3º do art. 157 do CP, 
cuja pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, superior, portanto, à pena do art. 121 do 
CP, de modo que, no latrocínio, a morte pode ser dolosa ou culposa, absorvendo-se o crime de 
homicídio. 
 
ERRO DE TIPO 
 
CONCEITO 
 
No erro, o agente interpreta mal; na ignorância, ele desconhece a realidade. O Código, 
porém, equipara-os, tratando a ambos como erro. 
 
 
 
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Ocorre o erro de tipo quando o agente se engana sobre os elementos da figura típica. A esse 
verdadeiro erro de tipo, que incide sobre os elementos do tipo legal, dá-se o nome de erro de tipo 
essencial. O caçador acredita matar um animal e, no entanto, mata uma pessoa. O agente se crê 
dono do objeto subtraído, que, no entanto, pertence a terceiro. 
 
ESPÉCIES 
 
O erro de tipo pode ser invencível ou vencível. 
Erro invencível ou escusável é o que não emana da culpa do agente. Ainda que ele 
empregasse a atenção do “homem médio” o erro ter-se-ia verificado. 
Erro vencível ou inescusável é o que emana da culpa do agente. Para evitá-lo bastaria a 
atenção normal do “homem médio”. 
É a análise do caso concreto que irá concluir pelo caráter escusável ou inescusável do erro. 
 
EFEITOS 
 
O erro consiste na ignorância ou má interpretação do acontecimento, de modo que o agente 
realiza a conduta sem a plena consciência da realidade. Vimos que a consciência é elemento do do-
lo. No erro não há consciência. Portanto o erro sempre exclui o dolo, quer seja escusável, quer 
inescusável. 
Efetivamente, determina o art. 20 do CP: 
“O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a 
punição por crime culposo, se previsto em lei”. 
 
Do exposto se dá conta que o erro escusável exclui o dolo e a culpa, permanecendo o agente 
impune, ao passo que o erro inescusável elimina apenas o dolo, subsistindo a culpa, mas a punição 
por crime culposo só ocorre se o fato, na modalidade culposa, estiver previsto em lei. 
No exemplo do caçador que, diante de um vulto, atirou em uma pessoa pensando tratar-se 
de animal, se o erro for escusável, nenhum crime ser-lhe-á imputado, mas, se for inescusável, 
responderá por homicídio culposo. Já o agente que, por engano, subtrai objeto de terceiro, 
supondo-o próprio, não responderá por nada, seja o erro escusável, seja inescusável, porque o 
furto não é punido na forma culposa. 
Casos há, entretanto, em que o erro de tipo, ainda que escusável, não exclui a criminalidade 
do fato, operando-se apenas a sua desclassificação para outro delito. Tal ocorre, por exemplo, 
quando o agente ofende um indivíduo sem imaginá-lo funcionário público. Exclui-se o delito de 
desacato, mas subsiste o crime de injúria cometido contra particular. 
 
ERRO DE TIPO E ERRO DE FATO 
 
No regime originário da Parte Geral do Código, usava-se a expressão “erro de fato”, que 
abrangia apenas os elementos factuais da figura típica. Às vezes, contudo, o tipo legal contém 
elementos normativos de caráter jurídico ou até expressões referentes à ilicitude, daí a 
impropriedade da expressão “erro de fato”, que não conseguia abarcar todos os elementos da 
figura típica. 
A expressão “erro sobre elementos do tipo” passou a ser adotada, a partir da reforma penal 
de 1984 (art. 20). Inegável a sua superioridade técnica, haja vista que dentro do tipo legal não há 
 
 
 
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apenas elementos factuais, mas também termos jurídicos, que a nova expressão “erro de tipo” 
consegue abarcar com perfeição. 
 
ERRO DETERMINADO POR TERCEIRO 
 
Dispõe o § 2º do art. 20 do CP: “Responde pelo crime o terceiro que determina o erro”. 
O dispositivo não é supérfluo porque as regras sobre o concurso de pessoas e autoria mediata 
nem sempre se amoldam à hipótese. 
O erro pode ser: 
 
a) espontâneo: quando o agente erra sozinho, isto é, sem ter sido provocado por outrem; 
b) provocado: quando uma terceira pessoa, por dolo ou culpa, induz o agente a cometê-lo. 
 
Atuando o provocador dolosamente, ser-lhe-á imputado, a título de dolo, o delito cometido 
pelo provocado. Este, por sua vez, se o erro for escusável, por nada responderá; mas, se 
inescusável, será incriminado na forma culposa, caso o delito seja punível nesta modalidade. O 
exemplo clássico que os autores costumam apontar é o de Tício, que, desejando matar Caio, 
entrega uma arma carregada a Mévio, que atira em Caio, matando-o, após ter sido convencido de 
que o revólver estava desmuniciado. Tício, o provocador, responde por homicídio doloso. Mévio, 
que queria apenas brincar com Caio, responde por homicídio culposo, se o erro for inescusável, 
mas, se for escusável, nenhum delito lhe será imputado. Na verdade, sendo o erro escusável, a 
questão é resolvida nos moldes da autoria mediata, uma vez que Tício, para cometer o crime, 
serviu-se de Mévio, que atuou sem culpabilidade. Não se pense, porém, que o § 2º do art. 20 do CP 
contenha preceito inútil, porque se o erro for inescusável não há autoria mediata e muito menos 
concurso de pessoas, já que não há participação dolosa em crime culposo, de modo que é o aludido 
§ 2º do art. 20 que nos fornece a solução do problema. 
Suponha-se, ainda no exemplo acima, que Mévio, percebendo o propósito de Tício, atire em 
Caio ciente de que a arma está carregada. Tício e Mévio respondempor homicídio doloso, 
caracterizando-se, aí, verdadeiro concurso de pessoas. Em tal hipótese, não há falar-se em erro, 
porque Mévio tinha pleno conhecimento da realidade. 
Ao inverso, se Tício, de boa-fé, supondo descarregada a arma, a entrega a Mévio, vindo este a 
atirar em Caio, matando-o, a solução será a seguinte: Tício e Mévio respondem por homicídio 
culposo, se o erro for inescusável, ou por nada respondem, na hipótese de erro escusável. Note-se 
que se ambos agissem sob erro inescusável ter-se-ia o concurso de pessoas, devido à 
homogeneidade de elementos normativos. Se Mévio atirasse ciente de que o revólver estava 
carregado, ser-lhe-ia imputado o delito de homicídio doloso, respondendo Tício, no caso de erro 
inescusável, por homicídio culposo, mas aí já não haveria entre eles o concurso de pessoas, porque 
não há participação culposa em crime doloso. 
 
DESCRIMINANTES PUTATIVAS 
 
Dispõe o § 1º do art. 20 do CP: 
“É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação 
de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de 
culpa e o fato é punível como crime culposo”. 
Vê-se assim que nas descriminantes putativas o agente, por erro, supõe situação de fato que, 
se realmente existisse, tornaria a sua conduta lícita. As descriminantes putativas, também 
 
 
 
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chamadas de erro de tipo permissivo, a nosso ver, não constituem erro de tipo, mas um caso 
especial de erro de proibição. É, pois, um erro sobre a ilicitude do fato, e não sobre os elementos 
do tipo legal. 
Aqui não há exclusão do dolo. O que se exclui é a culpabilidade, desde, é claro, que o erro seja 
escusável. O dolo é natural, isto é, não contém em seu interior a consciência da ilicitude. Se nem as 
descriminantes reais (legítima defesa, estado de necessidade etc.) excluem o dolo, parece-nos 
paradoxal a corrente que preconiza a exclusão do dolo nas descriminantes putativas. Se “A atira em 
B”, supondo que este sacava do revólver, quando na verdade enfiava a mão no bolso para pegar o 
lenço, não há exclusão do dolo, visto que houve intenção de matar. Também não há erro de tipo, 
porque ele sabia que estava a “matar alguém”. O erro, na verdade, incidiu sobre a ilicitude do fato 
(erro de proibição). Se o erro for escusável, impõe-se a absolvição por falta de culpabilidade; se 
inescusável, responde por homicídio culposo. 
As descriminantes putativas podem projetar-se em todas as excludentes da ilicitude (legítima 
defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal). 
Se o erro é escusável, exclui-se a culpabilidade; se inescusável, subsiste a punição por crime 
culposo, a menos que o fato não seja previsto na forma culposa. Se o erro é inescusável não há 
exclusão do dolo, porque o agente atua com intenção de produzir o evento lesivo. Trata-se, na 
verdade, de crime doloso, que o legislador, por política criminal, resolveu punir na modalidade 
culposa. É o que a doutrina resolveu chamar de culpa imprópria. 
Voltaremos a tratar da matéria por ocasião da análise do erro de proibição. 
 
ERRO ACIDENTAL 
 
Erro acidental é o que versa sobre a pessoa ou objeto, bem como sobre o nexo causal e a 
execução do crime, ou então sobre circunstâncias qualificadoras. 
O erro acidental deixa intacto o crime e não elimina a responsabilidade penal. 
Enumeramos as seguintes hipóteses de erro acidental: 
 
¾ erro sobre o objeto (error in objecto); 
¾ erro sobre a pessoa (error in persona); 
¾ erro sobre o nexo causal (aberratio causae); 
¾ erro na execução (aberratio ictus); 
¾ resultado diverso do pretendido (aberratio delicti ou aberratio criminis); 
¾ erro sobre a qualificadora. 
 
Ocorre o erro sobre o objeto quando o agente acredita que sua conduta recai sobre uma 
coisa e, no entanto, recai sobre outra. Tal se dá quando se crê de ouro o relógio dourado, ou vice-
versa. Não haverá, contudo, lugar para amenização da pena, porque esse erro é irrelevante. 
Já o erro sobre a pessoa ocorre quando o agente confunde a sua vítima com outra. João, 
querendo matar José, atira em Pedro, irmão gêmeo de José. Trata-se de hipótese dificilmente 
verificável. O Código, porém, a disciplina no § 3º do art. 20: “O erro quanto à pessoa contra a qual o 
crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades 
da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”. Se “A”, pretendendo 
matar “B”, seu irmão, desfecha, na escuridão da noite, um tiro em “C”, supondo tratar-se de “B”, 
incide a agravante genérica de ter sido o crime cometido contra irmão (art. 61, II, e). Se, ao inverso, 
matasse o irmão, supondo-o ser outra pessoa, o homicídio não teria a aludida agravante genérica. 
 
 
 
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No tocante ao erro sobre o nexo causal (aberratio causae), verifica-se quando o resultado 
desejado se produz, mas de maneira diferente da planejada pelo agente. Vejamos o exemplo 
formulado por Heleno Cláudio Fragoso: “Tício alveja seu inimigo Caio, disparando arma de fogo. 
Pressentindo o ataque, Caio procura desviar-se e cai num precipício, falecendo. Aqui, como se vê, 
houve erro sobre o nexo causal. Tício imaginou matar Caio com a arma de fogo, e não de outra 
forma. A queda de Caio, porém, não interrompe o nexo causal e o erro de Tício é irrelevante”. A 
conduta de Tício deu causa ao resultado, pois suprimindo-a mentalmente a morte não teria 
ocorrido. Aplica-se, para justificar a sua punição, a teoria da conditio sine qua non (art. 13). 
Por outro lado, tem-se a aberratio ictus quando, por acidente ou erro no uso dos meios de 
execução, o agente atinge alguém que não aquele que pretendia ofender. Distingue-se do erro 
sobre a pessoa porque, neste, a pessoa visada não corre perigo, à medida que o agente a toma por 
outra. Na aberratio ictus, o agente dirige a sua conduta contra a pessoa visada, mas por erro no 
ataque ou algum acidente de execução acaba atingindo outra. Aqui não há confusão de uma pessoa 
por outra, tanto é assim que o indivíduo visado também corre perigo. 
Na aberratio ictus o agente erra no uso dos meios de execução, geralmente por imperícia. Ele 
tem a clara percepção da realidade e da pessoa que pretende atingir. O réu não pensa, por 
equívoco, que João é José, do contrário haveria erro sobre a pessoa. 
Se, na aberratio ictus, o agente atinge pessoa diversa, porém, não atinge a pessoa que 
pretendia ofender, a questão se resolve nos moldes do erro sobre a pessoa (art. 73, 1ª parte). O 
agente responde como se tivesse atingido a pessoa contra quem ele queria praticar o crime. 
Suponha-se que “A”, com animus necandi, dispare um tiro em “B”, mas erra o alvo, matando uma 
outra pessoa. Responde por homicídio doloso, como se tivesse atingido “B”. Não se consideram, 
neste caso, as condições ou qualidades da vítima “C”, mas as de “B”. Se “B” era irmão de “A”, incide 
a agravante do art. 61, II, e, do CP. Se, ao inverso, “C” era o irmão de “A”, não incide a agravante. A 
rigor, “A” teria cometido uma tentativa de homicídio contra “B” em concurso formal com homicídio 
culposo contra “C”. Todavia, o Código soluciona o problema de maneira diferente, imputando um 
único delito ao agente. Se, diferentemente, tivesse apenas ferido “C”, “A” responderia por tentativa 
de homicídio doloso, como se tivesse atingido “B”. Cumpre acrescentar ainda que na aberratio com 
resultado duplo, o Código se desvencilha do sistema do crime único, enveredando-se pelo concurso 
formal de crimes. Dispõe o art. 73, segunda parte, do CP: “No caso de ser também atingida a pessoa 
que o agente pretendia ofender, aplica-se

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