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Resenha - as cidades rebeldes (1).docx

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Pensando as cidades rebeldes
Esse livro propôs uma grande de interpretações capazes de iluminar o evento espontâneo das jornadas de junho. Éum livro de intervenção que articula pensamento e ação. Os dramas, as dinâmicas, dos problemas urbanos, dos problemas e mundo de trabalho, a violência policial e os elementos do livro em si, já vinham sido estudado pelos autores há algum tempo. Para tentar entender esse movimento, a principal conclusão é que os eventos são compreensíveis, não foi evento isolado. Faz parte de um processo social que tem se desenvolvido ao longe de uns 10 anos . E que em grande medida articula problemas muito sentidos pela população.
 Do ponto de vista do mundo do trabalho e os problemas que são muito sentidos pela polução no modo de vida das cidades grandes, metrópoles. é possível entender os eventos de junho e todos os seus desdobramentos como uma guinada histórica que compreende uma combinação entre problemas d trabalho e problemas do mundo urbano da cidade . O livro traz muitos dados. Como exemplo, uma empresa de consultoria buscou perfis dos manifestantes. 70%eram empregados, no entanto, é uma insatisfação de quem está empregado e não os “excluídos” da sociedade 33% 1 salario mínimo 30% 2 e 3 salários .
Então 70% da população ganham até 3 salários minimos .Digamos que éÉ um elo forte entre os manifestantes. É uma transformação, um problema relacionado a qualidade do tranalho que recebemos nesse período de uns 10 anos . A sociedade brasileira oferece salários e condições de trabalho muito ruins. E essas condições acabam se somando aos problemas do transporte publico, especulação imobiliária, que obriga as pessoas a se deslocarem cada vez mais para áreas periféricas, tudo aquilo que a gente consegue perceber que forma as fontes de inquietação da grandeparte da população o brasileira. 
Pouco mais de um mês depois das emblemáticas marchas de junho, que levaram milhares de pessoas às ruas de várias cidades do Brasil, aparecem algumas ações editoriais cujos objetivos centrais são tentar alcançar alguma compreensão dos protestos e indicar que possíveis desdobramentos eles terão. Permanecendo de forma residual predominantemente no Rio de Janeiro e em São Paulo, as manifestações continuam a agregar pautas de reivindicações diversas e mantém (ainda que não com a mesma espetacularização eufórica que a velha mídia praticou em junho) o estado de mobilização da juventude diante dos olhares perplexos de alguns setores da sociedade brasileira, das academias de ciências sociais embasbacadas aos telejornalões com idiotia crônica.
Entre os livros organizados “no calor da hora” (1) para ajudar a pensar e a interpretar essa movimentação politicamente instigante da sociedade brasileira está Cidades Rebeldes – passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. O livro, lançado na última semana pela editora Boitempo, configura-se de longe como o que de melhor se produziu até o momento sobre a questão.
Trata-se de um conjunto de ensaios que reúne nomes importantíssimos do pensamento crítico atual, seja em âmbito brasileiro ou internacional, além de trabalhos de cartunistas, fotógrafos anônimos ligados à Rede Ninja, entre outros. Há também um texto-manifesto assinado coletivamente pelo Movimento Passe Livre de São Paulo, que dá o pontapé inicial e oferece a pedra de toque para os artigos subsequentes: o problema do direito à cidade no capitalismo periférico como gatilho da força de indignação coletiva das marchas. Assinam os textos os estrangeiros David Harvey, Mike Davis e Slavoj Žižek, além dos brasileiros Ermínia Maricato, Paulo Arantes, Roberto Schwarz, Ruy Braga, Lincoln Secco, Jorge Luiz Sotto Maior, Venício A. de Lima, Leonardo Sakamoto, Raquel Rolnik, Mauro Luis Iasi, Silvia Viana, João Alexandre Peschanski, Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira. Essa junção de especialistas locais com pensadores de amplo alcance mundial dá o tom da perspectiva de análise embalada na dialética local/cosmopolita. Embora tragam às vezes posições relativamente contraditórias, os textos valem no todo porque a sua competente reunião configura não apenas um conjunto de análises, mas uma análise em conjunto da maneira como as marchas de junho se formaram e sacudiram “placas tectônicas” da vida social brasileira. Essa visão em conjunto tem de saída um grande mérito que é o de nem idealizar nem demonizar as manifestações. Todos os textos procuram, à sua maneira, ater-se às seguintes questões: o que nos dizem as cidades rebeldes da atual situação do capitalismo global? Como se pode diagnosticar a dinâmica local das forças do valor e do liberalismo? E, principalmente, o que esperar doravante em se sabendo que não dá mais para mascarar tão facilmente os “problemas no paraíso”, conforme a expressão de Žižek. Essa unidade é, por um lado, garantida pelo fato de que a maioria dos textos foi diretamente encomendada pela equipe editorial aos autores, a partir de uma pauta previamente definida; por outro lado, é reforçada pela temática crítica colhida no pensamento do geógrafo David Harvey, especialmente na obra que empresta título a esta coletânea brasileira: Rebel Cities: from the Right to the City to the Urban Revolution (Verso, 2012).
Do conjunto que é Cidades rebeldes, é possível levantar ao menos sete pontos que estão entre os elementos fundamentais para a compreensão, não apenas das marchas de junho, mas também da atualidade do capitalismo e da forma como ele é sentido a partir das classes exploradas do Brasil, sem esquecer a gravitação global das contradições do sistema. Espraiados ao longo dos ensaios, os sete pontos a que daremos atenção aqui podem ser tomados como uma possível pauta de mobilização que precisa se fazer resistente após o terremoto do meio do ano. Não nos podemos esquecer: virão eleições no próximo ano que e o rol dos debates vai estender-se entre diversos desses pontos, mas com grande tendência a simplifica-los e polariza-los. Mobilizar-se, a partir de agora, significa ampliar o significado e o alcance da rebeldia nas cidades.
Mas vamos aos tópicos. O primeiro deles, do qual, à sua maneira, praticamente todos os ensaios escritos por brasileiros tratam é o tema ligado a uma sensação que paira no ar desde os protestos de junho, acerca do aparentemente desfeito consenso do capitalismo à brasileira dos últimos anos. Com as manifestações, ao que parece, algo se quebrou ou está se quebrando na calmaria do pacto social que combinava desenvolvimento capitalista com assistencialismo. Alguns mitos ligados à ação dos governos FHC, Lula e Dilma, segundo certos autores presentes em Cidades rebeldes, começam a ter sua face esboroada pelo insuportável que é o ritmo da vida urbana no nosso atual estágio do capitalismo. Segundo Paulo Arantes, “as Jornadas de Junho começaram de fato a desmanchar o consenso entre ‘direita’ e ‘esquerda’ acerca do modus operandi do capitalismo no Brasil”. Combina-se com esse sentimento, uma espécie de alvissareira, ainda que tímida, retomada de disposição crítica na política, no pensamento e na cultura. É Roberto Schwarz que fala sobre isso em seu pequeno texto de abertura do volume. Segundo ele: “O espírito crítico, que esteve fora de moda, para não dizer excluído de pauta, teve agora a oportunidade de renascer”. De toda forma, parece benéfico que a juventude ocupe as ruas, a despeito da sua evidente imaturidade política, expressando sua indignação derivada da anomalia que é a construção da sociedade contemporânea no Brasil. Se não se pode falar ainda em crítica articulada, no geral, as manifestações de junho dispararam a necessidade e a possibilidade da crítica, o que não deixa de ser muito forte, especialmente quando a ausência de “nervo crítico” parecia ser o destino de nossa cultura cada vez mais anódina. Quem sabe não começa a renascer a partir da fratura do pacto capitalista brasileiro dos anos 2000 algo que renove o jogo político e anime a cultura com outros matizes, talvez mais críticos.
O segundo tópico que aqui apresentaremosé alvo da maioria dos textos de Cidades rebeldes. Ele diz respeito à questão da cidade no alto capitalismo atual, seja em sua figuração periférica à brasileira, seja em seu espectro globalizante personificado nas grandes metrópoles do centro do capitalismo. Nesse quesito é o insuportável da experiência urbana capitalista o alvo dos ensaístas do livro. Mike Davis, em um irônico texto sobre o trânsito na Califórnia, intitulado “Estrada de metal pesado”, afirma: “Em uma recente e respeitável pesquisa de opinião realizada no sul da Califórnia, o tráfego figura muito à frente da oferta de trabalho, da criminalidade, da educação e da habitação como um dos principais problemas da região”. A constatação vale para as cidades brasileiras também, nas quais o trânsito, se não figura como o principal problema, é capaz de configurar-se como uma lente a partir da qual se pode enxergar, em distorção realística, as verdadeiras e grandes chagas sociais do cotidiano capitalista. Numa perspectiva progressista, diríamos que o problema das metrópoles é fundamentalmente ligado ao do tráfego urbano, pelo fato de que ele é um dos aspectos decisivos para o acesso do trabalhador à riqueza da cidade, que por ele é criada. Da forma como se estruturam, os sistemas de transportes das grandes cidades brasileiras contribuem para a segregação e não para a ampliação da experiência urbana verdadeira dos trabalhadores. Constatar essa anomalia ajuda a ver como vivenciamos gravemente a dualidade básica da metrópole periférica, entre o formal, lugar do lucro, e o informal, lugar do favor, conforme demonstra em seu texto Ermínia Maricato: “Como integrantes de um país da periferia do capitalismo, em que pesem as novas nomenclaturas definidas pelo mainstream, as cidades brasileiras carregam uma herança pesada. A desigualdade social, uma das maiores da América Latina, e a escravidão vigente até pouco mais de um século atrás são características que se somam a um Estado patrimonialista e à universalização da ‘política do favor’”. Trata-se, portanto, de fazer ver que as cidades rebeldes de agora são fruto de séculos e séculos de uma experiência que condenou os habitantes da “cidade informal”, ou seja, os pobres, os precarizados, os explorados, ao conflito, à violência, à opressão. Nesse contexto, a ideia de criar um conjunto de demandas cujo centro seja a Tarifa Zero representa uma possibilidade de bafejo utópico das lutas políticas. Ou seja, a Tarifa Zero encerraria, em seu desejo profundo de tornar concreto o abstratíssimo “direito de ir e vir”, uma verdadeira força de concretização possível do direito à cidade.
Disso decorre o terceiro ponto que vemos abordado na obra: a cidade não é, ou não deveria ser, apenas o palco das lutas, mas ela é, substancialmente, aquilo pelo que se luta. As Cidades rebeldes assim, ao que parece, levantam-se contra a cidade-negócio, a cidade curvada aos interesses do capital do neoliberalismo. Talvez a melhor definição seja mesmo a de David Harvey, autor que inspira a coletânea. Para ele, o direito à cidade: “não é apenas um direito condicional de acesso àquilo que já existe, mas sim um direito ativo de fazer a cidade diferente, de formá-la mais de acordo com nossas necessidades coletivas (por assim dizer), definir uma maneira alternativa de simplesmente ser humano. Se nosso mundo urbano foi imaginado e feito, então ele pode ser reimaginado e refeito”. A nesga de possibilidade de refacção da experiência urbana a partir da utopia da Tarifa Zero parece ser algo que não se pode perder de vista após as marchas de junho. Em Cidades rebeldes essa possibilidade de refacção do sonho urbano, rejeitando aspectos fundamentais da lógica reificadora do capitalismo, é algo que move a articulação crítica dos discursos.
Um outro aspecto muito relevante presente nas discussões do livro é aquele relativo à relação das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação TICs (notadamente Twitter e Facebook) e da velha mídia com os protestos. Uma das conclusões para as quais os textos apontam deriva da constatação de que o conjunto amplo de opiniões presente na sociedade atual não logra canalização nem nos meios tradicionais de veiculação da informação nem nas chamadas TICs, embora no caso dessas haja uma grande tendência a ceder ao fetiche do novo. Na verdade, o que se conclui é que graças ao monopólio da informação por grandes conglomerados econômicos, dos quais a velha mídia é canal, muitas pautas geradas exatamente no contexto desse monopólio acabam se espalhando pelas chamadas redes sociais, que, sob alguma aparência de liberdade, repetem uma velha ladainha que não interessa às reivindicações legitimamente populares. Entretanto, é inegável que a mobilização promovida pelos contatos rápidos através das novas mídias acabou por contribuir, por contraditório que pareça, para uma espécie de quebra na serialidade alienante do capitalismo brasileiro. É sobre essa dialética entre romper com e viver a serialidade que fala com muita propriedade Mauro Luis Iasi em “A rebelião, a cidade e a consciência”. Para ele: “as pessoas vivem as explosões cotidianas das contradições urbanas na forma de uma serialidade, isto é, presas em seus casulos individuais, estão no mesmo lugar fazendo as mesmas coisas, mas não formas um grupo, e sim um coletivo serial no qual prevalece a indiferença mútua”. No caso da utilização das redes sociais nos protestos, vemos os dois lados da moeda atuando. Nessas redes agitam-se forças de ruptura e de manutenção da serialidade reificadora. Entretanto, de alguma forma, prevaleceu a força das contradições que levaram as impossibilidades ganharem corpo de impossibilidade. Lembram-se aqui as palavras de Sartre: “Aquilo que chamam de sentido de realidade significa exatamente: sentido daquilo que, por princípio, está proibido. A transformação tem, pois, lugar quando a impossibilidade é ela mesma impossível, ou se preferirem, quando um acontecimento sintético revela a impossibilidade de mudar como impossibilidade de viver. O que tem como efeito direto que a impossibilidade de mudar se volta como objeto que se tem de superar para continuar a vida”.
É nesse momento que explode a serialidade, quando as impossibilidades se tornam elas mesmas impossíveis. Mas há que se levar em consideração que “apesar de a maioria dos jovens manifestantes usar a internet para combinar os protestos, os temas continuam sendo produzidos pelos monopólios e comunicação”, conforme alerta Lincoln Secco. Assim, um dos desafios que está posto para a sequência das mobilizações é separar o joio do trigo, ou seja, quais são as impossibilidades que se tornaram verdadeiramente impossíveis? Essas são impossibilidades que nos são impostas ou aquelas que abafamos em nosso cotidiano?
O sexto componente do conjunto de questões que ajudam a explicar as cidades rebeldes diz respeito à massificação do precariado na urbanidade brasileira. Ruy Braga assim propõe o conceito de precariado no livro: “a massa formada por trabalhadores desqualificados e semiqualificados que entram e saem rapidamente do mercado de trabalho, por jovens à procura do primeiro emprego, por trabalhadores sub-remunerados”. Segundo Braga, é essa massa que está nas ruas, ainda que sem grande consistência de formação política, mas com uma legítima disposição de manifestar “a sua insatisfação com o atual modelo de desenvolvimento”. Para ele, “estamos diante de um autêntico processo de mobilização do proletariado precarizado em defesa tanto de seus direitos à saúde e à educação públicas e de qualidade quanto pela ampliação de seu direito à cidade”. Quem quer que deseje entender as manifestações terá de ouvir essa voz para a qual se construía até pouco tempo um discurso que era ‘enfiado goela abaixo’, versando principalmente sobre conquistas, estabilidade, crescimento, melhoria de vida etc. Há um certo amadurecimento da chamada classe C, que, se não pode ser compreendido totalmente quando lido pelo prisma da política tradicional, é legítimo e aponta para os desdobramentos eleitorais brasileiros num futuropróximo. Quem são esses sujeitos? O que desejam como sujeitos? É isso que o Estado brasileiro precisa entender caso não queira perder de vista os mais profundos ideais republicanos.
Essas pessoas foram à ruas sem formação política, mas com raiva e indignação legítimas. Esse é o sétimo e último ponto de nossa explanação. Na visão de Leonardo Sakamoto, “um gigantesco grupo de jovens, precariamente informado, desaguou subitamente nas manifestações de rua, sem nenhuma formação política, mas com muita raiva e indignação, abraçando a bandeira das manifestações. A revolta desses contra quem portava uma bandeira não foi necessariamente contra o sistema partidário, mas sim contra as instituições tradicionais que representam a autoridade como um todo”. As instituições, portanto, precisam se reinventar. Esse é um dos legados das manifestações de junho que não podem ser esquecidos. E, entre essas instituições, estão, por exemplo, as escolas e universidades. Ao que parece, a atitude dos jovens que foram às ruas é também um pedido desesperado por compreensão das suas próprias demandas, por educação política. Os professores, os educadores, os políticos, enfim, os que vivem a força da batalha político-pedagógica cotidiana como profissão, precisam levar a sério a consideração de Erminia Maricato em Cidades rebeldes: “Se fizermos um bom trabalho pedagógico, teremos uma nova geração com uma nova energia para lutar contra a barbárie”.
Como disse Žižek no texto2 que encerra Cidades rebeldes, o divórcio entre o capitalismo e a democracia é iminente. A barbárie que serve de liga a esse entrosamento tão naturalizado entre nós ocidentais está a ponto de tornar-se um dado inegável até para aqueles que não leram Marx, mas sentem a dor de não serem ouvidos e de sofrerem o capital da pior forma possível. O poema de Brecht utilizado pelo filósofo em seu texto é cáustico e desestabiliza as consciências mais tranquilas; entretanto, parece ser o que de melhor em termos de conquista em negativo das cidades rebeldes brasileira de junho de 2013. Fiquemos com esta elegia brechtiana, à guisa de conclusão e de lição:
A aldeia de Hollywood foi planejada de acordo com a noção
Que as pessoas desse lugar fazem do Céu. Nesse lugar
Elas chegaram à conclusão de que Deus,
Necessitando de um Céu e de um Inferno, não precisou
Planejar dois estabelecimentos, mas
Apenas um: o Céu. Que esse,
Para os pobres e infortunados, funciona
Como Inferno.
http://outraspalavras.net/brasil/pensando-as-cidades-rebeldes/ - referência bibliográfica
A respeito das manifestações ocorridas no Brasil: movimentos sociais baseados em rede ou o que diz a voz do povo
O que foi isto? O que aconteceu para que mais de 1 milhão e meio de pessoas em 19 capitais e mais de 100 cidades brasileiras saíssem às ruas protestando? Qual é a natureza e o sentido das manifestações que tomaram o país, configurando o maior movimento popular da história do Brasil? Para qual direção apontam? São perguntas que persistem duelando com nossas inteligências. Como fenômeno social complexo, os atuais movimentos sociais intrigam analistas que aspirem às interpretações definitivas, haja a vista que a velocidade vertiginosa dos acontecimentos impede inferências sobre as tendências futuras. De todo modo, é intrigante refletir sobre os constrangimentos e as perspectivas abertas pela dinâmica dos movimentos neste tempo de redes sociais ativas.
Em Brasília, quando manifestantes violentamente chutaram o prédio do Congresso Nacional, espectadores pareciam torcer para que o mesmo não resistisse aos golpes e caísse de podre. Se as coisas por lá não estão podres, ao menos fedem muito. O descontentamento com o cenário nacional levou às ruas sujeitos de diferentes percursos sociais. O Movimento Passe Livre São Paulo (MPL) chamou mesmo foi para ir até ali na esquina, em passeata pela revogação do aumento da tarifa de ônibus. Mas, a multidão que se foi constituindo nas avenidas vinha com mais fome que os pobres que tem fome na rua. Uma fome velha, sentida, batida, dobrada e redobrada por respeito aos direitos de cidadania plena, pela partilha nas decisões do Estado, por uma vida civil com saúde, trabalho, moradia e educação e, sobretudo, fome de doer entranhas pela moralização na administração política da coisa pública.
Como lembra Todorov (2010), as guerras civis são o resultado da intolerância dos dominadores. O povo descontente tomando as ruas aos borbotões, a ameaça de generalização dos quebra-quebras, a violência desferida contra os espaços de poder constituídos, entre outras coisas, obrigou a imprensa a um movimento de câmera mais solidário com o povo. Diante dos fatos, era preciso soprar com calma a fogueira explosiva em que se transformou o Brasil, de 10 a 21 de junho de 2013. Veículos de comunicação reacionários, como a Veja, apoiaram as manifestações, difundindo temores de ordem persecutória. Muitos aventaram a hipótese de golpe de Estado e a direita provou, mais uma vez, sua inegável inteligência e habilidade para produzir a acomodação das massas. Ainda assim, o povo saia às ruas.
A emergência dos acontecimentos, tendo lugar no contexto global da sociedade em rede, foi fartamente favorecida pelos usos sociais das redes sociais. A constituição de uma nova cultura tecnológica e suas formas correlatas de relações sociais em rede teve papel decisivo no desenho, curso e desdobramentos dos ocorridos.
A oportunidade para que a multidão apresentasse publicamente seu seleto elenco de inconformismos abriu-se quando a insatisfação social atingiu índices intoleráveis em paralelo com as atuações do #VemPraRua, #ChangeBrazil e #AcordaBrasil, responsáveis por ampliar as pautas de luta do movimento. Facebook, twitter e suas hashtags funcionaram como condição necessária, mas não suficiente, para a emergência dos movimentos sociais baseados em redes, estes que inquietam pela rapidez com que aglutinam sujeitos em suas mais destacáveis pluralidades. E a vantagem da pluralidade reside, como sabemos, no fato de garantir, a cada um, a liberdade de pensar e julgar.
As perspectivas abertas pelos movimentos sociais baseados em rede parecem promissoras. Uma nova cartografia política tem sido ali desenhada a partir da ativação de uma sociabilidade crítica calcada no julgamento. Agora, surpreendentemente o sujeito tornou-se o produtor da informação que percorre a rede acompanhada de julgamentos que instigam o ativismo social porque elevam os níveis de consciência geral. Como diria o Lula, nunca antes na história deste país vivenciamos algo equivalente. Agora o mover das peças no jogo político recomenda não ignorar a  rapidez de mobilização das massas e seu poder de xeque-mate.
E, se a identidade de um fenômeno social anda colada à identidade de seus representantes, caberia prosseguir perguntando sobre os atributos do sujeito do movimento social baseado em rede que aqui nos interessa. Até onde nos foi permitido notar, trata-se de um sujeito individuado detentor de potencialidades críticas, disposto a manter a si mesmo no contexto da pluralidade das diferenças, mas também interessado em experimentar subjetividade social, mesmo porque é bem isto que o capitalismo faz: produz subjetividade seriadas dóceis ao controle social. Porém, valendo-nos das ideias de Guatarri (1996), é possível notar que a esta nova cartografia política que está em jogo é dada a condição de produção de processos de singularização, uma singularização daquele tipo que: “coincida com um desejo, com um gosto de viver, com uma vontade de construir o mundo no qual nos encontramos, com a instauração de dispositivos para mudar os tipos de sociedades, os tipos de valores que não são os nossos”.
Entendendo revolução, aos modos de Guatarri, como tudo o que comporta um caráter transformador e irreversível, vamos concordar que estamos vivendo um processo revolucionário. Quem estava nas ruas era o sujeito singularizado, aquele que elevava seu cartaz gritando forte; o cartaz que redigiu em sua casa, com sua caneta denunciando aquilo que fazcontraponto à sua felicidade particular. Nas avenidas, as diferentes singularidades confluíram, entrelaçaram e amarraram forte um desejo e outro desejo e mais outro até tecer uma nova voz para o país, agora não mais ressabiada ou ressentida pelas crueldades pontiagudas de um Estado leviano, não mais cativa da desesperança do seu poder de agir como catalisador para a artesania de uma sociedade de direitos e justiças assegurados. Ninguém saiu em marcha para pedir, fomos lutar para conquistar o que é de nosso direito.
É preciso, contudo, organização no plano geral a fim de maximizar as vantagens das redes sociais em seu potencial de mobilização e transformação social quando se trata de constituir movimentos com base na pluralidade ideológica de seus participantes. Nestas situações o movimento deve assumir o tom suprapartidário, e todos sabem o que reza a etiqueta para a ocasião: nada de bandeiras. Ali eram mais de um milhão e meio de reclamantes. Todos reacionários? Quem opta por desqualificar o caráter da massa cansada dos sedativos políticos está criando subterfúgios para negar resposta ao que é mais urgente: o que são as esquerdas no Brasil, hoje? Qual o projeto de transformação que defendem para o país e como têm se dado os movimentos de base a partir dos quais tais projetos são construídos e debatidos com o povo?
Agora, quando partidos políticos dão largada à corrida para angariar a simpatia das massas, a grande tarefa passa a ser a apresentação de propostas que traduzam os anseios de povo. O populismo e seus riscos estão respirando no nosso cangote. Um “queremismo” de novo tipo nos ronda. Em 1945, quando o povo gritava “queremos Getúlio” deu-se sua primeira deposição. Mas, aquele não era um tempo de redes sociais e sujeitos singularizados. Esta mania do brasileiro de nunca acreditar em si mesmo precisa ter fim.
O que quer o povo indócil? Não vai ser a Globo quem vai responder isto. Em tempos de redes sociais as análises de textométrica são mais qualificadas para dar as respostas precisas. Os partidos estão acossados pelo povo. Atribuir urgência na resolução da questão da mobilidade social urbana significa afastamento do cerne do problema em direção ao que parece de mais fácil solução. Ninguém quer o ouro de tolos. A massa quer mais que catraca livre, PSOL. Por outro lado, corre a interpretação que o povo enojou-se da política partidária e para este caso a solução seria oferecer a possibilidade de candidaturas de pessoas fora de legendas políticas ou promover a reavaliação funcional dos atuais partidos, algo do tipo trocar nomes antigos para que adquiram novas conotações distantes de seus sentidos originais, assim defende Cristovão Buarque (PDT). De todo modo, quem souber entender os reclames do povo sairá à frente. A reforma política é indiscutivelmente um clamor público. Penso que com bandeiras abaixadas devemos partir para esta luta. Não dá mais para ficar elegendo político de rabo preso.
Este é o tempo em que vivemos a revolução do sujeito singularizado, este que rejeita a serialização da subjetividade, tal como quer o capitalismo com suas perversidades. Trata-se de um sujeito que não abre mão dos seus desejos e não renuncia a conquista de seus objetivos. O sujeito singularizado vai à rua para manifestar o seu desejo porque de posse da liberdade de viver seus processos e compreender sua situação no entremeio de um mundo que tange gente feito gado.
Conforme Piotr Kropotkin: “Nenhuma revolução social pode triunfar se não for precedida de uma revolução nas mentes e corações do povo.” A revolução do sujeito é a mais necessária de todas. Eis-nos, portanto, diante dos novos sujeitos dos movimentos sociais baseados em rede, aqueles capazes de lutar com mesmo vigor, tanto para a qualidade da sua vida pessoal, quanto pela da vida coletiva através da expressão de desejos que abundam em repetições e ecos inteligíveis. O meu desejo é também o seu desejo. E juntos nosso desejo é mais vida, mais direitos e liberdades. Este ganho é revolucionário porque transformador e irreversível. Ninguém mais poderá calar a voz do povo, não neste tempo regido pelo novo paradigma tecnológico. Chegou o tempo de temer o poder do povo.
http://espacoacademico.wordpress.com/2013/06/25/a-respeito-das-manifestacoes-ocorridas-no-brasil-movimentos-sociais-baseados-em-rede-ou-o-que-diz-a-voz-do-povo/ - referência bibliográfica
REVOLTA DOS VINTE CENTAVOS – PROTESTOS E MANIFESTAÇÕES DO OIAPOQUE AO CHUÍ
O que é ?
A chamada “Revolta dos Vinte Centavos” é uma série de protestos e manifestações no Brasil e no mundo, organizadas pelas redes sociais. O principal, mas não único motivo da Revolta, é o aumento da tarifa de ônibus na capital de São Paulo em R$0,20, tornando-a a mais cara tarifa do mundo. 
Como começou ?
A Revolta foi organizada no Facebook e no Twitter pelo Movimento Passe Livre e teve seu primeiro protesto nas ruas do centro de São Paulo, no dia 13/06 (quinta-feira). Motivados principalmente pela forte repressão policial, os protestos se espalharam pelo país e pelo mundo, onde foi registrando apoio em quase todas as capitais dos país, além de Paris, Londres, Lisboa, Nova York, Los Angeles, entre outras. 
Motivações extras
Os manifestantes diziam que o aumento da passagem foi apenas o estopim para os protestos. Sob o famoso bordão “não é só sobre os vinte centavos”, o movimento ainda protestava contra:
A infraestrutura ultrapassada do transporte público;
Os altos gastos da Copa do Mundo e das Olimpíadas;
A falta de investimento em saúde, educação e segurança pública; 
As denúncias de corrupção no governo (mensalão, banqueiros, nepotismo, etc);
A impunidade dos políticos;
Leis controversas como as PEC’s 33 e 37;
Altos impostos e pouco retorno à população; 
 etc.
Vandalismo
Embora os líderes do movimento se declararem pacíficos, houve minorias dentro dos protestos que praticaram vandalismo durante as manifestações.
Perspectiva sociológica e política
Segundo os analistas favoráveis ao movimento, este demonstra uma insatisfação geral da população em relação ao governo e sua corrupção. Houveram campanhas para impeachment da presidenta e de alguns governadores e na época a popularidades deles só tiveram queda. A coragem que o povo tomou em sair às ruas demonstra o poder das mídias sociais e da internet, que já funcionou no mundo árabe também e agora mostra seu poder no Brasil. 
As revoltas de junho no Brasil e o anarquismo
Os fatos tornaram-se mundialmente conhecidos: após o aumento da tarifa de ônibus de R$ 3,00 para R$ 3,20 a cidade de São Paulo foi palco de uma série de manifestações. A primeira delas ocorrida no dia 6 de junho, quatro dias após o aumento, reuniu 2.000 manifestantes (dados oficiais); a polícia responde com a violência que lhe é peculiar. No dia seguinte, mais uma manifestação reuniu 5.000 pessoas e novas cenas de violência se repetem nas ruas e avenidas mais importantes da cidade. Frente ao aumento vertiginoso de manifestantes, o prefeito, que inicialmente havia justificado a ação da polícia, silencia-se; o governador, entretanto, continua defendendo a ação da sua polícia e a rotular os manifestantes de vândalos e baderneiros. No dia 10 e 11 de junho será a vez da cidade do Rio de Janeiro presenciar manifestações e a violência da polícia.
Na terceira manifestação ocorrida em São Paulo, em 11 de junho, calcula-se que mais de 5.000 pessoas saíram às ruas deixando um saldo de 19 pessoas presas, a maioria delas acusadas de crime inafiançável (formação de quadrilha), as demais com fianças estipuladas entre R$ 6.000,00 a R$ 20.000,00. Na quarta manifestação do dia 13 de junho outras 5.000 pessoas saíram às ruas, mas dessa vez a violência da polícia ganhou uma visibilidade inesperada: imagens de manifestantes, jornalistas e simples cidadãos desavisados foram exibidas juntamente com as feridas produzidas por balas de borrachas, bombas de efeito moral, de gás lacrimogênio e de pimenta, e pelos golpes de cassetete. As cenas inundaram as páginas dos principais jornais do país e dasredes sociais com imagens de rostos ensanguentados, olhos perfurados, cabeças rompidas, corpos rasgados; além de infinitas cenas de humilhação, truculência e arbitrariedade policial. Imediatamente produz-se uma vasta onda de indignação conferindo às manifestações um novo ímpeto.
Tudo indica que a manifestação do dia 13 tenha criado o clima de adesão e simpatia que atraiu para as ruas de São Paulo, e de outras cidades, dezenas de milhares de manifestantes para seu quinto ato. Na página do Facebook do MPL (Movimento Passe Livre) as confirmações de presença já ultrapassavam a casa dos 200.000 apenas para a cidade de São Paulo. Sabia-se que era um número improvável; porém, jamais se imaginou possível que 65.000 pessoas lotassem as ruas de São Paulo no dia 17 de junho, além dos 100.000 manifestantes da cidade do Rio de Janeiro e mais centenas de milhares em outras 10 diferentes cidades brasileiras. Calcula-se que cerca de 215.000 pessoas saíram às ruas em todo país. O acontecimento fazia sua entrada na história: há décadas o cenário político brasileiro não conhecia manifestações de tamanha envergadura cujo registro remontava aos anos 1970 nas lutas contra a ditadura. Em todo caso, no dia seguinte, outras 50.000 pessoas invadiram novamente as ruas de São Paulo e desta vez investindo contra o maior símbolo de poder da cidade: a sede da prefeitura – na manifestação anterior o alvo tinha sido a Assembleia Legislativa. Era o que faltava para colocar de joelhos as duas maiores autoridades do Estado: prefeito e governador anunciam a suspensão do aumento no dia 19 de junho, e o mesmo foi feito por autoridades de outras seis cidades.
Apesar da “vitória” manifestações continuaram ocorrendo por todo Brasil e com mais vigor: no dia 20 de junho cerca de 1 milhão de pessoas tomaram as ruas de várias cidades. Em Brasília, o palácio do Itamaraty (sede do Ministério das Relações Exteriores) é atacado e incendiado durante manifestação que reuniu 30.000. No Rio de Janeiro o impressionante número de 300.000 manifestantes transformaram as ruas do centro da cidade num campo de batalha; em São Paulo 110.000 tomaram as ruas. Autoridades, mídia e intelectuais de todas as tendências políticas assistiram atônitos o país ser engolido por um furor até então desconhecido. Na vertigem dos acontecimentos, a autoridade máxima do Estado reúne seus ministros decidindo pronunciar em cadeia nacional um patético e evasivo apelo à ordem e à paz social.
Os sentidos
Além da impressionante e surpreendente manifestação de força que dobrou a autoridade das principais capitais brasileiras, outro aspecto extraordinário das revoltas de junho foi sua lógica do sentido. As manifestações retomaram um sentido político desde muito tempo banido do cenário político brasileiro: o anarquismo. É preciso ser tolo ou mal intencionado para não admitir que o modus operandi acionado nas manifestações possua forte analogia com aquele utilizado historicamente pelos movimentos anarquistas. O próprio MPL, grupo responsável pela convocação das manifestações, é uma organização horizontal e apartidária; adota o princípio da rotatividade para evitar a cristalização de estruturas de poder, e pratica a autogestão de seus trabalhos internos. Além disso, o que é mais importante, não possui chefe, nem líder, nem porta-vozes. O MPL rejeita, portanto, o princípio da representação política e, consequentemente, recusa o jogo da democracia liberal que, ao contrário do que se pensa, não foi nem é a única modalidade de democracia possível na história. Agrade ou não, é um fato que na história das sociedades modernas foi precisamente essa postura política a adotada pelo movimento anarquista, em âmbito internacional, desde o século XIX.
Não poucos analistas têm se referido ao movimento francês de maio de 1968 para traçar paralelos que permitam tonar inteligível as revoltas brasileiras de junho. Mas talvez não seja um bom exemplo. Um sentimento que atravessou as manifestações no Brasil foi a forte aversão às instituições de maneira geral. Não somente partidos políticos, mas também sindicatos e grupos da esquerda com forte grau de institucionalização, como o MST; além da Assembleia Legislativa de São Paulo e do Rio de Janeiro, Prefeitura de São Paulo, Banco Central e Palácio do Itamaraty em Brasília. Nas revoltas de junho o alvo foram as instituições. As instituições são responsáveis por conectar os indivíduos à lógica do poder: tomado no interior de uma instituição o indivíduo deve se dobrar as regras da sua organização e é dominado por suas finalidades em nome das quais decisões são tomadas em conformidade com a ordem do Estado. As instituições, portanto, articulam a existência do indivíduo com a ordem do poder. Atacar as instituições é colocar em questão o próprio regime de legalidades.
Ao que parece nas jornadas de maio de 1968 o sentimento presente era diferente: o il est interdit d’interdire [é proibido proibir] não passava por uma rejeição das instituições e assumia muito mais a forma do intolerável quanto ao patrulhamento ideológico de partidos e universidades. Em uma lúcida análise daqueles acontecimentos, Maurice Joyeux dizia que, terminada “a festa”, os principais atores foram recuperados pelos partidos ou assimilados em cargos importantes. “Após terem atirado sua cólera na cara do papai, do professor e da sociedade, [...] foram reconverter-se nos partidos e nas organizações do Estado nas quais haviam vomitado”.[1]
Neste aspecto, as revoltas brasileiras de junho parecem estabelecer maior grau de exterioridade em relação ao Estado do que as jornadas de maio, o que nos levaria a sugerir outra analogia na história. Na história das lutas sociais brasileiras existe um acontecimento que poderia servir como ponto de inteligibilidade: são as “jornadas de julho” de 1917 em São Paulo. A greve geral anarquista que mobilizou 100.000 na capital paulista foi provocada pelo custo de vida e agravada pela violência policial e a estupidez governamental: a palavra de ordem dos grevistas era parar a cidade e a do governo reprimir. Contra a truculência da polícia e governo, os operários ergueram barricadas, destruíram fábricas, saquearam armazéns, depredaram a iluminação pública, apedrejaram bondes. O governo tenta sem êxito atribuir a violência dos grevistas a uma minoria de anarquistas. Porém, estava claro que a revolta da multidão não era impulsionada por nenhuma grande utopia, mas pelo sentimento do intolerável que resultava da miséria econômica combinada com o autoritarismo governamental. Após uma semana de conflitos abertos, a repulsa dos grevistas em relação à legalidade era tamanha que se recusam negociar com governo e patrões quando esses decidem ceder. Foi somente graças a intermediação de uma comissão de jornalistas que foi possível o acordo que pôs fim à greve.[2]
O mesmo pode ser observado nas revoltas de junho: de simples ato de protesto contra o aumento do transporte público logo a brutalidade e a estupidez governamental transformaram no intolerável que fez suspender a eficácia da legitimidade da ordem das leis. E é a suspensão da legalidade que, a meu ver, constitui o elemento original e decisivamente anarquista deste acontecimento. Sob esse aspecto, o ganho econômico é irrelevante: será sempre preferível qualquer redução arrancada à força, mesmo de R$ 0,01 centavo, que a gratuidade da tarifa sob a forma de concessão governamental. Apenas uma redução forçada e imposta pela força, ou por medo dela, às autoridades é capaz de produzir uma transformação ético-política: liberdade e justiça se adquirem apenas lutando contra opressão e injustiça. Quem não paga o transporte por concessão governamental obedece uma ordem do governo; mas quem paga menos em virtude de uma redução arrancada do governo com o espírito de quem retoma do inimigo o terreno ocupado para proceder sempre mais adiante, está desfrutando de um direito conquistado. E em toda história política de nossas sociedades a única garantia contra a arbitrariedade governamental sempre foi a firme percepção dos governados quantoaos direitos conquistados.
O slogan “R$ 3,20 é roubo!” foi suficiente para mostrar o quanto é frágil a autoridade do Estado ao colocá-lo face a face à indisciplina e ao questionamento da hierarquia: ocupar a rua e parar a cidade contra o movimento controlado e o imobilismo do laissez-passer atingiu a própria lógica estatal. É o Estado quem controla e produz o movimento, inspeciona as estradas e policia as ruas. Sua mobilidade é confinamento: define os trajetos, fixa os pontos a serem percorridos, limita a velocidade, determina direções, distribui homens e coisas num espaço fechado e territorializado, sedentariza os indivíduos. Por isso, torna-se vital para o Estado vencer o nomadismo. A prática nômade quebra sua mobilidade disciplinada produzindo uma dinâmica de ocupação do espaço exterior ao Estado. Ao liberar os espaços, o nomadismo torna-se um ato transgressor fundamental, uma máquina de guerra contra o aparelho de Estado.[3] As revoltas de junho foram capazes de produzir muitos nomadismos.
Do que foi exposto, ainda é preciso abordar dois pontos:
1) a violência: é preciso rejeitar o moralismo liberal e admitir que não apenas a democracia como também a própria letra da lei não passam de formas objetivadas da dominação política, e que a única violência que o assim chamado Estado de direito não suporta é a que funda um sentido oposto à sua dominação. Violento é sempre o Estado: aumentar a tarifa é violência, do mesmo modo como são violências a “cura gay” e o estatuto do nascituro. Manifestar-se contra eles é autodefesa.
2) sem partidos: engana-se quem vê liberdade de expressão sob a bandeira de partidos políticos. São soldados obedecendo palavras de ordem. Partidos e instituições ou são estruturas oligárquicas ou deverão tornar-se para se instalarem no poder. Não há exemplo na história que diga o contrário. E não existe tolice maior supor, como fez o presidente do PT de SP, que a negação dos partidos leve à manifestações autoritárias. Nenhum dos Estados totalitários conhecidos na história foi apartidário: foram “hiperpartidários” no sentido de pretenderem o partido único sob a forma do “superpartido” (PNF italiano, NSDAP alemão, PCUS soviético, ARENA brasileiro). Assim, ao rejeitarem os partidos os manifestantes mostraram não querer ser confundidos com eles; mostraram ter consciência do lugar que ocupam na prática política, de sua dignidade e de seu valor próprio; expressaram sua singularidade e, como diria Proudhon, sustentaram sua capacidade política.[4]
Como será possível defender as energias liberadoras que foram desencadeadas pelas grandes manifestações do mês de junho? Como garantir que essas energias escapem aos processos de sedentarização e de imobilismo de partidos, sindicatos, instituições e do Estado? Arriscando uma resposta, diria que para continuar nomadizando os espaços, os revoltosos de junho deverão saber fazer duas coisas: de um lado, deverão saber parar sem perder a velocidade, isto é, transformar o movimento em intensidade para que sua próxima reaparição em cena seja mais uma vez turbilhonar. E, de outro lado, deverão saber continuar suas lutas pontuais sem incorrer nas  estruturas oligárquicas e burocráticas dos partidos e das instituições do Estado. Em outras palavras, deverão continuar sendo como os “seres imprevisíveis” de que fala Nietzsche: aqueles que “vêm como o destino, sem motivo, razão, consideração, pretexto, [que] surgem como o raio, de maneira demasiado terrível, repentina, persuasiva, demasiado “outra”, para serem sequer odiados.”[5]
http://espacoacademico.wordpress.com/2013/07/17/as-revoltas-de-junho-no-brasil-e-o-anarquismo/ - referência bibliográfica

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