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“You	just	don’t	understand:	troubled	engagements	between	feminists	and	IR	theorists” – J.	Ann	Tickner			
O		engajamento		insatisfatório		entre		feministas		e		outros		teóricos		de	Relações		Internacionais		podem		ser		consequência de	um		diálogo		“gendered”	(preconceituoso)		que		inibe		discussões		
mais		produtivas.		Contudo		esse	engajamento		também		pode		ser		utilizado		como		ponto		de		entrada		para		que		se	superem		alguns		silêncios		presentes		nesses		diálogos		preconceituosos		e		se	
alcance		um		nível		mais		produtivo		de		debates.	De	acordo		com	a		autora,	feministas		e		teóricos	tradicionais		estão		utilizando		diferentes		realidades		e	epistemologias	quando	teorizam	sobre	
relações	internacionais.	
Sources	of	misunderstanding
- Significado	de	gênero			
O		fato		de		feministas		contemporâneas		utilizarem		gênero		como		categoria	central		de		análise		e		de		o		significado		da		palavra		gênero		que		incorpora		tantas	relações		de		poder		desiguais		não		
ser		entendido		gera		problemas		fundamentais	de	má-comunicação	e	mau	entendimento.	Feministas		definem		gênero		como		um		conjunto		de		variáveis	características		que		são		social		e	
culturalmente		construídas,		como		poder,	autonomia	e	racionalidade,		e		são		associadas estereotipicamente	ao		masculino,	enquanto		seus		opostos		são		associados		à		feminilidade		(fraqueza,	
dependência	e		emoção).		Entende	-se		que		a			rotulagem		de		gênero		é		uma		forma		fundamental	de	se	criar	relações	de	poder.			Relações		d	e		gênero		entram		e		são		elementos		constitutivos		de	
todos		os	aspectos		da		experiência		humana.		Gênero		não		se		refere		só		à		mulher,		trata	também	do	homem	e	da	masculinidade.		
- Teorizando	o	internacional.	
Se		pensarmos		em			uma		ontologia	baseada		em		Estados		unitários,		num	ambiente		anárquico		e		“asocial”,		há		pouco		espaço		na		teoria		realista		que		para	entrada		das	teorias	feministas		que		
utilizam		as		relações		sociais		como	categoria	central		de		análise.		A		autora		relaciona		isso		com		a		pobreza		identificada		por	Martin	Wight	na	teoria	de	relações	internacionais.	As		teorias		
feministas	contemporâneas		se		encontram		comprometidas	com		metas		emancipatórias,		especificamente		com		o		objetivo		de		eliminar	relações		de		gênero		desiguais.		Elas		se		focam		nos		
indivíduos,		em			seus	contextos		sociais,		políticos	e		econômicos.		Como		a		teoria		d	e		relações	internacionais		tem		se	 afastado		desse		nível		de		análise,		criam-se		dúvidas		se	esse	é	um	assunto	
legítimo	que	a	disciplina	deveria	estar	investigando.
A		autora		questiona	se	seria		possível		achar		pontos		de		entrada		para	feministas		discutindo		o			sistema		internacional		em		teorias		que		utilizam		outros	pressupostos.	Considerando	a	existência	
de	uma	sociedade	de	Estados,	dentro	da		qual	poderiam		ser	discutidas		as	relações		sociais		é		uma	possibilidade.	Quem	faz		isso	é	Linklater	a	partir		de		uma		crítica		kantiana	à	Wight.		O		problema		
que	surge		é		a			origem		machista		da		teoria		de		Kant,		que		defendia		que		mulheres		não	deveriam	receber	educação.			Por		conta		disso,		as		feministas		têm		exigido		um	a		releitura		dos		trabalhos	
que		são		considerados		fundamentais		para		o		campo		de		RI		para		que		sejam	identificados		os		preconceitos		sobre		gênero		presentes		nessas		obras.		Isso		poria	em	dúvida	a	afirmação	de	que	a	
disciplina	é	neutra,	no	que	se	refere	a	gênero.		
- Divisão	epistemológica			
A		autora	argumenta	que	as	feministas		têm		um		problema	com	a	formulação	de	que	as	teorias	podem	ser	completamente	livres	de valores,	positivistas.	
- Teoria	feminista			
A	autora	coloca		o	feminismo		no	âmbito	do		terceiro	debate.		A	maioria		das	feministas		seriam	pós-positivistas	(questionam		o		uso		de		modelos		científicos	e	a	noção		de		objetividade	e	verdade		
associada	a	esses	modelos).	As	feministas,	como		a		maioria		dos	pós-positivistas,		buscam		em		campos		e		disciplinas		fora		das	RI		metodologias	mais	apropriadas	para	a	pesquisa.	Como		o		
feminismo,	contudo,		é		baseado		a		partir		de			teorias		políticas		e		sociais		e			de		tradições	sociológicas		fora		do		campo		das		RI,		questiona	-se		o		seu		posicionamento		nesse	campo.	Percebe-se		
um		paralelo		entre		a		dificuldade		de		o		feminismo		ser	incorporado		ao		campo		das		RI,		em		parte		por		conta		de		um		receio		das		feministas	de	serem		cooptadas,	e	a		dificuldade	de	
simplesmente	se		adicionar	as	mulheres	à		estrutura		teórica		já		existente		na		teoria		de		relações		internacionais.		Seria necessário,		na		realidade,		pesquisar		mais		profundamente		as		formas		
como	hierarquias		a		partir		de		gênero		servem		para		reforçar		instituições		e		práticas	socialmente		construídas		que		perpetuam		a		diferenciação		de		papéis		e	expectativas.		É		essa		diferenciação		
que		contribui		para		as		desigualdades	fundamentais		entre		homens		e		mulheres		na		política		internacional.		Gênero		deve	constituir		uma		categoria		central		de		análise,		o		que		não		significa		que		
mulheres	possam	ser	estudadas	separadamente	dos	homens.	
Feministas		acreditam		que		a		legitimação		de		determinados		tipos		de	conhecimento		(como		o		conhecimento		"científico"		da		revolução		científica		do	século		XVII),		intensificado		pela		divisão		
entre		o		público/privado,		molda		e		limita	os		tipos		de		perguntas		que		podem		se	r		feitas			e		como		elas		serão		respondidas.
Por	isso,	as	feministas	argumentam	que	o	conhecimento é	socialmente	construído,	contingente	e	moldado	pelo	contexto,	cultura e	história.	O		questionador,	pesquisador	deve	ser	colocado	no	
mesmo	lugar	do	seu	objeto	de		pesquisa.	O	conhecimento	não	pode	ser	separado	de	suas	consequências	políticas.	Não	há	separação	entre	teoria	e	prática,	entre	fato	e	valor.	
As	feministas	argumentam	que	o	crescimento	da	base	a	partir	da	qual		conhecimento	é	construído	com	a	inclusão	das	experiências	das	mulheres		pode,	na	realidade,	aumentar	a	objetividade	
desse	conhecimento.	Sandra		Harding	defende	que	adotar	o	ponto	de	vista	feminista	fortalece	os	padrões	de		objetividade.	Ela	defende	a	chamada	"strong	objectivity"	que	estende	a	tarefa		da	
pesquisa	científica	para	que	ela	inclua	um	exame	sistemático	das	crenças		do	pano	de	fundo	e	questione	aquilo	que	é	aceito	como	verdade/familiar.	Nas		RI,	isso	pode	ser	entendido	como	um	
chamamento	ao	questionamento	dos		pressupostos	e	conceitos	básicos	desse	campo,	que	são	aceitos	plenamente		pelos	teóricos	tradicionais.	Examinar	o	"gender	bias"	da	disciplina	de	RI	é,		
portanto,	fundamental	na	agenda	de	pesquisa	feminista.	Só	a	partir	daí,		poderão	ser	questionados	outros	aspectos	da	disciplina.		
A	perspectiva	feminista	de	segurança	
Feministas	vão	além da	definição	do	campo	de	segurança a	partir	de	aspectos	puramente	militares/políticos (proteção	de	fronteiras,	integridade	do		Estado,	etc),	buscando	incluir	elementos	de	
segurança	que	surgiram	ou		ganharam	visibilidade	após	o	fim	da	Guerra	Fria.	Buscam,	portanto,	definir		segurança	mais	amplamente	em	termos	multidimensionais como	a	diminuição		de	todas	as	
formas	de	violências	(física,	estrutural	e	ecológica).	Tomando	a		segurança	da	mulher	com	o	assunto	de	destaque,	costumam	partir	do	ponto	de		vista	da	comunidade	ou	do	indivíduo.	É	constante	a	
análise	das	hierarquias		sociais,	como	elas	são	construídas	e	como	elas	constroem	a	ordem		internacional,	buscando	desnaturalizá-las.	
Ao	desafiar	a	noção	tradicional	do	Estado	como	foco	analítico	do	estudo		sobre	segurança,	as	feministas	permeiam	sua	análise	com	um	sistema	de		relações	transnacionais	que	não	respeitam	as	
fronteiras	nacionais.	
Argumentam	também	que	as	desigualdades	entre	homens	e	mulheres,	que		contribuem	para	o	sentimento	de	insegurança,	só	podem	ser	entendidas	dentro		de	um	sistema	marcado	por	relações	
patriarcais	que	se	estendem	do	lar	à		economia	global.	
- Explicando	insegurança	
Somente	com	a	introdução	do	gênero	como	categoria	de	análise,	o	impacto	dosistema	de	Estados	e	da	economia	global	sobre	a	vida	de	homens	e	mulheres	poderá	ser	realmente	entendido.	Aliás,	
o	Estado	não	pode	ser	considerado	como	um	dado,	mas	sim	analisado	a	partir	do	seu	histórico	de	evolução. A	partir	dessa	análise,	poderá	se	perceber	como	as	mudanças	das	estruturas	políticas,	
econômicas	e	sociais	impõem	limitações	ao	papel	do	Estado	como	provedor	de	segurança.	Um	exemplo	de	consideração	a	ser	feita	sobre	o	surgimento	do	Estado	é	a	questão	da	divisão	entre	o	
espaço	público	e	privado.	
Já	insegurança	econômica	só	pode	ser	entendida	a	partir	do	contexto	das	relações	patriarcais	que	limitam	a	mulher	a	ficar	no	lar	e	a	empregos	mal-pagos.	As	expectativas	sociais	e	m	relação	aos	
papéis	dos	gêneros	podem	reforçar	inseguranças	econômicas.	Essas	questões	só	podem	ser	explicadas	com	gênero	como	categoria	de	análise.	Dentro	das	RI,	esses	assuntos	são	relevantes	a	partir	
de	uma	visão	bottom	-up	da	operação	economia	global	e	das	tentativas	dos	Estados	de	se	inserirem	nela.	
As	feministas	desafiam,	portanto,	os	níveis	de	análise	e	as	fronteiras	entre	o	interior	e	exterior.	As	fundações	"gendered"	do	Estado	devem	ser	expostas	e	analisadas	p	ara	que	formulações	sobre	a	
segurança	das	mulheres	possa	ser	feita.	
Conclusões	
Falta	de	entendimento	e	juízos	de	irrelevância	são	as	maiores	causas	da	resposta	silenciosa	que	as	discussões	feministas	vêm	recebendo	por	parte	do	mainstream.	As	perspectivas	feministas	
partem	de	ontologias	que	consideram	os	indivíduos	ou	grupos	como	parte	de	e	mudados	pelas	relações	sociais,	o	que	as	afastam	das	perspectivas	tradicionais	de	RI.	As	epistemologias		feministas	
também	são	bastante	diferentes.	
Céticas	quanto	à	possibilidade	de	se	chegar	a	uma	verdade	absoluta,		feministas	defendem	o	entendimento	a	partir	do	diálogo	entre	fronteiras	e		culturas,	em	que	as	diversas	vozes	têm	o	mesmo	
peso.	A	legitimação	das	perspectivas	de	pesquisa	feministas	e	pós	-positivistas,	que	devem	ser	vistas	como	partes	da	disciplina	de	RI,	é	fundamental	para	esse	diálogo,	uma	vez	que		elas	estão	
sendo	pioneiras	no	esforço	de	ir	além	do	convencional,	buscando	em	outras	disciplinas	novas	metodologias.
Tickner
25/06/2018 14:25

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