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ISSN 2176-6983 1 ECOSSISTEMA MANGUEZAL: UMA PERSPECTIVA SOBRE O PROCESSO DE (RE) PRODUÇÃO DOS ESPACO URBANO Kaio Eduardo de Jesus Oliveira Graduando em Geografia, Universidade Tiradentes, Pesquisador do GPSEHM/CNPq kaioeduardojo@gmail.com Auro de Jesus Rodrigues Mestre em geografia, Universidade Federal de Sergipe, Pesquisador do GPSEHM/CNPq aurorodrigues@ibest.com Eixo Temático 1 - Conflitos sócioambientais no litoral brasileiro Resumo O espaço urbano é uma materialização das relações sociais, local de constantes transformações e disputas, porém compreendê-lo requer uma analise do seu processo histórico formador. Atualmente o espaço urbano tem adquirido a tendência de produção capitalista que engendrada na disposição do mercado, na propriedade privada dos meios de produção e na acumulação de capital, em harmonia com divisão social do trabalho, promove a distinção do uso e apropriação do solo, formando espaços desiguais. Considerando a constante produção e reprodução do espaço urbano faz-se necessário identificar sua relação direta com os ecossistemas que o rodeiam. Sendo assim, o presente artigo faz uma análise da relação entre a produção do espaço urbano e a degradação dos manguezais. Como metodologia, foram elaborados levantamentos bibliográficos referentes à temática, realizados nos acervos das bibliotecas da Universidade Tiradentes e Universidade Federal de Sergipe, e da internet. Palavras-Chave: Meio ambiente; Espaço urbano; Manguezal. Introdução A questão ambiental não é nova como preocupação do ser humano, já na Antiguidade as sociedades mais “arcaicas” se preocupavam com a relação homem-natureza. Porém, a questão ambiental ganha amplitude somente na contemporaneidade no momento em que o homem passou a se perceber como uma ameaça a natureza. ISSN 2176-6983 2 É comum relacionar meio ambiente apenas a aspectos ecológicos, por exemplo, a fauna e a flora, mas é necessário compreender que o conceito de meio ambiente é bem mais complexo e inclui também aspectos socioeconômicos. No Brasil, a Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e conceitua meio ambiente como: Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Assim sendo, o meio ambiente vem a ser tudo o que está relacionado com a vida de um ser ou de um grupo de seres vivos, refere-se ao conjunto das condições naturais, sociais e culturais em que vive a pessoa humana e que são suscetíveis de influenciar sua existência. Para entender o espaço urbano atualmente, é preciso analisar um complexo conjunto de processos, entre os quais ganham destaque: o modo de produção capitalista como grande fenômeno contraditório e transformador, as relações sociais engendradas no sistema capitalista, o processo evolutivo de formação das cidades e principalmente a relação com o meio ambiente em que se insere, ou seja, o ecossistema. É necessário enfatizar que o capitalismo ao lançar seus tentáculos nos mais diversos segmentos da sociedade, propõe as cidades como sendo o melhor local para sua materialização. Dentro desse contexto crescimento urbano está vinculada à questão da degradação ambiental, que vem se agravando nos últimos anos, dentre os quais se destaca a degradação do ecossistema manguezal. Nesse sentido, a presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a relação entre a produção do espaço urbano e a degradação dos manguezais. Inicialmente neste trabalho é feita uma abordagem sobre o que é espaço urbano, como ele se configura e quais os principais agentes formadores deste espaço. Em seguida é feita uma analise sobre a questão ambiental, pautado na relação espaço urbano X meio ambiente ISSN 2176-6983 3 com uma caracterização sobre o ecossistema manguezal e sua degradação decorrente do processo de produção e reprodução do espaço urbano. Esta pesquisa justifica-se pela importância em analisar a degradação do ecossistema manguezal levando em consideração a constante produção e reprodução do espaço urbano como agente transformador do espaço geográfico. É importante destacar que há ainda uma escassez de trabalhos que abordam esta temática no campo da Geografia. Para esta pesquisa os procedimentos metodológicos utilizados foram pesquisa bibliográfica em diversos livros e revistas referentes à temática na biblioteca da Universidade Tiradentes e da Universidade Federal de Sergipe e, acervo da internet. Espaço Urbano Estudar o espaço urbano é uma tarefa de caráter muito relevante para o geógrafo contemporâneo. Visto que a Geografia como ciência, tem por objeto de estudo a análise da produção e reprodução do espaço geográfico, seja em ambito urbano ou rural, natural ou artificial. Nessa perspectiva analisar o espaço urbano é compreender um complexo conjunto de usos da terra que se materializam na organização espacial, decorrentes das relações sociais, pois segundo Corrêa (2000, p. 23): O espaço urbano capitalista, fragmentado, articulado, reflexo, condicionante social, cheio de símbolos e campos de luta é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço. O espaço urbano tem uma importância tão significante na civilização atual que, muitas vezes, é difícil pensar que em algum momento da história as cidades não existiram. Assim, entender o espaço urbano hoje exige uma analise de suas origens. Pois, é preciso: [...] compreender que o espaço é história, e nesta perspectiva, a cidade de hoje, é o resultado cumulativo de todas as outras cidades de antes, transformadas, destruídas, reconstruídas, enfim produzidas pelas ISSN 2176-6983 4 transformações sociais ocorridas através dos tempos, engendradas pelas relações que promovem estas transformações. (SPOSITO, 2005, p. 11). Assim, o espaço urbano dentro de seu processo evolutivo é uma forma histórica específica que se explica através da sociedade que a produz, é um produto histórico das relações materiais dos homens determinadas pelo processo do trabalho (CARLOS, 2004, p. 43). Atualmente, atribui-se o termo urbano ao espaço das cidades, mas não se deve somente fazer referência ao urbano apenas ao espaço das cidades, mas sim pelas atribuições sociais e sua organização social, política e econômica considerando o tipo de vida de cada cidade. O espaço urbano como lócus de materialização e reprodução social se constitui em diferenciadas formas de ocupação. Para Carlos (2004, p. 45): “[...] o modo de ocupação de determinado lugar na cidade se dá a partir da necessidade de realização de determinada ação, seja de produzir, consumir, habitar ou viver”. O modo como se configura a ocupação do solo urbano é conseqüência do grau de desenvolvimento das forças produtivas, das condições em que se constitui a produção e principalmente pelo processo de desenvolvimento social. Nesse sentido, o uso do solo é disputado pelos mais diversos segmentos da sociedade de forma diferenciada, gerando conflitos entre esses segmentos. Portanto, para poder usufruir de um pedaço de terra no espaço urbano é preciso pagar por ele, seja através da compra ou do aluguel, pois segundo Carlos (2004, p. 48): Os fatores que determinam a formação do valor do espaço, vinculam-se principalmente a inserção de determinada parcela no espaçourbano global, tendo como ponto de partida a localização do terreno, o acesso aos lugares ditos privilegiados, à infra-estrutura, à privacidade, e secundariamente, os fatores vinculados ao relevo que se refletem nas possibilidades e custos da construção e finalmente, o processo de valorização espacial. ISSN 2176-6983 5 Como processo complexo a urbanização não se dá de forma homogênea em todos os lugares, pois em decorrência das diversas formas de uso do solo, do valor de uso e de troca, a urbanização ocorre de forma heterogênea. Outro fato é que o processo de urbanização é um grande gerador de impactos ambientais no espaço geográfico, esses impactos vêm se agravando nos últimos anos, dentre os quais se destacam: o lixo, o congestionamento de veículos, a poluição do ar, a impermeabilização do solo urbano, enchentes, a ocupação das chamadas áreas de risco e, principalmente, a degradação de ecossistemas, entre eles principalmente, o ecossistema manguezal. O Manguezal e o Espaço Urbano Os estudos a cerca de manguezais são muito escassos, considerando a importância que esses ecossistemas desempenham em muitas regiões, tanto nos aspectos ecológicos quanto nos aspectos econômicos e sociais. Os manguezais são ecossistemas que constituem um ambiente alagado e concentra uma diversidade vegetal resistente a salinidade das águas presentes. Segundo Miranda e Nobrega (1990, p. 9): Os Manguezais são ecossistemas costeiros que ocorrem em regiões tropicais e subtropicais. Apresentam um solo lamacento e sujeito a influencia das marés onde se desenvolve uma vegetação característica – os mangues - e uma fauna bastante diversificada, composta por espécies de origem terrestre e aquática. A existência do ecossistema manguezal está articulada a uma série de características que são peculiares ao seu desenvolvimento, principalmente a fauna que depende diretamente desse ambiente como habitat. Portanto para a existência dos manguezais é necessário algumas condições ambientais favoráveis, visto que: Os manguezais só se desenvolvem em locais que apresentam temperaturas quentes e elevadas taxas de umidade. Como ecossistema costeiro, os manguezais ocorrem em locais onde existe água salobra, formada pela mistura de água doce dos rios com a água salgada que penetra no continente através das marés. Os limites das marés altas geralmente determinam os limites dos manguezais. A presença de solos aluviais onde predominam os ISSN 2176-6983 6 lodos finos e ricos em matéria orgânica é importante para o melhor desenvolvimento da vegetação de mangue. Esse tipo de solo é formado pela decomposição do material em suspensão proveniente da drenagem terrestre, das descargas fluviais e das correntes de marés. A morfologia costeira também pode determinar a ocorrência dos manguezais. As áreas litorâneas planas e calmas, protegidas do impacto das ondas, oferecem boas condições para o desenvolvimento dos mangues. (MIRANDA; NOBREGA, 1990, p. 9). Como a existência dos manguezais é dependente de algumas características que possibilitam seu desenvolvimento, sua existência está limitada a algumas regiões do planeta, assim eles estão presentes na América, África, Ásia e Oceania. O Brasil tem uma das maiores extensões de manguezal do mundo, eles ocorrem desde o Amapá até Santa Catarina, sendo a região Norte do País a que apresenta as maiores áreas de manguezais. Segundo Santos (2011, p. 1) no Brasil, os manguezais ocorrem desde o Cabo Orange, no Amapá, até a cidade de Laguna, em Santa Catarina. Ao contrário de outros ecossistemas, os manguezais não são ricos em espécies, porém destacam-se pela grande diversidade de populações que nele habitam. Por isso pode ser considerado como berçário natural. A flora dos manguezais é composta por poucas espécies, visto que: Três árvores constituem as florestas de mangue: o mangue vermelho ou bravo, o mangue branco e o mangue seriba ou siriúba. Vivem na zona das marés, apresentando uma série de adaptações: raízes respiratórias (que abastecem com oxigênio as outras raízes enterradas e diminuem o impacto das ondas da maré), capacidade de ultra filtragem da água salobra e desenvolvimento das plântulas na planta materna, para serem posteriormente dispersas pela água do mar. A flora do manguezal pode ser acrescida de poucas espécies, como a samambaia do mangue, a gramínea Spartina, a bromélia Tillandsia usneoides, o líquen Usnea barbata (as duas últimas conhecidas como barba de velho e muito semelhantes entre si) e o hibisco. (SANTOS, 2011, p. 4). A vegetação dos manguezais está submetida a uma série de fatores adversos que justificam o reduzido número de espécies vegetais que ocorrem nesses ambientes, tais como altas taxas de salinidade, aeração deficiente e grande mobilidade dos solos lamacentos. ISSN 2176-6983 7 De acordo com Miranda e Nóbrega (1990, p. 10) as espécies que constituem os manguezais apresentam características morfológicas distintas que favorecem seu desenvolvimento: A Rhizophora mangle L, (mangue vermelho) possui um complexo sistema de raízes aéreas que se desenvolvem a partir dos troncos e dos ramos laterais e penetram no solo proporcionando a planta uma capacidade de sustentação maior. Avicenia shaueriana (mangue siriúba) possuem raízes especiais chamadas pneumatóforas, que afloram do solo e são capazes de captar o ar atmosférico. Já a Lagunculária racemosa (mangue branco) possui raízes do tipo pneumatóforo, embora em menor tamanho e em menor número de que os do mangue siriúba. (MIRANDA; NÓBREGA, 1990, p. 10). Em relação à fauna, de um modo geral, os manguezais possuem uma diversidade de espécies, formada por aves que geralmente não são típicas desse ambiente, mamíferos que visitam o manguezal para se proteger ou se alimentar, peixes de água doce e de água salgada, e moluscos que se destacam como componentes da fauna dos manguezais, pois necessitam das raízes do mangue para se desenvolver. Outros animais como microrganismo podem compor este ambiente e depender diretamente de suas condições e assim desempenhar papel de grande importância no funcionamento da dinâmica ambiental. Contudo para Miranda e Nobrega (1990, p. 12): O que caracteriza a fauna dos manguezais, são os crustáceos decápodes, principalmente o caranguejo-uçá, o gaiamum, o aratu, os siris, etc..[...]. Esses animais fragmentam as folhas que caem das arvores facilitando sua utilização por parte de outros organismos menores. Servem ainda de alimento para o homem, diversos peixes e aves. Dessa forma desempenham um importante papel na manutenção da dinâmica do manguezal. Apesar de possuir grande importância e contribuição para o desenvolvimento das populações, não só humanas, mas também nativas desse ecossistema. Atualmente, a importância dos manguezais sem duvida foi alterada, visto que: Vastas áreas de manguezais foram recentemente convertidas ou transformadas para outros usos. As áreas costeiras tropicais onde crescem os manguezais mais luxuriantes são as que sofrem maior pressão para o ‘desenvolvimento’’. Na ânsia por lucros rápidos, para gerar empregos para o ISSN 2176-6983 8 maior número de possível de pessoas, para obter dinheiro rapidamente e lucros em termos do que geralmente é identificado como ‘benefícios econômicos’. (VANUCCI, 2002, p. 148). Os benefícios naturais que são fornecidos espontaneamente pelo ecossistema manguezal, têm sido convenientemente esquecidos, devido à necessidade ou obsessão por lucros rápidos e desenvolvimento econômico, assim,o resultado tem sido uma impressionante destruição da riqueza permanente dos manguezais. O homem sempre tem sido destruidor, com a velocidade de um raio, e tem sido cuidadoso o suficiente para garantir que os meios de destruição disponíveis se tornem cada dez mais eficazes. Os manguezais dentro desse contexto, naturalmente, não foram poupados, e as guerras e a ganância foram duas primeiras causas da degradação. Com a expansão do espaço urbano, e concomitantemente com a implementação de toda a infra-estrutura deste espaço, vários impactos ambientais podem ser produzidos no ecossistema manguezal, por exemplo: aterro indiscriminado de áreas de manguezais para a construção civil, desmatamento para o potencial madeireiro, contaminação por despejos domésticos e industriais no estado bruto (resíduos sólidos e líquidos). É importante destacar que no litoral brasileiro áreas de mangues tem sido aterradas decorrentes da especulação imobiliária. Tendo em vista o grau de importância e complexidade dos manguezais é necessário consciência quanto ao seu uso, principalmente, na relação direta com o espaço urbano. O manguezal consiste num ecossistema frágil e requer um tratamento cuidadoso para que não se perca a sua riqueza e os seus benefícios para o homem e os seres vivos que o habitam. Considerações Finais O espaço urbano é construído em função do processo de trabalho que o produz e reproduz a partir da relação do homem com a natureza. Assim o espaço se cria a partir da natureza que é totalmente transformada no curso de gerações. ISSN 2176-6983 9 Nessa perspectiva analisar o ecossistema manguezal considerado berçário natural de diversas espécies é buscar o desenvolvimento de uma conscientização em prol de sua preservação, e visto sua complexidade, é importante também ressaltar que mesmo protegidos pela legislação ambiental uma fração significativa das áreas desse ecossistema estão sendo destruídos motivados pelo desenvolvimento econômico e a expansão urbana. Assim a relação entre produção e espaço urbano e manguezal tem se dado principalmente através da devastação desse ecossistema, propiciada entre outros fatores principalmente pela especulação imobiliária e os aterramentos, e consequentemente o crescimento desordenado sobre o mangue, além do despejo de dejetos por esgotos diretamente ligados a esse ecossistema. Apesar de ser preservado por lei, pouco tem sido realizado para a preservação ou recuperação das áreas degradadas desse ecossistema. Considerando-se o estado de conservação atual pode-se constatar que se não houver um engajamento e principalmente conscientização quanto a representatividade ecológica desse ambiente natural, grandes áreas continuarão a ser devastadas podendo até desaparecer. Referências CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2004. CORRÊA, Roberto. Lobato. O espaço urbano. 4. ed. São Paulo: Ática, 2000. HISTÓRIAS e Lendas de Cubatão. Disponível em:< http://www.novomilenio.inf.br/cubatao/ch014e.htm>. Acesso em: 2 jul. 2011. ISSN 2176-6983 10 LEI Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Publicado no DOU de 02 de setembro de 1981. Disponível em:<http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1981/6938.htm>. Acesso em: 27 ago. 2011. MIRANDA, Paulo Tarso de Castro; NOBREGA, Regia Maria Nanuta de Andrade. O que é manguezal. Fortaleza: SEMACE, 1990. SANTOS, Janaiana. Manguezais. Disponível em:< http://www.moisesneto.com.br/janainamanguezal.pdf> Acesso em: 13 set. 2011. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. 15. ed. São Paulo: Contexto, 2005. VANUCCI, Marta. Os manguezais e nós. 2. ed. São Paulo: EdUSP, 2002.
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