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0 FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL RENE ALUÍSIO RÊGO KASPER CRIATIVIDADE, ARTE E PUBLICIDADE Intersecções entre Imaginário e processos criativos Porto Alegre 2018 1 RENE ALUÍSIO RÊGO KASPER Criatividade, arte e publicidade: intersecções entre Imaginário e processos criativos Trabalho de Conclusão de Curso, da faculdade de Comunicação Social, apresentado ao Centro Universitário Ritter dos Reis como requisito para elaboração da monografia de conclusão do curso de Publicidade e Propaganda. Orientador: Prof. Ms. Francisco dos Santos Porto Alegre 2018 2 3 Ao meu pai pela força. À minha mãe pela teimosia. Porque são desses elementos que nasce um pesquisador. 4 AGRADECIMENTOS Me sinto na obrigação de expor o nome de todos ao meu redor durante essa jornada do bacharelado. Por isso, agradeço: Aos meus pais, Tarciso e Carmem. Ao amor da minha vida, Luciana. Ao meu orientador, Francisco Santos. Aos meus irmãos, Roberto e Tiago e minhas cunhadas, Claudia e Erlyn. Aos meus amigos, Yuri, Aline, Lucas, Thallys, Thais, Gabriela, Rene, Hullima, Vanessa, Sabrina e Maria. Aos companheiros de estudo, Fayller e Hyago. Aos mestres de profissão, Alexandre e Ana Maria. 5 6 “A imaginação é mais importante que o conhecimento” Albert Einstein 7 RESUMO A presente monografia tem como estudo o Imaginário dos processos criativos da arte e da criação publicitária. Para tal, foi desenvolvido um estudo através das mais diversas eras de manifestações artísticas humanas, bem como o capitalismo artista que influencia a sociedade pós-moderna e também da Publicidade, que se originou da adaptação da arte para fins comerciais e mercadológicos. Através de entrevistas com dois profissionais, foi possível constatar através da metodologia de mitocrítica, dos contos gregos de Édipo e Hércules, que no processo criativo dos artistas existem mais representações do regime noturno, enquanto dos publicitários, o diurno é que prevalece. PALAVRAS-CHAVE: Imaginário. Arte. Criação Publicitária. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÃO Figura 1 - Bisonte e Mãos na caverna El Castillo, Espanha 19 Figura 2 - Hieróglifos Egípcios 20 Figura 3 - “O nascimento de Vênus”, de Sandro Botticelli 21 Figura 4 - “A liberdade guiando o povo”, de Eugène Delacroix 22 Figura 5 - “O pensador”, de Auguste Rodin 24 Figura 6 - “Impressão, nascer do sol”, de Claude Monet 25 Figura 7 - Diversos cartões postais de Jean-Michel Basquiat 26 Figura 8 - Réplica da prensa de Gutenberg, no Museu da Tipografia 28 Figura 9 - Cartaz do Moulin Rouge, por Henri de Toulouse-Lautrec 29 Figura 10 - Vaso grego com a gravura de Édipo e a Esfinge 46 Figura 11 - “Édipo e a Esfinge”, por Jean-Auguste-Dominique Ingres 47 Figura 12 - “Hércules e a Hidra”, de Antonio del Pollaiuolo 48 9 LISTA DE TABELA Tabela 1 – Classificação Isotópica das Imagens 35 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 11 1.1 OBJETIVO................................................................................................. 11 1.2 ESTUDO.................................................................................................... 11 1.3 HIPÓTESE................................................................................................. 11 1.4 O PESO DO ESTUDO............................................................................... 12 2 O IMAGINÁRIO............................................................................................ 13 2.1 DEFINIÇÃO E HISTÓRICO....................................................................... 13 3 ARTE............................................................................................................ 18 3.1 DEFINIÇÃO E HISTÓRICO....................................................................... 18 3.2 CAPITALISMO ARTISTA........................................................................... 25 4 CRIAÇÃO PUBLICITÁRIA........................................................................... 27 4.1 DEFINIÇÃO E ORIGEM............................................................................. 27 4.2 CRIATIVIDADE PUBLICITÁRIA................................................................ 29 5 DA ENTREVISTA À MITOCRÍTICA............................................................. 31 5.1 A FORMULAÇÃO DA ENTREVISTA......................................................... 31 5.2 MITOCRÍTICA NAS RESPOSTAS DOS ENTREVISTADOS.................... 34 5.3 APRESENTAÇÃO DAS ENTREVISTAS................................................... 36 5.3.1 Entrevistado 1......................................................................................... 36 5.3.2 Entrevistado 2......................................................................................... 39 5.4 METÁFORAS OBSESSIVAS DOS ENTREVISTADOS............................. 41 5.4.1 Eduardo Motta, o artista.......................................................................... 41 5.4.2 Francisco Bittencourt, o publicitário........................................................ 43 5.5 CORRELAÇÃO COM MITOS ANTIGOS................................................... 45 5.5.1 Eduardo Édipo, o herói sábio.................................................................. 45 5.5.2 Francisco Hércules, o herói constante.................................................... 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 52 REFERÊNCIAS............................................................................................... 54 APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas......................................................... 56 APÊNDICE B – As respostas dos entrevistados......................................... 57 ANEXO............................................................................................................ 65 11 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho percorre os processos criativos de artistas e criativos de publicidade. Através dos estudos do imaginário são analisados os casos para entender a relação do inconsciente com o trabalho dos entrevistados. 1.1 OBJETIVO O intento desta monografia é buscar as diferenças entre o imaginário de um artista e de um criativo publicitário, para distinguir concepções artísticas de peças publicitárias. Entender as estruturas antropológicas do Imaginário que regem sobre as ações de artistas e publicitários, para diferenciar tanto os aspectos cognitivos quanto os métodos de cada um. 1.2 ESTUDOQuando observado na base da academia, poucos estudantes se propõem a estudar o Imaginário. É fato que dentro dos mestrados e doutorados a difusão de tal assunto é maior, porém, principalmente para a comunicação, entender o imaginário pode ser de grande valor acadêmico, já nas bases do ensino. A discussão de que os publicitários são artistas existe há anos e muitas teorias podem ser encontradas para explicar tal comportamento. A questão toda é que a banalização da arte acontece em diversas esferas da sociedade, pois retratar qualquer tipo de criação como uma obra artística é um argumento de autoridade. Com o advento da internet, tais argumentos tornaram-se ainda mais fortes, pois sempre há uma imagem de superioridade que o usuário pretende passar. 1.3 HIPÓTESE A hipótese da presente monografia se baseia nas estruturas heroicas, dramáticas e místicas propostas por Gilbert Durand. Acredita-se que o imaginário de um publicitário tenha forte influência das estruturas heroicas e que o artista seja impactado pelas estruturas dramáticas e místicas. Os 12 processos criativos diferem-se por causa das estruturas, uma vez que são ações iniciadas no inconsciente e afloradas pelo consciente. Ainda são considerados os fatos de que os publicitários trabalham principalmente sob demanda e os artistas sob inspiração. 1.4 O PESO DO ESTUDO Compreender os regimes do imaginário que regem através do ser publicitário e do ser artista, podem contribuir não só para o fim de uma discussão, mas para a um avanço educacional nos campos da comunicação, contribuindo para a formação de futuros publicitários que venham a estudar os processos criativos através do imaginário. As entrevistas coletadas nesta monografia possuem um peso fundamental para o fim desta discussão interminável. O estudo da comunicação vai além das teorias comunicacionais e das práticas criativas, pois possui um peso social muito forte. Compreender os processos comunicacionais e a influência do imaginário nestes, pode auxiliar ainda mais a compreensão da sociedade como um todo. 13 2 O IMAGINÁRIO A pedra fundamental do presente trabalho é a teoria do imaginário que, em um mundo binário, nunca recebeu a devida importância. Comumente, e não erroneamente, associada a contos de fadas e histórias de grandes heróis, o imaginário é a ponte que liga o nosso eu ao mundo. 2.1 DEFINIÇÃO E HISTÓRICO O ser humano funciona com dados recebidos através dos cinco sentidos e que uma vez processados são transformados em informações. A partir do acumulo de vivências, crenças e culturas – ou informações - é formado o imaginário no cérebro do homem, pois é necessário um conjunto de imagens e narrativas que formem um conjunto (WUNENBURGER, 2007). Desde os primórdios da civilização humana são usadas histórias fantasiosas para explicar o desconhecido. Dos contos de Adão e Eva ao monstro do fim do mundo, sempre existe uma boa história para ser contada. O ato de explicar, através da literatura, o misterioso, fascina desde as pinturas nas paredes rochosas das cavernas, quando com pigmentos extraídos de tintas o homem de Neanderthal marcava suas jornadas de caça, quase como quem senta em um bar e conta sobre seu dia para os amigos. Exatamente pelo fato de formarmos conjuntos de imagens que nos fornecem um entendimento, somos capazes de criar epopeias que exageram ainda mais os atos heroicos do passado. Devemos lembrar que os registros digitais surgiram nos anos 1990 e, até então, dependíamos dos contadores de história para registrar os grandes feitos da humanidade. Os nossos olhos para entender história sempre foram a imaginação, pois, como afirma Wunenburger (2007, p. 19), “o imaginário, essencialmente identificado com o mito, constitui o primeiro substrato da vida mental”. Na Grécia antiga, os grandes pensadores pouco explicaram sobre as incógnitas da mente humana. Mesmo que Platão admitisse existir uma trilha que nos guia para algumas verdades sem explicação como a alma, o além, a morte e os mistérios do amor, por exemplo. Pois, para Durand (1998) “mesmo onde a dialética bloqueada não consegue penetrar, a imagem mítica fala diretamente à alma”. 14 A dualidade faz parte do cotidiano e contamina as pesquisas desde sempre, uma vez que se determina apenas a existência do certo e errado, verdadeiro e falso, bem e mal. Durand (1998) afirma que com a herança de Sócrates, Platão e Aristóteles, o método binário da verdade tornou-se o “único” processo eficaz para a busca da verdade. Descartes no século XVI afirma “Penso, logo existo”, determinando que existe apenas o “eu” e o mundo. Para Durand (1998) a compreensão da imaginação surge para quebrar a verdade binária, uma vez que ela é suspeita de ser “a amante do erro e da falsidade”, isto é, mostrando que existe a imaginação entre o mundo real e a nossa existência, que se dá através da interpretação de dados recebidos pelo nosso corpo. Ainda hoje enfrentamos dificuldades para compreender um processo habitual como a imaginação. A carência de estudos na área talvez seja o medo do desconhecido. Fobos, filho de Ares e Afrodite, símbolo do temor, talvez não seja apenas um personagem mitológico, mas sim um sentimento que ainda é comum, principalmente quando tentamos compreender o imaginário. O raio que sai das nuvens, uma árvore secular, a aurora boreal, uma estrela cadente, o azul do céu, etc. Mesmo que hoje tenhamos entendimento da explicação científica destes fatos, ainda há muitos que não podemos explicar. As alucinações de um esquizofrênico e as visões de um médium, o déjà vu e o sonho, etc. Pode ser que faltem algumas certezas dentro de nossos estudos. Wunenburger (2007) acaba por associar o imaginário humano a uma representação que pode aparecer isolada ou em composição, mas sempre comporta uma linha específica (ou representativa) e outra emocional. O ato de explicar e sentir (com sentimentos mesmo) uma história, por exemplo. Além disso, Wunenburger (2007), evidência ser possível falar não só do imaginário de um indivíduo, mas também do de um povo, expresso no conjunto das obras e crenças que este possui. Por isso encontramos diversas histórias mitológicas semelhantes, mesmo quando mudamos a civilização que está sendo analisada, pois existem impressões arcaicas registradas em nosso inconsciente, que são os arquétipos. A filosofia contemporânea acaba por se basear e receber muita influência dos avanços do século XVII e a compreensão de imagem, imaginação e imaginário não compõem os objetivos de estudo, afirma Wunenburger (2007). 15 A falta de curiosidade para com este estudo só acaba (e não muito) com Sartre, que dedicou algumas obras para compreender os campos da imaginação. No século XIX, para Wunenburger (2007), o psicanalista Sigmund Freud com seu divã, comprova a importância das imagens como mensagens que submergem do inconsciente para o consciente, pois estas manifestações funcionam como uma representação intermediária entre um inconsciente não manifesto e a tomada de consciência ativa. Além disso, a compreensão da psique humana por Sigmund Freud começa a criar uma onda de estudos sobre a psicologia, de onde surge o seu maior discipulo: Carl Gustav Jung. Jung acaba por estudar, entender e separar a nossa mente em duas grandes áreas: o consciente e o inconsciente. Chamamos o inconsciente de um “nada”, e, no entanto, ele é uma realidade in potentia: o pensamento que pensaremos, a ação que realizaremos e mesmo o destino de que amanhã nos lamentaremos já estão inconscientes no hoje. (JUNG, 2014, p. 278)Quando se pensa em um comportamento, pré-estabelecido no inconsciente, é possível estabelecer que existe um reflexo disso em todas as ações dos seres humanos: do carinho maternal ao processo de criar algo. Jung tentava explicar que as ações são premeditadas pelo inconsciente e ficou tão fixado às questões as impressões arcaicas que temos registradas em nossa mente que não se aprofundou ao fato de a imaginação ser também uma potente ferramenta de invenção: de histórias, mundos, personagens, formas e narrativas. Ainda assim, para Jung (2014), a principal fonte da imaginação está nos sonhos, pois estes são os resultados espontâneos das ações do inconsciente, que independem da vontade do ser humano, sendo produtos puros da natureza, não influenciados pela natureza consciente. Por isso encontramos diversas metáforas sobre a terra dos sonhos ser a terra da imaginação. Jung (2014) também colabora com os arquétipos fundamentais do inconsciente humano, como o Animus e Anima, e afirma que o nosso conjunto de características psicológicas pode ser dividido em pelo menos dois estímulos essenciais. Um deles tem sua aurora na parte mais ativa, mais conquistadora, quando o Animus mostra-se sob a imagem arquétipa do herói que derrota 16 monstros. Os que tem origem na parte mais passiva, consequentemente mais feminina e tolerante, a anima, que aparece como a figura ou da mãe, ou da virgem. Contribuindo ainda mais que Jean-Paul Sartre, temos Gaston Bachelard que, para Wunenburger (2007), com suas inspirações poéticas, vai compreender a onipresença da imagem na mente e atribuir-lhe uma dignidade ontológica (a investigação teórica do próprio ser) e uma criatividade onírica (que se parece com sonhos). Bachelard (1989, p. 1), ao afirmar que a imaginação corre em duas linhas diferentes, além de situar a origem da imaginação em bases inconscientes, explica que “umas encontram seu impulso na novidade; divertem-se com o pitoresco, com a variedade, com o acontecimento inesperado. A imaginação que elas vivificam tem sempre uma primavera a descrever. Na natureza, longe de nós, já vivas, elas produzem flores”. Já no século XX, Gilbert Durand aparece como a principal contribuição para os estudos do imaginário e mitologia. Durand (1998) nos mostra que a imagem pode ter infinitas definições, de acordo com as suas interpretações. Assim fica mais fácil evidenciar o fato de que os arquétipos não mudam, mas seus contextos sim. Para analisar este tipo de afirmação, basta comparar os roteiros de Harry Potter e O Senhor dos Anéis. Em ambos temos a imagem arquétipa do herói, aquele que, literalmente, é o menos provável a salvar o mundo; a imagem arquétipa do mago que, com sua sabedoria, guia o herói ao triunfo e a sombra, que mostra as características mais tenebrosas da humanidade. O mais interessante é que podemos encontrar o mesmo padrão na Ilíada de Homero, escrita no século VIII antes de cristo. O fato é que as imagens do inconsciente se repetem na sociedade, tanto na antiguidade quanto na modernidade, pois, de acordo com Wunenburger (2007) o imaginário tem semântica e sintaxe, mas é vinculado principalmente pela intenção, um objetivo da consciência humana. Durand (1998) afirma que “todo pensamento humano é uma representação, isto é, passa por articulações simbólicas”. Sempre que processamos os dados para transforma-los em informação, estamos transformando esta em uma representação de algo. Todas as grandes histórias foram influenciadas por grandes imaginações. O processo criativo é evidentemente relacionado ao imaginário. 17 É interessante observar a afirmação de Durand (1998), que Platão, no fundo, sabe que o método é falho. Não podemos limitar a razão à uma antítese, uma vez que temos impressões fantasiosas da alma que os gregos conheciam por mito. “O imaginário, essencialmente identificado com o mito, constitui o primeiro substrato da vida mental” (Durand, 1998, p. 19). Durand (1989) entende que a humanidade tem a faculdade de formar representações simbólicas e através destas manifestar o imaginário. O imaginário, longe de ser a epifenomenal louca da casa a que a psicologia clássica o reduz, é, pelo contrário, a norma fundamental, a justiça suprema (Durand, 1989, p. 14). A composição das imagens acaba por seguir duas polaridades: uma diurna e outra noturna, gerando três estruturas: esquizomorfas (ou heroicas), dentro do regime diurno; as sintéticas (ou dramáticas) e místicas (ou antifrásicas) dentro do noturno. Ainda de acordo com Wunenburger (2007, p. 20): o imaginário deve sua eficácia a uma ligação indissolúvel entre, por um lado, estruturas que permitem reduzir a diversidade das produções singulares de imagens a alguns conjuntos isomorfos, significações simbólicas, reguladas por um número finito de esquemas, de arquétipos e de símbolos. Durand (1998) afirma que a mente humana não funciona apenas a partir do consciente, da percepção imediata, mas também na noite de um inconsciente, revelando “aqui e ali” imagens irracionais da terra da fantasia, da neurose ou até mesmo da criação poética, pois, segundo Wunenburger (2007 p. 31): a função visual e a função linguística constituem sem dúvida dois entroncamentos divergentes da geração de imagem, sem que essa ramificação provoque uma ruptura definitiva. O imaginário ainda permanece envolto de grandes questionamentos, onde cada novo estudo revela mais informações valiosas a respeito deste. 18 3 ARTE No presente capítulo são apresentados a origem, os conceitos, o significado e a importância da arte nesta monografia. 3.1 DEFINIÇÃO E HISTÓRICO A palavra arte possui um significado diferente para cada era, pensador e artista. Como uma forma de padronização Souriau (1969) define-a como um processo de comunicação que se manifesta na combinação ou não das varias linguagens existentes, como: a música, o teatro, a escrita, o desenho, a arquitetura, etc. Há quarenta mil anos atrás o homo neanderthalensis formava os primeiros traços artísticos da humanidade, a arte rupestre. De pigmentos extraídos das flores, os dedos de nossos antepassados gravavam para sempre os acontecimentos de seu dia a dia. A expressão artística é uma forma de comunicação do ser humano, que manifesta através de suas criações os seus sentimentos. Como uma relação divina entre criador e criatura, o artista trata sua arte como uma árvore com seus frutos. Como afirma Gombrich (1999), “não existem razões erradas para se gostar de arte, existem razões erradas para não se gostar de arte”. Figura 1 – Bisonte e Mãos na caverna El Castillo, Espanha. Fonte: Foto por jcdeus, no site Flickr 19 Na antiguidade, o encontro do divino com o artístico é fulminante. A mitologia dos egípcios, por exemplo, nada seria sem seus hieróglifos que explicam os significados das divindades. Mais uma vez a tentativa de explicar o desconhecido bate à porta do ser humano. Os contos deíficos ficam para sempre registrados simbolicamente nas expressões artísticas, seja em um poema, seja em uma gravura. Os gregos também tiveram papel importante na representação do divino. O Partenon, além de uma obra magnífica, é um ensinamento: a arte pode ser um conjunto de linguagens. Não sejamos enganados pela presença do divino na antiguidade. Mesmo que em abundância, existiam outras histórias sendo contadas pelas obras desta era. Figura 2 – Hieróglifos Egípcios Fonte: uwimages/Fotolia Na idade média a arte bizantina é o exemplo mor de retratos divinos, pois teve forte influência da igreja católica, queexpandia seu domínio além da Europa. É nesta época, por exemplo, que o eurocentrismo da Igreja Católica fala mais alto, surgindo a imagem de Cristo com cabelos claros, pele branca e olhos azuis, mesmo sem nenhuma referência bíblica sobre a aparência do filho de Deus. Jesus nasceu em Belém, local onde as pessoas se assemelham muito aos beduínos atuais, mas como afirma Gombrich (1999) “muitas pessoas gostam de ver em quadros o que também lhes agradaria ver na realidade”. Com uma religião sediada em Roma, coração da Europa e milhares de guerras santas contra árabes, os artistas e a igreja decidiram representar Jesus à sua própria semelhança. Um autoritarismo um tanto quanto divino. 20 O renascimento, como o próprio nome já diz, é o período com que ressurgem diversas manifestações artísticas que foram esquecidas com o tempo, devido a luta constante da igreja contra os hereges. Com seu ideal humanista, algumas das obras de arte mais famosas do mundo nasceram nessa época, como a “Monalisa” de Da Vinci, “Pietà” de Michelangelo e “O Nascimento de Vênus” de Botticelli. O interessante de se observar é que os três são italianos, uma forte referência ao crescimento econômico desta região por conta da igreja, pois como tudo na história, a arte também é feita de ciclos. Quando se encerra um “reinado”, começa o outro, com forte influência do anterior. Figura 3 – “O nascimento de Vênus”, de Sandro Botticelli Fonte: Uffizi Gallery, Google Arts & Culture Durante a reforma protestante temos a arte barroca, que influenciou bastante a história brasileira, sendo considerado consequência do renascimento, uma vez que as obras eram ainda mais detalhadas e esplendidamente exuberantes. Já nesta época conseguimos perceber o forte crescimento da poesia brasileira, como Gregório de Matos, o “boca do inferno”. Vale ressaltar que dialética é bastante presente, mesmo que em plena reforma protestante, os autores misturavam o divino com o profano. O Rococó é conhecido como o início da capitalização da arte, uma vez que por ser cheio de obras extremamente ornamentadas e detalhadas, eram normalmente encomendadas pela nobreza. 21 O iluminismo do século XVI faz com que o mundo entre no chamado “século da luz”, onde os pensamentos e a expressão se iluminaram, saindo das garras da igreja. Logo em seu final e por sua influência acontece a revolução francesa, na qual o povo executa o rei Luís XVI, encerrando o absolutismo aos gritos de Liberté, Égalité e Fraternité. Com este acontecimento histórico, a arte entra na idade contemporânea que para muitos fica representada no quadro de Eugène Delacroix, “A Liberdade guiando o povo”, um símbolo do romantismo na França. Na idade contemporânea podemos dividir os tempos artísticos em quatro grandes escolas: o Neoclassicismo, o Romantismo, o Realismo e o Impressionismo. Figura 4 – “A liberdade guiando o povo”, de Eugène Delacroix Fonte: Site do museu do Louvre O Neoclassicismo, conforme a própria origem etimológica, é o novo classicismo, surgiu no século XVIII. Com a forte influência iluminista, trouxe o retorno de conceitos gregos, romanos e renascentistas. Observamos 22 principalmente a influência de Napoleão Bonaparte, por conta de sua importante liderança e militarismo francês, muitas obras usaram o Imperador como centro das atenções. O Romantismo é uma escola concebida como oposição ao Neoclassicismo, uma vez que no Neoclassicismo era mais racional, o Romantismo se opôs, sendo extremamente emocional. No Brasil a literatura ganhou ainda mais força e o romantismo foi dividido em três gerações: a indianista, o mal do século e a condoreira. Na geração indianista, os traços nacionalistas e de exaltação à natureza eram muito fortes, como se observa em “Juca Pirama” e “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias. O mal do século foi marcado pelas características sombrias de suas obras, que revelavam as desilusões amorosas, a natureza mórbida, o tédio, a depressão, os abusos de drogas e até a ausência da alegria de viver. Como principais escritores, temos Casimiro de Abreu com a obra “Meus oito anos” e Álvares de Azevedo com “Noite na Taverna”. Por fim, a geração condoreira trazia de forma literária as representações sobre o que acontecia a respeito da abolição da escravatura, a proclamação da república, a luta pela liberdade e a constante evolução do ser humano. Castro Alves, o nome mais importante desta geração, ficou conhecido como o Poeta dos Escravos e a sua obra mais importante foi “O Navio Negreiro”. Como já afirmado anteriormente, a arte é uma evolução constante. Uma luta. Sempre há um novo movimento para criar oposição ao anterior. Não diferente, o Realismo surgiu como uma oposição ao Romantismo, mas, mesmo assim, o brilhante e mais importante escritor da literatura brasileira, Machado de Assis, ficou conhecido por perambular entre ambas as escolas. Como o próprio nome já diz, esta escola tinha como objetivo retratar a realidade do mundo, principalmente seus problemas sociais. Uma das principais obras fora do Brasil é a escultura “O Pensador”, de Auguste Rodin. Na literatura brasileira podemos ressaltar “O Ateneu” de Raul Pompeia. 23 Figura 5 – “O pensador”, de Auguste Rodin Fonte: Foto de Juan Luis, no site Flickr O impressionismo, por sua vez, é o movimento artístico que levou, definitivamente, a arte para o século XX. Surgindo durante a Belle Époque, principal obra e que deu o nome da escola é “Impressão, nascer do sol”, de Monet. Também temos Renoir, com “As duas irmãs”. 24 Figura 6 – “Impressão, nascer do sol”, de Claude Monet Fonte: Site do museu Marmottan Monet Com o advento da segunda revolução industrial novas tecnologias surgiram, criando novas possibilidades artísticas por conta dos avanços de materiais e, consequentemente, técnicas. Logo em seguida temos o surgimento do cinema, da fotografia e a difusão de diversos estilos musicais. Para fins de estudo desta monografia, os períodos descritos acima bastam para uma compreensão da evolução artística através da humanidade. O século XX contribuiu muito para a arte e não seria possível descrever todos os acontecimentos em poucas linhas. Para isso, podemos compreender a evolução artística conforme a afirmação de Gombrich (1999): "Alguma forma de arte existe em todas as partes do globo (...) não há uma tradição direta que ligue esses estranhos começos aos nossos próprios dias, mas existe uma tradição direta, transmitida de mestre a discípulo, e de discípulo a admirador ou copista. que liga a arte do nosso tempo, qualquer casa ou qualquer cartaz, à arte do vale do Nilo de cerca de cinco mil anos atrás" (GOMBRICH, 1999) A arte é uma forma de guardar as memórias da humanidade, seja em forma de versos ou um conjunto de pinceladas nas telas de algodão. Além de um registro histórico, é um registro da beleza. Porém, devemos lembrar que, como dito por Gombrich (1999), nem sempre a beleza de um quadro está em seu significado. Por ser uma irrealidade, uma obra pode ter uma história própria, dependendo apenas da mente de seu autor. 25 Gombrich (1999) nos lembra que as obras são objetos feitos por seres humanos para seres humanos. Apesar da distorção que enfrentamos nos dias atuais, o propósito da arte não é o lucro, mas sim a expressão. 3.2 CAPITALISMO ARTISTA Mesmo com o que foi estabelecido no final do capítulo anterior, na sociedade do hiperconsumo, a pós-modernidade faz com que os artistas precifiquemsuas obras, para garantir o mínimo de sustento e sobrevivência econômica. Mesmo que Bourdieu (2004) nos apresente as diferentes classificações artísticas para as diversas classes sociais, o valor de uma obra não justifica a sua importância dentro da pirâmide cultural proposta pelo autor. A exemplo podemos pegar os cartões postais feitos a mão por Jean-Michel Basquiat e os grafites transformados em telas por Banksy, uma vez que ambos os estilos artísticos são considerados como arte popular, “do povo”, mas são vendidos a milhões de dólares nas casas de leilões mais famosas do mundo. Figura 7 – Diversos cartões postais de Jean-Michel Basquiat Fonte: Artsy Lipovetsky (2015) divide a estetização do mundo em quatro grandes eras: a artealização ritual, a estetização aristocrática, a moderna estetização do mundo e a era transestética. A primeira era é considerada pelo autor a maio de todas. O processo artístico era baseado em cultos e rituais, uma vez que se acreditava que as 26 obras de arte eram admiradas pela sua beleza, mas seu impacto religioso na sociedade: boas colheitas, vitória na guerra e curar doenças, por exemplo. Saindo da bolha religiosa, a arte ganha uma importância de agradar a nobreza, uma vez que era o público mais instruído. As decorações em abundancia dos castelos, igrejas e palácios, os arranjos feitos em jardins e as obras arquitetônicas exuberantes são algumas características desta era. Na terceira grande era encontramos o nascimento da autonomia do artista, uma vez que este começa a perder o vínculo com as religiões, os nobres e a burguesia para então criar obras com seus valores e princípios, como afirma Lipovetsky (2015), “uma liberdade criadora”. Na era atual, da transestética, Lipovetsky (2015, p. 20) afirma que “o capitalismo artista multiplica os estilos, as tendências, os espetáculos, os locais da arte; lança continuamente novas modas em todos os setores e cria em grande escala o sonho, o imaginário, as emoções”. Coincidentemente com a origem da publicidade, a estetização do mundo ganha força no século XX. 27 4 CRIAÇÃO PUBLICITÁRIA O presente capítulo apresenta a origem da publicidade e, respectivamente, a importância da criatividade para a criação. 4.1 DEFINIÇÃO E ORIGEM Por volta de 1440, Johannes Gutenberg desenvolve uma máquina capaz de produzir em massa e de forma econômica milhares de livros. A prensa de Gutenberg acaba por levar a difusão comunicacional a um novo patamar. Figura 8 – Réplica da prensa de Gutenberg, no Museu da Tipografia Fonte: Museu da Tipografia Durante a revolução industrial, o consumo deixou de ser de sobrevivência, uma vez que muitas variedades de artigos começaram a ser produzidas. O argumento de venda dos comerciantes não era mais baseado na necessidade, mas sim na usabilidade, qualidade e preço. A exemplo podemos imaginar uma bota de couro. Anterior à revolução industrial, as regiões de uma cidade não precisavam de diversos sapateiros, uma vez que o objetivo de ter uma bota era apenas o conforto e a proteção para o dia-a-dia e o valor era muito alto. Com o desenvolvimento industrial, outras marcas de botas produzidas em massa começaram a ser produzidas e os argumentos de venda se modificaram. A concorrência entre os diversos comerciantes de botas faz com que estes comecem a imprimir (com a mesma prensa desenvolvida duzentos anos antes) cartazes com as características, o preço e onde encontrar a bota. As ruas começam a se encher de anúncios. Os jornais 28 também se aproveitaram e, para aumentar os lucros, começaram a vender espaços publicitários aos empresários. Sant’anna (2015) afirma que os principais criativos destas épocas eram os artistas, jornalistas, intelectuais e até mesmo advogados, uma vez que não existia o ser publicitário. É verdade que os primórdios da publicidade são envoltos de arte, a exemplo dos cartazes do Moulin Rouge, em Paris, feitos por Henri de Toulouse-Lautrec. As organizações modernas das agências foram surgir apenas no século XX, quando John Walter Thompson modifica as estruturas de sua agência homônima para as separações por criação com duplas de redatores e atendimento, por exemplo. Figura 9 – Cartaz do Moulin Rouge, por Henri de Toulouse-Lautrec Fonte: Moma 29 4.2 CRIATIVIDADE NA PUBLICIDADE A criatividade em Publicidade e Propaganda é essencial para a identificação de problemas e a geração de soluções para o cliente. Dentro dos processos de uma agência temos a etapa de criação, que para Sampaio (2013) é “a fase da geração das ideias, dos temas, dos slogans, das expressões, dos textos, das ilustrações, dos anúncios, dos filmes, dos sons e de todas as muitas formas de comunicação a serem combinadas e empregadas na transmissão das melhores mensagens publicitárias para cada caso apresentado pelo cliente”. A criação publicitária é o momento de exposição das ideias, onde o pensamento criativo se envolve com o mercadológico para apresentar propostas definitivas e visuais para o cliente. Barreto (1978) ao falar de criação publicitária, cita que, quando tratamos de criatividade em Propaganda, devemos ignorar as teorias e usar o pensamento livre. Dentro deste processo, para Barreto (1978) a “inspiração de forma alguma pode ser considerada pertinente como condição aos processos de criação”, uma vez que, diferente do artista, o publicitário não tem tempo para esperar a inspiração. A criação acontece sob demandas que se acumulam dentro das agências. Não há folgas para o processo criativo. “Praticamente nunca ninguém fez um anúncio por inspiração (...) toda coletânea de anúncios dos anuários internacionais de propaganda, por mais geniais que sejam, foram feitos por encomenda, sem dúvida sob premência de tempo e de outras exigências incontornáveis: objetivos de marketing, veículos, verba, concorrência, o diabo.” (BARRETO, 1978, p. 48) Por agir sob demanda, o publicitário trabalha em constante pressão, uma vez que se faz necessária a entrega para o cliente dentro do prazo estabelecido. Barreto (1978) ainda retoma que a criação publicitária é extremamente mais primitiva do que qualquer grande expressão artística. Não há inspiração, há demanda. Sant’Anna (2015, p. 142) retoma que “a concorrência, cada vez mais difícil e crescente, obriga a uma incessante busca do novo, que se desgasta e 30 se renova em um ciclo de mudanças rápidas e em um clima agitado e excitante”. A incessante busca do novo acaba por esgotar não apenas os profissionais, mas o mercado como um todo. Assim como no processo do capitalismo artista, exposto por Lipovetsky no capítulo anterior, atualmente vivemos um processo de industrialização da criação publicitária. Os mesmos conceitos utilizados para o desenvolvimento de campanhas sobre universidades, é repetido para companhias aéreas, por exemplo. Porém, conforme afirma Sant’Anna (2015), não podemos esquecer que por mais técnica e engessada que seja a comunicação, ela sempre traz uma carga de emotividade. Para Wunenburger (2007, p. 31), “o duplo aparecimento das palavras e das imagens visuais constitui, portanto, uma técnica frequente nas atividades simbólicas, artísticas e, hoje, publicitárias”. O simbolismo do imaginário aparece em meio a publicidade, justificando a carga emotiva que acompanha esta. Conforme Sant’Anna (2015), o inconsciente é como uma grande caixa de repertórios das experiencias passadas que não surgem no estado consciente,mas influenciam-no com frequência. A incansável busca de referências por publicitários faz com que o imaginário trabalhe em seu favor. 31 5 DA ENTREVISTA À MITOCRÍTICA O presente trabalho possui uma metodologia hibrida, onde foi feita uma entrevista com quatro pessoas e utilizando da mitocritica, uma metodologia arquetipológica proposta por Durand (1996), para analisar as respostas. 5.1 A FORMULAÇÃO DA ENTREVISTA Para trazer experiências e casos reais para o presente trabalho, proponho a realização de entrevistas com artistas e criativos de publicidade para compreender seus processos criativos e então realizar uma análise, pois para Duarte (2011, p. 62) a entrevista em profundidade é um recurso metodológico que busca, com base em teorias e pressupostos definidos pelo investigador, recolher respostas a partir da experiência subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseja conhecer Além disso o uso de entrevistas permite identificar as diferentes maneiras de perceber e descrever os fenômenos (DUARTE, 2011, p. 63), ou seja, podemos compreender com maior facilidade as vivencias de cada um dos profissionais entrevistados. Para compreender ainda melhor o imaginário envolvido no processo criativo dos questionados a entrevista em profundidade é ideal pois é uma técnica dinâmica e flexível, útil para apreensão de uma realidade tanto para tratar de questões relacionadas ao íntimo do entrevistado, como para descrição de processos complexos nos quais está́ ou esteve envolvido (DUARTE, 2011, p. 64). A primeira parte da entrevista funciona como um aquecimento, pois segundo Duarte (2011, p. 72), devemos deixar o entrevistado à vontade de responder as perguntas. Para isso, foram determinadas as seguintes questões: A) Qual o seu nome? B) Onde você nasceu? C) Quantos anos você tem? 32 D) Quais as suas formações? Após o aquecimento, podemos começar a entrar nas perguntas que determinam o presente trabalho, são elas: E) Quem é o “Fulano” na profissão? Suas experiências, áreas, etc. Este questionamento funciona como uma forma de visualizar a posição do entrevistado perante a sua profissão, ou seja, como ele é como profissional, qual a bagagem que carrega e como ele se identifica. F) Olhando para a big picture, o que você entende por “criação”? A partir desta pergunta, começamos a entender como funciona o processo de criação do entrevistado. Aqui obtemos a resposta do significado de criação no macroambiente e como o entrevistado entende isso. G) Como funciona o seu processo criativo? Esta pergunta nos ajuda a entender as particularidades do processo criativo de cada entrevistado. H) O que te inspira a criar? Como a inspiração é algo introspectivo, essa pergunta ajuda a entender como a criação está envolvida com a falta ou não de inspiração, de acordo com a área de atuação do entrevistado. I) Você tem referências? Se sim, quais as mais presentes e como pesquisa por novas. As referências são uma boa forma de compreender de onde o entrevistado busca suas bases criativas e filosóficas para o desenvolvimento de suas peças. 33 J) Você já passou por algum momento na vida que te fez mudar a forma como cria ou entende sua profissão? Algumas experiências ao longo da vida acabam por contribuir para a construção do ser no consciente, mas também, principalmente, no inconsciente. K) A sua vida pessoal interfere na vida profissional? Essa pergunta apresenta uma proposta de extrair uma batalha da vida dos entrevistados, a batalha de suas obras com o lado pessoal. L) Você já teve alguma ideia que, por algum motivo, não conseguiu realizar? Se sim, porque? Como aconteceu? Para identificar os obstáculos enfrentados pelos entrevistados e como enfrentaram tais situações. M) Você já passou por qualquer limitação o no processo criativo? Algo do contexto interferiu no teu processo? Assim como a questão interior, mas olhando para o processo criativo do entrevistado. No final, existem as perguntas de fechamento, que servem para desacelerar os entrevistados e questiona-los sobre um macro cenário. N) O que você espera do futuro da arte e publicidade? O) Há algum recado que você gostaria de dar? 34 5.2 MITOCRÍTICA NAS RESPOSTAS DOS ENTREVISTADOS A mitocrítica é uma técnica de análise antropológica proposta por Gilbert Durand, em sua obra intitulada “As estruturas antropológicas do Imaginário”. A interpretação de Wunenburger (2007) a respeito da mitocrítica, é que esta auxilia a busca de mitemas característicos nas obras, quantificando-as, buscando cenários e temas semelhantes. Além disso, ajuda a identificar a estrutura responsável por influenciar a criação de um autor. No caso da presente monografia, este método foi utilizado nas respostas dos entrevistados, a fim de buscar as estruturas que regem o imaginário de um artista e de um publicitário. Durand (1989) propôs uma tabela de regimes do imaginário, separando- os em diurno e noturno. Dentro do regime diurno, podemos encontrar a estrutura heroica, que é caracterizada por uma polêmica antítese do ser, a diferença entre a luz e as trevas, o fogo e a água, o bem e o mal. É uma dominante postural e muito associada a verbos de distinção. No regime noturno, as estruturas são divididas em duas: as dramáticas e as místicas. As dramáticas são marcantes pela narrativa, pela evolução cíclica ou total e pela dialética dos antagonistas, com dominantes copulativos e verbos que associam a ligação, ao amadurecimento e ao recesso. A estrutura mística, como o próprio nome já diz, trata do realismo, do íntimo, de esquemas verbais como a confusão, a posse e a penetração. Normalmente associada a coisas escondidas, desejos profundos, segredos íntimos, etc. Dentro das entrevistas foram sublinhadas com diferentes cores as palavras que se encaixavam dentro de cada uma das estruturas. A caneta azul para as heroicas, a caneta verde para as dramáticas e caneta vermelha para as místicas. A análise iniciou-se pelos verbos, depois foi para os substantivos, adjetivos e, por fim, advérbios. Com esta técnica, as entrevistas ganharam cores, mostrando a qual imaginário cada entrevistado pertence. 35 Tabela 1 – Classificação Isotópica das Imagens REGIMES OU POLARIDADES DIURNO NOTURNO Estruturas Esquizomorfas (ou heroicas) 1 Idealização e recuo autístico. 2 Diairetismo (Spaltung). 3 Geometrismo, simetria, gigantismo. 4 Antítese polêmica. SINTÉTICAS (ou dramáticas) 1 Coincidência <oppositorum> e sistematização. 2 Dialética dos antagonistas, dramatização. 3 Historização. 4 Progressismo parcial (ciclo) ou total. MÍSTICAS (ou antifrásicas) 1 Redobramento e perseveração. 2 Viscosidade, adesividade antifrásica. 3 Realismo sensorial. 4 Miniaturização (Gulliver). Princípios de explicação e de justificação ou lógicos Representação objetivamente heterogeneizante (antítese) e subjetivamente homogeneizante (autismo). Os princípios de EXCLUSÃO, de CONTRADIÇÃO, de IDENTIDADE funcionam plenamente. Representação diacrônica que liga as contradições pelo fator tempo. O princípio da CAUSALIDADE sob todas as suas formas (espec. FINAL e EFICIENTE), funciona plenamente. Representação objetivamente homogeneizante (perseveração) e subjetivamenteheterogeneizante (esforço antifrásico). Os princípios de ANALOGIA, de SIMILITUDE funcionam plenamente. Reflexos Dominantes Dominante POSTURAL com os seus derivados manuais e o adjuvante das sensações à distância (vista, audiofonação) Dominante COPULATIVA com os seus derivados motores rítmicos e os seus adjuvantes sensoriais (quinésicos, músico- rítmicos, etc) Dominante DIGESTIVA com os seus adjuvantes cenestésicos, térmicos e os seus derivados tácteis, olfativos, gustativos. Esquemas (verbais) DISTINGUIR LIGAR CONFUNDIR Separar ≠ Misturar Subir ≠ Cair Amadurecer Progredir Voltar Recensear Descer, Possuir, Penetrar Arquétipos (atributos) Puro ≠ Manchado Claro ≠ Escuro Alto ≠ Baixo Para a frente, Futuro Para trás, Passado Profundo, Calmo, Quente, Íntimo, Escondido Situação das categorias do jogo de Tarot O Gládio O Cetro O Pau O Denário A Taça Arquétipos (substantivos) A luz ≠ as trevas, o ar ≠ o miasma, a arma heroica ≠ a atadura, o batismo ≠ a mancha O cume ≠ o abismo, o céu ≠ o inferno, o chefe ≠ o inferior, o herói ≠ o monstro, o anjo ≠ o animal, a asa ≠ réptil O fogo-chama O filho A árvore O germe A roda, a cruz, a lua, o andrógino, o deus plural O microcosmos, a criança, o polegar, o animal gigogne, a cor, a noite, a mãe, o recipiente A morada, o centro, a flor, a mulher, o alimento, a substância Dos símbolos ao sintemas O sol, o azul celeste, o olho do pai, as runas, o mantra, as armas, a vedação, a circuncisão, a tonsura, etc. A escada de mão, a escada, o bétilo, o campanário, o zigurate, a águia, a calhandra, a pomba, júpiter, etc. O calendário, a aritmologia, a tríade, a tétrade, a astrobiologia O ventre, engolidores e engolidos, kobolds, dáctilos, Osíris, as tintas, as pedras preciosas, melusina, o véu, o manto, a taça, o caldeirão, etc. O túmulo, o berço, a crisálida, a ilha, a caverna, o mandala, a barca, o saco, o ovo, o leite, o mel, o vinho, o ouro, etc. A iniciação, o “duas-vezes nascido”, a orgia, o messias, a pedra filosofal, a música, etc. O sacrifício, o dragão, a espiral, o caracol, o urso, o cordeiro, a lebre, a roda de fiar, o isqueiro, o baratte, etc. 36 Fonte: DURAND, 1989. 5.3 APRESENTAÇÃO DAS ENTREVISTAS No presente subcapítulo, serão apresentadas as entrevistas pela visão do autor. 5.3.1 Entrevistado 1 O primeiro entrevistado, Eduardo Motta, tem sessenta anos e nasceu no estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil. Com formação acadêmica em Artes Visuais, trabalha com criação associado à moda há muito tempo. Profissionalmente se considera um diretor criativo, consultor de moda e design. Como um coringa criativo, possui habilidades diversificadas e casualmente acaba por desenhar produtos, dirigir desfiles e eventos e orientar campanhas publicitárias. Sem fugir muito de sua formação acadêmica, realiza alguns trabalhos artísticos, mas sem vínculos com o mercado. Por conta de sua experiencia e conhecimento chegou ao ensino, dando também consultorias para instituições educacionais. Oficialmente é autor de quatro livros, sendo um de crônicas e o outro com recortes da cultura popular e moda. O quinto acabou de sair do forno, sendo o primeiro livro de ficção de seu repertório como escritor. Atuar em diversas áreas acaba por deixar o artista à vontade. Entende que para o mercado a palavra criação foi adaptada para um entendimento de “busca por formas e soluções que otimizem a comunicação, os processos produtivos, a funcionalidade das coisas e os avanços tecnológicos”, isto é, o avanço e o progresso através do criar. Acredita que a criação, mercadologicamente falando, é tratada como uma variedade de métodos que possa ser descrito e reproduzido. Acredita que a criação desvinculada de um propósito é uma característica própria da arte, uma vez que é permeável ao erro, ao acaso e à intuição, ou como Eduardo cita Catherine Malabou: um acidente. Por trabalhar em dois campos, da arte e do mercado, acaba por conhecer ambas as abordagens da criação, bem como seus limites e possibilidades. O processo criativo para Eduardo é um processo constante de desenvolvimento, uma vez que um projeto alimenta o outro. Cita que está desenhando uma instalação que será executada na cidade de Londres, na 37 Inglaterra, para apresentar o trabalho de um designer de roupas. Precisou entrar em contato com os fornecedores de manequins do país e escolhendo quem conseguirá ajudar a criar um ambiente agradável para a roupa dentro da cena da instalação, ou seja, um processo criativo direcionado por uma finalidade específica. Além de atingir o objetivo neste projeto, o contato com os fornecedores o impactou de outra maneira, fazendo com que as imagens que as empresas enviavam fossem utilizadas para uma série de trabalhos onde não existe uma aplicação determinada. Simplesmente o processo criativo de Eduardo funciona, às vezes sob demanda, às vezes por interações inesperadas. A inspiração criativa vem com diferentes ações do cotidiano do artista, formas de sentir, formas de pensar, etc. Afirma que este processo de inspiração funciona para a criação com demanda ou para a criação abstrata, artística. O silêncio e a solidão favorecem os mergulhos no seu interior e muita coisa vem daí. Afirma também que está aprendendo a explorar os vazios aparentes de sua imaginação. Acredita que a construção de referências começa muito cedo. Atribui a cultura de onde nasceu, como a culinária e o barroco do seu estado natal, como um exemplo dessa composição. Cita também o seu período de formação e a influencia do escultor Amílcar de Castro, de quem foi aluno. Relembra que aprendeu a gostar da precisão artística e a respeitar as particularidades dos materiais, a dividir o espaço e usar o contraste e cor. Cita ainda o pintor, escultor e poeta francês Marcel Duchamp e o camaleão musical, cantor e compositor David Bowie, como fonte saudável da desconfiança a respeito de tudo que é anunciado como verdade. Afirma que o cinema e a literatura sempre colaboram muito para as referências, mas que se precisasse definir um método para pesquisar o novo, além da internet, apontaria a viagem. Se espanta com o que uma viagem proporciona ao ser humano, pois, como conclui “todo deslocamento ensina, e ensina de maneira consistente”. Ao ser questionado sobre momentos da vida que o fizeram mudar a forma como cria, poupou palavras. Apenas afirmou que incontáveis vezes e que estes momentos continuam a acontecer. Acredita que com a mudança do mundo ao seu redor, também mudam as ferramentas e o mapa mental para enfrentar ele. 38 Acredita que a sua vida pessoal interfere na vida profissional, principalmente no que diz respeito a processos e referências, pois considera como uma condição em que não há portas fechadas entre uma e outra. Não há uma separação. Não se apega ao insucesso. Quando não consegue realizar uma ideia, simplesmente inicia a próxima. Parte para outra. Não demonstra apego a projetos que não vão adiante, principalmente pelas características mercadológicas que o moldaram. Quando projetos sob demanda não andam na direção certa, acredita que não se está no caminho certo e não interpretou corretamente a demanda. Afirma também que não foge muito quando é um projeto pessoal. Luta para que seja possível a realização, mas se os sinais de inviabilidade aparecem, reformula. Não é uma desistência, é uma reinvenção para retomar o controle do processo criativo,pois este precisa ser consumado e não uma fonte de frustrações. Acredita que limitações no processo criativo sempre existem. Cita como exemplo a figura do cliente, que chega com diversas expectativas, valores e diretrizes. Afirma que se pode olhar para este cenário com dois olhos: enxergar as condições como limites ou como uma oportunidade de jogar um jogo, encontrar um tom, uma interpretação para ir além delas. Para o futuro da arte e publicidade, afirma que boa e má publicidade sempre existiu. Afirma que nos dias atuais uma parte considerável do que é produzido, oferece o mesmo sentimento que as Fake News, só não as afirma como inócuas, pois, além de considerar um entulho nas vias de comunicação e nas agências, ela pode causar mais danos do que passar em branco. Apesar disso, afirma que existem outras frentes, que buscam constantemente por autenticidade e transparência, o que lhe parece muito saudável. Espera que a publicidade encontre formas de sair de algumas armadilhas que se meteu, espera que no futuro se torne mais direcionada e resgate uma noção ética que a comprometa com o público que está falando. Considera não ser uma utopia, mas a única saída quando se quer ser percebido quando ninguém mais acredita no que ouve, vê ou lê. Sobre o futuro da arte, é breve. Afirma deixar com ela mesma, personificando a arte e considerando-a como “um planeta com órbita não descrita”, que produz choques memoráveis, mas não perde massa e muito menos vitalidade, pelo contrário, cria-os. 39 Como recado final e de encerramento da entrevista, pede menos regras e mais experimentação. Afirma que a política de resultados imediatos tornou a criação algo medíocre e distante da sua potência original. A pressa e o conservadorismo nunca foram boas opções para áreas criativas. 5.3.2 Entrevistado 2 O segundo entrevistado, Francisco Bittencourt, o Chico, é natural de Porto Alegre. Tem trinta e seis anos e é técnico em Publicidade e Propaganda. Quando se imagina como profissional, expõe que já trabalhou desenhando e pintando telas para eventos, como festas de aniversários. Gostava bastante do trabalho que apesar de ser bastante visual, não considerava propaganda. Dentro do mercado publicitário, que entrou em 2001, começou como assistente de eletricista em uma produtora audiovisual. Em 2003 tomou a iniciativa de abrir a própria agência com outros 4 sócios, que acabou fechando em 2004. Afirma que 10 anos atrás era bem mais complicado que hoje em dia ter uma agência e demonstra respeito por quem começou nessa época. Com assinatura de diretor de arte em trabalhos audivisuais prestou serviços para o banco Bradesco e a fabricante de carros Chevrolet, para inflar o site das marcas. Também fez um curta metragem experimental denominado “O Cisne – 2010” e lembra que sempre trabalhou desenhando ou ajudando a construir a composição visual das coisas, sem importar o meio. Em um macroambiente, entende que criação, além de tornar ideias reais, tirando as do papel, é um meio de instigar uma conversa. Seja com o intuito de venda ou cumprindo uma função não relacionada à venda, como ocorre em muitos projetos de design, ou com a criação artística, onde através do objeto criado, possa surgir uma sensação ou uma conversa a respeito. O processo criativo de Chico depende de alguns fatores, mas quando se trata de Propaganda, procura por dar um sentido visual ao discurso da marca, para atender os objetivos propostos. No caso da venda de um produto para uma família, por exemplo, afirma abordar o retorno emocional que o determinado produto pode gerar, ou que será proposto pela criação, com a ficção que ocorre em comerciais com a família perfeita nas peças sobre margarina no café da manhã. Acredita que quando se trata de um produto de 40 design, valoriza-se o produto em si e o retorno emocional em segundo plano. Quando a criação está fora do papel de Publicidade, considera diferente. Começa a fazer colagens, misturar referências e experimentando sem preocupação de chegar em um resultado pré-estabelecido, pois não há demanda. Quando a criação é algo pessoal, considera que se pode ir mais além, pensar fora da caixa. Encerra afirmando que “os frutos disso sempre são bem-vindos”. A respeito da inspiração para criação, Chico poupa palavras. Considera que o desafio de atender as expectativas do cliente e de surpreender quem vai receber seu trabalho são fontes de inspiração. Afirma que nem sempre consegue, mas o desafio de fazer algo diferente e que de alguma forme o projete para frente, é inspirador. Brinca ao afirmar que o inspirador também é pagar as contas no final do mês. Sobre referências cita alguns nomes, como o diretor de arte Adhemas Batista, o romancista Will Muray, o designer Stefan Segmeister, os cineastas e irmãos Cohen e o grupo musical Daft Punk. Também cita suas experiências passadas e o que guarda delas e aconselha: “viaje, viaje muito”. Ao relatar de momentos na vida que o fizeram mudar a forma como cria, afirma ter certeza e acredita que isso atinja a todos em algum momento, mas que esse tipo de transformação não passou por um marco específico. Aconteceu enquanto se deparava com problemas do mercado, que no começo da profissão achava que eram fáceis de resolver ou que nem existiriam. Foi um processo de amadurecimento profissional. É extremamente breve quando toca na vida pessoal, afirmando que acredita sim que esta interfira na vida profissional, ainda mais no seu caso em que mora com uma diretora de arte. Acredita que existe uma troca de referências e angustias. Ao citar ideias que não conseguiu realizar, lembra de limitações tecnológicas. Queria fazer um projeto em flash dentro de uma página do cliente que na época gastaria muito tempo do usuário para carregar, impossibilitando a criação da ideia. Ao expor suas limitações no processo criativo, retoma o exemplo anterior e relembra trabalhar há 12 anos com digital, expondo que a limitação tecnológica realmente é um problema na área. 41 Sobre o futuro da arte e publicidade, acredita que a arte vai continuar cumprindo com o papel de liberdade de ideias e expressões e a propaganda o preocupa, pois vem sendo muito repetitiva. Acredita que estamos passando por um grande limitador, onde a maioria das pessoas acaba tendo as mesmas referências, por utilizar os mesmos meios, assim como exposto por Lipovetsky no capítulo sobre capitalismo artista desta monografia. Acredita que o poder da criatividade publicitária vai retornar quando se conseguir nutrir as ideias, tanto digitais quando offlines, com ideias que não estão nas redes, ou seja, com uma vivencia que apenas o dia a dia vai trazer. Afirma não ter problemas ou preconceitos contra a busca de referências nos ambientes online, para ele isto não é um problema. Afirma que trazer novas experiencias de fora da rede fortalecem o potencial criativo. Acredita ser natural “a patinada” que o mercado está passando, por conta da adaptação dos meios e do próprio modelo de agencia tradicional tentando se reinventar. Como recado, reafirma que “viajar é a melhor forma de adquirir referências” e encerra a entrevista com uma frase de um meme ícone da internet brasileira, o ET Bilu: “busque conhecimento”. 5.4 METÁFORAS OBSESSIVAS DOS ENTREVISTADOS O presente subcapítulo estabelece uma relação entre as respostas dos entrevistados e os regimes propostos por Durand em sua classificação isotópica das imagens. 5.4.1 Eduardo Motta, o artista Para isto, podemos começar com os verbos com reflexos dominantes posturais, utilizados para distinção. São comuns açõesrepresentando um estado do ser, exemplificando a idealização da estrutura heroica. A conjugação pouco importa para o resultado da presente análise, uma vez que o importante é a característica e a representação do verbo dentro do contexto. Com o entrevistado artista, Eduardo Motta, logo na primeira questão de aprofundamento, que trata sobre as experiências profissionais encontramos ações que representam uma posição de influencia hierárquica. 42 O uso de verbos como dirigir (de direção artística), realizar (de colocar em prática), dar (de oferecer), ter (de possuir), ser (de requerimento e existência), provocam a idealização, mostrando uma aplicação da dominante postural. São estados da existência do entrevistado, que atribuem o seu eu a um tempo e lugar em sua narrativa. Ao longo de sua entrevista é possível compreender a experiência que a vida lhe atribui, uma vez que o entrevistado tem maior conhecimento e bagagem. O regime diurno aparece com frequência, mas não é o destaque da análise. Como justificativa para a antítese polêmica, uma característica importante desta polaridade, encontra-se o uso da palavra “assombro”, que, segundo Durand (1989) é um arquétipo que participa da contradição, da eterna luta heroica presente nos mitos. O bem e o mal, a luz e as trevas, o ar e o miasma. As palavras “popular”, “vontade”, “campanha” e “estratégico”, também podem ser visualizadas na primeira questão. Popular é uma palavra que remete ao herói, uma vez que podemos correlacionar a popularidade e as graças do povo que os heróis recebem após seus feitos. A vontade é muito alinhada com propósito e não se encontra heróis sem um propósito. A campanha é uma palavra com origem militar, remetendo a um conjunto de ações que resultam na vitória e todas as campanhas tem um cunho estratégico. O aparecimento de tais símbolos não é por acaso, uma vez que o caráter heroico e desbravador é muito comum aos profissionais que estão diretamente ligados ao mercado de criatividade. Aprofundando a entrevista, quando questionado sobre seus entendimentos de criação e o funcionamento do seu processo criativo, o regime noturno se sobrepõe. Dentro da estrutura dramática, podemos encontrar as características de coincidência, dramatização, progressismo e até a dialética dos antagonistas. Vale ressaltar que o drama é erroneamente associado a uma característica negativa do ser, sendo que, na verdade, é uma encenação, uma experiência contada, com esquemas de ligação. A dominante copulativa é a mais importante desta estrutura. Ainda dentro deste regime, encontra-se a estrutura mística, que vai acabar por apresentar o realismo sensorial e a perseveração. O reflexo dominante é a 43 digestiva e podemos encontrar verbos que relacionam com algo íntimo e profundo, que relativizam a posse. O uso de palavras como “busca”, “formas”, “conjunto”, “intuição” e a colocação de “permeável ao erro” exaltam as características místicas do entrevistado, permitindo o aparecimento da imagem do sábio em diversos momentos da entrevista. Quando questionado sobre o processo criativo, comenta que funciona “Como uma espécie de moto contínuo, com os processos envolvidos em um projeto alimentando outros”. Alimentando é um verbo tipicamente antifrásico, pois quando transformado me substantivo remete a simbologia da taça e a concepção de nutrição, a essência. A inspiração e as referências funcionam como uma exploração continua, onde as experiencias adquiridas acabam, pelas palavras do próprio entrevistado, se sedimentando na construção do seu eu. Um acumulo simbólico de imagens no inconsciente influenciando as referencias que serão expostas ao consciente. Uma batalha de quem acumula mais contos, para então, criar. Sobre os momentos de sua vida que o fizeram mudar a forma como cria, foi breve e misterioso. Com apenas algumas palavras expõe que isso continua acontecendo, como quem mantem a causalidade de um progressismo constante para os moldes de seu imaginário. É possível compreender que a característica heroica de Edu se dá pelo seu caráter um tanto quanto publicitário, das vivências com o mercado. Como citado no referencial, Lipovetsky (2015) nos retoma o capitalismo artista, que, à interpretação do autor da presente monografia, é uma forma de sobrevivência em um mundo que precifica tudo. Assim como David Bowie, uma de suas referências artísticas, Edu é um camaleão, só que artístico, pois consegue moldar suas inspirações e preceitos para as ações do hoje e do mercado. 5.4.2 Francisco Bittencourt, o publicitário Chico é a personificação do herói. Uma constante batalha do frequente trabalho com o cumprimento de suas funções. O que mais aparece em sua entrevista são as características do regime diurno. Sua dominante postural é 44 presente em todas as respostas, apresentando os princípios lógicos de identidade. Publicitário nato e exposto na presente entrevista. Na primeira questão de aprofundamento, sobre sua profissão, já demonstra seu trabalho e respeito com o próximo. Relata diversas vezes que trabalhou, construiu, dirigiu ou fez algum trabalho. Exemplos de verbos de ações que remetem a heróis, que sempre estão à frente de um objetivo. A vida sob demandas é presente na vida de Chico e podemos interpretar a constante luta de suas criações contra os clientes e os prazos. Quando questionado sobre o significado de criação, retoma verbos característicos do herói, como cumprir, instigar e ser. Novamente o respeito aparece, mesmo que no final da resposta. Como qualquer processo criativo, algumas palavras acabam por entrar no regime noturno, uma vez que, como estudado no referencial do presente trabalho, a criação é uma atividade inconsciente, que utiliza da imaginação para sua execução. Em suas referências é constante a cultura pop e ídolos da criação publicitária e design gráfico, entretanto, a brevidade de suas palavras retoma uma parcela de atitudes heroicas, como o ato de aconselhar. A inspiração para criar é constante com o seu sentimento de pertencimento e importância. Entende que possui uma missão e precisa cumpri-la, como, pelas palavras do entrevistado, “atender o desejo do cliente e surpreender quem vai receber o meu trabalho”. Ao falar de momentos da vida que mudaram sua forma como cria, cita que na verdade não houve um marco, mas sim uma constante de acontecimentos, onde acabou amadurecendo. Das ideias que o travaram de seguir em frente, apresenta, como qualquer herói, as pedras que encontrou no caminho. Cita limitações tecnológicas para a execução de seu trabalho que, infelizmente, o impossibilitaram de seguir em frente com determinados projetos. As características místicas não aparecem com frequência na entrevista de Chico, uma vez que seu caráter heroico persiste em mais de oitenta porcento de suas falas. A execução de tarefas já é algo natural em seu cotidiano, uma vez que sua criação e processo criativos são orientados por demandas, que é explicado por BARRETO (1978), sobre como a inspiração publicitária e o processo criativo surgem com o intuito de resolver um problema. 45 5.5 CORRELAÇÃO COM MITOS ANTIGOS É possível perceber nas entrevistas o caráter heroico de ambos os entrevistados, porém há o aparecimento das estruturas dramáticas e místicas em alguns pontos da entrevista. Bachelard (1988) explora que o estudo da imaginação, antes de tudo, estudar as causalidades materiais com as causalidades formais, uma vez que as imagens poéticas também possuem uma matéria. Nas duas entrevistas encontram-se referencias poéticas para finalidadesmateriais, características de um imaginário evoluído através da criação. 5.5.1 Eduardo Édipo, o sábio herói Apesar do complexo de Édipo proposto por Sigmund Freud, este herói também tem outra história para contar, que é de grande interesse para o presente trabalho. As esfinges são criaturas mitológicas corpo de leão, cabeça de mulher e asas nas costas, conhecidas por serem desleais e cruéis. Na Grécia antiga, contava-se que a cidade de Tebas era assombrada por uma esfinge, que ao propor uma charada aos humanos, estes deveriam acertar a resposta, ou seriam devorados. “Decifra-me ou te devoro”, falava a esfinge. O enigma da esfinge era um questionamento um tanto quanto simples: “Que criatura pela manhã tem quatro pés, a tarde tem dois, e à noite tem três?”. Aqueles que respondessem erroneamente, seriam friamente devorados. Édipo, ao encontrar a esfinge, se assusta com sua presença. 46 Figura 10 – Vaso grego com a gravura de Édipo e a Esfinge Fonte: theoi Friamente, Édipo responde “Os humanos”. A interpretação que se é de que a charada é uma metáfora para o amadurecimento dos humanos. Nas manhãs de suas vidas, engatinham, quando bebês. No entardecer, caminham sobre duas pernas, completando a vida adulta. Já na velhice, na noite, precisam de uma bengala para se locomover, tendo então, três pernas. A partir de Durand (1989), identifica-se o amadurecimento como uma estrutura propriamente dramática. O enigma pode ser relacionado ao atributo de algo escondido e profundo, sendo tipicamente uma estrutura mística. Após a resposta correta de Édipo, a esfinge se suicidou, tornando-o um herói sábio, que derrotou o monstro através do conhecimento. As estruturas do regime noturno encontradas neste mito, assemelham-se ao estilo de resposta do primeiro entrevistado, pois a sua narrativa começa com um tom heroico e, nas perguntas mais profundas, adota o regime noturno, como um sábio e sua experiência. Assim como Eduardo, que apresenta as características da vitória de um herói, com o conhecimento e os processos de um sábio. A dualidade dos 47 regimes noturno e diurno dentro de seu inconsciente, fazem com que o seu lado artístico aflorado aceite as demandas presentes no mundo pós-moderno. Figura 11 – “Édipo e a Esfinge”, por Jean-Auguste-Dominique Ingres Fonte: Museu do Louvre 5.5.2 Francisco Hércules, o herói constante Hércules é um personagem da mitologia grega conhecido pela bravura, respeito e força para enfrentar seus problemas. Hércules é filho do deus grego Zeus com uma humana. Ao longo de sua vida enfrentou os obstáculos impostos pela deusa Hera, esposa de Zeus, que tinha ciúmes do bastardo. 48 Figura 12 – “Hércules e a Hidra”, de Antonio del Pollaiuolo Fonte: Web Gallery of Art Após seu último ato, Hera prega um ato insano em Hércules, fazendo com que o herói matasse sua esposa e seus filhos. Para buscar a redenção divina, precisou cumprir doze tarefas consideradas impossíveis, que são: 1. Matar o leão de Neméia Uma besta colossal, que destruía a região de Neméia. Na primeira tentativa o herói não obteve sucesso. Quando executou seu plano mais uma vez, acabou por enforcar o Leão até a morte, usando a sua pele como uma armadura durante os próximos desafios. A representação do primeiro desafio de Hércules pode ser associada com a primeira grande campanha na jornada 49 profissional de um publicitário, uma vez que após diversas tentativas o marcante trabalho é tão recompensador que normalmente os profissionais guardam um exemplar da peça para recordação. 2. Destruir a Hidra, monstro de sete cabeças que cospe fogo A Hidra é uma figura mitológica de serpente com sete cabeças que acabam por cuspir fogo em quem se aproxima. A hidra pode ser representada como uma grande corporação que coloca um caso único e complexo na vida do publicitário, onde o fogo cuspido, na verdade, é a representação de como o profissional leva estes problemas para o lado pessoal, afetando seu dia a dia mesmo fora do local de trabalho. Na história Hércules aproveita para envenenar suas flechas com o sangue da besta, claramente uma associação de como os argumentos para enfrentar um cliente moldam o profissional para futuras disputas. 3. Deter a corça de Cerínea A corça é a fêmea do veado, mas, a particularidade da história é que este animal tinha chifres de ouro e cascos de bronze. Um animal extremamente veloz. Uma metáfora pode ser criada aqui para os trabalhos que exigem agilidade. Os famigerados “pra ontem”, do mundo publicitário. Sempre que surge uma campanha destas, as recompensas podem ser grandes, mas se o profissional o abandonar, acaba por morrer. Assim como a corça precisava ser capturada viva, uma demanda com pouco prazo não pode ser deixada de lado. 4. Limpar em um só dia o estábulo do rei Augeasos O estábulo era gigantesco e acumulou estrume ao longo de vários anos. Hércules ganhou a árdua missão de limpar tudo em apenas um dia. Como em diversas ocasiões, o publicitário precisa resolver diversos problemas ao mesmo tempo, apenas com a sua capacidade técnica. Hércules limpou tudo desviando o curso de dois rios apenas com sua força. 50 5. Matar um javali selvagem gigante Mais uma prova de que a inteligência pode ser usada para passar por alguns obstáculos, o javali imenso assombrava as pessoas de Erimanto. Hércules teve a brilhante ideia de causar a fadiga do animal, para então domina-lo. Nem sempre o cumprimento de prazos sai como esperado e não, mesmo com o imenso desafio, não se pode desistir. 6. Exterminar as aves do lago Estinfale As aves devastavam as plantações dos fazendeiros e também os atacavam. Para deter as aves, Hércules usou suas flechas venenosas, banhadas com o sangue da Hidra em seu primeiro desafio. As experiencias do passado proporcionaram a Hércules uma oportunidade de vencer o presente, moldando-o. 7. Capturar um touro na ilha de Creta O touro é uma representação dos problemas que precisam ser levados com o publicitário durante algum tempo, como uma campanha que o cliente não aprova e fica retornando para alterações. Hércules precisou capturar o touro na ilha de Creta e voltar a nado para o continente, carregando o animal. 8. Capturar as éguas de Diomedes As lutas argumentativas são constantes na hora de defender as ideias do publicitário com o cliente. Assim como neste desafio em que Hércules capturou as éguas carnívoras de Diomedes e percebeu que os animais estavam com fome. Como o rei era mal e servia estrangeiros para os animais, Hércules decidiu matar o rei para servi-lo de alimento para as éguas. 51 9. Roubar o cinto de ouro da rainha Hipólita Hipólita era uma amazona, mulher guerreira de uma tribo próxima ao mar negro. Certo dia um rei mandou roubar o cinto de ouro dela. Uma metáfora para a busca de importantes referencias em outros ambientes. Um publicitário precisa buscar seus conhecimentos em diversas áreas. 10. Capturar os gados selvagens de Gerião Gerião era um gigante de três cabeças, com aparência monstruosa. Ao seu lado estava uma besta em forma de cachorro. O rei Euristeu precisava dos gados do gigante e então Hércules foi enviado para rouba-los. Além de matar o gigante, Hércules retornou com seu objetivo. Assim como o profissional de publicidade que precisa ganhar a argumentação com a concorrência para cair nas graças do cliente. 11. Roubar as maçãs
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