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U6Identidade e

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EA
D
6
Identidade e 
Igualdade de 
Direitos dos Surdos
1. ObjetivOs
•	 Analisar	e	reconhecer	a	necessidade	de	oferecer	aos	sur-
dos	igualdade	de	direitos.
•	 Identificar	o	conceito	de	identidade	surda	e	refletir	sobre	ele.
•	 Identificar	o	conceito	de	cultura	surda	e	refletir	sobre	ela.
2. COnteúdOs
•	 Igualdade	de	direitos	na	surdez.
•	 Identidade	surda.
•	 Cultura	surda.
3. Orientações para O estudO da unidade
Antes	de	 iniciar	o	estudo	desta	unidade,	é	 importante	que	
você	leia	as	orientações	a	seguir:
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1)	 Leia	 esta	 unidade,	 anote	 suas	 dúvidas	 e	 interaja	 com	
seu	 tutor	 e	 colegas	para	 saná-las.	A	partir	 dos	 concei-
tos	abordados	nela,	procure	posicionar-se	a	respeito	da	
problemática	que	envolve	a	discussão	sobre	a	cultura	e	
a	identidade	surda.
2)	 Verifique	se	na	sua	cidade	existe	uma	comunidade	surda	
atuante	ou	se	há	uma	Associação	de	surdos	e,	se	possí-
vel,	entre	em	contato	com	ela	para	vivenciar	a	cultura	
surda	e	descobrir	mais	sobre	o	mundo	dos	surdos.
3)	 Responda	às	questões	autoavaliativas	que	estão	disponí-
veis	ao	final	desta	unidade,	e,	em	caso	de	dúvidas,	entre	
em	contato	com	o	seu	tutor	e	com	seus	colegas	na	Sala	
de	Aula	Virtual	para	solucioná-las.
4)	 Não	deixe	de	realizar	a	Leitura	Complementar	apresen-
tada	ao	final	desta	unidade,	ela	 irá	ajudá-lo	a	compre-
ender	melhor	as	questões	relacionadas	à	identidade	e	à	
cultura	surda	ao	apresentar	uma	outra	visão	sobre	essas	
questões.	
4. intrOduçãO À unidade
Na	Unidade	5,	você	pôde	 refletir	 sobre	as	estratégias	e	os	
recursos	didáticos	e	tecnológicos	que	estão	sendo	utilizados	atu-
almente	na	educação	dos	surdos.	Destacamos	os	recursos	visuais	
como	uma	possibilidade	para	garantir	aquisição	de	conhecimento	
e	desenvolvimento	da	pessoa	com	surdez,	bem	como	um	caminho	
para	o	exercício	de	sua	cidadania.
Nesse	mesmo	sentido	e	procurando	ainda	criar	oportunida-
des	de	condições	de	igualdade	para	os	surdos,	iremos	estudar	ago-
ra	os	aspectos	relacionados	à	identidade	e	à	Cultura	Surda.
5. igualdade de direitOs
A	 igualdade	de	direitos	para	 todos	os	cidadãos	é	uma	dis-
cussão	muito	antiga.	A	Declaração dos Direitos do Homem e do 
135© Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos
Cidadão,	promulgada	pela	Assembleia	Nacional	Francesa,	em	26	
de	agosto	de	1789,	é	o	primeiro	documento	mundial	a	afirmar	em	
seu	 texto	 que	 as	 pessoas	 nascem	e	 permanecem	 livres	 e	 iguais	
em	 seus	 direitos.	 Fundamentada	 nos	 princípios	 delineados	 pela	
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,	mais	 recente-
mente,	a	Declaração Universal dos Direitos do Homem	(ver	Tópico	
E-Referências)	representou	um	avanço	importante	na	construção	
de	uma	sociedade	mundial	mais	justa.
O	movimento	mundial	de	integração	de	pessoas	com	defici-
ência,	que	reforçou	as	ideias	defendidas	pela	Declaração Universal 
dos Direitos Humanos,	defendia	oportunidades	educacionais	e	so-
ciais	iguais	para	todos	os	cidadãos.
Nesse	sentido,	o	objetivo	principal	da	inclusão	social	é	criar	
uma	sociedade	capaz	de	acolher	todas	as	pessoas,	independente-
mente	das	diferenças	e	das	necessidades	individuais	e,	para	isso,	
preconiza	soluções	para	as	diferentes	 identidades	existentes	nos	
ambientes	sociais	(ROSA,	2003).
No	campo	da	sociedade	inclusiva,	o	principal	tema	é	a	diver-
sidade	humana,	e	no	caso	da	surdez,	 isso	significa	enfrentar	de-
safios	inesperados	e	permanentes.	Nesse	sentido,	Brito	(1993,	p.	
45)	afirma	que	"o	reconhecimento	da	diferença	é	o	primeiro	passo	
para	a	integração	do	surdo	na	comunidade	ouvinte	que	o	circula".
As	instituições	envolvidas	com	as	pessoas	surdas	defendem	
seus	direitos	à	cidadania	em	termos	de	igualdade.	E,	segundo	Ross	
(2001,	p.	58),	"a	igualdade	encontra-se	nas	diferenças	próprias	de	
cada	um".	Para	pessoas	e	comunidades	que	se	encontram	segre-
gadas,	o	sentido	de	inclusão	social	pressupõe	a	ampliação	da	par-
ticipação	desses	grupos	nas	situações	comuns.	Sendo	assim,	a	in-
clusão	implica,	essencialmente,	uma	atitude	de	respeito	ao	outro	
como	cidadão.
Remetendo-nos,	 novamente,	 à	 surdez,	 as	 especificidades	
dos	surdos	não	significam	obstáculos	para	a	inclusão	na	comuni-
dade	ouvinte,	ao	contrário,	segundo	Rosa	(2003,	p.	236):
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A	aceitação	da	diferença	favorece	a	inclusão,	uma	vez	que	ela	deve	
acontecer	de	forma	que	a	sociedade	ouvinte	reconheça	nos	surdos	
a	mesma	capacidade	de	comunicação	linguística	e	a	mesma	poten-
cialidade	para	realizações	e	participação	em	tarefas	sociais	comuns	
nos	dois	grupos.
Entretanto,	os	surdos,	ao	longo	da	história,	têm	sido	vistos,	
principalmente,	 sob	 a	 perspectiva	 exclusivamente	 fisiológica,	 ou	
seja,	relativa	ao	déficit	de	audição.	Isso	tem	acontecido	dentro	de	
um	discurso	de	normalização	e	de	medicalização	da	surdez,	cujas	
nomenclaturas	imprimem	valores	e	convenções	na	forma	como	o	
outro	é	significado	e	representado	(GESSER,	2009).
6. identidade surda e Os dOCumentOs OfiCiais 
que tratam da inClusãO
Na	Unidade	1,	vimos	que	a	história	da	educação	dos	surdos	foi	
marcada	pelo	domínio	dos	ouvintes	que,	por	muito	tempo,	decidi-
ram	sobre	o	quê,	quando	e	como	os	surdos	deveriam	aprender.
O	oralismo,	abordagem	que	defende	a	utilização	da	fala	e	da	
audição	como	principais	recursos	para	a	comunicação,	prevaleceu	
por	mais	de	100	anos.	No	Brasil,	somente	nos	anos	1980	os	sinais	
voltaram	a	ser	utilizados	na	educação	dos	surdos	com	a	Comunica-
ção	Total.	No	final	da	década	de	1990,	estudiosos	ligados	à	área	da	
surdez	começaram	a	discutir	o	bilinguismo	no	país.
Para	os	adeptos	do	bilinguismo,	a	língua	de	sinais	é	a	única	
que,	segundo	Dorziat	et	al.	 (1999),	os	surdos	poderiam	dominar	
plenamente	e	que	poderia	suprir	suas	necessidades	cognitivas	e	
de	comunicação.
Entender	o	surdo	sob	a	perspectiva	do	bilinguismo	é	reconhe-
cê-lo	como	pertencente	a	um	grupo	minoritário,	com	cultura	e	lín-
gua	própria.	Segundo	Gesser	(2009),	a	afirmação	de	que	"o	surdo	
tem	uma	identidade	e	uma	cultura	própria"	torna-se	muito	significa-
tiva	no	processo	de	afirmação	coletiva	de	grupos	minoritários.
137© Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos
Segundo	Castells	(1999,	p.	22),	a	identidade	pode	ser	enten-
dida	como:	
[...]	 um	processo	de	 construção	de	 significado	 com	base	em	um	
atributo	cultural,	ou,	ainda,	um	conjunto	de	atributos	culturais	in-
ter-relacionados,	o(s)	qual(ais)	prevalece(m)	sobre	outras	fontes	de	
significado.	
No	caso	das	pessoas	com	surdez,	Kauchakje	(2003,	p.	57-58)	
afirma	que	a	"construção	da	identidade	dos	surdos	passa	pela	mu-
dança	de	paradigma	da	deficiência	para	o	de	minoria	linguística	e	
cultural".
Ao	 discorrer	 sobre	 o	 conceito	 de	minoria,	 a	 autora	 (KAU-
CHAKJE,	2003,	p.	57-58)	afirma	que:
As	denominadas	minorias	são	assim	consideradas	porque	trazem	
inscrito	nos	corpos	algum	atributo	identificado	como	diferente	e/
ou	porque	não	expressam	ou	não	fazem	parte	dos	grupos	detento-
res	de	poder,	embora	possam	manifestar,	por	meio	de	sua	organi-
zação,	o	poder	social.
Essa	autora	afirma,	ainda,	que	para	a	maioria	das	pessoas	dos	
grupos	minoritários	que	vivem	em	uma	situação	social	desfavorá-
vel,	configurada	pela	pobreza,	pela	privação	ou	pela	ineficiência	no	
atendimento	aos	seus	direitos	sociais,	a	exclusão	pode	se	sobressair,	
intensificando	outras	exclusões	fundamentadas	na	diferença.
Em	uma	sociedade	semelhante	a	essa	em	que	vivemos,	onde	
encontramos	uma	desigualdade	social	acentuada,	os	direitos	das	
pessoas	 que	 fazem	parte	 dos	 grupos	minoritários,	 tais	 como	 os	
surdos,	 tendem	 a	 ser	 repetidamente	 desrespeitados.	 Segundo	
Kauchakje	(2003,	p.	63-64),	"a	desigualdade	social	potencializa	ou-
tras	formas	de	injustiça	social,	como	as	baseadas	na	diferença".Mas	será	que,	ainda	hoje,	há	tanto	desrespeito	em	nossa	so-
ciedade?	Sim,	infelizmente	isso	ainda	acontece	apesar	de	a	legisla-
ção	brasileira	garantir	vários	direitos	às	pessoas	com	necessidades	
especiais,	dentre	elas	os	surdos.
Vejamos,	a	seguir,	o	que	nos	dizem	os	textos	de	algumas	de	
nossas	leis,	a	começar	pela	Constituição Federal de 1988.
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O	Art.	1º	da	Constituição	brasileira	refere-se	ao	exercício	da	
cidadania	e	da	dignidade	da	pessoa	humana.	
O	Art.	3º	define	os	objetivos	fundamentais	da	República	Fe-
derativa	do	Brasil	e,	no	item	IV,	afirma	seu	compromisso	do	esta-
do	"promover	o	bem	de	todos,	sem	preconceitos	de	origem,	raça,	
sexo,	cor,	idade	e	quaisquer	outras	formas	de	discriminação".	
De	acordo	com	a	Constituição	de	1988	(ver	Tópico E-Referências),	a	
educação	é	direito	de	todos	os	cidadãos	e	um	dever	do	Estado	e	da	família:
Art.	205.	A	educação,	direito	de	todos	e	dever	do	Estado	e	da	famí-
lia,	será	promovida	e	incentivada	com	a	colaboração	da	sociedade,	
visando	ao	pleno	desenvolvimento	da	pessoa,	seu	preparo	para	o	
exercício	da	cidadania	e	sua	qualificação	para	o	trabalho.	
O	artigo	206,	inciso	I,	estabelece	como	um	dos	princípios	a	"igual-
dade	de	condições	de	acesso	e	permanência	na	escola",	o	que	significa	
que	o	acesso	à	escola	e	a	permanência	nela	devem	ser	iguais	para	to-
dos,	sem	distinção,	por	exemplo,	de	raça,	sexo	e	condição	econômica.
Por	sua	vez,	o	artigo	208	afirma	que	os	"portadores	de	de-
ficiência"	devem	frequentar,	preferencialmente,	a	rede	regular	de	
ensino,	ou	seja,	devem	estar	incluídos	em	escolas	de	Educação	In-
fantil,	Ensino	Fundamental	e	Médio,	e	devem	aprender	em	con-
junto,	como	todas	as	outras	crianças.	Essa	premissa	está	descrita	
no	texto	da	seguinte	forma:
Art.	208.	O	dever	do	Estado	com	a	educação	será	efetivado	median-
te	a	garantia	de:
III	–	atendimento	educacional	especializado	aos	portadores	de	defi-
ciência,	preferencialmente	na	rede	regular	de	ensino.
Esses	compromissos	foram	reiterados	em	outros	documen-
tos	 nacionais,	 como,	 por	 exemplo,	 o	 Estatuto da Criança e do 
Adolescente	 (ECA/Lei	nº	8.069/90),	que,	no	artigo	55,	 reforça	os	
dispositivos	 legais	 da	 Constituição	 de	 1988	 quanto	 à	 educação,	
determinando	que	"os	pais	ou	 responsáveis	 têm	a	obrigação	de	
matricular	seus	filhos	ou	pupilos	na	rede	regular	de	ensino".
Documentos	internacionais,	como	a	Declaração Mundial de 
Educação para Todos (1990)	e	a	Declaração de Salamanca	(1994),	
139© Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos
têm	grande	influência	na	formulação	das	políticas	públicas	da	edu-
cação	inclusiva.
A	Declaração Mundial sobre Educação para Todos	(ver	Tópico	
E-referências)	é	um	documento	aprovado	pela	Conferência	Mundial	
sobre	Educação	para	Todos	que	aconteceu	em	Jomtien,	Tailândia,	
em	março	de	1990.	Esse	documento	reforça	a	necessidade	da	uni-
versalização	 da	 escolaridade	 básica	 dos	 indivíduos	 sem	nenhuma	
forma	de	discriminação,	independentemente	das	suas	condições	de	
raça,	 idade,	gênero,	 situação	 social,	 crença	ou	 religião.	Apresenta	
com	rigor	as	prescrições	aos	grupos	considerados	minoritários,	en-
fatizando	que	eles	"[...]	não	devem	sofrer	qualquer	tipo	de	discrimi-
nação	no	acesso	às	oportunidades	educacionais"	(Unesco,	1990,	p.	
5).
A	Declaração de Salamanca	(ver	Tópico	E-referências)	é	uma	
Estrutura	de	Ação	em	Educação	Especial	aprovada	após	discussões	
e	emenda	na	sessão	Plenária	da	Conferência	de	10	de	 junho	de	
1994,	ocorrida	na	cidade	de	Salamanca,	Espanha.	Seu	texto	final	
reafirma	 o	 compromisso	 com	 a	 Educação	 para	 Todos	 e	 aborda,	
extensamente,	o	conceito	de	inclusão,	afirmando	que	a	Educação	
Especial	deveria	incorporar	princípios	de	uma	forte	pedagogia	da	
qual	todas	as	crianças	pudessem	se	beneficiar	e,	adicionalmente,	
revela	uma	forte	preocupação	com	o	desenvolvimento	de	ações	
que	pudessem	viabilizar	de	fato	a	Educação	Inclusiva.
O	Plano Nacional de Educação (PNE)	e	a	Resolução nº 2 CNE/
CEB,	ambos	do	ano	de	2001,	são	documentos	que	direcionam	as	
ações	do	sistema	escolar	no	que	se	 refere	à	Educação	 Inclusiva.	
Tais	documentos	refletem	a	tendência	mundial	de	uma	concepção	
democrática	da	educação	escolar	que	não	comporta	qualquer	tipo	
de	exclusão	de	crianças,	jovens	ou	adultos,	sendo	suas	recomen-
dações	influenciadas	por	vários	debates	mundiais,	dentre	eles:	a	
Conferência	Mundial	 sobre	Necessidades	Educativas	Especiais,	 a	
Declaração	 dos	 Direitos	 das	 Pessoas	 Deficientes	 (1975),	 a	 Carta	
para	o	Terceiro	Milênio	(1999),	a	Convenção	de	Guatemala	(2001)	
e	a	Declaração	Internacional	de	Montreal	sobre	Inclusão	(2001).
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Entre	todos	esses	documentos,	merece	destaque	para	a	nossa	
discussão	a	Convenção	da	Guatemala	(1999),	promulgada	no	Brasil	
pelo	Decreto	nº	3.956/2001,	afirma	que	as	pessoas	com	deficiência	
têm	os	mesmos	direitos	humanos	e	liberdades	fundamentais	que	as	
demais	pessoas,	definindo	como	discriminação,	com	base	na	defici-
ência,	toda	diferenciação	ou	exclusão	que	possa	impedir	ou	anular	o	
exercício	dos	direitos	humanos	e	de	suas	liberdades	fundamentais.
No	 entanto,	 a	 existência	 de	 várias	 leis	 e	 a	 implementação	
de	políticas	não	garante	que	suas	prerrogativas	sejam	postas	em	
prática	–	a	efetividade	da	legislação	reside,	principalmente,	na	mu-
dança	de	valores	e	atitudes.
A	noção	de	inclusão	veiculada	nesses	documentos	está	rela-
cionada	ao	direito	à	igualdade	que,	conforme	dissemos,	desde	o	
século	18,	e,	de	acordo	com	Kauchakje	(2003	p.	67),	"baliza	as	lutas	
sociais	e	um	ideal	político	e	de	sociabilidade	fundado	nas	relações	
democráticas	e/ou	igualitárias".
Entretanto,	uma	sociedade	fundamentada	na	igualdade,	que,	por	
sua	vez,	é	entendida	como	homogênea,	não	deixa	de	ser	excludente,	
tanto	no	sentido	de	poder	vir	a	excluir	os	considerados	diferentes,	como	
no	sentido	de	proibir	a	manifestação	das	diferenças.	Vejamos	o	que	nos	
diz	Kauchakje	(2003,	p.	69-70)	sobre	a	noção	de	igualdade.
A	noção	de	igualdade,	como	princípio	de	civilidade	e	como	funda-
mento	de	direitos,	é	diametralmente	oposta	à	idéia	de	igualdade	
como	homogeneização	e	como	não	reconhecimento	de	identida-
des,	culturas	ou	necessidades	específicas.
O	direito	à	diferença	 também	pode	apresentar	uma	dupli-
cidade	de	enfoque.	Nesse	sentido,	a	autora	afirma	(KAUCHAKJE,	
2003,	p.	70)	que:
No	enfoque	que	a	aproxima	das	demandas	dos	novos	movimentos	
sociais,	adquire	o	sentido	do	reconhecimento	e	respeito	às	singula-
ridades	e	identidades,	como	contraponto	à	intolerância	e	para	além	
da	tolerância,	pois	supõe	convivência	e	inter-relações	importantes.	
E	aqui	se	estabelece	o	vínculo	com	os	movimentos	pela	inclusão.
Pierucci	 (1990,	p.	 12)	 chama	a	 atenção	para	um	outro	 as-
pecto	da	diferença.	Segundo	o	autor,	a	ênfase	na	diferença	pode	
141© Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos
reforçar	pensamentos	e	práticas	conservadoras,	salientando	as	de-
sigualdades	e	causando	a	rejeição	dos	diferentes.
Nesse	sentido,	a	afirmação	da	diferença	pode	vir	a	contribuir	
para	atitudes	de	discriminações	e	de	estranhamento	e	separação	
com	relação	ao	outro,	favorecendo	a	formação	de	mentalidade	e	
sociedades	excludentes.	Segundo	Kauchakje	(2003,	p.	71):
[...]	a	história	mostra	que	a	afirmação	da	diferença	em	relação	ao	
outro	até	o	limite	no	qual	não	há	possibilidade	de	reconhecimento	
de	alguma	igualdade,	ao	menos	formal,	de	direitos,	traz	uma	rea-
lidade	trágica.
Em	se	tratando	de	educação,	a	 igualdade	de	direitos	 foi,	e	
é,	entendida	como	a	possibilidade	de	frequentar	o	ensino	regular,	
ou	seja,	de	estar	 incluído	com	os	demais	alunos,	uma	vez	que	o	
movimento	mundial	pela	educação	inclusiva	é	uma	ação	política,	
cultural,	social	e	pedagógica	desencadeada	em	defesa	do	direitode	todos	os	alunos	de	estarem	juntos,	aprendendo	e	participando,	
sem	nenhum	tipo	de	discriminação.
Em	sentido	mais	amplo,	para	os	grupos	minoritários,	em	par-
ticular	para	os	surdos,	a	inclusão	refere-se	ao	exercício	de	seus	di-
reitos,	como,	por	exemplo,	o	do	acesso	à	cidade,	aos	equipamen-
tos	de	educação,	ao	trabalho,	à	assistência	e	previdência	social,	à	
saúde,	ao	lazer	e	à	cultura.	E,	mais	importante	ainda,	diz	respeito	
à	participação	na	sua	(re)configuração	e	(re)construção	para	que	
novos	 direitos	 relativos	 à	 diversidade	 sejam	 incorporados	 (KAU-
CHAKJE,	2003).
Quanto	aos	direitos	dos	cidadãos,	Valadão	(1997,	p.	10)	afir-
ma	que:
[...]	os	direitos	são	históricos,	porque	estão	invariavelmente	relacio-
nados	a	certas	circunstâncias	e	respondem	a	aspirações	concretas	
de	homens	e	mulheres	como	membros	de	uma	determinada	so-
ciedade.
De	acordo	com	Castells	(1983)	apud	Kauchakje	(2003),	os	mo-
vimentos	sociais	são	os	principais	protagonistas	na	formulação	da	
demanda	por	direitos.	Em	relação	às	lutas	por	direitos,	Kauchakje	
nos	diz	que	elas	vão	na	direção	de	sua	ampliação	(mais	direitos,	
novos	 direitos),	 de	 seu	 aprofundamento	 (garantias	 e	 condições	
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142
mais	 efetivas),	 bem	 como	 de	 sua	 abrangência	 e	 universalização	
(inclusão	de	mais	pessoas	e	grupos	sociais	no	exercício	daqueles).
7. a Cultura surda
As	pessoas	que	utilizam	a	comunicação	espaço-visual	como	
principal	meio	de	conhecer	o	mundo	em	substituição	à	audição	e	à	
fala	fazem	parte	de	um	grupo	cultural,	o	grupo	dos	surdos.	A	maio-
ria	das	pessoas	surdas,	no	contato	com	outros	surdos,	desenvolve	
a	Língua	de	Sinais.
Vários	pesquisadores	que	estudam	a	surdez	têm	se	dedicado	
a	estudar	a	Cultura	Surda	(GOLDIFELD,	1997;	MOURA,	2000;	QUA-
DROS,	1997;	SÁ,	1999;	SKLIAR,	2000).	Definir	o	que	vem	a	ser	Cultura	
Surda	é,	ainda	nos	dias	de	hoje,	uma	tarefa	bastante	difícil,	pois	há	
muitas	controvérsias.	Entretanto,	algumas	questões	serão	levanta-
das	com	o	pressuposto	de	seguir	os	estudos	culturais	que	propõem	
pensar	a	surdez	em	uma	perspectiva	antropológica	e	multicultural.
Segundo	Santana	e	Bergamo	 (2005),	 a	discussão	da	 litera-
tura	 em	 torno	da	Cultura	 Surda	pressupõe	uma	diferença	 entre	
surdos	e	ouvintes	e	admite	que	haja	hegemonia	em	cada	um	dos	
extremos	dessa	díade.	No	entanto,	essa	diversidade	faz	parte	de	
um	processo	de	divisão	social	antiga,	assim	como	o	próprio	discur-
so	sobre	a	desigualdade.	Segundo	esses	autores:
[...]	um	processo	que,	ao	invés	de	aproximar	os	surdos	dos	ouvin-
tes,	distancia-os,	já	que	enfatiza	sempre	o	que	eles	têm	de	diferen-
te	e	nunca	o	que	eles	 têm	em	comum"	 (SANTANA	e	BERGAMO,	
2005,	p.	11).
O	multiculturalismo	é	um	movimento	social	em	oposição	a	
todas	as	tentativas	de	homogeneizar	a	vida	social.	É,	segundo	Pinto	
(2000),	"uma	oposição	a	todas	as	ações	dos	outros	a	imprimirem	a	
cultura	dominante,	vigente	sobre	uma	outra	cultura	pré-existente:	
a	Cultura	Surda".
A	 autora	 segue	 afirmando	 que	 conceituar	 o	 multicultura-
lismo	é	falar	sobre	o	reconhecimento	do	jogo	das	diferenças	que	
143© Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos
se	constrói	socialmente	nos	processos	interligados	nos	diferentes	
contextos.	Muitas	vezes,	o	multiculturalismo	constitui-se	em	movi-
mento	de	lutas	sociais,	de	ação	cultural	de	um	suposto	grupo,	que,	
por	 diversas	 vezes,	 se	 sente	discriminado,	 excluído	pelos	 outros	
segmentos	da	sociedade	por	suas	peculiaridades	(PINTO,	2000).	
Nesse	espaço	multicultural,	estão	presentes	os	movimentos	
sociais,	 como	o	dos	negros,	 dos	 surdos,	 dos	 índios,	 dos	homos-
sexuais,	 das	mulheres	 e	 dos	 judeus,	 que	 lutam	pelas	mudanças	
propulsoras	para	que	possamos	conviver	com	a	diferença	e,	nesse	
contexto,	fazer	valer	seus	direitos	civis,	humanos	e	de	ser	perten-
cente	 a	minorias	 linguísticas,	 culturais,	 étnicas	 ou	 religiosas	 em	
antagonismo	aos	movimentos	dominantes,	vigentes,	homogêneos	
(PINTO,	2000).
"Cultura"	pode	ser	entendida	como	um	conjunto	de	práticas	
capazes	de	serem	significadas	por	um	grupo	de	pessoas	que	vivem	
e	sentem,	no	caso	dos	surdos,	a	experiência	visual	de	uma	forma	
semelhante.	Mais	 ainda,	 segundo	Perlin	 (2004),	 como	uma	pos-
sibilidade	de	os	 indivíduos	surdos	se	 inscreverem	em	um	campo	
de	lutas	políticas,	sociais,	científicas	etc.	que	coloque	a	surdez	na	
existência	surda	e	no	plano	do	ser	surdo.
A	 língua	de	 sinais	 é	 imprescindível	 para	 a	 transmissão	e	 a	
evolução	da	cultura	dos	surdos.	Por	meio	do	convívio	entre	os	sur-
dos	e	da	utilização	de	uma	forma	de	comunicação	natural	e	parti-
lhada,	eles	criaram	uma	identidade	e	uma	cultura.
Podemos	 identificar	 vários	 traços	 da	 cultura	 surda,	 como,	
por	exemplo,	a	literatura	contada	na	Língua	de	Sinais.	Nesse	caso,	
ela	consiste	em	histórias,	contos,	lendas,	fábulas,	anedotas,	poe-
sias,	peças	de	teatro,	piadas,	rituais,	entre	outros.	Por	recontar	a	
experiência	dos	surdos,	muitas	dessas	formas	de	expressão	dizem	
respeito,	direta	ou	indiretamente,	à	opressão	exercida	pelas	pes-
soas	ouvintes	sobre	os	portadores	de	surdez.
Pensando-se	em	crescimento,	desenvolvimento,	aquisição	e	pro-
pagação	da	Cultura	Surda,	as	instituições	mais	ativas	para	que	isso	acon-
© Língua Brasileira de Sinais
 Claretiano - Rede de eduCação
144
teça	têm	sido	as	escolas	para	surdos	e	as	numerosas	associações	e	clu-
bes	de	surdos	existentes	em	todo	o	mundo,	especialmente	na	Europa	e	
nos	Estados	Unidos.	Instituições	de	desportos	para	surdos,	organizações	
políticas	e	religiosas	também	desempenharam,	e	continuam	a	desem-
penhar,	um	papel	significativo	na	vida	social	e	cultural	dos	surdos.
Considerando	que	cerca	de	90%	das	pessoas	surdas	nascem	em	
famílias	ouvintes	e	90%	dos	casais	surdos	têm	filhos	ouvintes,	o	papel	
que	as	escolas	e	as	associações	de	surdos	desempenham	é	vital	para	a	
transmissão	da	língua	e	da	cultura	dos	surdos	para	as	crianças	surdas.	
Por	essas	razões	é	que	a	comunidade	surda	preocupa-se	tanto	com	a	in-
clusão	e	a	possibilidade	de	fechamento	das	instituições	especializadas.
Uma	característica	marcante	da	cultura	dos	surdos	é	a	ele-
vada	 taxa	de	 casamentos	 endogâmicos,	 isto	 é,	 casamento	entre	
membros	de	sua	própria	classe,	sua	própria	cultura.	Há	uma	esti-
mativa	de	que	nove	de	cada	dez	membros	da	comunidade	surda	
casam	com	outros	membros	do	seu	grupo	cultural.
8. leitura COmplementar
A	seguir,	apresentamos	fragmentos	de	um	artigo	intitulado	
Surdez, linguagem e cultura,	de	José	Geraldo	Silveira	Bueno	(ver	
E-Referências).	Neste	texto,	o	autor	procura	analisar,	de	maneira	
crítica,	a	relação	entre	a	surdez,	a	linguagem	e	a	cultura.	Para	isso,	
utiliza	 três	 referenciais	 teóricos	básicos:	a	história,	a	abordagem	
multiculturalista	e	a	relação	normalidade-patologia. 
Bueno	(1998)	apresenta	uma	visão	diferente	da	apresentada	
nesta	unidade	e	pretende,	com	este	artigo,	questionar	a	integração	
social	do	indivíduo	surdo,	buscando,	segundo	ele,	superar	a	visão	
dicotômica	e	a-histórica	que	centra	toda	sua	análise	na	divisão	do	
meio	social	entre	"sociedade	ouvinte"	e	"comunidade	surda".	
Vejamos	fragmentos	do	texto	que	comprovam	a	visão	do	autor	
sobre	tal	questão.	Inicialmente,	Bueno	(1998)	discute	alguns	aspec-
tos	sobre	a	Cultura	Surda	dentro	de	uma	perspectiva	multicultural:
145© Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos
Surdez, linguagem e cultura ––––––––––––––––––––––––––––
[...] Na medida em que os teóricos da surdez se apropriam dessa concepção, 
transformam essa diversidade cultural em homogeneidade cultural (cultura ou-
vinte), reduzindo – e muito, a meu ver – a riqueza teórica dessa abordagem. O 
mundo passa a ser dividido entre "cultura ouvinte" (dominadora) e "cultura surda" 
(dominada). O que identifica o segundo grupo é a surdez, independentemente de 
raça, classeou gênero. 
O surdo (abstrato, já que na realidade concreta não se encontra esse surdo) 
passa a ter como única característica determinante de sua identidade a surdez. 
Não conta o fato de ser branco ou negro, rico ou pobre, homem ou mulher. Essa 
divisão não serve. 
Qual a grande consequência dessa visão? A de eliminar da discussão sobre as 
condições sociais da surdez, as determinações de raça, classe e gênero, isto 
é, de considerar (contraditoriamente às concepções do multiculturalismo) que 
essas determinações não são significativas no caso da surdez. Pois, se fossem, 
deveriam fazer parte integrante de nossas análises sobre a "comunidade de sur-
dos" e sobre os "indivíduos surdos".
[...] Se consideramos que a surdez é o único fator para a existência de uma "co-
munidade surda", deveremos negar a importância das determinações de raça, 
classe e gênero que, se servem para o restante da humanidade, não se encai-
xam no caso dos surdos. Se, entretanto, entendermos que essas determinações 
de raça, classe e gênero são importantes para a análise das culturas, como tratar 
o "surdo" e a "comunidade surda" sem levá-las em consideração?
Essa concepção, que deturpa e reduz sua origem teórica (o multiculturalismo), 
na verdade tem como consequência mais nefasta, a meu ver, o encobrimento 
daquilo que é a riqueza da abordagem: a busca do entendimento da diversidade 
na pseudo-homogeneidade aparente.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Para	o	autor,	existe	uma	diferença	significativa	entre	considerar	
a	comunidade	como	um	grupo	minoritário,	ou	percebê-la	do	ponto	
de	vista	histórico,	e	que	se	contrapõe	ao	conceito	de	sociedade.	O	
autor	critica	os	autores	que	analisam	a	relação	indivíduo	surdo-co-
munidade-sociedade,	sem	se	preocupar	com	os	pressupostos	que	
permeiam	estas	questões.	Acerca	desse	assunto,	Bueno	afirma:	
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
[...] a comunidade dos surdos é entendida, por esses autores, como o "lugar onde os 
Surdos se encontram, onde o Surdo se sente entre iguais, seja na escola residencial, 
clubes de Surdos, eventos esportivos de Surdos, festas de Surdos etc.". Procuram 
não utilizar o termo [sic] comunidade surda, por entenderem que existem situações 
em que os membros da Comunidade de Surdos não são Surdos, mas se identificam 
com os problemas da surdez (parentes, profissionais) ou fazem parte de uma família 
Surda (filhos ouvintes de pais Surdos), ou ainda Surdos que vêm de outros lugares 
e que ainda não aprenderam toda a escala de habilidades requeridas para aquela 
comunidade. [...] Existe a questão também daqueles surdos que não pertenciam à 
Comunidade de Surdos e que se juntam a ela mais tarde na vida.
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146
[...] uma coisa é considerar a comunidade como a manifestação concreta de 
agrupamentos, tal como nos apresenta Pereira. Para esse autor, comunidade 
é utilizada no sentido de um agregado humano com residência estável numa 
certa área geográfica, na qual se concentra ponderável variedade de instituições 
e associações, capazes de satisfazer aos diversos interesses fundamentais e 
comuns desse agregado. 
[...] Outra, muito diferente, é utilizar esse conceito do ponto de vista histórico, em 
que comunidade se contrapõe à sociedade, já que os interesses comuns pautados 
nas relações de parentesco e de proximidade geográfica, típicas das comunidades 
primitivas, entram em conflito com interesses antagônicos produzidos pelas com-
plexas relações historicamente construídas pela moderna sociedade industrial:
[...] Os autores que procuram analisar a relação indivíduo surdo-comunidade-
sociedade parecem pouco se preocupar com distinções teóricas tão importantes. 
Assim, ora o conceito comunidade se refere à existência concreta de grupos 
de surdos com interesses comuns, ora serve para designar todo o conjunto de 
surdos (não se sabe se de uma cidade, de um país ou do planeta), ora se con-
fundindo com o conceito de sociedade.
[...] Por outro lado, estabelece-se uma contradição entre a base teórica e a análi-
se da realidade. No sentido de não se restringir a comunidade de surdos somen-
te aos sujeitos com perdas auditivas, nela são incluídos os pais ouvintes de filhos 
surdos, os filhos ouvintes de pais surdos e os profissionais que com eles traba-
lham. Mas quando se voltam para a realidade concreta só consideram membros 
da comunidade de surdos os que respeitam e utilizam língua de sinais. Ora, se 
é fato que existem comunidades de surdos (entendidas como agrupamentos de 
sujeitos em busca de interesses comuns) que não se restringem aos indivíduos 
surdos, mas incluem os que mantêm relações sociais significativas com eles, 
como se pode considerar que pais e profissionais que só valorizam a língua oral 
não façam parte dessa comunidade?
Enfim, a maior consequência de se circunscrever o problema da integração social 
do indivíduo surdo no âmbito das decorrências diretas da surdez é a eliminação 
da possibilidade de sua análise dentro da perspectiva crítica que compreende a 
sociedade moderna como uma sociedade contraditória e conflituosa. O fato de 
ter se aceitado e, inclusive, estimulado a existência de uma "comunidade surda" 
pode ser interpretado somente na perspectiva da democratização das relações 
sociais? Ou, ao contrário, pode significar muito mais uma forma de separar o 
diferente?
A meu ver, a forma como se tem trabalhado a questão em que não são leva-
das em consideração as formas conflituosas, contraditórias e exploratórias pelas 
quais a moderna sociedade industrial se constituiu, não em relação aos sujeitos 
ouvintes versus sujeitos surdos, mas envolvendo dominação de classe, de raça 
e de gênero redunda em uma visão abstrata da problemática social da surdez e 
aponta para uma saída idealista: a solução é a criação de comunidades surdas, 
independentemente das formas como a sociedade em geral se organiza. 
Isto é, se o oralismo, tal qual foi sendo construído historicamente, constituiu-se 
numa forma opressiva de uma maioria sobre uma minoria, o sinal, visto como 
redenção do surdo numa sociedade extremamente injusta, está sendo utilizado 
como uma outra forma de subjugação, na medida em que encobre outros deter-
minantes fundamentais além da surdez, que jogam peso decisivo na formação 
de suas identidades e na trajetória de sua autonomia individual.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
147© Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos
Outro	ponto	de	discordância	para	Bueno	(1998)	refere-se	à	
conotação	dada		à	história	da	educação	dos	surdos,	pois,	segundo	
o	autor,	os	oralistas	são	apresentados	como	"carrascos"	e	os	gestu-
alistas	como	os	"defensores	dos	surdos	oprimidos".	Vejamos	o	po-
sicionamento	de	Bueno	sobre	a	perspectiva	histórica	da	surdez:	
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
[...] A primeira consideração a ser feita é de que a recuperação histórica realizada 
por esses autores procura explicar o presente pela trajetória passada. Em outros 
termos, o que justifica o fato de que o surdo não tivesse um lugar ao sol é a impo-
sição feita pelos ouvintes para a incorporação de uma língua que não era sua.
Por outro lado, para esses mesmos autores, a sucessão dos fatos históricos é 
uma constante progressão, do menos adequado ao cada vez mais adequado, ou 
seja, desde a imposição da língua oral e de sua progressiva e adequada substi-
tuição pelo sinal. 
Essa concepção "presentista e progressivista" produz uma história justificadora 
da realidade atual, uma vez que coloca o presente como consequência inexorá-
vel do suceder dos fatos históricos. Assim é que essa visão parte do princípio de 
que, tendo em vista a desvalorização que se deu no suceder da história sobre 
a importância do sinal, só poderíamos desembocar na situação atual, em que 
apenas alguns conseguem enxergar toda sua riquezae propriedade com relação 
à "comunidade surda". 
Por outro lado, a visão "presentista" leva-nos a encarar o passado com base 
nas perspectivas e necessidades do presente. Assim, a visão de Aristóteles ou 
de [Pedro] Ponce de León sobre a linguagem oral parece acarretar uma visão 
de surdez e não o inverso, isto é, de que as condições socioestruturais dessas 
sociedades acarretavam uma visão de linguagem e, consequentemente, de sur-
dez.
[...] Em suma, a história assim produzida é a dos "carrascos", personificados pe-
los "oralistas", e dos "defensores dos oprimidos", os gestualistas. Para os primei-
ros, ficam as qualificações, ou melhor, desqualificações: de defensor os direitos 
dos filhos da nobreza (Ponce de León), de falta de originalidade (Bonet), de não 
trabalhar com os completamente surdos (Pereira), de copiador de idéias (Am-
man), de ocultador do método (Braidwood), de criador da concepção de surdez 
como doença (Itard), de não entender nada de surdez (Ordinaire), de comparar 
surdos a criminosos (Howe), de pior inimigo dos surdos e de salvar os ouvintes 
da convivência indesejável com grupos de surdos (Bell); para os segundos, as 
qualificações de colocar os surdos na categoria de humanos (L’Epée), de brilhan-
te professor (Clerk), de grandes iniciativas (E. Gallaudet). 
É interessante verificar, entretanto, que, dos nomes citados como defensores da "co-
munidade dos surdos", raros são aqueles que eram surdos: entre L’Epée, Gallaudet 
pai, Gallaudet filho, Clerk, Sicard, Massieu, Wallis, Weld, Watson (Londres), Vaïsse, 
Moritz Hill (Alemanha), apenas dois eram surdos (Clerk e Massieu). Isto é, os defen-
sores dos sinais, arautos da autonomia e do respeito à comunidade surda, consegui-
ram produzir dois indivíduos de destaque em 200 anos (Moura 1996). 
Essa posição intransigente e ideológica, na verdade, retira do estudo da história 
aquilo que seria o mais significativo: a análise dos conflitos e das contradições 
© Língua Brasileira de Sinais
 Claretiano - Rede de eduCação
148
das ações e representações dos sujeitos históricos que refletem, por um lado, 
os determinantes sociais macroestruturais e, por outro, os próprios caminhos e 
descaminhos dos sujeitos e das instituições que contribuem para a reprodução 
(ou não) dessas mesmas contradições e conflitos. 
[...] Uma outra questão a ser apontada é a de que essas obras analisam a histó-
ria como produto de pessoas notáveis (para o bem e para o mal) desvinculadas 
de suas relações pessoais, institucionais e sociais. Assim, a história é produto 
da ação desses senhores, uns por motivações intrinsecamente meritórias (os 
defensores do sinal) e os outros, por motivações preconceituosas e prejudiciais 
ao surdo (os defensores do oralismo). As poucas tentativas de contextualização 
sociocultural não conseguem explicar o fundamental: por que os oralistas não 
conseguiram fazer com que os surdos se apropriassem dessa linguagem e por 
que os gestualistas não conseguiram fazer com que os surdos se constituíssem 
numa comunidade forte e autônoma. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Quanto	à	relação	surdez-normalidade,	o	autor	afirma	ser	uma	
distinção	 conceitual	 e,	 portanto,	 teórica.	 Nesse	 sentido,	 segundo	
Bueno	(1998)	ela	deve	ser	devidamente	estuda	e	analisada:	
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Boa parte da literatura que procura defender a concepção da existência de uma 
comunidade surda coloca-se em contraposição, às vezes explícita e às vezes 
implícita, da surdez considerada como deficiência.
[...] Ele não deve ser considerado como excepcional, nem como patológico. Mas 
não se pode considerá-lo como normal, já que ele sofre uma restrição. Nesse 
sentido, assim como outros indivíduos pertencentes a diferentes minorias (ne-
gros, gays etc.), o surdo deve ser encarado como membro de uma comunidade 
que sofre restrição daqueles que não o são.
Cabe aqui, porém, uma pergunta básica: afinal de contas, a surdez é ou não uma 
deficiência?
Todas as evidências científicas, sociais e culturais indicam que é. E mais, deve-
mos envidar todos os esforços para evitá-la. A vacina contra a rubéola materna 
deve ser implementada porque previne um dos fatores que podem ocasionar 
surdez em recém-nascidos. Isto é, previne um mal. Considerar o surdo como um 
grupo minoritário pode ser importante do ponto de vista das diferenças culturais, 
mas confundi-lo com outros grupos minoritários é, a meu ver, esconder uma dis-
tinção entre o patológico e a mera diferença.
Em outras palavras, qualquer iniciativa de intervenção para homogeneizar dife-
renças, como, por exemplo, o embranquecimento das populações negras, ou a 
eliminação de características como a homossexualidade ou os olhos "puxados" 
das etnias orientais, no meu modo de entender, devem ser combatidas, pois 
representam uma visão "arianis" incompatível com as diferenças e com a cons-
trução da democracia. Isto, entretanto, não se estende a outros casos, como os 
patológicos, porque se houver possibilidade de evitar o seu advento, isto é, se 
houver formas de prevenir sua incidência ou de se solucionar este mal, isso deve 
ser feito.
149© Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos
Essa distinção entre a diferença e a doença/deficiência não pode ser conside-
rada, por nós estudiosos, como meramente retórica, pois é conceitual, portanto, 
teórica, e quanto mais solidamente enfrentada, mais nos oferece possibilidades 
de densidade em nossas análises (que, redundantemente, queiramos ou não, 
são teóricas).
Em síntese, a perda auditiva existe. Não é meramente uma invenção dos ou-
vintes em relação aos surdos. Se ela passar a ser considerada como uma mera 
diferença, qualquer ação contra sua incidência deverá ser combatida, se quiser-
mos manter uma postura coerentemente democrática. Se, de alguma forma, con-
cordarmos com formas para sua prevenção ou erradicação, apesar de qualquer 
discurso, ela será considerada como mal a ser evitado.
O problema com relação à surdez, assim como para as deficiências em geral, é 
que, como ela não afeta diretamente as possibilidades de sobrevivência e, em 
grande parte dos casos, até o momento atual, não é passível de reversão, há que 
se encontrar formas democráticas de conviver com os surdos. Assim, parece-me 
acertado procurar distinguir a surdez da doença, mas não se pode deixar de 
considerá-la como uma condição intrinsecamente adversa (diferentemente da 
negritude ou do homossexualismo).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Bueno	conclui	seu	artigo	afirmando	que	os	surdos	não	po-
dem	ser	tratados	como	doentes,	e,	para	mudar	essa	concepção,	as	
consequências	da	surdez	deveriam	ser	analisadas	de	uma	forma	
mais	abrangente	e	à	luz	das	relações	sociais.	O	autor	finaliza	suas	
reflexões	tecendo	as	seguintes	considerações:	
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O nó da questão da integração social do indivíduo surdo, envolvendo a existência 
de grupos de surdos e sua convivência com os ouvintes, pode ser assim coloca-
do: apesar de ser uma condição intrinsecamente adversa, a surdez e os surdos 
não podem ser tratados meramente como doentes, pois não o são. Essa visão 
só poderá ser modificada se ultrapassarmos as decorrências diretas da perda 
auditiva e analisarmos de forma mais abrangente as consequências geradas por 
ela, aliadas às consequências construídas e produzidas pelas relações sociais.
Caberia, então, perguntar: defender a existência de comunidades surdas, con-
siderando a língua de sinais como sua primeira língua em contraposição a uma 
língua imposta pela "sociedade ouvinte", é contribuir para a superação de sua 
condição socialmente adversa?
Por outro lado, desconsiderar o fato de que existem agrupamentos de surdos 
que se utilizam de formas de representação diferentes daquelas utilizadas pelos 
ouvintes, e exigir deles a mesma produtividade emrelação à linguagem oral dos 
que ouvem, é a resposta?
Do meu ponto de vista, nenhuma das duas perguntas pode guiar nossa trajetória 
porque, independentemente de nossas intenções, elas continuam a restringir o 
indivíduo às manifestações intrínsecas da surdez.
Somente no momento em que nos debruçarmos sobre o fenômeno social da defi-
ciência auditiva, levando em consideração as restrições efetivamente impostas por 
© Língua Brasileira de Sinais
 Claretiano - Rede de eduCação
150
uma condição intrinsecamente adversa (a surdez), aliada às condições sociais das 
minorias culturais, determinadas por diferenças de classe, raça e gênero, estare-
mos avançando no sentido de contribuir efetivamente para o acesso à cidadania, 
acesso esse historicamente negado, quer pelos defensores do oralismo, quer pe-
los defensores da língua de sinais, na medida em que nenhum deles conseguiu, 
efetivamente, se desvincular das manifestações específicas geradas pela surdez.
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 
9. questões autOavaliativas
Confira,	a	seguir,	as	questões	propostas	para	verificar	seu	de-
sempenho	no	estudo	desta	unidade:
1)	 O	que	você	entende	por	igualdade	de	direitos?
2)	 Qual	o	objetivo	principal	da	inclusão	social?
3)	 Qual	a	relação	existente	entre	o	conceito	de	igualdade	de	direitos	e	inclusão?
4)	 O	que	é	identidade	surda?
5)	 Quais	as	marcas	da	identidade	surda?
6)	 Quais	as	principais	Leis	relacionadas	ao	conceito	de	igualdade	de	direitos?	
Comente	cada	uma	delas.
7)	 O	que	é	cultura?	E	cultura	surda?
8)	 Qual	a	relação	entre	multiculturalismo	e	cultura	surda?
9)	 Qual	a	importância	das	escolas	de	surdos	e	das	associações	de	surdos	para	
a	comunidade	surda?
10. COnsiderações
Nesta	 unidade,	 você	 estudou	 os	 aspectos	 relacionados	 à	
identidade	e	à	cultura	surda,	compreendendo	esta	discussão	sob	a	
perspectiva	da	igualdade	de	direitos	a	todos	os	cidadãos,	indepen-
dentemente	do	fato	de	eles	serem	surdos	ou	não.
A	próxima	unidade	irá	apresentar	os	aspectos	específicos	re-
lacionados	à	gramática	da	Libras.
151© Identidade e Igualdade de Direitos dos Surdos
11. E-REFERÊNCIAS
BRASIL.	Constituição da República Federativa do Brasil.	 Disponível	 em:	 <http://www.
senado.gov.br/sf/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.htm>.	
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______.	 Declaração de Salamanca.	 Disponível	 em:	 <http://portal.mec.gov.br/seesp/
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______.	Plano Nacional de Educação	–	Educação	Especial.	Lei	nº	10.172.	Disponível	em:	
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei10172.pdf>.	Acesso	em:	18	maio	2010.
______.	 Resolução CNE/CEB nº 2.	 Disponível	 em:	 <http://portal.mec.gov.br/seesp/
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______.	 Convenção da Guatemala.	 Disponível	 em:	 <http://portal.mec.gov.br/seesp/
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BUENO,	 J.	G.	 S.	Surdez, linguagem e cultura.	 Campinas:	Cadernos Cedes,	 v.	 19,	n.	 46,	
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CASTELLS,	M. O poder da identidade.	São	Paulo:	Paz	e	Terra,	1999.
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PINTO,	P.	L.	F.	Identidade cultural surda na diversidade brasileira.	Disponível	em:	<http://
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