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Os Terreiros de Candomblé Como Representação da Identidade Cultural Afro Brasileira

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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO 
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL 
 
 
 
 
 
MARCIA FERREIRA NETTO 
 
 
 
 
 
OS TERREIROS DE CANDOMBLÉ COMO REPRESENTAÇÃO DA 
IDENTIDADE CULTURAL AFRO-BRASILEIRA. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VASSOURAS/RJ 
Setembro de 2013 
1 
 
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA – USS 
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO 
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
MARCIA FERREIRA NETTO 
 
 
 
 
 
OS TERREIROS DE CANDOMBLÉ COMO REPRESENTAÇÃO 
 DA IDENTIDADE CULTURAL AFRO-BRASILEIRA. 
 
 
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca 
Examinadora do Programa de Mestrado em 
História Social da Universidade Severino 
Sombra, Vassouras-RJ, como requisito para 
obtenção do título de Mestre em História. 
 
 
 
Orientadora: Profª. Drª. Tatyana de Amaral Maia 
 
 
 
 
VASSOURAS/RJ 
Setembro de 2013 
2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA: 
NETTO, Marcia Ferreira, Os terreiros de candomblé como representação da 
identidade cultural afro-brasileira. 2013 
 
Marcia Ferreira Netto – Vassouras, 2013. 
Orientadora: Profª. Drª. Tatyana de Amaral Maia 
Dissertação (Mestrado) – Universidade Severino Sombra 
Programa de Pós-Graduação em História Social. 
3 
 
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA – USS 
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO 
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL 
 
 
MARCIA FERREIRA NETTO 
 
 
OS TERREIROS DE CANDOMBLÉ COMO REPRESENTAÇÃO 
DA IDENTIDADE CULTURAL AFRO-BRASILEIRA. 
 
 
Banca examinadora: 
 
 
 
_____________________________________________________ 
Profª. Drª. Tatyana de Amaral Maia - USS 
(Orientadora) 
 
 
 
_____________________________________________________ 
 Prof. Dr. Eduardo Scheidt - UERJ 
 
 
 
_____________________________________________________ 
 Profª. Drª Cláudia Atallah - USS 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Quando o sol estiver nascendo já estarei 
 acordado e direi: 
O sol se abre, assim como os meus olhos 
 para tudo de bom ver; 
O sol se levanta, como os meus braços para 
 alcançar as minhas conquistas; 
O sol Brilha, como brilhará o meu saber. 
O sol Aquece, tanto quanto meu coração 
 estará aquecido. 
O Sol Iluminará com toda força o meu 
 caminho! 
Agradeço ser criado por Ti, Criador! 
Agradeço, pois, por Este Presente, o Sol, 
 Símbolo diário da Purificação. 
(Quem não pertencer ao Culto, jamais saberá 
 O Mistério!).”1 
 
1
 Itãn, ensinado pelo Oluwô Bamikolê Ojô Kowalé, Babalawô do Rei de Ekiti, Nigéria, África. 
NETTO, Marcia Ferreira. Terreiros de Candomblé do Rio de Janeiro.São Paulo:Via Lettera; Rio de Janeiro: 
IPHAN, 2009. P36. 
5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho primeiramente à minha mãe, Luiza 
Ferreira Netto (in memorian), que mesmo quando enveredei pelos 
caminhos dos Orixás, ela por amor e respeito a mim, me apoiou e 
esteve ao meu lado incentivando o meu sucesso! Em especial a 
minha irmã Rosângela Netto Figueiredo, que me apoiou 
incondicionalmente com o frescor do seu amor maternal. Aos meus 
ancestrais, como forma de gratidão pela herança de força, coragem e 
integridade, na difícil tarefa de viver! E ao Povo de Santo, por ter 
me aberto às portas para a realização desta pesquisa. 
6 
 
RESUMO 
 
O propósito deste trabalho é constituir elementos que identifiquem os terreiros de candomblé 
como representação da identidade cultural afro-brasileira. Utilizando as narrativas coletadas 
no projeto de Mapeamento dos Terreiros de Candomblé do Rio de Janeiro/Iphan/RJ, de 2006 
a 2010, através do trabalho de campo e elaboração do Inventário dos terreiros de candomblé. 
Baseado nas questões sobre as possibilidades de Tombamento ou Registro dos terreiros de 
candomblé e nas trajetórias das Instituições do Estado, nas Instituições do Decreto, Leis, 
Cartas Patrimoniais, Fóruns e Convenções. E na participação da sociedade civil nas políticas 
de salvaguarda e preservação do patrimônio cultural. 
 
Palavras chave: Tombamento, Registro, Memória. 
 
 
7 
 
RÉSUME 
 
Le but de cet article est de fournir des éléments qui identifient le terreiros de candomblé 
comme représentation de l'identité culturelle afro-brésilienne. À l'aide des récits recueillis 
dans le projet de cartographie les Terreiros de Candomblé de Rio de Janeiro/Iphan/RJ, de 
2006 à 2010, à travers le terrain et la préparation de l'inventaire du terreiros de candomblé. 
Basé sur les questions concernant les possibilités d'inscription ou d'enregistrement du terreiros 
de candomblé et trajectoires des institutions de l'Etat, les institutions honorées, lois, Economic 
Letters, forums et conventions. Et participation de la société civile dans les politiques de 
sauvegarde et de préservation du patrimoine culturel. 
 
Mots clés: Tipping, Registre, mémoire. 
 
 
 
 
8 
 
RELAÇÃO DAS IMAGENS 
 
FIGURA1- Trajetória das políticas de preservação da memória .................................... 31 
 
FIGURA2-Mapa do fluxo de escravos da África para o Brasil.......................................49 
 
FIGURA3- Terreiro Casa Branca do Engenho Velho, parte Externa e coluna 
principal, com a coroa de xangô, dentro do Barracão......................................................53 
 
FIGURA4-Tabela de terreiros inventariados com suas respectivas nações e asés...........65 
 
FIGURA5-Croqui do terreiro inventariado Ilê Asé Opó Afonjá.....................................67 
 
FIGURA6 – Ficha de identificação de Lugar – INRC...................................................68 
 
FIGURA7. Problematização sobre o Registro e o Tombamento.....................................86 
 
FIGURA 8- Cadeira de Airá, pai Valdomiro, foto de Xangô Airá, foto de festa 
de 21 anos de santo.........................................................................................................91 
 
FIGURA 9- IYá Nitinha de Oxum na mesa de jogo, no barracão, em Brasília para 
 receber a condecoração e com o ex-presidente Lula......................................................92 
 
FIGURA10- MEMORIAL IYÁ DAVINA e Mãe Meninazinha no barracão..............94 
 
FIGURA 11- Pai Zezito de Oxum no MEMORIAL SEVERIANO DE 
LOGUNEDÉ e na Escolinha Corte Real Ijexá...............................................................96 
 
FIGURA 12- ARVORE GENEALÓGIA DE PAI ZEZITO DE OXUM 
(elaborada pelos filhos de santo).....................................................................................96 
 
9 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11 
CAPÍTULO I - AS CATEGORIAS QUE OS BENS DEVEM 
 SER ENQUADRADOS COMO UM ELEMENTO REPRESENTANTE 
 DA IDENTIDADE E MEMÓRIA NACIONAL 
1.1.Patrimônio, Memória e Identidade: O caso dos terreiros de candomblé.............................16 
1.2. A trajetória das políticas de preservação da memória no Brasil - a criação do 
IPHAN......................................................................................................................................301.3. A emergência do patrimônio imaterial no Brasil: a opção pelo Registro....................38 
CAPÍTULO II- DIREITO A MEMÓRIA: ASPECTOS HISTÓRICOS E CULTURAIS 
2.1. A religiosidade afro-brasileira: o lugar do candomblé.......................................................48 
2.2. O Terreiro como patrimônio: a valorização das práticas culturais afro-brasileiras como 
direito de memória....................................................................................................................55 
2.3. O projeto Mapeamento dos Terreiros de Candomblé do Rio de Janeiro...........................64 
CAPÍTULO III- A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE AFRO-BRASILEIRA 
 A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO DE NARRATIVAS ORAIS 
3.1. Iphan / Comunidades Terreiros: o Registro e o Tombamento...........................................79 
3.2. O Iphan e a política de Tombamento no Brasil ................................................................87 
3.3. O caso dos terreiros no Rio de Janeiro.............................................................................91 
3.4. A força da História oral como documento para formação da memória...........................98 
3.5. Testemunhos Orais: as entrevistas nos terreiros como fontes históricas.........................101 
 3.5.1.Ilê Asé Iyá Nassô Oká Ilê Oxum..............................................................................106 
 3.5.2. Ilê Asé Opó Afonjá....................................................................................................110 
 3.5.3. Ilê Asé Omim IYámassé - Terreiro do Gantois ........................................................116 
CONCLUSÃO......................................................................................................................120 
GLOSSÁRIO........................................................................................................................124 
ANEXOS.............................................................................................................................133 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................161 
10 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
Os africanos que chegaram ao Brasil, advindos de vários países, a partir do séc. XVI 
trouxeram consigo cultura, religião e visão de mundo peculiar. Escravizados, tiveram que se 
adaptar aos castigos, ao trabalho intenso, a outra religião e a outra cultura. O rompimento com 
o seu mundo, sua realidade e seu imaginário cultural seria tão violento para eles quanto os 
severos castigos físicos que receberam. Romper com os laços culturais, com uma estrutura 
milenar, reflete na perda da própria identidade, numa desestrutura. 
Falcon
2
 nos apresenta a cultura como sendo resultante de algum tipo de ação (mental, 
espiritual, ideológica, etc.) de práticas culturais, sobre um respectivo grupo humano, 
considerado quer em seus aspectos coletivos, quer eventualmente pelo menos, em seus 
componentes culturais. 
 Essa(s) cultura(s) africana(s) possui componentes muito fortes e inerentes, uma “visão 
do mundo”, uma cosmovisão3 própria. É uma interpretação desse mundo, de sua realidade 
global, que procura dar uma resposta às questões últimas do homem, no que diz respeito a sua 
origem, e a sua meta final. Ela abrange o conjunto dos valores, das ideias e das opções 
práticas pelas quais uma pessoa ou uma coletividade se afirma. Muitas vezes, isso não é 
totalmente consciente, manifesta-se mais como uma crença do que como um “saber” 4. 
 Por medo da perda desses laços culturais e religiosos e, com o objetivo de continuar 
tendo a noção de pertencimento com as suas origens, os africanos escravizados uniram-se e 
criaram estratégias para preservar suas práticas ritualísticas, suas cantigas, suas danças e 
demais manifestações culturais. Uma das estratégias para os escravos manterem as suas 
crenças foi o sincretismo católico. Tratava-se de uma superposição religiosa, relacionando os 
atributos dos santos católicos aos orixás, ao mesmo tempo. 
Foi durante processo de redemocratização, com a Constituição de 1988 que se 
assegurou o livre exercício dos cultos religiosos
5
. Foi quando os babalorixás e yalorixás 
 
2
 FALCON, Francisco J.C. A história cultural. Rio de Janeiro: PUC/RJ, 1992. (Coleção Rascunhos de História). 
3
 Cosmovisão, no sentido de uma compreensão que diz respeito a tudo. 
4
 REHBEIN, Franziska Carolina. Candomblé e Salvação. São Paulo, Loyola. 1985. 
5
Art. 5, inc. VI da Constituição Federal de 1988: VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo 
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a 
suas liturgias. 
 
11 
 
emergiram no cenário político, buscando o reconhecimento e o direito ao culto, num 
movimento de antissincretismo
6
 e oficialização do candomblé. 
Não se tratava de uma oposição ao catolicismo, mas de uma forma de redefinição das 
crenças. Os representantes queriam reafirmar que os santos católicos não são equivalentes aos 
orixás e requerer o direito ao culto sem a imposição de elementos cristãos. 
O fruto das inúmeras estratégias dos africanos e seus descendentes resultou na 
formação dos terreiros de candomblé. Espaços criados para expressar o culto aos orixás, 
carregados de práticas ritualísticas e representações de sua religiosidade. Com esses 
elementos históricos definidos, passamos a discutir a inserção dos terreiros de candomblé 
como patrimônio cultural e parte da identidade nacional. A cultura africana passa a fazer parte 
da identidade brasileira, quando reconhecemos suas apropriações linguísticas
7
 no cotidiano do 
brasileiro, bem como, em nossa culinária, em nossos ritmos de dança, em nossa música, e 
enfim, em nossas crenças. 
 Nessa perspectiva, estabelecemos uma discussão teórica sobre os terreiros de 
candomblé como representação da identidade cultural afro-brasileira. Compreender o terreiro 
como patrimônio cultural, nos remete às questões relacionadas à identidade, a memória, a 
coletividade e ao patrimônio. 
Houve um longo percurso histórico até que o Estado
8
, a partir dos anos 30, abrisse as 
discussões em torno da diversidade cultural e da pluralidade de suas manifestações, como 
características da identidade nacional, antes entendida e aceita apenas como patrimônio de 
pedra e cal. 
Considerar os terreiros de candomblé apenas como portador de representações 
singulares da cultura africana no Brasil os inclui, em um segmento menor e até exótico. 
Segundo Diana Farjalla Correia Lima
9
, a (re) interpretação que se faz do produto cultural ao 
qualificá-lo na categoria de Bem Cultural é uma atribuição de valor, um juízo elaborado pelo 
campo cultural que o consigna como elemento possuidor de caráter diferencial. E ao 
 
6
 JANSA, Tomás. Candomblé: as origens, desenvolvimento, transformações e o seu papel no decorrer do tempo. 
UNIVERZITA PALACKÉHO V OLOMOUCI. FILOZOFICKÁ FAKULTA. Katedra Romanistiky. 
OLOMOUC. 2010. P.26. 
7
 Referimos-nos às apropriações linguísticas como cachaça, angu, canjica, chuchu, inhame, moleque, samba, etc. 
Apropriações na culinária: acarajé, mugunzá, vatapá, caruru, quiabada, etc. Apropriações de danças: samba, 
jongo, maracatu, samba de roda, tambor de mina, capoeira. Apropriações de músicas: samba, batuque, axé, 
samba de partido alto, samba canção, samba de breque, samba enredo, afoxé, e outros mais. 
8
 Influenciado pelos ideais do movimento modernista da Semana de 1922, liderada por Mário de Andrade, 
Aluísio Magalhães eRodrigo Melo Franco de Andrade, dentre outros intelectuais. 
9
 LIMA, Diana Farjalla Correia. Herança cultural (re)interpretada ou a memória social e a instituição museu: 
releitura e refexões. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-
PMUS Unirio | MAST. Rio de Janeiro, 1997. 
12 
 
distingui-lo deste modo, torna-o ‘especial’ e em posição de destaque perante os demais 
objetos da mesma natureza, emprestando-lhe sentido de ‘excepcionalidade’. 
O objetivo dessa pesquisa é investigar o processo de incorporação dos terreiros de 
candomblé contemplados na categoria de patrimônio imaterial, instrumento normativo 
adotado pelo IPHAN
10
, bem como desenvolver uma discussão sobre a representatividade dos 
terreiros de candomblé para a cultura brasileira, inseridos nas políticas de preservação do 
patrimônio cultural, na busca do direito a serem inscritos nos Livros de Registro e/ou de 
Tombamento. 
As premissas são baseadas no Projeto Mapeamento dos Terreiros de Candomblé do 
Rio de Janeiro/IPHAN/RJ, quando foi realizado o Inventário Nacional de Referências 
Culturais – INRC, de 2006 a 2010; com a finalidade de recolher informações que pudessem 
estabelecer uma discussão sobre Tombamento ou Registro dos 32 terreiros inventariados, a 
partir inicialmente da solicitação de Tombamento dos terreiros: Ilê Asé Baru Lepê, em Duque 
de Caxias, do pai Valdomiro de Xangô e o Ilê Asé Iyá Nassô Oká Omim Oxum, em Nova 
Iguaçú, de Iyá Nitinha de Oxum. 
Os produtos derivados do projeto são o INRC dos terreiros de candomblé, a inclusão 
no Banco de Dados de Patrimônio Imaterial do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico 
Nacional – IPHAN, um CD-ROM com o histórico dos terreiros e o livro Terreiros de 
Candomblé do Rio de Janeiro
11
. 
Delineamos nossa discussão teórica em três capítulos. No primeiro, desenvolvemos 
uma discussão teórica sobre memória, identidade e patrimônio. Utilizamos como aporte 
teórico os autores Pierre Nora, Maurice Halbwachs e Michael Pollak. 
Usamos o trabalho de Pierre Nora
12
 para discutir o conceito de lugar de memória, 
incorporando o cotidiano como espaço-tempo de reinvenção dos terreiros de candomblé. É 
parte do desafio contemporâneo, perceber os terreiros de candomblé como um lócus de 
preservação e socialização de marcas culturais. Como centros recriadores da memória e da 
cultura africana, como um espaço plural de memória, de representação e de identidade. 
 
10
 Sobre o assunto, o principal marco legal é o Decreto nº 3.551, de registro do patrimônio imaterial, voltado ao 
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o patrimônio cultural brasileiro. 
11
 Netto, Marcia Ferreira. Terreiros de Candomblé do Rio de Janeiro. Editora Via Lettera, Rio de 
Janeiro:IPHAN, 2009. 
 
 
12
 NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto História. São Paulo, v. 
10, p. 7-28, 1993. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da 
PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). 
13 
 
Maurice Halbwachs
13
 considera que os quadros sociais antecipam a lembrança, 
fornecendo um sistema global de localização do passado no presente, que numa espécie de 
confrontação de vários depoimentos, concordam no essencial, apesar de divergirem em alguns 
pontos. Esse essencial é que nos permite reconstruir um conjunto de lembranças de modo a 
reconhecê-lo. Assim, utilizamos essa reflexão do autor para confrontar as narrativas coletadas 
nos terreiros de candomblé. 
 Michael Pollak
14
 discute o conceito de memória subterrânea. Considera que o silêncio 
sobre o passado não é esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe 
ao excesso de discursos oficiais, dos grupos majoritários e das sociedades englobantes. 
Neste capítulo discutimos ainda, sobre as políticas de preservação do patrimônio 
cultural. Delineamos uma linha do tempo com a trajetória das políticas de preservação da 
memória no Brasil, visando construir um entendimento sobre o processo de construção da 
memória coletiva oficial, em detrimento do direito à memória dos terreiros de candomblé, a 
partir do dialogo com a sociedade civil. 
Descrevemos as leis e decretos que surgiram após a promulgação da Carta Magna 
1988, e as transformações ocorridas em torno do conceito de patrimônio. A 
patrimonialização
15
 contribui para que a cultura local não seja esquecida. Com a revitalização 
dos bens culturais, a memória coletiva é reafirmada. Patrimonializadas como bens simbólicos, 
reafirmam a identidade e a memória local, propiciando o resgate e a reafirmação das 
tradições, fomento ao desenvolvimento social e cultural. 
Neste sentido, é possível afirmar que a patrimonialização da cultura e dos bens 
culturais pode auxiliar no desenvolvimento econômico, cultural e social de determinadas 
sociedades. Assim, a noção de patrimônio cultural imaterial passou então, a ser incluída nas 
políticas públicas relacionadas à cultura e nas referências de memória e de identidade que o 
Brasil produz e traz em si como instrumento de reconhecimento da diversidade cultural em 
diálogo com as demais nações. Trazendo como resultado, a inclusão cultural dos diversos 
grupos sociais até então marginalizados no Livro de Registro. 
 No segundo capítulo, elaboramos uma perspectiva histórica sobre a chegada dos 
africanos no Brasil, o desenvolvimento de sua religiosidade, as perseguições sociais e 
 
13
 HALBWACHS, M. A memória coletiva. Trad. de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006 
14
 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.2, n.3,1989. 
15
 SILVA, Sandra Siqueira da. Patrimonialização, cultura e desenvolvimento. Um estudo comparativo dos 
bens patrimoniais: mercadorias ou bens simbólicos? Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em 
Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 5 nº 1 – 2012. 
 
 
14 
 
políticas aos terreiros. Relatamos sobre a inclusão da primeira coleção etnográfica Tombada 
pelo Iphan, em 1937, denominada de “Magia Negra”, fruto da cultura material sacra, retirada 
dos terreiros nas perseguições policiais. E, por último, descrevemos como se desenvolveu o 
projeto Mapeamento dos Terreiros de Candomblé do Rio de Janeiro/Iphan/RJ. O 
levantamento preliminar dos terreiros, a coleta de dados através de entrevistas, o histórico dos 
terreiros, o procedimento metodológico do INRC e as discussões teóricas sobre a 
possibilidade de inclusão dos terreiros nos Livros de Registro. 
 No terceiro capítulo analisamos as narrativas coletadas nas entrevistas do projeto 
Mapeamento dos Terreiros de Candomblé do Rio de Janeiro, quando visitamos os terreiros de 
candomblé mais antigos e significativos, como um importante material documental e 
empírico. Fizemos também um levantamento nos pareceres dos terreiros de candomblé 
Tombados na Bahia pelo Iphan, para discutir as contradições em torno do Decreto-Lei 
n°25/37
16
, que instituiu o Tombamento, por se tratar de uma lei definida para bens materiais
17
, 
sujeita a um engessamento do bem, no sentido da proposição de não poder sofrer 
modificações físicas. Sendo que no caso dos terreiros, esta exigência não pode ser aplicada 
por se tratar de um espaço do sagrado. 
Neste contexto apresentamos um breve histórico e as narrativas dos terreiros do Rio de 
Janeiro, que solicitaram o Tombamento ao Iphan/RJ, como significação e representação 
cultural africana no Brasil. Estabelecemos um esquema hierárquico que liga os terreiros doRio de Janeiro aos terreiros mais antigos e Tombados na Bahia, fazendo uma confrontação de 
suas narrativas orais como um documento representativo desse grupo, e suas memórias que se 
apresentam como formadoras da tradição do candomblé. 
 
 
 
 
 
 
 
16
 Decreto-Lei n°25/37, que instituiu o Tombamento. 
17
 No caso do patrimônio material, este é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua 
natureza, nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes 
aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis (como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e 
bens individuais); e móveis (como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, 
arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos). 
15 
 
CAPITULO I 
 
AS CATEGORIAS QUE OS BENS DEVEM SER ENQUADRADOS COMO UM 
ELEMENTO REPRESENTANTE DA IDENTIDADE E MEMÓRIA NACIONAL 
 
1.1. Patrimônio, Memória e Identidade: O caso dos terreiros de candomblé. 
 
Em 2006, a Superintendência do IPHAN/RJ
18
 procurava um pesquisador especialista 
em cultura afro-brasileira e dominasse a metodologia para realizar o inventário dos terreiros 
de candomblé do Rio de Janeiro. Foi aí que começamos o projeto de Mapeamento dos 
Terreiros de Candomblé do Rio de Janeiro. De 2006 a 2010, este projeto passou por várias 
etapas, que serão definidas no capítulo II. 
Com base neste trabalho surgiram muitas questões sobre as possibilidades de 
Tombamento ou Registro dos terreiros de candomblé, tais como: Porque não Registrar ao 
invés de Tombar? O que pensam os babalorixás e yalorixás sobre isso? Os representantes da 
sociedade civil que estão solicitando o Tombamento aceitariam o Registro? Quais os terreiros 
que devem ser considerados os mais significativos para o Tombamento? Quais os critérios 
que serão usados? 
Essas e outras questões deram origem a nossa hipótese central de que o Mapeamento 
dos terreiros de candomblé do Rio de Janeiro, realizado pelo IPHAN
19
, abre a possibilidade 
para a instituição do Registro, mas é insuficiente para atender as demandas dos agentes sociais 
envolvidos com os terreiros. O corte cronológico desta pesquisa contempla os anos de 2006 a 
2010, período de desenvolvimento do projeto, cujo contexto e metodologia serão mais bem 
explicitados no capítulo II. 
Ao iniciarmos nossa investigação, entendemos que precisávamos pensar qual a 
representatividade dos terreiros de candomblé para a cultura brasileira que servirá de 
instrução para o Registro ou Tombamento. E para isso vamos discutir qual o lugar dos 
 
18
 Superintendência do IPHAN/RJ. Localizada na Av. Rio Branco, 46. Centro, RJ. Segundo o Regimento Interno 
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Art. 108. Às Superintendências do IPHAN compete: I 
- propor, planejar, coordenar, implementar e executar e avaliar as atividades, programas, ações e projetos 
referentes à ação institucional do IPHAN na preservação dos bens culturais sob sua circunscrição, atendendo às 
diretrizes institucionais e da Política Nacional do Patrimônio Cultural; 
19
 IPHAN é autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, constituída pela Lei nº 8.113, de 12 de 
dezembro de 1990, e pelo Decreto nº 99.492, de 3 de setembro de 1990, com base na Lei nº 8.029, de 12 de abril 
de 1990, e tem sede e foro em Brasília, Distrito Federal, circunscrição administrativa em todo o território 
nacional e prazo de duração 
indeterminado. 
16 
 
terreiros, considerando os conceitos de patrimônio, memória e identidade. Salientamos que os 
conceitos de memória abordados são necessários para entendermos como se deu o processo de 
preservação das tradições desses grupos sociais que hoje buscam o ser lugar representativo 
como patrimônio nacional. 
Como aporte teórico, vamos trabalhar os conceitos de Pierre Nora, lugar de memória, 
Maurice Halbwachs, memória coletiva, e Michael Pollak, memória subterrânea. 
Para iniciar a discussão sobre patrimônio, resolvemos começar pelo Dicionário de 
conceitos históricos
20
, ao definir que patrimônio cultural não se restringe à produção material 
humana, mas abrange também a produção emocional e intelectual. Ou seja, tudo o que 
permite ao homem conhecer a si mesmo e ao mundo que o rodeia pode ser chamado de bem 
cultural. 
O conceito de patrimônio cultural passou por muitas fases: desde as significações de 
bens apenas de propriedade privada até as variadas discussões e proposições elaboradas nas 
Cartas Patrimoniais
21
, que contribuíram para a criação de uma nova compreensão do 
patrimônio de caráter mais abrangente, como a Declaração do México, em 1985, que ratificou 
o respeito às tradições e formas de expressão de um povo, tomando o conceito de identidade 
como elemento de constituição de valores nacionais e locais
22
. 
A partir do entendimento sobre memória, identidade e patrimônio, tentaremos refletir, 
analisar e levantar questões sobre a trajetória de inclusão desses grupos minoritários – 
comunidades de religiões de matrizes africanas – na memória oficial, no decorrer deste 
capítulo. 
Pensando em uma perspectiva tradicional, o processo de construção da memória 
coletiva oficial ocorria prioritariamente por meio de registros culturais de preservação sob a 
ótica das construções de pedra e cal, para retratar o patrimônio de uma nação, cidade e/ou 
comunidade em busca dos traços tangíveis que pudessem constituir a identidade nacional. 
Esses testemunhos nos levavam a refletir a sociedade constituída apenas por documentos e 
monumentos. Os testemunhos do saber humano, com suas expressões, alteridades e narrativas 
que compõem sua memória, a história de sua comunidade e sua identidade como 
representação do patrimônio imaterial e intangível, não faziam parte relevante da 
institucionalização da memória nacional. 
 
20
 SILVA, Kalina Vanderlei, SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. Ed. Contexto. São 
Paulo, 2009, p.324. 
21
 A coleção dos principais documentos, recomendações e cartas conclusivas das reuniões relativas à proteção do 
patrimônio cultural, ocorridas em diversas épocas e partes do mundo. 
22
 FUNARI, Pedro Paulo Abreu, PELEGRINI, Sandra de Cássia Araujo. Patrimônio Histórico e Cultural. Ed. 
Zahar. Rio de Janeiro. 2006. P.29-36. 
17 
 
A partir do processo de redemocratização e da Constituição de 1988, novos grupos 
sociais emergiram no cenário político, buscando o reconhecimento de suas tradições, 
identidades, memórias e direitos civis. Dentre as discussões sobre a identidade nacional e o 
patrimônio, destacamos as discussões dos movimentos sociais e do IPHAN
23
 – sobre os 
terreiros de candomblé e as questões que envolvem o Tombamento e/ou Registro do 
patrimônio imaterial no Brasil. 
Para o IPHAN, o tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público 
nos níveis federal, estadual ou municipal. Os tombamentos federais são responsabilidade do 
IPHAN e começam pelo pedido de abertura do processo, por iniciativa de qualquer cidadão 
ou instituição pública. O objetivo é preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, 
ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo a destruição e/ou 
descaracterização de tais bens. Já o registro é, antes de tudo, uma forma de reconhecimento e 
busca a valorização dos bens imateriais: saberes e celebrações, rituais e formas de expressão e 
os espaços onde essas práticas se desenvolvem. 
O antropólogo Gilberto Velho, no relatóriodo tombamento do terreiro de candomblé 
Casa Branca, em Salvador, Bahia, definiu a cultura como um fenômeno abrangente, que inclui 
todas as manifestações materiais e imateriais, expressas em crenças, valores e visões de 
mundo existentes em uma sociedade. Ele ainda relata a importância de reconhecer o 
candomblé como um sistema religioso fundamental à constituição da identidade de 
significativas parcelas da sociedade
24
. 
Identificamos a singularidade deste reconhecimento incluso no conceito de identidade 
nacional, relevante para nossa cultura. Segundo Michael Pollak
25
, a memória organizadíssima, 
que é a memória nacional, constitui um objeto de disputa importante, e são comuns os 
conflitos para determinar que datas e que acontecimentos vão ser gravados na memória de um 
povo. 
Portanto, reconhecemos os terreiros de candomblé como representativo da identidade 
afro-brasileira, seja ele compreendido como individual ou em conjunto. Tal qual o 
pensamento de Pollak, a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, 
 
23
 Regimento Interno do IPHAN. Art.2º O IPHAN tem como missão promover e coordenar o processo de 
preservação do patrimônio cultural brasileiro visando fortalecer identidades, garantir o direito à memória 
e contribuir para o desenvolvimento sócio-econômico do País. § 1º É finalidade do IPHAN preservar, 
proteger, fiscalizar, promover, estudar e pesquisar o patrimônio cultural brasileiro, na acepção do art. 216 da 
Constituição Federal. 
24
 VELHO, Gilberto. Patrimônio, negociação e conflito. Mana: estudos de antropologia social, Rio de Janeiro, 
v.12, n.1, p.237-248, abr. 2006. 
25
 POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 
200-212. 
18 
 
tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente 
importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo sua 
reconstrução de si
26
. 
Halbwachs, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a memória deve ser entendida 
também, ou, sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno 
construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes
27
. 
Para Pollack, a memória, compreendida enquanto objeto organizável, passa 
constantemente por processos de enquadramento e resignificação que visam atender as 
exigências de credibilidade dos sujeitos pertencentes a uma coletividade. Além disso, por se 
basear em referências comuns, geralmente fornecidas pela história – “A memória, onde cresce 
a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o 
futuro”28 –, consolida a identidade da maioria frente à memória nacional, minimizando o 
conflito eminente com as projeções elaboradas por setores socialmente marginalizados que 
não se identificam com a interpretação oficial, como no caso dos representantes das 
comunidades terreiros. 
Durante o processo de enquadramento, a memória se solidifica em suportes materiais 
que permitem “a um ser vivo remontar no tempo, relacionar-se, sempre no presente, com o 
passado: conforme os casos, exclusivamente com o seu passado, com o da espécie, com o dos 
outros indivíduos”29. 
Para organizar esta discussão, utilizamos as narrativas dos representantes dos terreiros 
com apoio da história oral para compreender os elementos representativos dos terreiros de 
candomblé e formar uma compreensão de seus símbolos e significados, por se tratarem de 
comunidades que perpetuaram seus saberes por sua oralidade. 
A memória e as recordações, quando materializadas, põem novamente em circulação a 
relação passado-presente e, através de sentimentos de filiação e origem, integram indivíduos e 
referências de períodos anteriores num fundo cultural comum. 
O termo candomblé é usualmente empregado para nomear todas as religiões de origem 
africana no Brasil. Nele, estão refletidos traços culturais de povos vindos de algumas regiões 
da África, porém, possui uma representatividade com características brasileiras. Esses traços 
 
26
 POLLAK, idem 
27
 POLLAK, ibdem 
28
 POLLAK, Op cit. 
29
 HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Traduzido do original Frances La Mèmoire Colletive 2°ed, 
Presses Universitaires de France, Paris, França, 1968. 
19 
 
culturais foram apropriados e sofreram um entrelaçamento com a convivência dos escravos 
advindos de culturas africanas diferenciadas, cujas tradições foram reinventadas no Brasil. 
O historiador Eric Hobsbawm atenta para a criação, por parte dos grupos sociais, de 
instrumentos capazes de assegurar e expressar a identidade, coesão social e estruturar as 
relações dos elementos pertencentes ao coletivo. Nas palavras do autor, “toda tradição 
inventada, na medida do possível, utiliza a história como legitimadora das ações e como 
cimento social da coesão grupal
30”. 
A expressão invenção das tradições é utilizada em sentido amplo, mas bem definido, 
incluindo tanto as tradições propriamente inventadas e institucionalizadas quanto aquelas que 
surgem repentinamente e da mesma forma se estabelecem, permanecendo tal como as outras, 
como se sua origem fosse remota, ainda que durem relativamente pouco. 
 
A palavra tradição teve originalmente um significado religioso: doutrina ou prática 
transmitida de século para século, pelo exemplo ou pela palavra. Mas o sentido se 
expandiu, significando elementos culturais presentes nos costumes, nas Artes, nos 
fazeres que são herança do passado. Em sua definição mais simples, tradição é um 
produto do passado que continua a ser aceito e atuante no presente. É um conjunto 
de práticas e valores enraizado nos costumes de uma sociedade
31
. 
 
Para Rodrigo de Mello Franco, uma tradição brasileira veio a ser criada e estabelecida 
com base nesse processo de combinação cultural. Em sua narrativa, as diferenças entre essas 
heranças não são enfatizadas e um quadro unificado e singular da identidade cultural 
brasileira ganha o primeiro plano
32
. 
 
O Presidente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional– IPHAN, na 
qualidade de Presidente do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, no uso das 
atribuições que lhe são conferidas. Considerando: que, para os efeitos desta 
Resolução, toma-se tradição no seu sentido etimológico de “dizer através do tempo”, 
significando práticas produtivas, rituais e simbólicas que são constantemente 
reiteradas, transformadas e atualizadas, mantendo, para o grupo, um vínculo do 
presente com o seu passado
33
; 
 
Para os africanos e seus descendentes, “dizer através do tempo” significou 
inicialmente o uso do artifício do silêncio como forma de resistência, para preservar suas 
tradições. Entenderam que se suas práticas rituais e simbólicas se articulassem bem com a 
 
30
 HOBSBAWM, Eric J., RANGER, Terence O.(org.). A Invenção das Tradições. Ed. Paz e Terra. 
31
 SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. Ed.Contexto – São 
Paulo; 2006. 
32
 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. 
Rio de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN, 1996. p.46. 
33
 RESOLUÇÃO n° 001, de 03 de agosto de 2006. Publicada no DO de 23 de março de 2007. 
CONSIDERANDO as disposições contidas no Decreto nº 3.551, de 04 de agosto de 2000. 
20 
 
memória dominante seriam apropriadas, porém, o que ocorreu foi o contrário; tornaram-se 
memórias subterrâneas, silenciadas, só acessíveis por meioda oralidade. O silêncio, no caso 
da memória individual e do grupo, pode ser não um esquecimento, mas uma estratégia pessoal 
de gerir a memória. 
As memórias individuais, para Halbwachs, sempre estão marcadas socialmente 
(valores, necessidades sociais, visão do mundo, etc.) e o esquecimento significa a perda destes 
quadros sociais. Assim, nunca lembramos a sós, lembramos com os outros, estamos 
submersos nas narrativas coletivas. 
 
Como esos marcos son históricos y cambiantes, en realidad, toda memóriaes una 
reconstrucción más que un recuerdo.
34
 
 
Na tentativa de recuperação da memória das comunidades terreiros tivemos que 
encaminhar as narrativas de forma individual comparado-as a do grupo, da coletividade, pois 
esse longo processo de silenciamento resultou, na perpetuação dos saberes e também na 
dificuldade daqueles que não fazem parte do culto de acessar essa memória que passou por 
gerações de forma silenciada. 
É importante lembrar que essa barreira criada pelo silenciamento, fruto de 
perseguições e preconceitos, só permaneceu para os que não pertenciam ao culto, porque, 
entre eles, o que prevalecia era dar continuidade a suas tradições e compartilhar seus saberes 
com o uso da oralidade em forma de segredo, o awô. 
A socióloga Elizabeth Jelin
35
 coloca mais ênfase nos quadros sociais da memória do 
que na memória coletiva de Halbwachs, pois, segundo ela, o perigo é que a memória coletiva 
possa ser entendida como uma entidade própria que logo será cristalizada, separada dos 
indivíduos. O coletivo, nas memórias, é o tecido de tradições e memórias individuais em 
dialogo e fluxo constante, que tem organização e estrutura socialmente compartilhadas. 
 
Las vivencias individuales no se transforman en experiencias con sentido sin la 
presencia de discursos culturales, y éstos son siempre colectivos. A su vez, la 
experiencia y la memoria individuales no existen en sí, sin o que se 
manifiestan y se tornan colectivas en el acto de compartir. O sea, la experiencia 
individual construye comunidad en el acto narrativo compartido, en el narrar y el 
escuchar.36 
 
 
34
 JELIN, Elizabeth, Los trabajos de la memória. Madrid: Siglo XXI, Social Science Research Council, 2002. 
p. 21. 
35
 JELIN, idem. 
36
 JELIN. ibdem p.37. 
21 
 
Nos terreiros, a experiência individual só tem sentido quando compartilhada na 
comunidade, de forma coletiva, pois, a experiência de um pode servir de aprendizado para 
todos. Em seu cotidiano, todos se unem para ajudar e participar de vários rituais em benefício 
de um indivíduo. E, assim, de forma coletiva, todos se beneficiam por ter o direito a participar 
daquele rito, porque, segundo suas tradições, só se aprende fazendo, participando e adquirindo 
novas experiências. 
Este olhar nos permite passar da memória como dado para centralizá-la nos processos 
de construção, segundo Pollak, e dar voz aos distintos atores sociais e às disputas de sentidos 
do passado em cenários diversos, permitindo a pesquisa nas memórias dominantes. 
E aqui aproveitamos para perguntar: porque não dar voz às narrativas dos 
representantes dos terreiros? Para isso, no capítulo III iremos trabalhar com as narrativas de 
alguns babalorixás e yalorixás coletadas na pesquisa de campo do projeto em questão. 
Utilizá-la-emos para apreender os significados que os inserem no cenário da memória 
nacional. Ao ouvi-los, através de suas memórias, obteremos subsídio para a compreensão da 
manutenção de suas tradições e para as discussões sobre as políticas de proteção do 
patrimônio no Brasil. 
 
Na maioria dos casos, a memória dessas minorias depende de três tipos de 
descolonização: a descolonização global, que deu a sociedades que estavam 
vegetando na inércia etnológica da opressão colonial acesso à consciência histórica e 
à recuperação ou fabricação da lembrança; nas sociedades tradicionais 
ocidentais, a descolonização interna de minorias sexuais, sociais, religiosas e 
provinciais, por meio da integração, para quem a afirmação de suas “memórias” – o 
que quer dizer, de fato, de sua própria História – é uma maneira conseguir para si o 
reconhecimento em sua singularidade pela comunidade em geral que tem até agora 
se recusado a admitir seus direitos; e, finalmente, com o fim dos regimes totalitários 
do século XX, a descolonização ideológica e a reemergência de povos com suas 
longas memórias tradicionais que tais regimes haviam confiscado, destruído ou 
manipulado: Rússia, Bálcãs, África.
37
 
 
Um terreiro de candomblé, ao ser reconhecido através do Tombamento ou Registro, 
passa a ser considerado lugar de memória, ou seja, lugares carregados de memória, 
representativos de práticas rituais, costumes e tradições religiosas. Para Pierre Nora, lugar de 
memória são lugares em todos os sentidos do termo; vão do objeto material e concreto ao 
 
37
 NORA,Pierre. Memória da liberdade à tirania. Musas-Revista Brasileira de Museus e Museologia, nº4, Rio de 
Janeiro, Instituto Brasileiro de Museus, 2009, p.8. 
22 
 
mais abstrato, simbólico e funcional. Simultaneamente e em graus diversos, esses aspectos 
devem coexistir sempre
38
. 
 
Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, 
só é lugar de memória se a imaginação o investe de aura simbólica. Mesmo um lugar 
puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de 
antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um 
minuto de silêncio, que parece o extremo de uma significação simbólica, é, ao 
mesmo tempo, um corte material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, 
a um lembrete concentrado de lembrar. Os três aspectos coexistem sempre (...). É 
material por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante ao 
mesmo tempo a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por 
definição visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vivida por 
pequeno número uma maioria que deles não participou
39
. 
 
Memória e identidade traçam socialmente uma conexão íntima. A possibilidade de 
transmissão de conteúdos, por meio de criações exteriores que não podem ser obtidas pela 
hereditariedade, assevera aos vestígios uma existência autônoma e define a coletividade e 
racionalidade da memória. Em sua recordação, a relação intertemporal é imediata
40
. A 
referência à memória enquanto fenômeno social deve ser entendido com base na sua 
característica de conservar vestígios de períodos passados, fixando uma relação direta entre 
individuos-presente e fatos-passado. 
A prática ritual revificadas no cotidiano dos terreiros é o que os faz dar o sentido de 
perpetuação dos saberes transmitidos por gerações, através de contínuas repetições dos 
mesmos cânticos, objetos rituais e elementos da natureza. Suas experiências rituais são 
transmitidas a partir de suas memórias, recordações e práticas. 
 
O rito distingue até o infinito, atribui valores discriminativos aos menores 
elementos, mas também se abandona a uma orgia de repetições. Através das 
palavras proferidas, gestos cumpridos, objetos manipulados, o ritual tanto introduz 
diferenças no seio de operações que poderiam parecer idênticos, como reproduz 
interminavelmente o mesmo enunciado, mostrando assim estar estranhamente 
habitado por uma obsessão: refazer o contínuo a partir do descontínuo, evitar toda 
interrupção na continuidade do vivido [...].
41
 
 
 
38
 NORA, Pierre. Entre história e memória:a problemática dos lugares. Revista Projeto História. São Paulo, v. 
10, p. 7-28, 1993. Revista do Programa de Estudos Pós-Gradudos em História e do Departamento de História da 
PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). 
39
 NORA, Idem. p.22. 
40
 HALBWACHS, Idem.p.67. 
41
 MASSENA ARÉVALO, Marcia Conceição da. Lugares de memória ou a prática de preservar o invisível 
através do concreto. Universidade Federal de Ouro Preto. I Encontro Memorial do Instituto de Ciências humanas 
e Sociais – Mariana / MG, 2004. P.9-12. Disponível em: www.google.com.br/.Acesso em: 24 de julho de 2013. 
P.20 
23 
 
O ritual pode ser considerado por seu papel narrativo de consolidação e totalização. É 
através de sua prática que se reúnem elementos característicos de um grupo, conferindo-lhe 
sentido, unificando-o. A repetição dessas práticas rituais que lhe conferem sentidos também 
cria o significado de preservação das mesmas, para que seus saberes não se percam. 
 
A idéia da perda: “A História aparece como “um processo inexorável de destruição, 
em que valores, instituições e objetos associados a uma “cultura”, “tradição”, 
“identidade” ou “memória” nacional tendem a se perder.(...)O efeito dessa visão é 
desenhar um enquadramento mítico para o processo histórico, que é equacionado, de 
modo absoluto, à destruição e homogeneização do passado e das culturas.” 42 
 
Nora utiliza-se enfaticamente da ritualização de uma memória-história em um 
determinado espaço denominado Lugares de Memória, na esperança de que essa possa 
reunificar o indivíduo fragmentado com o qual lidamos na sociedade contemporânea
43
. 
Para manutenção das práticas religiosas de matrizes africanas, o candomblé, podemos 
concluir que, se o considerarmos como um bem de patrimônio material, o terreiro representará 
um lugar carregado de memória, um lugar de memória, e sem a existência desse lugar-terreiro 
para a manifestação de seu culto e práticas rituais e assim preservar sua parte imaterial, seus 
saberes. 
Pensando na salvaguarda dos terreiros de candomblé, tanto o Tombamento, que é 
ligado ao patrimônio material, como o Registro, ao imaterial, aparecem como instrumentos 
legais passíveis de serem utilizados, pois tanto o lugar-terreiro como a memória deste lugar 
são intrínsecos e não podem ser analisados de forma separada. 
Segundo a política de preservação do patrimônio imaterial sustentada através da 
legislação do decreto 3551/2000, no Art. 1
o
 Fica instituído o Registro de Bens Culturais de 
Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro. Foram criado quatro Livros 
de Registro. Um destes livros tem como nome “Livro de registro dos lugares”, no qual, 
segundo o texto do decreto, estarão inscritos "mercados, feiras, santuários, praças e 
demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas". O § 2
o
 
observa a finalidade desta inscrição: “A inscrição num dos livros de registro terá sempre 
como referência a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a 
memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira”44. 
 
42
 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural noBrasil. 
Rio de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN, 1996. 
43
 MASSENA ARÉVALO, Marcia Conceição da. Idem p.22.. 
44
DECRETO Nº 3.551, DE 4 DE AGOSTO DE 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza 
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá 
24 
 
Ainda em relação ao patrimônio, memória e identidade, consideramos que o que é 
singular deve integrar o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Observamos que após a 
citação sobre o conceito de cultura proposto no relatório por Gilberto Velho, os conceitos de 
monumento e de monumental, antes ligados ao conceito de materialidade, sofreram um 
processo de mudança com o tombamento do Terreiro da Casa Branca. Monumental, aqui, 
aparece na relação entre a cosmogonia ritualística da religião africana e a espacialidade das 
pequenas áfricas, quando os Terreiros de Candomblé foram se resignificando, nesta expressão 
consagrada pelo antropólogo Roger Bastide
45
. 
Bastide entende que o sagrado não habita a Bahia. Os orixás moram na África, sendo 
atraídos para a Bahia pelos tambores e pelo sangue sacrifical. Então o que define a oposição 
entre sagrado e profano é a transposição da África para a Bahia, posta em ação pelos terreiros 
de candomblé. Os terreiros se tornaram responsáveis em transportar, de um lado a outro do 
oceano, o sagrado, o testemunho do culto religioso africano para as pequenas áfricas
46
, os 
terreiros de candomblé. 
Tendo os terreiros, essas pequenas áfricas, como exemplo, podemos citar a tríplice 
acepção de Nora sobre lugares de memória: são lugares materiais onde a memória social se 
ancora e pode ser apreendida pelos sentidos; são lugares funcionais, porque têm ou 
adquiriram a função de alicerçar memórias coletivas; e são lugares simbólicos, onde essa 
memória coletiva – vale dizer, essa identidade – se expressa e se revela. São, portanto, 
lugares carregados de uma vontade de memória
47
. 
Nesta pesquisa, nos baseamos no inventário dos terreiros de candomblé do Rio de 
Janeiro e foi estabelecido o uso das fichas de catalogação de Lugar. Para isso, nos 
apropriarmos do conceito de “lugar” da geografia, a fim de definir o espaço, do lugar e sua 
materialidade. 
Na antropologia, a noção de lugar pode ser compreendida como “espaço identitário, 
relacional e histórico”48, que cria símbolos, experiências e relações entre os seus 
usuários/expectadores. Se ele é construído, podemos dizer que reflete uma identidade de 
quem o construiu e através de qual grupo pertence e como é utilizado. E quais as experiências, 
saberes, símbolos e significados refletem seu uso neste espaço. 
 
outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3551.htm . Acessado em 13 de outubro de 
2013. 
45
 BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia. Editora Companhia das Letras, 1978. 
46
 BASTIDE, Roger. Op,cit.p. 32. 
47
 NORA, Pierre, Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História, n°10, SP, 1993. 
48
 AUGÉ, 1994, idem. p.73 
25 
 
Percebemos que existem várias formas de uso desses lugares: socialmente, 
culturalmente e até institucionalmente. Desta forma, os lugares podem ser também analisados 
e inseridos em categorias diferentes como representação identitária do patrimônio cultural 
brasileiro. 
Pierre Nora comenta que, se habitássemos a memória, não teríamos necessidade de lhe 
consagrar lugares. Não haveria lugares porque não haveria a memória transportada pela 
história, e a memória seria considerada global, atual, permanente ou realizável a partir da 
necessidade individual de transformá-la em história. Para o autor, nas sociedades sem 
memória faz-se necessário a criação dos lugares de memória. 
No estudo de caso dos terreiros de candomblé, podemos considerar que se eles não 
forem vistos como lugares de memória, com sua ambiguidade material e imaterial, podem se 
tornar “o não lugar”, por não ser permitido se refazerem e se reconstruírem49. 
Os lugares são materiais por natureza, sendo, portanto, bem e suporte ao mesmo 
tempo. Isso torna os lugares uma categoria ideal para se averiguar a limiaridade existente 
entre tombamento e registro, pois, é possível proteger um bem de duas formas diferentes50
. 
Para que um bem seja tombado como patrimônio, como os monumentos, igrejas, casas 
e até terreiros, ele tem que possuir um significado, uma história, uma memória, uma 
simbologia, que é de natureza imaterial. É essa natureza imaterial carregada de saberes, que 
lhe dá sentido e importância como patrimônio. 
A memória, para Pierre Nora, depende da conservação de um ritual cotidiano, de sua 
vivificação e revitalização contínua; requer a noção de pertencimento e desprendimento, do 
apego e do distanciamento, lembrar e reencontrar, como princípio e segredo da identidade. 
Memória é aquilo que é impossível lembrar. Ela precisa da acumulação de vestígios, 
testemunhos, documentos, imagens, símbolos, como se fosse um dossiê para se tornar uma 
comprovação histórica. 
De acordo com as observações de Pollak , o silêncio e o esquecimento sobre o passado 
surgem muitas vezes pela articulação do Estado e suas razões políticas para forjar uma 
memória oficial em detrimento da força da memória de dominação e de sofrimentos vividos 
por grupos minoritários, com o objetivo de distanciá-los de sua inclusão na memória nacional 
e identidade cultural do país.
51
 
 
49
 NORA, Pierre. Idem, p. 78. 
50
 LEACH, E. Cultura e comunicação: a lógica pela qual os símbolos estão ligados: uma introdução ao uso da 
análise estruturalista em antropologia social. Rio de Janeiro: Zahar,1978. 
51
 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.2, n.3,1989, p. 
3-15. 
26 
 
 Desta forma, o conceito de memória é indissociável da organização social da vida. 
Pode ser organizada a partir do silêncio de sua experiência de vida, não como produto de 
esquecimento, mas como gestão de memória, ou pode ser organizada para poder falar de sua 
experiência e transmitir o seu passado, como uma condição que se faz necessária para a 
manutenção de sua estabilidade e continuidade. 
A aproximação dos historiadores da cultura aos lugares de memória que pretendem 
estudar postula, portanto, uma operação crítica meticulosa que permita construir, com os 
fragmentos que esses lugares de memória representam uma das leituras possíveis da 
totalidade do processo histórico que os selecionou e revestiu de um particular significado, 
para desvendar assim os códigos dos rituais que os monumentalizam e, por fim, historicizá-
los, ou seja, perceber as marcas do tempo vivido que, por vezes de forma muito tênue, 
transparecem sob a ilusão de eternidade que é uma de suas características. 
 
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não existe memória 
espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter os aniversários, 
organizar as celebrações, pronunciar as honras fúnebres, estabelecer contratos, 
porque estas operações não são naturais (...). Se vivêssemos verdadeiramente as 
lembranças que eles envolvem, eles seriam inúteis. E se em compensação, a história 
não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los 
eles não se tornariam lugares de memória. É este vai e vem que os constitui: 
momentos de história arrancados do movimento de história, mas que lhe são 
devolvidos
52
. 
 
Sendo a identidade e a memória onde se revela um patrimônio, podemos utilizar o 
pensamento de Hugues de Varine
53
, consultor da UNESCO, que classifica o patrimônio em 
três grandes grupos: o primeiro refere-se ao meio ambiente; o segundo engloba a produção 
cultural humana armazenada ao longo da história; e o terceiro agrega os bens culturais 
resultantes do processo de sobrevivência humana. Classifica-o também em três tipos de sítios 
patrimoniais: os naturais, composto por formações físicas, biológicas ou geológicas; os 
culturais, constituído por bens materiais e imateriais referentes às identidades, às ações e às 
memórias dos diferentes grupos da sociedade humana, manifestos em distintas formas de 
expressão científica, artística e tecnológica (objetos, documentos, edificações, paisagens 
culturais, conjuntos urbanos, sítios históricos e arqueológicos); e, por último, os mistos, que 
reúnem os elementos naturais e culturais. 
 
52
 NORA Idem, p. 13. 
53
 DE VARINE, Hugues. O tempo Social. Trad. Fernanda de Camargo-Moro e Lourdes Rego Novaes. Rio de 
Janeiro: Livraria Eça Editora, 1987. 
27 
 
Pensando na narrativa de Varine, podemos tentar compreender o patrimônio sob a 
intercessão dos três grupos e dos três sítios patrimoniais, através de uma discussão orientada 
para torná-los parte de uma mesma coisa, com o mesmo valor e importância aplicado 
efetivamente na teoria e nas leis. 
Sabemos que a aplicação de instrumentos legais e a fragmentação de novos conceitos 
sobre bens patrimoniais não assegura que um bem seja preservado e cumpra com sua função 
cultural
54
. As dicotomias encontradas entre os termos “patrimônio cultural material” e 
“patrimônio cultural imaterial” não são facilmente aceitas, não obstante se reconheça a ampla 
utilização dessa terminologia não só nas políticas públicas de preservação do patrimônio 
cultural, como também para a inclusão do patrimônio cultural nas categorias de tombamento e 
registro. Para Mário Ferreira de Pragmácio Telles, a categoria do patrimônio cultural é 
indivisível, apesar de possuir as dimensões materiais e imateriais que são inerentes aos bens 
(culturais) e às coisas
 55
. 
 O tombamento consiste em uma das formas do Poder Público condicionar a 
propriedade para que ela atenda à função social, uma vez que a utilização da propriedade 
pelo titular do direito está adstrita a temperamentos voltados para o interesse público, qual 
seja, a promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro, nos termos do artigo 216 da 
Constituição Federal. Nesse sentido, o tombamento consiste em um ato administrativo pelo 
qual o Poder Público declara o valor cultural de coisas móveis e imóveis, inscrevendo-as no 
respectivo Livro do Tombo
56
 e sujeitando-as a um regime especial, que impõe limitações ao 
exercício de propriedade com a finalidade de preservá-las
57
. 
Sabemos que há bens de natureza material e outros de natureza imaterial, porém, 
depois de reconhecidos pelos instrumentos legais de proteção e salvaguarda, tombamento e/ou 
registro, passam a pertencer oficialmente ao patrimônio cultural brasileiro. 
 
 
54
 DE VARINE, Hugues. Op,cit.P.52. 
55
 TELLES, Mário Ferreira de Pragmácio, “Patrimônio cultural material e imaterial - dicotomia e reflexos na 
aplicação do tombamento e do registro.” in Políticas Culturais em Revista, 2 (3), p. 121-137 , 2010 - 
www.politicasculturaisemrevista.ufba.br 
56
 Decreto Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, é o primeiro instrumento legal de proteção do patrimônio 
cultural no Brasil e nas Américas e seus preceitos fundamentais se mantêm atuais e em uso até os nossos dias. 
Pelo Decreto Lei 25, o patrimônio nacional é definido como "conjunto de bens móveis e imóveis existentes no 
país e cuja conservação é de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, 
quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico". O decreto estabeleceu, 
ainda, a criação dos quatro livros de tombo que servem para registro dos bens protegidos: o Livro do Tombo das 
Belas Artes; o Livro do Tombo Histórico; o Livro do Tombo das Artes Aplicadas e o Livro do Tombo 
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. 
 http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=13928&retorno=paginaIphan 
57
 ALVES, Renata Martins de Carvalho. TOMBAMENTO – UM NOVOENFOQUE. Extraído do artigo da 
mestranda em Direito Urbanístico na PUC/SP; Juíza de Direito no Estado de São Paulo. 
28 
 
O Ministério da Cultura e o IPHAN optaram pela expressão Patrimônio cultural 
imaterial, tendo por fundamento o art. 216 da Constituição Federal de 1988, 
alertando, entretanto, para a falsa dicotomia sugerida por esta expressão entre as 
dimensões materiais e imateriais do patrimônio
58
. 
 
Percebendo a existência de uma fronteira tênue, ao discutir se há dicotomia ou 
ambiguidade nos conceitos de patrimônio cultural material e imaterial, atentamos para o fato 
de que na prática esta divisão, ao ser aplicada, torna-se excludente, ou tomba ou registra, 
sabendo que o tombamento se refere ao material e o registro ao imaterial. Por que não tombar 
e registrar um bem imaterial e material? E os bens que se enquadram na categoria de 
“Lugares”, como no caso dos terreiros, não poderiam ser analisados e configurados como 
bens de natureza material e imaterial, passíveis de serem tombados e registrados, sendo eles 
um exemplo de interseção entre os dois conceitos? 
Não pretendemos responder a todas as questões, apenas fazer considerações relevantes 
que auxiliem na elaboração de novas percepções e reflexões, na ampliação de critérios de 
avaliação sobre os bens a serem tombados e/ou registrados, que possam favorecer a inclusão 
dessas representações do patrimônio brasileiro, mais próxima à ideia de cultura. 
Segundo Telles, o saber não ser considerado passível de tombamento, em virtude de 
sua natureza, e sim de registro, exclui a possibilidade de considerar o produto do saber como 
tombável. Podemos aproveitar esta verificação e aplicá-la ao caso dos terreiros, que foram 
inventariados na categoria de registro de lugar. Seus saberes, fazeres, celebrações e formas de 
expressões, deveriam ser considerados como produto do lugar do sagrado, que é o terreiro, na 
categoria de tombamento
59
. 
Parece redundante polemizar, sabendo que na Bahia seis terreiros de candomblé já 
foram tombados entre 1985 e 2005
60
, mas não é. Consideramos que é pertinente fazermos 
estas questões, pois o Conselho Consultivo do IPHAN deve levar em conta todas as ações que 
já foram desenvolvidas em torno do Tombamento ou Registro dos terreiros de candomblé, 
tendo em vista as novas solicitações no Rio de Janeiro que estão em fase de instrução de 
processo. 
 
58
 CAVALCANTI, M. L. V. de C.; FONSECA, M. C. L. Patrimônio imaterial no Brasil: legislação e políticas 
estaduais. Brasília: UNESCO, 2008, p.13. 
59
 TELLES, Op.cit.p.28. 
60
 Os seguintes terreiros são tombados:Terreiro Casa Branca do Engenho Velho(primeiro a ser tombado em 
1985); Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá (tombado em 1999) - Salvador (BA); Terreiro da Casa das Minas (tombado 
em 2002) - São Luís (MA); Terreiro do Gantois (Ilê Iyá Omim Axé Iyamassé, tombado em 2002) - Salvador 
(BA); Terreiro do Bate Folha (tombado em 2003) -Salvador (BA);Terreiro de Alaketo – (Ilê Maroiá Aleketo, 
tombado em 2005) - Salvador/BA. 
29 
 
Um dos maiores impasses quanto ao Tombamento dos terreiros refere-se ao conteúdo 
do decreto lei nº 25, de 1937, assinado pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas, 
que organiza a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Segundo o artigo 17 
dessa lei: as coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou 
mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço de Patrimônio Histórico e 
Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de dez por cento 
sobre o valor da coisa. 
Ao que parece, esse artigo engessa o bem, sem o direito a nenhuma modificação. 
Talvez este decreto também necessite de reformulação, até pela questão do tempo (76 anos 
atrás) em que foi criado e pelo sistema político vigente na época. 
Como inserir um terreiro de candomblé no instrumento de Tombamento, tendo em 
vista que seus espaços físicos sofrem constantes modificações? Será que os terreiros que 
foram tombados na Bahia tiveram que se submeter a esta normatização da lei, que os proíbe 
mudanças ou obtiveram alguma adaptação neste sentido? 
Os terreiros buscam o direito à memória, e para isso deve ser pensado nas duas 
categorias – Tombamento e Registro –, para que possam ser salvaguardados e inseridos nas 
políticas publicas de preservação como patrimônio cultural brasileiro, sem dicotomias e 
ambiguidades. Interessante salientar que os pesquisadores e as comunidades de terreiros, ao 
serem convocados para construir uma análise e avaliação conjuntamente com o IPHAN, 
devem fazê-lo de forma esclarecedora e inclusiva, para não ocorrer um complicado 
julgamento e definição. 
Segundo aponta Maria Cecília Londres Fonseca, uma política de preservação, ou de 
reconhecimento de um patrimônio vai além de medidas protetivas. Faz-se necessário 
“questionar o processo de produção deste universo que constitui um patrimônio, os critérios 
que regem a seleção de bens e justificam sua proteção”61. 
 
1.2. A trajetória das políticas de preservação da memória no Brasil - a criação do 
IPHAN 
 
Para melhor entendimento, apresentamos inicialmente uma linha do tempo sobre a 
trajetória das políticas de preservação da memória mais relevantes ocorridas no Brasil e o 
processo de evolução do IPHAN como instituição responsável pela salvaguarda do patrimônio 
 
61
 FONSECA, Maria Cecília Londres. Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação 
do Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/ IPHAN, 2005. p. 35-36. 
 
30 
 
histórico, incluindo as etapas do Projeto Mapeamento dos terreiros de candomblé do Rio de 
Janeiro, como contribuição para o estudo de caso em questão. 
 
FIGURA1. TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA 
1920 A preocupação com a preservação do patrimônio histórico nacional, principalmente 
dos bens imóveis fora do âmbito dos museus, começa a ter um significado mais 
relevante a partir da década de 1920, visto que a falta de preservação destes bens estava 
comprometendo sua conservação, chamando assim a atenção de intelectuais, que 
denunciavam o descaso com as cidades históricas e a dilapidação do que seria um “tesouro” 
Nacional. 
1934 Na Constituição de 1934, artigo 10, observa-se pela primeira vez no Brasil a noção 
jurídica de patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 
1937 Com o Decreto-Lei n.° 25, de 30 de novembro de 1937, do então presidente Getúlio 
Vargas, tem-se a criação do SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 
O SPHAN foi estruturado por intelectuais e artistas brasileiros da época. A partir deste 
momento definiu-se Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O Decreto-lei de n° 25, de 
30/11, organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. São criados quatro 
livros de tombos: Histórico, de Belas-Artes, de Artes-Aplicadas e Arqueológico 
/Etnográfico/Paisagístico. 
1938 O conjunto arquitetônico e paisagístico de São João del Rey é o primeiro bem 
tombado no livro de Belas-Artes do SPHAN, a 04/03. Em 31/03, a Igreja e o Convento de 
São Francisco, em Salvador, Bahia, tornam-se o primeiro bem inscrito no Livro Histórico; e 
em 05/05, a coleção do Museu de Magia Negra (RJ) é a primeira a ser tombada na categoria 
de livro Arqueológico/Etnográfico/Paisagístico. 
1946 O SPHAN passa a ser chamado de DPHAN - Departamento do Patrimônio 
Histórico e Artístico Nacional. 
1970 O DPHAN é transformado em IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e 
Artístico Nacional. O conceito de patrimônio nacional,até o final da década de 1970, 
estava firmemente voltado à preservação de bens imóveis. Juntaram-se os conceitos de 
sítios e conjuntos arquitetônicos relevantes para a sociedade, sendo estes utilizados como 
relíquias do passado histórico e empregados pedagogicamente no ensino dos valores 
nacionais a fim de se firmar um sentimento de nacionalidade comum a todo brasileiro. 
1988 Surgia a possibilidade de tombamento não só de bens de natureza material, mas 
igualmente de bens de natureza imaterial, conforme dispõe o artigo 216 da Constituição 
Federal de 1988. 
2000 Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o registro de bens culturais de 
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional 
do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. 
2002 Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural – UNESCO. Reafirma que a 
31 
 
cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, 
intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, 
além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de 
valores, as tradições e as crenças. 
2003 Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Considera a 
importância do patrimônio cultural imaterial como fonte de diversidade cultural e garantia de 
desenvolvimento sustentável. 
2005 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. 
Decreto Legislativo 485/2006. 
2006 Início do projeto Mapeamento dos terreiros de candomblé do estado do Rio de 
Janeiro/IPHAN/RJ, sob a coordenação de Marcia F. Netto e equipe com dois assistentes de 
pesquisa e um estagiário. 
2009 I e II Fórum de Terreiros de candomblé do Rio de Janeiro e lançamento do CDrom 
sobre 32 terreiros inventariados. 
2010 Edição do livro: Terreiros de candomblé do Rio de Janeiro, NETTO, Marcia 
Ferreira.Via Letera. IPHAN. RJ. 
 
 
Baseado nesta trajetória delineada sobre as ações que permeiam este processo 
histórico de preservação do patrimônio cultural brasileiro, iremos abordar alguns pontos 
importantes para nossa discussão. 
Ao longo do tempo, muitos autores discorreram diferentes teorias em defesa do 
patrimônio material como representação da identidade nacional, mas o que nos interessa nesta 
reflexão é tentar responder a essa e outras questões relatando o papel do Estado através da 
criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937, como 
instrumento de preservação cultural, e da construção de políticas públicas de patrimônio 
imaterial que surgiram à posteriori. Para isso, apontamos para o cenário político na década de 
1930, durante o primeiro governo Vargas (1930-1945), quando a defesa do patrimônio 
arquitetônico e artístico foi associada à consolidação da memória e identidade nacionais. 
Em 1933 foi criada a primeira lei federal no Brasil sobre a questão patrimonial e a 
cidade de Ouro Preto foi elevada à categoria de Monumento Nacional
62
. O Estado 
“centralista” se apresentava como “guardião” do patrimônio cultural. O Sphan foi criado com 
o poder de definir o que deveria ou não ser um bem histórico e o que representaria a memória 
 
62
 Decreto N. 22.928 – de12 de julho de 1933. Art. 1º Fica erigida em Monumento Nacional a Cidade de Ouro 
Preto, sem ônus para a União Federal e dentro do que determina a legislação vigente. 
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=32122. 
32 
 
nacional a ser preservada. Percebemos então que memória e identidade se confundem face às 
estratégias utilizadas na política pública de proteção do patrimônio. 
Nesse contexto, ressaltamos “as viagens de “descoberta do Brasil” pelo interior de 
Minas Gerais, realizadas por Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade no final da década de 
1920, e mais tarde, em 1934, por Claude Lévi-Strauss, integrado à Missão Francesa na 
Universidade de São Paulo (USP), patrocinado por Mário de Andrade, quando criou a 
Sociedade de Etnografia e Folclore do Departamento de Cultura do Município de São Paulo e 
introduziu o uso da etnografia no meio acadêmico, permitindo uma nova perspectiva sobre a 
pluralidade cultural”63. 
Ao mesmo tempo, podemos citar Maria Cecília Londres Fonseca, quando ela aponta a 
precariedade e a limitação dos parâmetros adotados, até data bem recente, para se definir o 
que deve ser caracterizado como patrimônio de um povo
64
. 
A noção de patrimônio histórico estava relacionada ao aparecimento dos Estados 
Nacionais. Preservar monumentos para construir uma imagem de nação e reforçar a 
identidade do Estado-nacional. Patrimônio constituído por narrativas discursivas sobre o 
passado passou a sofrer ameaça de perda da construção de uma imagem de nação e da 
identidade nacional. José Reginaldo Santos Gonçalves apresenta a ideia de retórica da perda 
como elemento importante para a preservação do patrimônio cultural. 
 
Como alegorias, as narrativas nacionais sobre o patrimônio cultural expressam uma 
mensagem moral e política: se a nação é apresentada no processo de perda de seu 
patrimônio cultural, consequentemente sua própria existência está ameaçada. Este 
patrimônio tem de ser imediatamente defendido, protegido, preservado, restaurado e 
apropriado pela própria nação ou por seus representantes, de modo a evitar a sua 
decadência e destruição. De acordo com essas narrativas, a nação será redimida na 
medida em que seu patrimônio cultural venha a ser apropriado e protegido contra 
um processo histórico de destruição. Para que a nação possa existir, enquanto 
entidade individualizada e independente, ela tem de identificar e apropriar-se do que 
já é sua propriedade: seu patrimônio cultural
65
. 
 
 A perspectiva reducionista inicial que reconhecia o patrimônio apenas no âmbito 
histórico, circunscrito a recortes cronológicos arbitrários e permeado por episódios militares e 
personagens emblemáticos, acabou sendo suplantada por uma visão muito mais abrangente. A 
 
63
 Criada no dia 2 de abril de 1937, a Sociedade de Etnografia e Folclore. tendo por finalidade “orientar, 
promover e divulgar estudos etnográficos, antropológicos e folclóricos”. p.66. 
http://www.centrocultural.sp.gov.br/livros/pdfs/sef.pdf 
64
 FONSECA, Maria Cecília Londres. “Da modernização à participação. A política federal de preservação nos 
anos 70 e 80”. In. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Instituto do Patrimônio Histórico e 
Artístico Nacional, MEC, 1996, no. 24. 
65
 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. 
Rio de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN, 1996. 
33 
 
definição de Patrimônio passou a ser pautada pelos referenciais culturais dos povos, pela 
percepção dos bens culturais nas dimensões testemunhais do cotidiano e das realizações 
intangíveis 
66
. 
Por vários anos, os profissionais do IPHAN dedicaram-se apenas a ações ligadas ao 
patrimônio material, como laudos de instrução de Tombamento, de preservação, restauração e 
salvaguarda de patrimônio material, “pedra e cal”. 
A partir da Constituição Federal de 1988, do Decreto nº 3.551, sobre a instituição do 
registro de patrimônio imaterial e da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da 
UNESCO
67
, em 2002, as instituições governamentais como o IPHAN tiveram que se 
reformular para seguir as novas proposições das leis de patrimônio. Como também a aprender 
a pensar em ações ligadas ao patrimônio imaterial e a diversidade cultural, dando início a uma 
nova era em relação ao compromisso

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