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Responsável pelo Conteúdo: Prof. Rodrigo Medina Zagni Revisão Textual: Profa. Dr. Patricia Silvestre Leite Di Iorio O Desenvolvimento sobre o Pensar e o Fazer Político no Ocidente Nessa unidade, vamos tratar do tema “o desenvolvimento sobre o pensar e o fazer político no Ocidente”. Do despertar de uma consciência sobre a existência social do Homem, passando às formas de organização desse convívio social, até crescentes graus de institucionalização e de normatização da vida social, culminando nos aparelhos de Estado, leis e na dimensão político-partidária da luta política; desenvolveu-se a Ciência Política no Ocidente junto de uma Filosofia Política e inseridas, ambas, num quadro ainda maior: o da Teoria Geral da Política, segundo Norberto Bobbio. Essas transformações mobilizaram uma série de autores a tentar compreender dinâmicas políticas de distintas sociedades em termos científicos, construindo a própria Ciência Política no Ocidente. Sendo assim, este é um conteúdo fundamental não só porque nos serve de base informativa para compreender as origens da Ciência Política; mas nos servirá também de base para compreender distintas dimensões de fenômenos políticos, que atravessam o nosso cotidiano e nem sempre são percebidos por nós com essa qualidade. Atenção Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar as atividades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma. Quando imaginamos algo relacionado à política, via de regra, pensamos na dimensão dos partidos, dos discursos intermináveis e inteligíveis, das campanhas eleitorais e suas promessas mirabolantes, dos escândalos de corrupção que são divulgados pela grande imprensa, dentre tantas coisas que possamos dizer, pouco agradáveis. Mas, e se eu lhe disser que essa é apenas uma dimensão do que se entende como política; e mais, uma dimensão gravemente restrita de algo que é muito mais amplo e profundo? Imagine-se no tempo de um dia e me responda se você mantém, nessas 24 horas, alguma relação política; ou mais, se você é político. Mas, não se apresse ainda em responder. À mesa, com sua família, no café da manhã, ao fugir de uma discussão com seus pais ou tentar resolver uma desavença familiar, pode-se dizer que você esteja sendo político? Ao tomar um transporte público ou dirigir seu automóvel para ir ao trabalho, as regras de trânsito e o percurso seguido são aleatórios ou há uma política de transportes que oriente essa dimensão da vida social? Ao chegar à sua empresa para o trabalho, tanto o horário, quanto a vestimenta, quanto as metas de produtividade e a própria cultura da empresa não seriam, em alguma medida, determinadas por uma política da empresa? Ao chegar à universidade e deparar-se com um conteúdo de uma disciplina chamada Ciência Política, estamos tratando de partidos e eleições ou teríamos um outro tipo de política como disciplina acadêmica? Nesta unidade, vamos conhecer esse espectro muito mais amplo, profundo e complexo do que venha a ser o termo política; bem como perscrutaremos as origens do pensar e do fazer político no Ocidente; o que nos servirá de base para compreender situações as mais diversas do nosso cotidiano, até as estruturas de poder às quais estamos circunscritos. Em busca das respostas às perguntas aqui elaboradas, embrenhe-se pelo conteúdo teórico, apresentação narrada e demais materiais dessa unidade, a fim de entendermos mais sobre a dimensão política da vida social. Contextualização Sempre que pensamos em “política” imaginamos a dimensão de organização político- partidária da sociedade, ou seja, pensamos no âmbito dos partidos políticos que disputam eleições, que por sua vez garantem sua chegada ou permanência no poder. Pensamos em cada partido em torno de uma ideologia ou um grupo de interesses; organizados, normalmente, para concorrerem às eleições. Ocorre que esta é apenas uma dimensão do que se refere à vida política! Uma dimensão demasiadamente restrita, ou seja, “política” é muito mais que isso! Em verdade, tratamos de algo muito mais amplo e que envolve a todos nós! Os partidos políticos, por si só, lamentavelmente, não conseguem envolver-nos, dado o distanciamento entre seus reais interesses e o eleitorado mediano. Essa dimensão mais ampla de política, aqui mencionada, refere-se às negociações que mantemos uns com os outros para um melhor convívio social, o que inclui as formas de organizar esse convívio. Verificamos, então, a política em todas as relações que envolvem os indivíduos na interação social. E quando interagimos socialmente? Sempre! Uma vez que a vida humana se dá, primordialmente, em grupos de interesses comuns, isso porque é muito mais fácil viver em grupo do que isoladamente. Material Teórico Time lapse blurred view of people crossing the street and a tour bus in the background Fonte: © Corbis Vamos pensar juntos? Para atender a nossa necessidade biológica mais primordial - a fome, como seria melhor organizar as atividades que garantiriam saciá-la (plantio, caça, coleta, domesticação dos animais, o trabalho para obtenção de renda com a qual se compra comida...), individualmente ou em grupo? Obviamente você deve ter respondido que é pela “lei do menor esforço”: em grupo. A interação dos indivíduos dentro dos grupos é natural à própria existência humana. Esta interação entre indivíduos formando grupos e as relações que os grupos mantêm entre si constituem, em essência, relações políticas. Sendo assim, há um campo muito grande de possibilidades de definição quando perguntamos: O que é política? O que é política? Por definição, trata-se de tudo aquilo que diz respeito aos cidadãos e ao governo da cidade, aos negócios públicos. Percebam que continuamos tratando de “como organizar” o convívio social, agora no espaço das cidades. Mas, antes de fecharmos com essa definição, vamos recorrer à etimologia, ou seja, à origem do termo, para verificarmos a que se referia o termo “política” quando de sua criação: Sendo assim, a política é, fundamentalmente, produto da interação social; tanto é que Aristóteles, filósofo grego que viveu durante o séc. III a.C., ao se referir ao Homem, tratou-o como o “ZÕOM POLITIKÓS”, ou seja, o “animal político”. Aristóteles, ao se referir ao Homem de tal forma, dizia que ele nascia para viver em sociedade e não isolado dela, sendo assim, a vida humana seria, em essência, eivada de relações políticas. ETIMOLOGIA: Grego: πολιτεία (politeía) POLITIKÓS = referia-se à organização da unidade política POLIS (Cidade-Estado grega) Cidade-Estado; Comunidade; Sociedade; Coletividade Latim: POLITICUS A política seria, então, a negociação constante de interesses entre dois ou mais atores, invariavelmente em condições desiguais, em que um pode mais que outro (ou pela força, ou pelo prestígio, ou por influência). Se a política se dá entre atores desiguais (forte e fraco = mais forte e menos forte; rico e pobre = rico e menos rico; influente e não influente = mais influente e menos influente etc.), podemos dizer que relações políticas envolvem, invariavelmente, relações de poder (aquelas em que um pode sempre maisque o outro). Consiste em ações, comportamentos, intuitos, manobras, entendimentos e desentendimentos dos homens, vetorizados por relações de força (como no dito popular: “Manda quem pode; obedece quem tem juízo!”). Se a política pode ser verificada na interação entre indivíduos numa dada comunidade, também se verifica nas relações entre as comunidades, incluindo aqueles que alcançaram o grau de organização política na forma de Estado. Isso para dizer que é possível localizar a política não somente no âmbito dos indivíduos convivendo entre si numa determinada comunidade; mas também no âmbito das comunidades convivendo entre si, ou dos Estados convivendo entre si numa outra dimensão de comunidade: a comunidade internacional. A questão aqui é ampliar ou reduzir o foco para relações que, em essência, constituem- se ordenadas por lógicas similares, por vezes idênticas: relações políticas. OUTRAS DEFINIÇÕES DE POLÍTICA Acabamos de definir a política como produto da interação social, sendo assim, como conduta social. Ocorre que há outros campos de definição sobre a política: Como instituição - verifica-se o significado de política deslocado do âmbito do convívio entre os indivíduos para sua esfera máxima de organização em sociedade: o Estado. Trata-se do campo de disputa para conquista do poder, ou parte dele, ou um lugar nele: por meio de eleições, campanhas eleitorais etc. Bust Of Greek Philosopher Aristotle Fonte: © Bettmann/CORBIS A concepção maquiaveliana, atribuída, portanto, a Nicolau Maquiavel (1469-1527), pressupõe a política, como instituição, como a luta pelo exercício de poder. Poder assume aqui, portanto, o próprio sentido de governo: aquele que governa exerce poder sobre os governados; o governante ordena, os governados obedecem. Há também o sentido da política como a orientação seguida por um governo, ou seja, como um governo efetivamente governa. Nesse sentido, a política é subdividida em áreas: a política educacional trata da matéria da educação, ou seja, como funciona naquele governo a questão do ensino; a política financeira de um governo refere-se à organização do sistema financeiro daquela sociedade e assim por diante. Como área de conhecimento, temos a política como filosofia e a política como ciência. O que as difere é exatamente o que separa o pensar do fazer. Sua dimensão especulativa, desobrigada dos procedimentos empíricos para comprovação de teses, é a filosofia, espaço do pensar sobre a política. Com rigor metodológico, partindo da própria filosofia especulativa e aplicando-lhe métodos rigorosos de verificação para validação das hipóteses trabalhadas, temos a política como ciência, dimensão do fazer político ou do estudo sobre o fazer político. Sendo assim, desdobra-se a política como Filosofia ou Ciência do Estado; bem como a Filosofia ou Ciência do Poder. Você está acompanhando o raciocínio? Então, vamos continuar! Ocorre que tanto a filosofia como a ciência necessitam de fundamentos teóricos. É aqui que localizamos então uma teoria política: a fundamentação teórica que orienta a filosofia e a ciência que estuda a moral normativa do governo da sociedade civil. E é a partir dos clássicos da literatura política que localizamos os pressupostos teóricos da política. Nesses livros, autores de distintas sociedades refletem, ao longo da história, sobre os problemas políticos de sua época, nos dando indicações sobre a sua percepção do que seria um “governo ideal”, ou seja, qual a melhor forma de organizar as sociedades. Niccolo Machiavelli An Italian Philosoph IMAGEM: © Bettmann/CORBIS COLEÇÃO Bettmann Platão, Aristóteles, Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, Hegel, Marx, Engels, Stuart Mill, dentre tantos, cumpriram essa função. O conjunto de sua obra constitui os clássicos do pensamento político. Se a política, como teoria, é objeto de estudo, ela pode também ser ensinada. Portanto, existe uma dimensão de política também como disciplina e da mesma forma com que o conhecimento construído se encontra organizado entre Filosofia Política e Ciência Política, o mesmo ocorre com a política como disciplina, ou seja, ela pode ser ensinada como Filosofia Política ou como Ciência Política. A disciplina de Filosofia Política consiste na análise filosófica da relação entre cidadãos e sociedade, formas e condições de exercício de poder, sistemas de governo, princípios legitimadores do exercício do poder político etc. A disciplina de Ciência Política pertence ao domínio do conhecimento prático, de natureza normativa e pragmática, com a finalidade de estudar como organizar institucionalmente o Estado e, com a estabilidade advinda, atingir o bem-estar em sociedade por meio do bom governo. Com isso, chegamos à política como objeto de reflexão, de estudo, sobre as relações interindivíduos; as relações interestados e sistemas de governo. Tendo explanado sobre os mais distintos significados que guardam os sentidos de política, é possível agora determinarmos, em linhas gerais, quais são seus fundamentos em relação à própria dimensão político-partidária, que dizíamos no início do texto ser aquela compreendida única e exclusivamente como política, uma visão, portanto, simplista sobre algo muito mais complexo e amplo. Nessa perspectiva, a política é a arte de governar (a polis = cidade-estado grega); e governar é o âmbito da política como poder, entendendo-se política pela luta, conquista, manutenção e expansão do poder. As instituições políticas seriam então os meios pelos quais se exerceria o poder; e toda relação de poder é mediada pela força: como vimos, as relações de poder existem entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem. RELAÇÕES ENTRE FILOSOFIA E POLÍTICA A política nasceu, primordialmente, como reflexão filosófica, e é aí que encontramos uma proximidade muito forte entre Filosofia e Política. Desde que os primeiros hominídios passaram a ser organizar em grupos com a finalidade de se proteger de animais predadores, para organizarem as ações produtivas e o necessário à sobrevivência numa natureza que não só provêm, mas que é, em essência, hostil, passaram a refletir sobre formas melhores e mais eficazes de organização da vida social. Já sabemos que esse tipo de reflexão assume, então, um objeto primordialmente político. Sendo assim, o histórico de reflexão política do Homem é antigo. Muito anterior a sua sistematização como área de conhecimento ou ciência, verificamos a política então como objeto de reflexão filosófica. Tanto como reflexão quanto como atitude filosófica, trata-se do campo especulativo sobre formas ideais de organização das sociedades, num grau de complexidade maior: de governo e de instituições para exercício desse governo. Desta forma, do mais simples ao mais complexo, encontramos a reflexão política norteando a organização da vida em sociedade. no caso mais simples, jovens num acampamento decidindo a disposição de suas barracas, sua localização em relação aos seus objetivos (proximidade de uma fogueira para minimizar o frio e espantar animais predadores, por exemplo), determinando um líder para o grupo ou dissolvendo a liderança determinando que todas as decisões partiriam do acordo entre todos: estão se organizando em termos políticos, a partir de reflexões que empreendem previamente sobre como melhor organizar o grupo, essas também dadas em termos políticos. no caso mais complexo, a organização da vida política em torno de instituições como o Congresso, composto por Câmaras de Senadores e de Deputados, a existência de umpresidente (chefe do Executivo) que é eleito pelo povo, e um poder judiciário que deve fiscalizar o cumprimento das leis, também consiste numa forma de organização política da sociedade, e que também foi objeto de densas reflexões, essas localizadas na literatura, especificamente, de Filosofia Política. Petroglyph IMAGEM: © Natural Selection John Bracchi /Design Pics/Corbis COLEÇÃO Design Pics Assim sendo, a política não é algo distante de nós. Do mais simples ao mais complexo, ela nos atinge cotidianamente, seja na forma de organizarmos o convívio no âmbito do lar, até o preço do pão sobre a mesa, este suscetível às variações de preço por conta não só do mercado, mas das políticas econômicas que normatizam o mercado. A política, portanto, é parte indissociável da vida social. Podemos continuar? Vamos falar sobre a institucionalização das relações políticas e sobre a jurisdização da vida social. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES POLÍTICAS E A JURISDIZAÇÃO DA VIDA SOCIAL Como vimos, a política permeia a vida social, podendo ser entendida de forma abrangente, dentre tantas definições, nas formas de organização da sociedade em torno de objetivos comuns. Ocorre que grupos sociais podem se organizar de diferentes formas, com distintos graus de complexidade, ou seja, pode haver grupos cuja organização seja simples e grupos cuja organização seja complexa. Grupos sociais de tipo de organização simples dispõem apenas das práticas de organização do grupo. Grupos sociais de tipo de organização complexa detêm instituições que normatizam e garantem suas práticas de organização. Podemos dizer que aquilo que distingue grupos de organização social simples de grupos de organização social complexa seja o seu grau de institucionalização, ou seja, a existência de instituições que garantam o cumprimento das práticas de organização, práticas essencialmente políticas. Já sabemos que a política é o âmbito de relações vetorizadas pela força, sendo assim, constituem relações de poder. A questão é: como se exerce o poder para que se faça cumprir as práticas de organização da sociedade? Pelo uso da força! Mas, você sabe a partir de quais instrumentos? Muito bem, criam-se normas para a organização da sociedade: leis. Esse processo de normatização, em seu aspecto legal, recebe o nome de “jurisdização”. Nesse sentido, a complexização dos grupos, que é entendida por nós como sua crescente institucionalização, pressupõe também um grau sempre crescente de jurisdização da vida social (criação de leis cuja finalidade é regular o convívio social). Quanto mais complexos os grupos, maior o seu grau de institucionalização e jurisdização. Para o mais famoso sociólogo norte-americano, Talcott Parsons (1902-1979), todas as sociedades desenvolveriam, naturalmente, dinâmicas de complexização, ou seja, os grupos que começariam se organizando de forma simples, gradativamente, iriam se tornando complexos. Para ele, os grupos sociais estariam em constante transformação. Neste sentido, grupos simples teriam um funcionamento praticamente orgânico, atendendo as suas leis naturais de desenvolvimento; passando gradativamente para organizações com graus de complexidade sempre crescentes, assumindo uma organização de tipo mecânico. A esse processo de transformação, Talcott Parsons chamou de diferenciação. A diferenciação pressupõe, então, como movimento de transformação de grupos sociais simples (orgânicos) para complexos (mecânicos), processos crescentes de institucionalização (criação e aperfeiçoamento de instituições) e jurisdização (criação e aperfeiçoamento das leis). Não que os grupos simples não possuam leis, sua natureza é que é distinta. Temos então, da mesma forma, dois tipos de leis que correspondem a distintos graus de complexidade das sociedades que as produzem. Para as mais simples temos leis que advêm da tradição, cuja transmissão é oral e se ensina de geração para geração: são chamadas de leis consuetudinárias ou tradicionais. Para as mais complexas, temos leis formais e legalmente instituídas, invariavelmente escritas. Essas são chamadas de legais ou burocráticas. Não que não haja leis consuetudinárias em sociedades complexas, a questão é que, primordialmente, nessas sociedades há a tendência de burocratizar a normatização da vida social. Para ambos os casos, seu cumprimento está pautado no poder que uma classe dirigente política tem sobre seus súditos, para que se faça cumprir a lei mediante a ameaça do uso da força. O intelectual alemão Max Weber (1864-1920), a partir dessas relações, definiu o Estado (esfera máxima de organização burocrática de uma sociedade) como a instituição que detém o monopólio do uso legítimo da força. Essa seria a relação primordial entre a institucionalização da vida política e a jurisdização da vida social: o Estado (nas mãos de uma classe dirigente ou dominante) seria a instituição que Fonte: www.nndb.com/.../00011 3472/talcott-parsons.jpg Fonte: blog-pfm.imf.org/.../12/in- his-essay-on.html poderia, em termos legais, usar a força ou ameaçar usá-la para garantir a obediência à lei e, desta forma, organizar a vida de seus súditos (governados). Assim sendo, se obedecemos às leis, por exemplo, para não fumarmos em lugares públicos, não é só porque nos conscientizamos de que esta atitude pode atentar contra a saúde do próximo. Se assim fosse, a ética, sozinha, poderia pautar o convívio social, na medida em que um não faria ao outro aquilo que não desejaria que fosse feito consigo mesmo (uma sociedade ideal, ainda distante da real). Quando obedecemos este tipo de lei é também porque agentes do poder público (representantes do Estado como fiscais ou policiais, por exemplo) podem, efetivamente, forçar-nos por lei a pagar uma multa, ou fazer recair sobre nós outras medidas punitivas (restritivas de liberdade ou de direitos, dependendo do delito). NÍVEIS INTERMEDIÁRIOS DE ORGANIZAÇÃO POLÍTICA Ocorre que esses fenômenos não se verificam apenas nas relações que os indivíduos mantêm com o Estado, mas nos mais variados níveis intermediários que podem existir em diversos contextos. Tratemos de alguns exemplos que ilustram essas relações nesses níveis intermediários. Pensemos em um grupo de moradores de um pequeno vilarejo, em uma zona rural. Obviamente, eles estão submetidos às mesmas leis que sociedades mais complexas, urbanizadas, nas cidades (caso estejam no mesmo território nacional, para leis federais; estadual, para leis estaduais; e municipal, para leis municipais); contudo, entre si, mantêm formas simples (orgânicas) de organização. O Prof. Antonio Cândido (notável intelectual brasileiro) demonstrou em sua tese de doutorado, “Parceiros do Rio Bonito”, como sociedades rurais praticavam o que ele denominou como “solidariedade vicinal”, ou seja, como se ajudavam mutuamente, ainda que não houvesse leis escritas que assim os obrigassem. Por exemplo, quando uma família desejava construir ou ampliar sua casa, os demais moradores daquela localidade iam todos ajudar em regime de mutirão, trabalhando até que a casa estivesse pronta ou reformada. Depois do trabalho feito, a família ajudada retribuía com uma festa, dando de comer e beber a todos que participaram do mutirão. Em muitas cidades do interior este esquema ainda vigora em ações tradicionais como a de “encher laje” quando uma construção é iniciada, Fonte: www.blogtribuna.com.br/.../ArquivoP osts,12,2008 prática transmitida por gerações. Voltando ao fenômeno estudado por Antonio Cândido, a família que foi ajudada passaa ter uma obrigação moral de ajudar as outras famílias, quando estas precisarem construir ou reformar suas casas. Ocorre que nada disso está estipulado em forma de lei escrita; o que não quer dizer que não possa ser entendido, de alguma forma, como lei. Trata-se aqui daquele tipo que definimos como “leis tradicionais” ou “consuetudinárias”. Ocorre que você poderia indagar: mas é garantido o seu cumprimento pelo uso da força? Em alguma medida sim! Imagine aquele que se nega a ajudar! Não participará das festas, não será ajudado quando precisar, ele estará excluído do grupo em todos os aspectos! Em alguma medida, o grupo exerce pressão sobre o indivíduo excluindo-o, percebe-se uma força sendo operada por parte do grupo contra aquele que passa a ser considerado como “desunido” e egoísta, e então não participa mais da comunidade. A ameaça da exclusão pode ser entendida como a ameaça do uso da força, nesse caso, a força necessária para excluir o indivíduo do grupo. Podemos também pensar numa comunidade que escolhe plantar a sua própria comida, não agredir ao meio-ambiente, não participar da sociedade de consumo de massa e não eleger nenhuma liderança para sua comunidade, diluindo a autoridade para que todas as decisões daquele grupo partam da vontade coletiva. Ainda que nada disso seja escrito, são normas que devem ser obedecidas, ainda que tradicionais ou consuetudinárias, sob pena de o indivíduo desobediente ser excluído do grupo. No mesmo sentido, há força sendo operada no âmbito do grupo. Agora, caminhemos para outro nível intermediário, um tanto mais complexo. Imaginemos um grupo de moradores de uma determinada comunidade, que resolve se organizar em termos legais; porém burocráticos. Percebem que criando um conjunto claro de leis, para o grupo, é mais fácil evitar abusos por parte de alguns moradores e, com isso, de prejudicar o coletivo. Por exemplo, criam normas para o uso de equipamentos sonoros, para evitar que alguém ouça músicas em volume exageradamente alto a ponto de importunar o sossego dos demais moradores. Ainda que exista uma lei maior que trate da figura legal da “importunação de sossego”, o grupo resolve que o morador que assim proceder, além de estar suscetível a processo criminal, deverá pagar multa, para que isso não ocorra novamente e, temendo o pagamento da multa, outros moradores não façam o mesmo. Ora, quem criou essas normas? Quem as tornou legítimas? Quem cobraria a multa? A quem ela deveria ser paga? Percebam que se não houver uma instituição com legitimidade para realizar as tarefas descritas, a finalidade da organização desse grupo de moradores, no grau desejado, não pode ser operada. Seria preciso quem instrumentalizasse, em termos políticos, o uso legítimo da força, ou seja, uma instituição. Um condomínio, por exemplo, é um dos exemplos desse tipo de instituição. A ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL Uma instituição como o condomínio, à qual é delegada a tarefa de normatizar, fiscalizar e garantir o bom convívio entre seus partícipes, tem que estar configurada adequadamente para que sua própria existência e decisões sejam eficazes e legítimas. Ela deve ser dotada de processos decisórios que contemplem o desejo da maioria daqueles que vivam circunscritos ao espaço daquela autoridade, de poucos privilegiados, ou de um apenas que tenha poder de impor sua única e exclusiva vontade. Essa instituição deve, ainda, deter formas de representatividade para o conjunto de moradores, além de ser dotada de assembleias nas quais possam ser propostas a criação de novas normas ou a re-elaboração das antigas, ou seja, deve ser dotada de um desenho institucional complexo que garanta a legitimidade de suas decisões. A legitimidade em questão está pautada na realização do bem comum, entendido como a aspiração da maior parte de seus moradores. Com tudo o que vimos até aqui, o condomínio trata-se de uma organização, em essência, política e de tipo complexo. Isso porque como instituição deve ser dotada de leis burocráticas (escritas e estatutariamente legítimas) e manter meios para garantir, pelo uso legítimo da força (entendida aqui como coerção para dobrar a vontade do outro em direção ao bem comum) o convívio social harmônico em seus limites. POR UMA TEORIA GERAL DA POLÍTICA A elaboração de uma Teoria Geral da Política, como campo de relações entre a Filosofia Política e a Ciência Política, foi um dos mais significativos projetos do italiano Norberto Bobbio (1909-2004), filósofo político e historiador do pensamento político, que o concebeu numa concepção neo- empiricista, esforço lógico de sistematização do conhecimento. Esse esforço de sistematização foi fruto da experiência anterior de elaboração de uma Teoria Geral do Direito, que só pôde ser erigida graças às pesquisas realizadas como docente da disciplina de Filosofia do Direito. Inicialmente, em 1935, lecionou a matéria na Universidade de Camerino, em 1938 na Universidade de Siena e, em 1940, obteve a cátedra de Filosofia de Direito na Faculdade de Jurisprudência da Universidade de Pádua. Em 1948, tornou-se regente da cadeira de Filosofia do Direito da Universidade de Turim. tailinehijaz.files.wordpress.com/2009/0 9/norb... Veja a imagem em: tailinehijaz.wordpress.com/.../ A partir de 1972, Norberto Bobbio recebeu a tarefa que lhe permitiria realizar, a exemplo do que havia feito com a Teoria Geral do Direito, uma Teoria Geral da Política: foi designado para a cadeira de Filosofia Política da Universidade de Turim. O profundo estudo que realizou sobre o pensamento político ocidental, seus mais importantes autores e o conjunto de sua obra: os clássicos do pensamento político, permitiu a Norberto Bobbio uma visão de conjunto que articulava, sob vários aspectos, a Filosofia e a Ciência Política, ou seja, as intersecções e interpenetrações entre o pensar e o fazer político. É de Bobbio a célebre constatação que em vários momentos de nossa história, o pensar está intimamente ligado ao fazer político, não podendo ser dissociados sob nenhum pretexto: é daí que nasce uma Teoria Geral da Política, dessas articulações, rupturas e relações. O termo “Teoria Geral da Política” apareceu pela primeira vez apenas em 1984, quando foi realizado um congresso dedicado ao pensamento político de Bobbio e que levava o nome: “Por uma teoria geral da Política”. Ao congresso seguiu-se, no ano seguinte, a publicação de um livro com o mesmo nome. Apesar de em 1998 o próprio Norberto Bobbio ter afirmado que a edificação de uma Teoria Geral da Política ter consistido em uma promessa não mantida, sua proposta para uma teoria política constitui hoje o maior esforço compreensivo articulado sobre o pensamento e o fazer político no Ocidente. Originária da concepção dada a partir da experiência da Teoria Geral do Direito, a Teoria Geral da Política de Bobbio mostrou-se logo contraposta e distinta. Em essência, consiste no estudo das obras daqueles que são considerados “autores clássicos”, ou seja, atemporais, cujas obras guardam significados importantes não apenas para o tempo e sociedade na qual foi escrita, mas para todos os tempos e sociedades. A partir de seu pensamento, cruzando a análise linguística com referências históricas, seria possível reconstruir categorias fundamentais do pensamento político. Para entendermos o impacto que teve essa proposição, é importante reconstituirmos o quadro geral do debate sobre a política no tempo de sua elaboração: a década de 1970. Pode-se dizer que tenha sido um período de renascimento da Filosofia Política, depois de um longo período em que apenas sua dimensão prática, do fazerpolítico, teria dominado o debate acadêmico. Fonte: top- people.starmedia.com/humanities/opiniones Nesse período, o modelo hegemônico de Filosofia Política era o de John Rawls. Fundamentalmente, os pressupostos defendidos por ele no livro “A theory of justice”, de 1971, ressuscitam a Filosofia Política depois de um longo período de debates voltados aos seus sentidos puramente pragmáticos. Rawls propunha um tipo normativo de reflexão sobre a política a partir de duas diretrizes: a do valor, ou seja, da justificação das políticas; e a do dever ser, o que quer dizer, das orientações prescritivas (no sentido pragmático), sobre as políticas. Obviamente há uma ideia incutida no modelo de reflexão política sugerido por Rawls: encontrar a melhor solução possível para uma sociedade mais justa. Isso, por si só, restringe também o próprio campo de atuação da política de acordo com o que vimos no início deste texto. Já o esboço da teoria de Bobbio toma uma concepção anterior de Filosofia Política, distinta daquela reapropriada por Rawls. Para ele, o sentido das filosofias políticas deveria ser o de classificar as formas historicamente praticadas de política, bem como de interpretar suas naturezas e tarefas. A partir da experiência que teve na cadeira de Filosofia do Direito, Bobbio ao enveredar sobre os estudos de política verificou que não se poderia extirpar uma teoria geral da política da teoria normativa da justiça que já se encontrava acabada. Em 1970, na conferência “Tradição e novidade da Filosofia Política”, em Bari, Bobbio apresentou suas constatações sobre as relações entre Filosofia Política e Ciência Política, classificando-as em 4 tipos distintos segundo sua natureza, tarefa e clássicos aos quais se refeririam. 1º tipo Natureza Construção de um modelo ideal de Estado; Utopias, ou seja, o ideal distante do real a ponto de seus projetos serem irrealizáveis; Modelos idealizados de sociedades justas. Tarefa Investigar a melhor forma de governo Clássicos Platão, “A República” (séc. IV a.C.); Thomas More, “A Utopia” (1516) 2º tipo Natureza Investigação do fundamento último do poder; Justificação do dever de obediência política; Legitimidade do poder político. Tarefa Justificar o Estado Clássicos Hobbes, “O Leviatã” (1651) Rousseau, “O contrato social” (1762) 3º tipo (Teoria Geral da Política) Natureza Determinação do conceito geral de política; Autonomia da política em relação à moral, direito, economia. Tarefa Investigar a natureza da Política Clássicos Maquiavel, “O Príncipe” (1513) Georg Hegel, “Fenomenologia do espírito” (1830) 4º tipo (impraticada) Natureza Interpretação da Filosofia como Metaciência Validação da ciência política Tarefa Análise da linguagem política Clássicos Alfred J. Ayer; “Linguagem, Verdade e Lógica” (1936) Sobre as relações que identificou entre os quatro tipos é possível sistematizá-las da seguinte forma: Tipos Preocupação central Relações 1 e 2 valor ou validade complementares e contíguos 3 e 4 fato e conhecimento complementares e contíguos A partir dessas relações, Bobbio verificou a existência de duas grandes vertentes de reflexão sobre a Política: Caráter Tipo Relação NORMATIVO-PRESCRITIVA 1 e 2 interligadas INTERPRETATIVO-ANALÍTICA 3 e 4 Assim sendo, a Filosofia Política seria, em essência, valorativa e sua preocupação central, o valor ou validade (normativo-prescritiva); enquanto a Ciência Política seria, também em essência, não-valorativa, estando centrada nos fatos político-históricos (interpretativo- analítica). O problema principal da Teoria Geral da Política seria, portanto, as relações entre fato e valor, mais amplamente, entre Ciência e Filosofia Política. Isso se traduz a uma questão clássica em política: sua dependência ou independência da moral (por exemplo, deve-se obedecer a uma ordem injusta?). As medidas políticas são fato, a moral é valor: em que sentido as medidas políticas são condicionadas por valores? Sobre isso, Bobbio nos chamou a atenção para a existência dos juízos, tanto de fato como de valor. Nesse caso, os juízos de fato (sobre o que é e como é), sempre foram definidos como distintos dos juízos de valor sobre uma conduta ideal (o que deve ser ou como deve ser). A solução proposta por Bobbio é a conexão entre essas duas dimensões, a do fato e a do valor e, mais amplamente, entre Filosofia e Ciência, nesses termos, Política. A essa conexão se daria o nome de Teoria Geral da Política. Essa teoria, como dito, partiria do estudo dos clássicos, ou seja, seria edificada a partir do estudo de autores que refletiram, cada um ao seu tempo, sobre a política. Ocorre que não se trataria dos clássicos em sua totalidade, mas daquilo que Bobbio nominou de “clássicos maiores”: autores que elaboraram modelos conceituais de amplo horizonte e construíram visões gerais do universo político, demonstrando ampla percepção de problemas e soluções, bem como a conexão entre distintas percepções de problemas e soluções apresentadas. Nisso consistiria o que Bobbio chamou de a “Lição dos Clássicos”, o significado da própria Teoria Geral da Política, segundo seu criador. O que é importante frisar é que essa lição dos clássicos abarca questões tanto de fato como de valor, assim sendo, tanto de Filosofia como de Ciência, daí sua distinção em relação à Teoria Geral do Direito. Houve críticas ao esboço criado por Bobbio, mais incisivamente do italiano Danilo Zolo, jurista e filósofo do direito, que as publicou em 1985, em formato de ensaio, na Revista de Teoria Política, que propunha colocar em confronto filósofos da política e cientistas políticos. Para Zolo, as definições com que Bobbio operava sobre Filosofia e Ciência Política comprometiam sua Teoria Geral. Na sua percepção, a Filosofia Política deveria tratar de teorias gerais e inclusivas, com uma forma diferenciada de selecionar e enfocar problemas, pela via da subjetividade; já a Ciência Política abarcaria teorias de raio limitado especializadas. Mesmo assim, o esboço de Bobbio segue sendo a mais consistente sistematização das relações entre Filosofia e Ciência Política. Fonte: www.fundacioncarloscasares.org/modelo_2.php?d... Ainda sobre o tema ”o desenvolvimento sobre o pensar e o fazer político no Ocidente”, indico os textos abaixo, disponíveis na internet, a título de leitura complementar: ALKIMIN, Sérgio Vaz; “O que é política?”; Site Shvoong, disponível no link: http://pt.shovoong.com/social-sciences/political-science/1636126-que-é-política OLIVIERI Material Complementar _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Anotações
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