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Cap 6 Anemias por Interferência na síntese de hemoglobina

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o descompasso entre a síntese de hemoglobina e a proliferação
eritroide causa microcitose por falta de conteúdo no estroma elástico
dos eritrócitos. Pode haver insuficiência de síntese hemoglobínica pe-
las causas que seguem:
• Falta de ferro no organismo, decorrente tanto de deficiência nutri-
cional ou absortiva, como (usualmente) de perda crônica de sangue:
anemiaferropênica, sempre progressivamente microcítica e hipocrô-
mica. O acúmulo de ferro no organismo também é deletério; será
discutido em título próprio, arbitrariamente incluído no fim deste
capítulo.
• Falta de oferta de ferro à eritropoese, por retenção preferencial nas
células reticulares e macrofágicas. Essaferropeniafuncional é parte
da pato gênese múltipla da anemia das doenças crônicas, inicialmente
normocítica, depois microcítica.
• Defeitos genéticos quantitativos na síntese das cadeias globínicas:
originam a anemia microcítica das talassemias. Defeitos qualitativos
(ver Hemoglobinopatias, Capítulo 5) causam anemia hemolítica.
• Defeitos na síntese do heme: causam as anemias sideroblásticas. A
rara anemia sideroblástica congênita é microcítica; é uma doença
que acomete apenas o tecido eritroide. As anemias sideroblásticas
adquiridas, que acometem as três séries mieloides, geralmente são
normocíticas ou algo macrocíticas; são hemopatias clonais incluídas
nas síndromes mielodisplásicas, discutidas no Capítulo 24.
ANEMIA FERROPÊNICA
Diante de paciente com sintomatologia de anemia crônica e sem
outros sinais de doença, por sua considerável prevalência, anemiafer-
Anemias por interferência no síntese de hemoglobina 147
ropenu:a (AF) é O primeiro diagnóstico a ser considerado. Um levan-
tamento feito pelo National Center for Health Statistics" nos EUA, exa-
minando perto de 25.000 pessoas, constatou falta de reservas de ferro
em cerca de 10% das mulheres entre a adolescência e a menopausa,
com AF em 2-5%, números que, extrapolados à população, correspon-
dem a 7,8 e 3,3 milhões respectivamente. Em homens, a prevalência
da falta de ferro é inferior a 1%, havendo elevação até 2% a partir dos
70 anos. O autor desconhece estatísticas brasileiras abrangentes.
Uma lista de causas de carência de ferro, a questionar e/ou pesqui-
sar diante de hemo grama sugestivo de AF,é apresentada na Tabela 6.1.
No Brasil, em crianças de áreas rurais sem saneamento e de áreas
litorâneas, onde a areia úmida favorece a preservação de larvas em
forma infestante por via transcutânea, verminose por Necator america-
nus é a causa predominante; a infestação por Ancilostoma duodenale é
menos difundida. Estima-se haver atualmente no mundo" mais de 740
milhões de pessoas infestadas por ancilostomídios, concentrando-se em
áreas rurais pobres, tropicais e subtropicais, com cerca de 190 milhões
apenas na China. Infestações por Ascaris lumbricoides e Strongyloides
TABELA 6.1
Causas de onernio ferropênica
Crianças
Adultos
Prematuridade (ver Capítulo 19)
latrogênese no berçário (ver Capítulo 19)
Dieta lácteo sem complementaçõo apropriado (ver Capítulo 19)
Dieta carente de causo socioeconômica + crescimento
Verminose
Hipermenorreia
Sangramento crônico no troto digestivo (ver Capítulo 10)
Sangramento de outras origens
Gestações repetidos sem complementaçõo
Verminose
Doações de sangue
Dieta vegetariano restrito (raro)
Dieta carente, de causo socioeconômica (raro)
Defeitos de absorçõo
- ferropenia gastropática
- cirurgia gástrico
* JAMA, 277: 973-976, 1997.
** N Engl J Med 351: 799-807,2004.
148 Renato Failace & cais.
stercoralis também causam anemia ferropênica; infestações por Trichu-
ris trichiura e Enterobius vennicularis não costumam causar.
Dieta carente em ferro, em populações desassistidas, pode cau-
sar anemia em crianças e em adolescentes em épocas de máximo
crescimento; é incomum no Brasil. Dificilmente é causa principal em
adultos, mas pode ser causa coadjuvante, como na gravidez, quando
se associa ao excesso de demanda de ferro. A anemia ferropênica em
crianças abaixo de dois anos é discutida no Capítulo 19.
Em adultos, na avassaladora maioria das vezes, a causa de AF é a
perda crônica de sangue, não valorizada ou não notada: hipermenorreia
ou perda de sangue no trato digestivo. Defeitos de absorção, anterior-
mente desacreditados como causa de falta de ferro, após constatar-se
a alta frequência de AF após cirurgias bariátricas, passaram a não ser
mais encarados como irrelevantes; foi até criado o termo sideropenia
gastropática para a falta de absorção de ferro nas gastrites crônicas
com acloridria, ligadas ou não à presença de Helicobacter pylori (ver
Capítulo 7).
Deve-se lembrar que a história clínica é enganadora; as mulhe-
res não se dão conta da hipermenorreia ("minha menstruação é nor-
mal porque sempre foi assim ..."), e as pessoas dificilmente atentam
para o aspecto das fezes, não notando nem melenas óbvias. E todos
os pacientes (ou responsáveis)' atribuem a anemia à má alimentação,
ou não sabem porque estão anêmicos, pois se alimentam bem, e custam
a crer que a anemia quase nunca é por falta de aporte alimentar, e
que quase sempre é por perda sanguínea crônica. A AF das mulheres
com hipermenorreia é prevalente a ponto de justificar-se, em clínicas
de atendimento primário a populações carentes e com difícil acesso
a exames complementares, tratá-Ias com sulfato ferroso mesmo sem
confirmar o diagnóstico com um hemograma.
Como a AF é vista na clínica de todos os dias, justifica-se ampla
discussão do hemo grama.
Hemograma na anemia ferropênica
Eritrograma
A contagem de eritrócitos não é representativa da severidade da
anemia; microcitose e hipocromia tornam a contagem proporcional-
mente mais alta do que a dosagem de hemoglobina. O hematócrito
(pela hipocromia) também é discretamente mais alto.
Anemias por interferência na síntese de hemoglobina 149
Microcitose e hipocromia são notadas e quantificadas pelos três
índices hematimétricos clássicos: VCM, HCM e CHCM. Para avaliar a
sensibilidade de cada um dos índices à carência em ferro, os autores
coligiram do arquivo do laboratório Weinmann (Porto Alegre, 2008)
132 resultados consecutivos de ferritina < 20 ng/mL, dado escolhido
como comprovante de carência de ferro, todos de mulheres entre 20
e SOanos, e plotaram na ordenada os índices hematimétricos dos res-
pectivos eritrogramas, com suas unidades próprias, contra os valores
de hemoglobina em ordem decrescente na abcissa (de Hgb ;::::13g/dl,
a Hgb = 9 g/dl.).
Vê-se que a CHCM (Figura 6.1, E) diminui lentamente, mas de
modo constante e quase linear, isto é, do momento da instalação de
uma eritropoese ferropênica, os eritrócitos vão se tornando cada vez
mais insaturados de Hgb.
O VCM (Figura 6.1, D), por outro lado, tem queda inicial insig-
nificante, depois mantém-se estável até Hgb = 11 g/dl.; nessa altura,
CHCM% VCMfL
36 90
34 85 ~--------- ..~32 "'--- 80 \30 75•
28 70
26 65
24 60
22 55
20 50
18 45
~13 12,5 12 11,5 11 10,5 10 9,5 ~13 12,5 12 11,5 11 10,5 10 9,5
Hemoglobina g/dL Hemoglobina g/dL
FIGURA 6.1
CHCM (E) e VCM (D) correlacionados à hemoglobina, em 132 pacientes
ferropênicas.
150 Renato Failace & cais.
sofre queda súbita e significativa, depois, nova estabilização. Isto é, o
VCM passa a denotar claramente a falta de ferro só ao haver diminui-
ção da Hgb de 11 para 10 g/dL.
A Figura 6.2 (E) mostra que a HCM acompanha quase exata-
mente a variação a menos do VeM, inclusive com a queda brusca
entre Hgb 11 e 10 g/dl., É óbvio que, diminuindo o volume, diminui
o conteúdo. Em conjunto, os gráficos obtidos mostram que tanto VCM
como HCM só denotam uma patogênese ferropênica quando há ane-
mização com Hgb já abaixo de 11 g/dl.,
Na Figura 6.2 (D), as unidades próprias dos três índices foram
convertidas em porcentagens dos valores mais altos para permitir
comparação direta entre o declive das curvas. Vê-se que oíndice he-
matimétrico mais sensível à ferropenia incipiente, no intervalo esco-
lhido (de Hgb ::::13 a Hgb = 9 g/dL), é a HCM que cai de 100 para
72%, seguida do VCM (de 100 para 82%), e, por último, da CHCM
(de 100 para 86%).
HCMpg
32r--------------------
30~~~---------------
28~----~~-------------
26~--------~r_---------
24~--------___l~-------
22~---------------~~-
20~---------------------
18~-------------------
16+--r--r--r-r-r-r-r-r-r--
~1312,51211,51110,510 9,5
Hemoglobina g/dL
%
100
95
90
85
80
75
70
65
__ %VCM
__ %HCM
60
-- %CHCM
55
50
~13 12,512 11,51110,510 9,5
Hemoglobina g/dL
FIGURA 6.2
HCMcorrelacionada à hemoglobina (E). CHCM,VCMe HCM,expressos em
porcentagens dos valores mais altos, correlacionados à hemoglobina (D).
Anemias por interferência na síntesede hemoglobina 151
Para uso de clínicos e laboratoristas, com os dados expressos
graficamente nas Figuras 6.1 e 6.2, o autor elaborou a Tabela 6.2, em
que os índices hematimétricos médios previstos na deficiência de ferro
estão correlacionados ao nível de hemoglobina. Ao interpretar um
eritrograma suspeito de anemia ferropênica incipiente, deve-se julgar
a coerência dos índices com os valores ali representados.
TABELA 6.2
índices hematimétricos médios de 132 pacientes com ferritina
< 20 ng/mL correlocioncdos com as respectivas faixas de hemoglobina
HGB VCM HCM CHCM
>13 87,7 29,9 34,1
12-13 87,3 29,3 33,5
11-12 83,6 27,4 32,7
10-11 78,2 25,0 32,0
9-10 74,4 22,6 30,4
Valores discordantes entre hipocromia e microcitose na AF em
adultos são exceções, mas existem. Um exemplo de AF acentuada-
mente hipocrômica sem microcitose significativa está na Figura 6.3.
Em crianças abaixo de um ano, com o VCM baixo próprio da idade,
microcitoses desproporcionais à hipocromia são comuns, como se vê
na Figura 6.4. Os histogramas da linha Advia são particularmente cla-
ros na demonstração simultânea de microcitose e hipocromia. Mais
ainda na identificação precoce de hipocromia pelo dado %Hipo (au-
mento do contingente de eritrócitos hipocrômicos), que se eleva antes
que a concentração hemoglobínica média (CHCM) seja afetada.
O mecanismo responsável pela microcitose e a hipocromia dos
eritrócitos deficientes em ferro é dependente da eIF2a-quinase (HRl),
regulada pela concentração de heme.
Pela variabilidade diária do aporte de ferro à eritropoese, há au-
mento precoce do RDW, mas o aumento é lento (ver Figura 2.4, p. 71).
Apesar da comprovação de que os índices hematimétricos, de
um modo geral, carecem de sensibilidade à carência de ferro quando
152 Renato Foilace & cais.
LlL RBC 3.37HGB 8.3Ha 28.1MCV 83.2MCH 24.6
RBCVolume MCHC 29.6
CHCM 27.6
RBC CH 22.9
% Moera: 0,2 RDW 13.4
% Miero: 1,6 HDW 3.28
% Hiper: 0,1
% Hipo: 54,9
W
28% 41% RBC HC
RBC V/HC
FIGURA 6.3
Anemia ferropênica (mulher adulta) acentuadamente hipocrômica, mas sem
microcitose (Advia 120).
W RBC 4.68HGB 9.6ucr 28.8MCV 61.4M(H 20.5MCHC 33.4
RBCVolume CHCM 33.2
RBC CH 20.3
% Moero: 0,0 RDW
16.7
% Miero: 46,4 HDW
3.28
% Hiper: 0,9
% Hipo: 3,1
~
28% 41% RBC HC
RBC V/HC
120 fL1---:"':'':'''''::'::.....,o:T.---+---
60fLI---"':l!
FIGURA 6.4
Anemia ferropênica (paciente de 1 ano de idade) acentuadamente microcítica,
mas sem hipocromia (Advia 120).
Anemias por interferência na síntese de hemoglobina 153
ainda não há anemia, em casos pontuais podem ser elucidativos. Veja-
se o exemplo a seguir.
A Figura 6.5 mostra dois eritrogramas, acompanhados de do-
sagem de ferritina, feitos no mesmo contador eletrônico, de uma pa-
ciente com história de anos de constante hipermenorreia e AF reei-
divante. O primeiro (6.5, E) foi coletado 40 dias após ter recebido
um tratamento adequado com sulfato ferroso, daí representar segura-
mente o normal da paciente; o segundo (6.5, D), coletado 11 meses
(e 12 menstruações abundantes) depois, mostra que novamente se
esgotaram as reservas de ferro. Considerados os valores de referência,
o eritrograma 6.5 (D) ainda é normal para a população, mas não para
a paciente. Vê-se, por comparação com o eritrograma 6.5 (E), que a
Hgb caiu 2,1 g/dl., o VCM diminuiu 4,5 fL, a HCM, 2,4 pg e a CHCM,
1,1%; o RDW elevou-se 1,7; essas diferenças seriam menos signifi-
cativas se os resultados fossem provenientes de laboratórios distintos,
com máquinas e padrões diferentes. Sem o exame anterior, o diagnósti-
co de AF incipiente teria passado despercebido (ver exemplo similar no
Capítulo 19, p. 333). A dosagem de ferritina confirmou o diagnóstico;
sempre deve ser dosada ao notar-se, em mulheres, Hgb < 12,0 g/dl.,
em homens, Hgb < 13,5 g/dl., se acompanhadas de VCM < 86 fL,
HCM < 28 pg e/ou RDW aumentado.
ERITRÓCITOS 4,75 M/flL ERITRÓClTOS 4,40 M/flL
HEMOGLOBINA 14,2 g/dL HEMOGLOBINA 12,1 g/dL
HEMATÓCRITO 42,3 % HEMATÓCRITO 37,2 %
VCM 89,0 fL VCM 84,5 fL
HCM 29,9 pg HCM 27,5 pg
CHCM 33,6 % CHCM 32,5 %
RDW 13,1 RDW 14,8
FERRITINA 37 ng/mL FERRITINA <5 ng/mL
FIGURA 6.5
Eritrogramas e dosagens de ferritina, com 11 meses de intervalo, de paciente
com hipermenorreia.
Já a anemia ferropênica estabelecida mostra eritrogramas como
os da Figura 6.6. À esquerda, AF moderada; à direita, AF severa. O
eritrograma 6.6 (E) poderia representar a evolução natural do caso da
Figura 6.5, se não fosse tratado. O da direita é de uma criança de oito
meses com história de dieta restrita a leite bovino.
154 Renato Failace & cais.
ERITRÓCITOS 4,07 M/!J.L ERITRÓCITOS 2,50 M/!J.L
HEMOGLOBINA 10,4 g/dL HEMOGLOBINA 3,9 g/dL
HEMATÓCRITO 31,2 % HEMATÓCRITO 13,7 %
VCM 76,8 fL (m krnritose] VCM 54,7 fL [mkrndtose]
HCM 25,6 pg HCM 15,4 pg
CHCM 33,4 % CHCM 28,2 % (hipoclomia)
RDW 20,8 (anisocilose) RDW 35,2 [cnísodtose]
Pedloritose 1+ Pedlodtose 3+
RETICULÓClTOS 1,55 % Polkromctcdtose 1+
63085 /!J.L RETICULÓCITOS 2,2 %
PLAQUETAS 345.000 /!J.L PLAQUETAS 55.000/!J.L
678.000M
FIGURA 6.6
Eritrogramas de anemia ferropênica: adulto (E) e criança de oito meses (D).
Plaquetas
A AF causa trombocitose; é constante e acentuada na infância
(Figura 6.6, D), discreta no adulto (Figura 6.6, E). Em anemias fer-
ropênicas extremas, principalmente em idosos, pode haver discreta
trombocitopenia.
Leucograma
Frequentemente há neutropenia, entre 1.200 e 2.000/1-lL. Eosi-
nofilia, quando presente, sugere verminose como causa da AE
O diagnóstico de AF com hemoglobina já abaixo de 9,5 g/dL é
facilmente feito só pelo hemograma. Em níveis hemoglobínicos mais
altos, entretanto, o diagnóstico diferencial com anemia de doença
crônica (ADC) é sempre difícil: a ADC também é hiporregenerativa
e pode ser microcítica. O diagnóstico diferencial só pelo eritrograma
com a talassemia minor costuma ser fácil. Ambos serão discutidos em
títulos próprios, adiante, neste capítulo.
Tratamento
A AF deve ser tratada sempre com sulfato ferroso oral; fumara-
to ferroso e ferro carbonila também são eficazes, mas mais caros e
menos usados. Nunca prescrever, para uso oral, complexos com ferro
Anemias par interferência na síntese de hemaglabina 155
(ferro quelato glicinato, hidróxido de ferro III polimaltosado, outros),
nem fórmulas manipuladas. A alegação de que teriam melhor tole-
rância digestiva não contrabalança a absorção insatisfatória e a baixa
eficácia terapêutica.
Uma dose de sulfato ferroso (para adultos) de 400-600 mg/dia
é suficiente; doses maiores aumentam a intolerância, não a eficácia. A
ingestão das drágeas com sucos cítricos favorece a absorção; possivel-
mente também a tolerância. A divisão da dose diária em duas tomadas
melhora a tolerância digestiva, mas diminui a adesão ao tratamento.
A via intramuscular é inapropriada para injeção de ferro; nunca
usá-Ia. Preparações próprias para uso intravenoso são altamente efica-
zes; a toxicidade é aceitável. O autor recomenda as seguintes diretrizes
para o uso deferro intravenoso:Indicações
• Intolerância oral comprovada
• Perda sanguínea continuada, impossível de contrabalançar com a
limitada absorção oral
• Resposta comprovadamente insatisfatória ao uso oral, com causas
reconhecidas de limitação da absorção duodenal:
- sideropenia gastropática ou cirurgia gástrica
- ADC muito ativa (aumento de hepcidina) (ver próxima seção)
• Necessidade de rápido suprimento das reservas, como em pré-ope-
ratório
• Indicação como coadjuvante necessário ao tratamento com eritro-
poetina humana recombinante (ver Capítulo 9)
Pré- requisitos
• Abstenção do uso de ferro oral por mais de uma semana
• Comprovação do estado sideropênico por ferritina < 30 ng/mL,
ferro sérico < 70 flg/ dL e saturação da transferrina < 16%
• Em casos com ferritina > 30 ng/rnl., geralmente por concomitância
de doença crônica, comprovação da falta de reservas de ferro por
exame da medula óssea
O autor utiliza com sucesso, há décadas, o sacarato de hidróxido
de ferro III (Noripurum'"). Curiosamente, só há dois anos a FDA apro-
156 Renalo Failace & cols.
vou-o nos EUA (Venofer'") para substituir o ferro-dextran, reconheci-
damente tóxico, mas, até então, preferido. A injeção intravenosa lenta
(5 minutos) da ampola de 5 mL, diluída em seringa de 20 mL com
15 ml, de soro fisiológico, é bem tolerada e eficaz. O autor não tem
experiência com o ferro quelato glicinato intravenoso (Neutrofer"),
recentemente comercializado no Brasil.
Com ferro oral, a elevação da Hgb é da ordem de 1 a 2% por
dia, a partir do sexto dia de tratamento; com ferro intravenoso, é
inicialmente mais rápida. Cabe fazer um hemo grama de controle aos
60 dias, mas o tratamento oral deve ser mantido por três meses, no
mínimo, para suprir as reservas de ferro do organismo após a norma-
lização da hemoglobina.
A emergência de uma população normocítica com o tratamento
pode ser monitorada com o histograma do hemograma de controle.
Dois exemplos estão na Figura 6.7. O histograma 6.7 (E) é de eritro-
grama após 45 dias de tratamento; as duas populações são óbvias;
a prévia, com VCM um pouco acima de 50 fL, e a emergente, com
VCM bem acima de 90 fL. Esse aspecto de dupla população, com uma
população normocítica emergente no meio da anterior microcítica,
comprova a etiologia ferropênica da anemia, mesmo se o tratamento
tiver sido insuficiente para melhorar significativamente a Hgb, por
não sobrepujar as perdas sanguíneas, por hipótese continuadas. O
RDW (= 36,5), por medir inapropriadamente a abertura das duas
curvas ao mesmo tempo, aumenta de modo desmesurado com o tra-
tamento; normaliza-se só mais tarde, com a desaparição da população
microcítica. O histograma 6.7 (D) mostra um pico microcítico (VCM
RBC RBC 4.28
HGB 10.6
HCT 34.0
MCV 79.4
REl#
MCH 24.7
MCHC 31.1
RDW 36.5
50 100
#
RBC 4.79
HGB 12.9
HCT 40.4
MCV 84.3
MCH 27.0
MCHC 32.0
RDW 12.1
RBC
FIGURA 6.7
Histogramas (Coulter STKS)com dupla população eritroide (anemias ferropê-
nicas em tratamento).
Anemias por interferência na síntesede hemoglobina 157
== 50 fL) tão pequeno que nem foi alcançado pelo RDW, o que denota
que esse eritrograma, virtualmente normal para uma paciente femini-
na, na verdade é de um caso de AF tratado recentemente com ferro;
sem observar o histograma, o diagnóstico seria impossível.
Falta de resposta a tratamento com ferro oral nunca deve indu-
zir ao inútil e mal tolerado aumento de dose, ou à passagem intem-
pestiva ao tratamento injetável. Interpretar inicialmente como:
• falta de adesão ao tratamento (non-compliance); confirmá-Ia com
história cuidadosa e autoritária;
• persistência de perdas hemorrágicas superiores à capacidade ab-
sortiva de ferro; pesquisá-las;
• erro de diagnóstico (a anemia não é ferropênica); reavaliar com
os exames descritos no diagnóstico diferencial com a anemia de
doença crônica (adiante, neste capítulo).
Cumpridas as recomendações supra citadas, a situação reava-
liada, confirmando falta de ferro, pode ser indicativa do uso de ferro
intravenoso.
ANEMIA DAS DOENÇAS CRÔNICAS (ADC)
É a anemia de maior prevalência, depois da ferropênica; supe-
rando-a em pacientes hospitalizados. É a anemia que emerge como
efeito colateral, virtualmente constante, de qualquer ativação imuno-
lógica de magnitude sistêmica - daí designar-se também anemia das
doenças inflamatórias. Como não se trata de uma doença, mas de uma
resposta fisiopatológica previsível e universal às citoquinas inflama-
tórias, o autor acha justificável criar-se a expressão síndrome geral de
ADC* para designá-Ia.
Uma lista abrangente de causas de ativação imunológica e con-
sequente ADC é vista na Tabela 6.3.
As doenças desencadeantes de resposta imune podem ter, elas
próprias, outros mecanismos de anemia, aos quais se somarão os de
ADC; em algumas doenças, os mecanismos próprios são predominan-
tes na patogênese de anemia. É o caso das nefropatias, em que o
• Em analogia à síndrome geral de adaptação, termo criado por H. Selye para a
resposta fisiopatológica ao estresse.
158 Renato Failace & cols.
TABELA 6.3
Causas (em erdern alfabética) de anemia de doença crônica
Colagenoses e doenças reumáticas
Convalescença de trauma, inclusive cirúrgico
Dano tecidual isquêmico
Dermatites bolhosas
Diabete (com complicações)
Doenças inflamatórias do trato digestivo (ver Capo 10)
Hepatopatias (ver Capo 10)
Infecções (Tabela 6.3)
Nefropatias (ver Capo 9)
Neoplasias (ver Capo 10)
Parasitoses teciduais
Queimaduras (ver Capo 5)
Rejeição crônica após transplantes
Serosites
Úlceras de decúbito
Vasculites
processo local provoca ADC, mas a anemia decorre primordialmente
da falta de síntese de eritropoetina inerente à insuficiência renal; das
neoplasias, em que a anemização preponderante deve-se à mielotoxi-
cidade do tratamento e outras complicações; das inflamações crônicas
do trato digestivo, em que a anemia predominante é a ferropênica,
pela perda crônica de sangue. Essas anemias secundárias - de patogê-
nese múltipla e variável-, em que o mecanismo de ADC é apenas um
dentre vários outros, serão discutidas em títulos próprios.
A síndrome geral de ADC decorre da ação sistêmica das citoqui-
nas geradas nos sítios de inflamação, necrose e regeneração teciduais.
As citoquinas, além de ação ativadora ou inibidora sobre as células da
imunidade, induzem ou inibem a expressão e a síntese de várias pro-
teínas (proteínas defase aguda), também discutidas na sequência.
Citoquinas inflamatórias
Interleuquina-l (1L-1): é secretada por monócitos ativados e
células endoteliais. Induz a proliferação de linfócitos T e a produção
dos fatores estimulantes de colônias granulocíticas e granulocítico-
monocíticas (G-CSF e GM-CSF, das iniciais em inglês), que, por sua
Anemias por interferência na síntesede hemoglobina 159
vez, causam febre e os demais sintomas sistêrnicos de inflamação,
estimulam a mielopoese, fazem liberar a reserva granulocítica para o
sangue e ativam os neutrófilos na periferia. A 1L-1 é indutora ou ini-
bidora da síntese de várias proteínas inflamatórias (proteínas de fase
aguda), especialmente a ferritina, discutidas adiante.
Interleuquina-6 (IL-6): produzida por monócitos, macrófagos,
fibroblastos e células endoteliais, estimula a proliferação de linfócitos
B maduros e sua evolução para plasmócitos e a proliferação de linfó-
citos T-citotóxicos. A 1L-6é indutora da síntese hepática de hepcidina,
central na fisiopatologia da ADC
Interleuquina-lO (IL-lO): age em sentido inverso, anti-inflamató-
rio, inibindo a síntese de interleuquinas, mas também estimula a ex-
pressão de receptores de transferrina e a síntese de ferritina.
Interferon y: sintetizado por linfócitos e células mieloides, esti-
mula a atividade cito tóxica dos linfócitos T, modula a síntese de imu-
noglobulinas e inibe a síntese de proteínas associadas à proliferação
celular, principalmente mieloide.Fator-a de necrose tumoral (TNF-a, do inglês): produzido por
monócitos ativados. Aumenta a atividade macrofágica e, com esta, a
retenção e destruição de eritrócitos senescentes (eritrocaterese) no
baço, no fígado e na medula óssea. O TNF-a e os interferons inter-
ferem na proliferação e na diferenciação do tecido eritroide, tanto
por inibir a produção renal de Epo como por aumentar o limiar de
sensibilidade à sua ação.
Proteínas de fase aguda
Proteína C-reativa: é o principal e mais precoce marcador labo-
ratorial do estado inflamatório. A proteína C-reativa influencia vários
estágios da inflamação, principalmente o reconhecimento de patóge-
nos e componentes de células alteradas e a ativação do complemento,
favorecendo a fagocitose.
Proteína amiloide A: é constituinte importante da resposta de
fase aguda, mas a dosagem é difícil e nunca entrou na rotina laborato-
rial. O acúmulo, em inflamações crônicas, desencadeia a amiloidose.
Fibrinogênio: aumenta precoce e duradouramente em estados
inflamatórios; o aumento é a principal causa de aceleração da eri-
trossedimentação. A dosagem laboratorial é fácil, mas é inexata, e o
resultado, variável com a técnica escolhida.
160 Renato Failace & cols.
Hepcidina: a hepcidina extrapola a condição de proteína de fase
aguda. Sua posição central na regulação do trânsito transcelular e das
reservas de ferro no organismo define-a como o hormônio do meta-
bolismo do ferro. Diminuição da síntese de hepcidina é resposta fisio-
lógica à insuficiência de ferro oferecido à eritropoese. Essa resposta
é primária e predominante sobre o estímulo oposto, o aumento da
hepcidina quando há sobrecarga de ferro; se a falta de ferro for ape-
nas funcional, com boas reservas de ferro, como ocorre na hiperplasia
eritroide continuada ou na eritropoese ineficaz das anemias diseritro-
poéticas, ainda assim diminui a síntese de hepcidina. A expressão he-
pática de hepcidina é intensamente estimulada pela IL-6: o aumento
da hepcidina é o principal mecanismo fisiopatogênico da ADC.
Apoferritina: é o invólucro proteico da ferritina. A síntese au-
menta marcadamente na síndrome geral de ADC por influência das
interleuquinas IL-l, IL-6 e IL-IO, mesmo em situações de carência de
ferro, caso em que circula carente em conteúdo férrico. A dosagem
dita da ferritina sérica na verdade é da apoferritina, o que esclarece
a aparente incompatibilidade entre alta ferritina sérica e ausência de
reservas de ferro na medula óssea.
Haptoglobina: aumenta nos estados inflamatórios, mas não cos-
tuma ser dosada para demonstrá-los; usa-se como indicação indireta
de hemólise, quando se mostra diminuída.
Transferrina (siderofilina): é uma proteína de fase aguda de
resposta negativa; diminui nos estados inflamatórios, o que contribui
para a hipoferremia da ADC. É mais frequente dosá-Ia como capaci-
dade ferropéxica.
Albumina: a síntese hepática e, como decorrência, a concentra-
ção sanguínea, diminuem significativamente (resposta negativa) em
todos os estados inflamatórios de longa duração.
Patogênese da ADC
É múltipla. As interleuquinas inflamatórias desenvolvem uma
constelação orquestrada de respostas, culminando em acentuada bai-
xa do ferro plasmático (no laboratório: ferro sérico), inibição da eri-
tropoese e aumento da eritrocaterese.
Falta de ferro oferecido à eritropoese: a ADC é uma síndrome
hipossiderêmica apesar da presença de reservas de ferro no organis-
mo. A ação central é o estímulo à síntese hepática de hepcidina pela
Anemias por interferência na síntesede hemoglobina 161
IL-6. A elevação da hepcidina é crucial para o desenvolvimento e ma-
nutenção do estado de ADC: agindo localmente e à distância, como um
hormônio, inibe a ação da ferroportina, proteína exportadora do ferro
celular. Na parede intestinal, a inativação da ferroportina faz o ferro ab-
sorvido do duodeno ficar retido nos enterócitos como ferritina, ao invés
de passar ao plasma; eventualmente, com a descamação, o ferro é per-
dido nas fezes. Nos macrófagos do próprio fígado, da medula óssea e do
baço, a inativação da ferroportina faz com que o ferro seja igualmente
retido, sem liberação para a transferrina plasmática. A consequência é a
hipojerremia (ou hipossideremia), ainda intensificada pela diminuição
da síntese hepática de transferrina (proteína de fase aguda de resposta
negativa) e por grande aumento da síntese de apoferritina (proteína
de fase aguda, mas de resposta positiva) nos macrófagos, favorecendo
o armazenamento inacessível do ferro. Aumenta a ferritina sérica de
modo desproporcional às reservas; diminuem o ferro sérico e a capaci-
dade ferropéxica. Falta aporte de ferro à eritropoese (ferropenia funcio-
nal) sem haver carência de ferro no organismo.
No caso das doenças infecciosas, a hipoferremia parece teleologi-
camente sensata; a falta de disponibilidade de ferro seria útil por inibir
o crescimento de micro-organismos.
Diminuição da síntese de eritropoetina: a IL-1 e o TNF-a inibem a
síntese renal de Epo. Na ADC' para níveis similares de hemoglobina,
os níveis de Epo são proporcionalmente mais baixos do que na anemia
ferropênica. Há uma deficiência de Epo relativamente à intensidade
da anemia.
Diminuição da eritropoese: a proliferação eritroblástica é afetada
por ação direta de interferon y, TNF-a e IL-1. Tanto essascitoquinas
como a própria falta de ferro disponível diminuem a responsividade à
Epo, por sua vez já com produção deficiente. AADC é sempre uma ane-
mia hiporregenerativa, isto é, sem resposta reticulocítica apropriada.
Aumento da eritrocaterese: o TNF-a estimula a atividade macro-
fágica; a sobrevida eritrocítica média cai a 80-90 dias. O ferro libe-
rado do heme fica retido nos macrófagos, não volta à transferrina
plasmática. A constelação anemizante fecha o círculo.
Os mecanismos da síndrome geral de ADC atuam igualmente
em situações agudas. Em respostas imunológicas de menor gravidade,
a ADC só começa a ser notada se a evolução ultrapassar 3-4 semanas,
dada a longa sobrevida eritrocítica. Já em situações agudas graves,
como pneumonia Iobar, sepse, cirurgia maior ou outro trauma severo,
infarto do miocárdio e outras, pode desencadear-se uma ADC aguda;
162 Renato Failace & cols.
o antagonismo impróprio dos adjetivos justifica denominá-Ia anemia
de doença crítica. A anemização súbita, da ordem de 2-3 g/dL de Hgb
em 48-72 horas do início dos sintomas, possivelmente é devida à rá-
pida destruição dos eritrócitos já próximos ao fim da sobrevida: fra-
gilizados pelo esgotamento enzimático, são incapazes de resistir ao
ambiente inflamatório no baço, fígado e medula óssea. A anemia de
doença crítica evolui ulteriormente como ADC.
As infecções que causam ADC, listadas em ordem alfabética na
Tabela 6.4, costumam ter uma ou mais das características a seguir:
1. Comprometimento sistêmico: emagrecimento, febre, suores notur-
nos.
2. Supuração crônica.
3. Lesões com áreas necróticas ou caseosas.
4. Disseminação granulomatosa.
5. Grande extensão ou gravidade local.
6. Doença sistêrnica (p. ex., diabete) como causa adjuvante.
Nas colagenoses, a ADC é máxima na artrite reumatoide, quan-
do a Hgb pode ser < 8 g/ dL e haver baixa extrema do ferro sérico e
acentuada microcitose; é comum a ADC complicar-se por carência de
ferro devido à gastrite pelo tratamento com anti-inflamatórios, por
toxicidade farmacológica (uso de metotrexato), por hiperesplenismo
(como na síndrome de Felty). No lúpus eritematoso sistêrnico, pode
haver anemia hemolítica auto imune, além de ADC. Nas demais cola-
TABELA 6.4
Infecções (er1'\ ordem alfabética) que causam ADC '
Abscessos
Aids
Bronquiectasias infectadas
Brucelose
Doença cavitária pulmonar
Empiemas
Endocardites
Febre tifoide
Granulomatoses
Infecções oportunísticas em
estados de imunodeficiência
Leptospirose
Lepra lepromatosa
Malária
Meningites
Micoses profundas
Osteomielite
Pielonefritecrônica
Pneumonias
Rickettsioses
Salmoneloses (não-tifoides)
na infância
Viroses em geral (na infância)
Viroses graves em adultos
Anemias por interferência na síntese de hemoglobina 163
genoses e nas dermatites bolhosas, a ADC é menos intensa, podendo
faltar. Em todas, costuma haver certo paralelismo entre a anemia, a
atividade inflamatória e os sintomas sistêmicos.
Nas convalescenças, a ADC é proporcional à gravidade do evento
causal e à duração evolutiva até a recuperação.
Hemograma na ADC
AADC não costuma ser uma anemia severa; na maioria das vezes,
a hemoglobina mantém-se entre 9 e 12 g/dl., raramente desce aquém
de 8,5 g/dí., Por falta de disponibilidade de ferro à eritropoese, torna-
se microcítica, mas o VCM só raramente é inferior a 70 fL; VCM muito
baixo sugere concomitante falta de ferro. O RDW é normal ou pouco
aumentado. A contagem de reticulócitos é normal ou baixa, isto é,
não há resposta reticulocítica à anemia (anemia hiporregenerativa).
Como o eritrograma é incaracterístico, a suspeita de ADC ge-
ralmente decorre da presença de sintomas e sinais da doença bási-
ca: febre, emagrecimento, artrite, etc. Outras vezes, do resultado do
leucograma (neutrofilia), de trombocitose reacional, ou dos demais
exames de laboratório. Um deles é a velocidade de sedimentação glo-
bular (VSG); pela simplicidade e pelo baixo custo, merece ser pedida
junto com o hemograma. O método de Westergren foi substituído por
diversas técnicas em equipamento com leitura automatizada, feita em
tempo mais curto. A correlação com o método original é, no máxi-
mo, aceitável; resultados discordantes não são raros. A VSG não tem
especificidade nem valor preditivo, mas costuma estar acelerada na
maioria das doenças que causam ADC. É particularmente útil (quase
sempre associada à trombocitose) para desencadear suspeita de do-
ença inflamatória crônica do trato digestivo, tireoidite, polimialgia
reumática e arterite temporal.
O aumento dos fatores que aceleram a eritrossedimentação
pode ser visto nos proteinogramas da Figura 6.8, feitos para fim de-
monstrativo no laboratório do autor; são comparadas eletroforeses
dos plasmas (não dos soros) de dois pacientes: o que tem eritrossedi-
mentação elevada mostra picos de 0.2, fibrinogênio (F) e aumento de
"I. Os mesmos fatores causam excessivo empilhamento dos eritrócitos
(rouleaux), notado à microscopia, por descarregarem a carga elétrica
da superfície. Deve-se fazer constar a presença de rouleaux no resul-
tado do hemograma; é um bom marcado r das alterações proteicas in-
Eletroforese do plasma
Paciente #1
VSG= 12 mm/l hora
Eletroforese do plasma
Paciente #2
VSG= 122 mm/l hora
164 Renato Failace & cais.
FIGURA 6.8
Proteinogramas do plasma de pacientes com eritrossedimentação normal (E)
e acelerada (D).
flamatórias da ADC. O proteinograma é indispensável para distinguir
hiperglobulinemias inflamatórias (policlonais) de monoclonais (ver
Figura 26.2, p. 380).
A dosagem de proteína C-reativa é mais sensível aos estados
inflamatórios do que a VSG; aumenta em horas, e até 1.000 vezes, ao
passo que a VSG tarda dias e tem um aumento limitado. A dosagem de
outras proteínas de fase aguda não faz parte da rotina laboratorial.
Diagnóstico diferencial entre ADC e anemia ferropênica (AF)
Os exames complementares, a seguir, prestam-se à confirmação
diagnóstica de ADC e AF. Em casos típicos e isolados (só ADC ou só
AF), a distinção é categórica. Em casos de ADC + AF, entretanto, o
diagnóstico diferencial, ou a comprovação da presença simultânea de
uma e outra, é sempre problemático. Várias vezes deve-se recorrer ao
último exame da lista a seguir (pesquisa de ferro na medula óssea),
indesejável porque invasivo, mas aceito como padrão-ouro.
Dosagem do ferro sérico e da capacidade ferropéxica: o ferro sérico
na AF cai a níveis extremos (sempre < 30 ug/dl.), mas diminui tam-
bém na ADC. A capacidade ferropéxica, entretanto, aumenta (até >
Anemias por interferência na síntesede hemoglobina 165
400 ug/dl.) na AF e diminui « 250 ug/dl.) na ADC, o que faz a satu-
ração ser muito baixa (3 a 15%) na AF e normal, ou pouco diminuída
(10 a 25%) na ADC. Essas dosagens devem ser feitas pela manhã,
porque o ferro sérico sofre elevação circadiana; dão resultados dispa-
ratados se o paciente tiver recebido ferro oral na última semana.
Dosagem da ferritina sérica: reflete as reservas de ferro. Na AF
pura, não tratada, está sempre abaixo de 20 ng/mL. Na ADC, a ferriti-
na (na verdade, a apoferritina dosável) eleva-se muito; é uma proteí-
na de fase aguda. Em casos de ADC, valores abaixo de 40-50 ng/mL
devem ser interpretados como ferropenia concomitante, e valores até
70 ng/mL certamente não a excluem. O cut of! de exclusão tem sido
variavelmente arbitrado entre 70 e 150 ng/mL. O autor já viu casos
com ferritina sérica extremamente elevada e ausência de ferro na me-
dula óssea.
Dosagem dos receptores de transferrina livres no soro/plasma
(sTfR): os receptores de transferrina da membrana dos eritroblastos
(na medula) captam o ferro da transferrina plasmática; seu núme-
ro é proporcional às necessidades de ferro da célula. São liberados
proteoliticamente dos eritroblastos e dos reticulócitos para o plasma;
o aumento de sTfR reflete aumento da demanda celular por ferro,
seja por hiperplasia eritroide, seja por deficiência de ferro no com-
partimento funcional. Não havendo reticulocitose, a dosagem é útil
para diferenciar AF (resultado elevado) de ADC (resultado normal ou
baixo). O método imunoturbidimétrico de dosagem é automatizado,
mas é relativamente caro, carece de uma padronização internacional
apropriada, e os valores de referência variam com os kits comerciais;
a dosagem de sTfR, embora disponível, até o momento não entrou na
rotina laboratorial no Brasil. Como o nível de sTfR relaciona-se com
o pool funcional do ferro e a ferritina sérica com o ferro das reservas,
o quociente entre os valores, usando-se de preferência o Ioga ritmo
da ferritina (sTfR / log F), tem sido considerado mais apropriado à
distinção AF ;to ADC do que cada uma das dosagens usadas separa-
damente; essa opinião, no entanto, não é unânime. Embora o cálculo
seja feito automaticamente pelo software no laboratório, a matemáti-
ca envolvida não é atraente para a mentalidade médica; o índice não
tem tido aceitação no Brasil.
Índices hematimétricos dos reticulócitos: o conteúdo hemoglobí-
nico dos reticulócitos (fornecido pelos contadores Advia com a desig-
nação CHr) e o volume dos reticulócitos (fornecido pelos contadores
Sysmex com a designação RET Y) são notáveis para identificar pre-
166 Renato Failace & cais.
cocemente O desenvolvimento de uma eritropoese jerropênica, isto é,
com falta de ferro acessível aos eritroblastos (ferro funcional); não
são especialmente úteis para distinguir a anemia ferropênica da ADC:
em ambas falta ferro no compartimento funcional. Além disso, tanto
a AF como a ADC são situações crônicas, de modo que em ambas o
CHr assemelha-se ao conteúdo hemoglobínico dos demais eritrócitos.
Esses índices reticulocíticos serão discutidos no tratamento com eri-
tropoetina humana, no Capítulo 9.
Dosagens de IL-6 e hepcidina: a tecnologia é difícil. O método
ELISA é caro e, até o momento, resiste à automatização. A hepcidina
atualmente só é dosável na urina. O uso se restringe a centros de pes-
quisa, fora da rotina laboratorial. Quando, em futuro próximo, forem
comercializados kits de dosagens de preço aceitável e padronização
internacional, provavelmente serão cruciais para o diagnóstico de
ADC e sua diferenciação com anemia ferropênica. Aumento de IL-6
e de hepcidina seriam típicos de ADC; virtual ausência de ambas, de
anemia ferropênica.
Mielograma com coloração de Perls: a pesquisa ao microscópio
de depósitos de ferro em material obtido por aspiração da medula
óssea - para esse fim a biópsia com trocar te não é necessária- é o
padrão-ouro. Por ser um método mais invasivo, é o último a ser indica-
do. Há que reconhecer-se que a punção aspirativa é feita com agulha
fina; pode ser usado o esterno, e o trauma e o desconforto da coleta
são insignificantes. Na anemia ferropênica, ferro corável está ausente
dos macrócitos e os sideroblastos são muito raros. Na ADC e na talas-
semia mino r, o ferro é abundante nos macrófagos, mas os sideroblas-
tos, ainda assim, não são numerosos. Sempre que se examina medula
corada com Perls deve-se atentar para o aspecto dos sideroblastos:
sideroblastos em anel caracterizam as anemias sideroblásticas (mielo-
displásicas), que sempre devem entrar no diagnóstico diferencial.
Tratamento
Se a anemia de doença crônica for significativa a ponto de cau-
sar sintomas relevantes, o que é comum em idosos, o tratamento com
rHu-Epo pode ser indicado; eleva a hemoglobina a níveis toleráveis e
melhora a qualidade de vida. Para uma discussão sobre o hemograma,
o tratamento com rHu-Epo e o uso concomitante de ferro injetável,
ver Capítulo 9.
Anemias por interferência na síntesede hemoglobina 167
TALASSEMIAS
o termo engloba uma série de defeitos genéticos em que há re-
dução da síntese de uma ou mais cadeias globínicas da(s) hemoglo-
bina(s), caracterizadas na Tabela 6.5.
A síntese de cadeias a e p ocorre nos ribossomos dos eritroblas-
tos e cessa nos reticulócitos, paralelamente ao catabolismo terminal
do RNA. A síntese de cadeias a depende de dois genes (o.I e a2) loca-
lizados em duster no cromos somo 16; as demais cadeias, de um clus-
ter, no cromossomo 11, onde há um p-gene, dois y-genes e um ô-gene.
Considerando-se os cromossomos homólogos, vê-se que a síntese de
cadeias a e y dependem de quatro genes cada, e a síntese de cadeias
p e O,de dois genes cada.
As síndromes talassêmicas são classificadas segundo as cadeias
globínicas acometidas, que definem, por sua vez, quais as hemoglo-
binas com síntese comprometida. As talassemias o e y puras são irre-
levantes; a primeira, por comprometer uma Hgb menor; a segunda,
por comprometer só a Hgb fetal. São importantes as talassemias a e
p por comprometerem a Hgb A; a primeira compromete também as
hemoglobinas A2 e E Também são importantes as combinações talas- .
sêmicas: a op compromete as hemoglobinas A e A2, e a yop, as hemo-
globinas A, A2 e E
TABELA 6\5
Corccterístices das hemoglobinas humanas
Noto: há hemoglobinas embrionárias (Gower e Portland) com cadeias E e 1;,
irrelevantes na vida extrauterina.
Hgb Cadeias
A a2 p2
A2 a2 a2
F (fetal) a2 y2
H p4
Hgb de Bar! y4
Características
Principal Hgb: 95 a 98% no adulto
Componente menor: 1 a 3% no adulto
Predominante no feto; 60 a 90% no
recém-nascido, < 1% após 1 ano
Tetrâmero de p, formado quando faltam
cadeias a para a síntesede Hgb A
Tetrâmero de y, formado quando faltam
cadeias a para a síntesede Hgb F no feto;
< 2% no recérn-ncscido normal
168 Renato Failace & cais.
a-Talassemia
Origina-se de deleções totais ou parciais dos a-genes e/ou dos
elementos reguladores no cluster, ou de mutações no processamento
e na translação do RNA; várias dezenas já foram descritas. Em popu-
lações negras> 95% dos casos decorrem da deleção -a3,7, facilmente
evidenciada por PCR, desde que o laboratório aceite assumir essa de-
ficitária tarefa. Como a síntese de cadeias a depende de quatro genes,
as consequências hematopoéticas e clínicas da a-talassemia variam de
condição as sintomática (deleção de um gene), passando por anemia
microcítica discreta (deleção de dois genes) e por anemia microcítica
e hemolítica grave (deleção de três genes), à hidropisia fetal, condi-
ção incompatível com a vida (deleção dos quatro genes).
«r-talassemia heterozigótica: a deleção restrita ao gene aI (aa/a-)
é o defeito genético pontual de maior prevalência no mundo, aco-
metendo 20 a 30% da população negra africana, onde dá origem a
1-2% de homozigotos (a-/a-). A prevalência também é alta na área
do Mediterrâneo, na Índia, na Indonésia e na Polinésia. A a + talassemia
heterozigótica é silente: o hemo grama é virtualmente normal e o diag-
nóstico só pode ser feito por biologia molecular; o defeito é notado, ou
suspeitado, pelo nascimento de filho homozigótico. O levantamento de
Beutler e Weiss, em afro-americanos com idade média de 50 anos (ver
p. 61), entretanto, mostra que a deficiência de um gene a causa uma
diminuição da hemoglobina da ordem de == 0,5 g/dL em relação aos
não-portadores, e que o VCM é == 5 fL mais baixo; ou seja, o eritrogra-
ma tem valores médios inferiores, aos da população não acometida,
mas ainda dentro dos limites de referência. Estatísticas brasileiras que
dependam de dados raciais são inviáveis pela miscigenação maciça e
geograficamente heterogênea. A cromatografia líquida de alta resolu-
ção (HPLC) do sangue de recém-nascido com a+ -talassemia, costuma
mostrar Hgb de Bart com valor acima do usual. A HPLC atualmente
é feita no teste do pezinho; se esse dado estiver presente, deve ser
anotado na ficha médica do paciente e conservado para conhecimento
futuro.
a +-talassemia homozigótica: a herança simultânea de dois genes
de a+ -talassemia, um de cada cromossomo homólogo (genótipo a-/a-),
dá origem a um fenótipo com leve anemia microcítica. A diferença a
menos estimada entre os portadores e a população não acometida é de
Hgb pouco mais de 1,0 g/dL e VCM == 15 fL. A contagem de eritrócitos é
normal ou há leve eritrocitose; não há pontilhado basófilo. A pesquisa,
Anemias por interferência na síntesede hemoglobina 169
em lâmina corada a fresco com novo-azul-de-metileno, azul-brilhante-
-de-crésil ou metil-violeta, pode mostrar raríssimos eritrócitos com as-
pecto de bolas de golfe, pela precipitação de inclusões de Hgb H. O
diagnóstico definitivo só pode ser feito por biologia molecular; o exame
hematológico dos pais (a+ heterozigotos, descritos anteriormente) não
é esclarecedor. Justifica-se aceitar o diagnóstico presuntivo de a+ ta-
lassemia homozigótica, em paciente com esse eritrograma levemente
microcítico e origem racial compatível, se não houver resposta ao trata-
mento com ferro ou houver ferritina sérica normal ou elevada.
aO-talassemia: a deleção mais ampla de um cromossomo no clus-
ter a, comprometendo simultaneamente os genes o.I e a2 e causando
o genótipo cui/>, tem alta prevalência no sul da China e em todo o
sudeste da Ásia; é muito rara nos povos africanos e rara nos mediter-
râneos; consequentemente, no Brasil. O fenótipo apresenta uma ane-
mia microcítica igual à da o.t-talassemía homozigótica; o exame dos
pais, entretanto, mostra o comprometimento similar de um deles ou
de ambos. A herança homozigótica (--/--) é incompatível com a vida;
sem cadeias a, não se sintetiza nem a Hgb fetal; o feto vive alguns me-
ses pela persistência das hemoglobinas embrionárias, pela presença
de Hgb de Bart e traços de Hgb H, e morre no útero, ou nasce hidrópico
e não sobrevive. Como, nessas mesmas populações asiáticas, o gene da
a+ talassemia também é comum, os duplamente heterozigotos (a-/--)
não são muito raros: têm doença da Hgb H.
a-talassemia não-delecional: decorrente de mutação no gene a2, é
muito mais rara. Há uma mutante de cadeias a, Hgb Constant Spring,
com alta prevalência na Tailândia. Os portadores heterozigóticos têm
leve anemia microcítica, com pontilhado basófilo nos eritrócitos. A Hgb
Constant Spring pode ser identificada pela HPLC. A homozigoticidade
causa uma anemia microcítica de moderada a severa.
Doença da hemoglobina H: decorre da herança simultânea de
genes talassêrnicos a+ e aO, ou de aO e Hgb Constant Spring, com-
binações comuns no Sul da Ásia e só vistas no Brasil em imigrantes
dessa origem. A baixa na síntese de Hgb A é acentuada, causando
anemia microcítica e hipocrômica severa. A baixa da CHCM (< 30%)
deve-se em parte à hidratação excessiva dos eritrócitos, por dano à
membrana; a anisocitoseé chamativa (RDW > 20); a pecilocitose é
considerável, com dacriócitos e eritrócitos fragmentados; a coloração
apropriada mostra eritrócitos em bola de golfe. Há óbvio componente
hemolítico e eritropoese ineficaz. A HPLC identifica Hgb H == 10%,
Hgb de Bart == 5%, traços de Hgb A2 e F, e Hgb A.
170 Renato Failace & cais.
A Tabela 6.6 resume dados hematológicos e prevalência geográ-
fica das quatro eventualidades o-talassêmicas. Os valores médios para
Hgb e veM são os descritos na estatística citada em a+-talassemia,
válidos, portanto, para afro-arnericanos de meia-idade.
Normal a+ heteroz. a+ homozig. aO Hgb H
aa/aa aa/a - a-/a- aa/- - a-I- -
Eritrograma (valores médios)
Hgb (g/dL)
ã 14,8 14,3 13,6 13,6 5-10
9 13,1 12,6 12,0 12,0 5-10
VeM (fL) 89,5 84,5 74 74 55-74
Prevalência
África negra 5-35% 1-3% raríssima
Mediterrâneo 3-10% < 0,1-0,2% rara raríssima
Oriente Médio 1-20% < 0,1-1% rara raríssima
Sul da Ásia comum rara comum presente
Brasil comum rara raríssima
j3-Talassemia
TABELA 6.6
Dados sinópficos sobre a-talassemia
Origina-se de um grupo de mais de 200 variantes do 13-gene.
Há defeitos, geralmente falta de expressão do gene ou deleção, cuja
presença homozigótica causa falta total da síntese de cadeias 13(genes
13°),e defeitos que ocasionam apenas variável redução da síntese (ge-
nes 13+). Da existência de heterozigotos, duplamente heterozigotos,
e homozigotos para os numerosos genes 13°e 13+,e da concomitân-
cia com defeitos a e combinações, originam-se fenótipos variados de
13-talassemia.
Genes 13-talassêmicos têm prevalência entre 5 e 20% nos povos
do Mediterrâneo oriental (gregos, italianos, árabes, turcos). Na Itália,
a prevalência é maior no sul, principalmente na Sicília. Na Península
Ibérica, a prevalência é baixa: em Portugal, < 0,4%; na Espanha, 1 a
2%. Nas populações negras do norte e leste da África, a prevalência
está entre 2 e 10%, e entre 1 e 3% no sul da Ásia; há uma prevalên-
Anemias por interferência na síntese de hemoglobina 171
cia muito elevada em grupos populacionais restritos da Índia e da
Tailândia. Os genes são raríssimos nos povos anglo-saxões, bretões e
nórdicos, e raros nos eslavos. Não há estatísticas nos aborígenes da
América do Sul; nos da Austrália, são raríssimos. A prevalência no
Brasil depende da composição étnica regional: no Rio Grande do Sul
e em São Paulo, é significativa pela colonização italiana. Na Argenti-
na, também pela colonização italiana, é particularmente elevada na
província de Buenos Aires.
f3-talassemia mino r (traço f3-talassêmico): a presença heterozigó-
tica de um gene ~o ou ~+ causa uma leve anemia, muito microcítica,
amplamente compensada e virtualmente as sintomática. São poucos
os pacientes com queixas de fatigabilidade crônica ou esporádica; em
raros, há discreta esplenomegalia. Levantamentos amplos, em regiões
de alta prevalência, mostram não causar morbidade significativa nem
interferência na sobrevida.
O eritrograma é característico. Em 20 casos, em pacientes adul-
tos (l1d', 99) de origem italiana, da clínica do autor, os valores médios
(Cell-Dyn 4000) foram usados para elaborar um eritrograma típico da
~-talassemia minor desse grupo populacional (Figura 6.9). Segue de-
talhada interpretação, com os valores extremos de cada parâmetro.
1. Há importante eritrocitose, apesar da anemia. Intervalo: E (M//lL) =
5,67 a 7,l4 (d') e 5,26 a 6,44 (9).
2. A anemia é moderada, compatível com vida assintomática. Inter-
valo: Hgb (g/dl.) = 10,5 a 13,4 (d') e 10,1 a 11,8 (9).
3. O VCM é muito baixo, desproporcional à anemia. Intervalo: VCM
(fL) = 56,6 a 65,4. AHCM, da ordem de 20 fL, é a essência do defeito
genético: por não sintetizarem mais Hgb A (pela falta de cadeias ~)
é que os eritrócitos são microcíticos, o VCM é proporcionalmente
baixo e há anemia.
4. A CHCM está nos limites mínimos da normalidade; não há hipo-
cromia real, A hipocromia vista ao microscópio decorre da maior
translucidez dos micrócitos, pela pouca espessura.
5. O RDW é normal, ou quase normal. Extremos: RDW = 13,5 e 15,9.
6. A contagem de reticulócitos, sempre acima da média, na maioria
muito elevada (extremos: 70.800 e 219.000/IlL), mostra que a
f3-talassemia minor mereceria a qualificação de anemia hiper-re-
generativa frustrada ou de anemia hiporregenerativa relativa. A
medula responde com hiperplasia eritroide, consegue elevar a
172 Renato Failace & cols.
ERITRÓCITOS
HEMOGLOBINA
HEMATÓCRITO
índice de Mentzer
(igual em ambos os sexos)
ERITRÓCITOS
HEMOGLOBINA
HEMATÓCRITO
índice de Mentzer
(J
6)4
12,3
38,2
9,8
M/j.!L
g/dL
%
VCM
HCM
CHCM
RDW
RETICULÓClTOS
IRF
pecilocitose 1+
polkromotodtose 1+
leptocitose (targef rel/s) 1+
eritrócitos com pontilhado bcsófilo 2+
61,1
19,7
32,3
14,4
138500
0,456
FIGURA 6.9
Eritrogramas típicos de ~-talassemia minor ((J e 9).
9
5,53
10,9
32,3
11,0
M/j.!L
g/dL
%
fL
pg
%
contagem de eritrócitos muito acima da usual, mas nem assim
consegue atingir uma Hgb normal; como todos os eritrócitos são
micrócitos com HCM == 20 fL, mesmo em número excessivo, são
insuficientes. É lícito supor-se que, se não houvesse certa eritro-
poese ineficaz e leve diminuição da sobrevida eritroide pelo efeito
deletério da precipitação do excesso de cadeias a, a eritrocitose
seria ainda maior, e a anemia, totalmente compensada. É a exis-
tência de anemias com eritrocitose, como essa, que exige definir-se
anemia pela taxa de hemoglobina.
7. A pecilocitose depende do gene mutante: há casos sem pecilocitose
e casos com pecilocitose até 3+; eliptócitos em charuto podem
ser chamativos. Leptócitos são frequentes (são raros na anemia
ferropênica). A policromatocitose (1 a 2+) é constante.
8. O pontilhado basófilo é importante no diagnóstico diferencial: não
se observa na anemia ferropênica. A conservação do sangue com
EDTAinibe a precipitação dos ribossomos causando pontilhado; na
suspeita, a confirmar, de 13-talassemia minor, deve-se distender lâ-
minas na hora da coleta, com gota de sangue da ponta da agulha.
Há várias fórmulas e índices utilizados para distinguir 13-talas-
semia minor de AF a partir dos dados numéricos do eritrograma. O
Anemias por interferência na síntese de hemoglobina 173
índice mais usado é o de Mentzer: VCM -ê- E. Na p-talassemia minar
o índice costuma estar abaixo do cut off = 13; na anemia ferropênica,
acima. Na Figura 6.9, o índice é 61,1 ~ 6,24 = 9,8 no eritrograma
masculino e 61,1 -ê- 5,53 = 11,0 no feminino; é óbvio que, nos pacien-
tes masculinos, o índice de Mentzer costuma ser menor (mais talassê-
mico) do que nos femininos, porque o VCM é igual em ambos os sexos,
e a contagem de eritrócitos mais alta no masculino. No eritrograma
de AF da Figura 6.6 (E), p. 154, o índice é 76,8 ~ 4,07 = 18,87; no
eritrograma da direita, da mesma figura, com Hgb = 3,9 g/dL, não
há sentido no diagnóstico diferencial, pois a anemia é incompatível
com talas sentia minoro A Figura 6.10 mostra o índice de Mentzer dos
20 casos de p-talassemia minar, recém-descritos, e de 30 casos de AF
(idade> 2 anos): vê-se que todos os casos de talassemia estão abaixo
do cut off 13, mas que há 5 casos de AF também nessa faixa.
A Figura 6.11 mostra os mesmos 20 casos de p-talassemia minar,
com 70 casos de AF, correlacionados com a dosagem de hemoglobina
na abscissa. Nota-se que todos os casos talassêrnicos ocupam o qua-
I. MENTZER
15~--------------------------------------~
15+-----------------------.d~~L-------~
13
20+--------------------------4~----------~
H4..•.
10+---~~~~~--------------------------~
~ÁÁ
5~------------------------------------~p- TALASSEMIA
MINOR
11,6(8-12)
ANEMIA
FERROPÊNICA
15,9(10,9-22,6)
FIGURA 6.10
índice de Mentzer em 20 casos de p-talassemia minar e 30 casos de anemia
ferropênica.
174 Renato Failace & cols.
i. Anemia ferropênica i. ~-talassemia minor
I.MENTZER
24
22
20
18
16
14
12
10
8
6
O
...
... .... ... ... ...
... t ~... ... i'"
... •••••• "t. •••••. "';'1
13 ...•... ... ... ...u .......)I,... ...
... .:a~ .••.•.
9,5
~
10 12 14 16
FIGURA 6.11
Correlação entre índice de Mentzer e dosagem de hemoglobina nos mesmos
casos de ~-talassemia e em 70 casos de anemia ferropênica.
drante inferior D, limitado por I. Mentzer < 13 e um cut ojf, arbitrado
pelo autor em Hgb > 9,5 g/dL, por não haver [3-talassemia minar
não complicada com anemia mais severa. Os casos de AF ocupam os
três outros quadrantes, com apenas duas exceções (casos pediátricos,
com cinco e sete anos). Incluindo-se a correlação com a Hgb e esse
segundo cut ojf, o índice é fidedigno para o diagnóstico diferencial
em adultos; para crianças é menos fidedigno, porque a microcitose e
a taxa de hemoglobina mais baixas, e ascendentes com a idade, exigi-
riam um cut ojf variável.
A síntese de Hgb A2 (a.2 (2) é estimulada pela deficiência de
cadeias [3;o aumento é mais significativo nos casos [30(A2 = 4 a 6%,
às vezes mais) que nos [3+ (A2 = 3,6 a 5%). A dosagem de Hgb A2 é
fundamental na confirmação do diagnóstico de [3-talassemia minar.
Em 20 a 30% dos casos há, também, aumento da Hgb F (a.2 y2) para
2 a 7%. O mais prático, atualmente, é fazer cromatografia da hemo-
globina (HPLC); as novas máquinas dosam ambas simultaneamente
e revelam hemoglobinopatias coincidentes, se houver. A eletroforese
não se presta à dosagem da Hgb A2.
Há [3-genes talassêrnicos silentes, ou quase silentes, nos hetero-
zigotos. Nos quase silentes, há mínima anemia microcítica com ou
Anemias por interferência na síntese de hemoglobina 175
sem aumento da Hgb A2. Os casos sem aumento da A2 são indistinguí-
veis da aO-talassemia e da a+ talassemia homozigótica. Os casos silen-
tes são notados apenas quando geram filhos homozigóticos ou dupla-
mente heterozigóticos para p-genes talassêrnicos. A herança concomi-
tante de a-genes talassêrnicos diminui as alterações hematológicas da
p-talassemia minor; pode gerar casos silentes ou quase silentes. Só o
estudo dos genes por biologia molecular permite esses diagnósticos.
~-talassemia maior e intermédia: da união de dois portadores de
p-genes talassêrnicos, iguais ou diferentes, há 25% de chance de nas-
cer um homozigoto ou duplamente heterozigoto. O resultado é trágico,
pois o recém-nascido (RN) nasce normal (pois nele predomina a Hgb
F), mas anemiza progressivamente nos primeiros meses de vida por
falta de síntese de Hgb A; a Hgb F mantém-se um pouco elevada, mas
não a ponto de uma função vicariante. A dupla herança pOe a herança
pOp+ causam anemia extrema - p-talassemia maior - com Hgb entre 3
e 6,5 g/dL, incompatível com a sobrevida sem reposição transfusional
permanente; no primeiro caso, há somente Hgb A2 e F; no segundo, há
uma porcentagem mínima de Hgb A. A herança p+ p+ dá origem a uma
anemia mais tolerável - p-talassemia intermédia - com Hgb entre 6 e 9
g/dl., em que as transfusões são apenas ocasionalmente necessárias.
A anemia da talassemia maior decorre de uma combinação de
eritropoese hiperativa, mas ineficaz, pois a precipitação do superávit
de cadeias a nos eritroblastos causa irremediável diseritropoese, e a
falta de cadeias p impede a hemoglobinização, com hemólise perifé-
rica, pois os eritrócitos defeituosos têm sobrevida muito encurtada.
O eritrograma decorrente dessa patologia eritroide múltipla é pro-
teiforme: o histograma pode estar muito alterado (Figura 6.12, E);
só é constante a extrema anemia. Predominam micrócitos com veM
< 60 fL, mas há macrócitos policromáticos e descorados, pecilocitose
com leptócitos, dacriócitos e formas fragmentadas, eritroblastos com
sinais de diseritropoese. A necessidade transfusional acrescenta um
componente normocítico a essa heterogênea população. Há neutrofi-
lia -e trombocitose, mas o hiperesplenismo pode causar leucopenia e
trombocitopenia ulteriores. A esplenectomia causa agravamento dos
aspectos sanguíneos de diseritropoese, grande eritroblastose e lepto-
citose, além de suas alterações usuais.
Pacientes não tratados desenvolvem fascies de roedor, enorme
esplenomegalia, retardo de crescimento e retardo mental. Nas popu-
lações subdesenvolvidas, morrem na infância. Tratados com reposi-
ção transfusional apropriada, mantendo-se a Hgb elevada na época
176 Renato Failace & cols.
RBC 2.33 RBC 3.43
RBC HGB 5.4 HGB 7.3
HCT 16.4 HCT 23.4
MCV 70.3 MCV 68.3
MCH 23.3 MCH 21.2
REL # MCHC 33.2 # MCHC 31.0
RDW 46.7 RDW 34.9-
50 100 200 50 100
FIGURA 6.12
Eritrogramas (Coulter STKS) de paciente com ~-talassemia maior sob tratamento
transfusional (E) e de anemia sideroblástica congênita (D).
de crescimento, desenvolvem-se satisfatoriamente; deve ser feito um
tratamento paralelo com desferroxiamina (Desferal") ou deferiprona
(Ferriprox=) para diminuir a hemossiderose. Se houver doador com-
patível, o transplante de medula óssea é indicado e deve ser precoce.
Nos países com legislação, mentalidade e recursos compatíveis com a
cultura do terceiro milênio, na presença de gestante e parceiro com
~-genes talassêmicos, é feita coleta de material fetal para diagnóstico
genético por biologia molecular; a gestação é interrompida se o resul-
tado for conclusivo para talassemia maior.
Há combinações de genes de 8~-talassemia e de Hgb E com ge-
nes ~o e ~+ capazes, também, de dar origem a casos de talassemia
maior ou intermédia.
õJ3e rõJ3-talassemias: há pelo menos 8 mutações que resultam na dele-
ção ampla no duster ~, comprometendo também o ô-gene, prevalentes
principalmente na Grécia, Chipre e sul da Itália, e 11 que comprometem
o 8 e os y-genes, só prevalentes na Índia e na China. O eritrograma dos
heterozigotos 8~ é semelhante ao da J3-talassemia minor, mas o VeM é
um pouco mais alto, próximo aos 70 fL; não há aumento de Hgb A2 e há
aumento de Hgb F (de 5 a 20%). O autor já viu casos locais em uma famí-
lia de origem grega. Os homozigotos e os duplamente heterozigotos 8~ e
j3apresentam quadro de talassemia intermédia, porque têm mais Hgb F
que os homozigotos de j3-talassemia (com talassemia maior).
O crossover desigual durante a meiose, com fusão dos genes 8~,
dá origem a uma cadeia j3 de síntese lenta e uma hemoglobina com
cromatografia e migração distinta da A, a Hgb Lepore. Tem prevalên-
Anemias por interferência na síntese de hemoglobina 177
cia significativa nas redondezas de Nápoles e na Macedônia; já foi
descrita no Brasil. Os heterozigotos (Hgb Lepore =: 10%, sem aumento
de Hgb Az) mostram quadro de talassemia minor; os homozigotos, de
talassemia intermédia ou maior.
Persistência hereditária da hemoglobina fetal: a Hgb F está presente
no sangue do adulto em baixa porcentagem « 1%) e em reduzido
número de eritrócitos « 4%), ditos células F. Discreto aumento das
células F e da Hgb F é achado frequente em muitas etnias: é assintomá-
tico e irrelevante. As mutações delecionais ou não-delecionais no cluster
13,que incluam os 813-genes, podem fazer com que os y-genes do cro-
mossomo homólogo assumam posição de alel os, o que causa aumento
significativo da síntese de Hgb F (5 a 30%). Não há anemia nem nos
hetero nem nos homozigotos (estes com Hgb F = 100%). A persistência
hereditária delecional da Hgb F é rara; é significativa apenas em popu-
lações africanas, no sul da Itália, na Índia e na Tailândia. Há casos pu-
blicados no Brasil de persistência não-delecional em brancos e negros.
ANEMIA SIDEROBLÁSTICA CONGÊNITA
É uma raríssima doença genética, recessiva ligada ao sexo, em
que mutação na enzima ácido ê-aminolevulinico-sintetase causa insu-
ficiente produção de heme nos eritroblastos. Há microcitose acentua-
da e significativa hipocromia, mas a população eritroide mostra con-
siderável heterogeneidade; o histograma é exageradamente aberto
(Figura 6.12, D), diferente do da anemia ferropênica e da talassemia,
quesão os diagnósticos diferenciais a considerar.
A confirmação diagnóstica de anemia sideroblástica faz-se pelo
mielograma; a coloração de Perls, que cora o ferro em azul-da-Prús-
sia, mostra uma coroa de grânulos de ferro mitocôndrico em torno do
núcleo da maioria dos eritroblastos (sideroblastos em anel). Na mãe
(heterozigota), alguns sideroblastos em anel podem ser encontrados. A
anemia sideroblástica congênita é um defeito incurável, mas há melho-
-ra marginal com o uso diário de doses farmacológicas de piridoxina.
ACÚMU10 DE FERRO NO ORGANISMO
Pode decorrer tanto de absorção excessiva de ferro por interferên-
cia fisiopatológica ou por defeito genético na ação da hepcidina, como
de aporte iatrogênico de ferro medicamentos o ou transfusional.
178 Renato Failace & cols.
A síntese hepática de hepcidina é regulada para menos, com fa-
vorecimento da ação da ferroportina e ampla liberação do ferro dos
enterócitos e dos macrófagos para a transferrina plasmática, tendo
como evento final, um aumento do aporte de ferro à eritropoese, nas
seguintes situações:
Resposta fisiológica: quando as necessidades da eritropoese superam
a oferta de ferro no compartimento funcional, sensores da falta de fer-
ro fazem aumentar os receptores de transferrina nos eritroblastos e
diminuir, até virtual supressão, a expressão da hepcidina no fígado.
• A resposta é apropriada na real deficiência de ferro, com falta de
reservas expressa por baixa ferritina sérica. Quando o aumento de
absorção intestinal é insuficiente para contrabalançar a causa de
falta de ferro, desenvolve-se anemia ferropênica. A única medida
terapêutica eficaz é a administração de ferro.
• A resposta é inapropriada quando a insuficiente oferta de ferro não
se deve à carência no organismo, mas à hiperatividade eritroide
continuada, com insuficiência de ferro apenas no pool funcional,
apesar de haver reservas e suficiente ferro reciclado pelos macró-
fagos. É o caso das anemias hemolíticas crônicas e das anemias
diseritropoéticas, com eritropoese ineficaz, como a talassemia e
as mielodisplasias. Há excessiva absorção e excessiva liberação de
ferro para a transferrina e um acúmulo lento e progressivo de fer-
ro nas células parenquimatosas. É a hemossiderose, que se acelera
de modo catastrófico no caso de haver necessidade de reposição
transfusional. A ação estimulante (positiva) do excesso de ferro
sobre a expressão de hepcidina é sempre fisiologicamente inferior
à ação inibidora (negativa) da avidez insatisfeita da eritropoese por
ferro. A produção em laboratório de agonistas da hepcidina ou de
hepcidina exógena, permitindo uma interferência terapêutica no
ciclo, seria notavelmente bem-vinda.
Defeito genético: a expressão de hepcidina nas células hepáticas é
regulada pelo gene HFE. Uma variante na sequência do gene, C282Y,
que se crê originada em um antepassado celta há cerca de 2 mil anos,
difundiu-se até a considerável prevalência de 1 para 10 em populações
do norte da Europa, talvez por favorecer o armazenamento de ferro
nas mulheres em idade reprodutiva em épocas de escassez histórica. A
herança homozigótica da variante C282Y causa redução significativa
Anemias por interferência na síntese de hemoglobina 179
na expressão da hepcidina nas células hepáticas, com consequente
exagero na absorção duodenal e acúmulo de ferro no organismo: é a
hemocromatose hereditária.
A penetrância do gene é baixa; apenas uma fração dentre os
homozigotos C282Y desenvolve hemocromatose clínica: 20-30% (d')
e 1-2% (9). A avassaladora predominância da hemocromatose clínica
em homens explica-se pela proteção trazida às mulheres por mais de
30 anos de perda mensal de ferro nas menstruações. Dentre outras
variantes descritas de HFE, apenas a herança homozigótica da varian-
te H63D, ou a duplamente heterozigótica, C282Y/H63D, também se-
riam predisponentes à hemocromatose.
Eritrograma em portadores de variantes HFE: trabalhos na Áustria
e nos EUA demonstraram hemoglobina significativamente mais alta
(13,9/13,4 g/dl.) em mulheres portadoras heterozigóticas da va-
riante C282Y. Em levantamento feito na Austrália, a diferença não
se mostrou significativa. Diferença hemoglobínica em homens é difí-
cil de confirmar. O estado homozigótico para C282Y, ou duplamente
heterozigótico C282Y/H63D, confere proteção à anemia ferropênica
em mulheres. O ferro sérico e a saturação da transferrina são 10-20%
mais altos em portadores de variantes do que na população com HFE
usual (wild type).
Segue exemplo de exames relativos ao balanço de ferro típicos
de hemocromatose:
Ferro sérico
Capacidade ferropéxica
Saturação da transferrina
Ferritina
> 150 ug/rnl,
== 300llg/mL
> 50%
> 600 ng/mL
Geralmente se aceita que um resultado de ferritina acima de
l.OGO ng/mL seja indicativo da necessidade de tratamento com san-
grias periódicas até diminuí-Ia a 50-100 ng/mL.

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