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CAPÍTULO 4
Lesões Celulares e do Interstício.
Cicatrização. Regeneração
Fausto Edmundo Lima Pereira
Os agentes agressores causam modificações moleculares nas
células e tecidos, as quais se somam e, muitas vezes, resultam
em alterações morfológicas. Lesões morfológicas aparecem nas
células, no interstício ou em ambos. Dependendo da duração
e intensidade da agressão e da natureza do agente agressor, as
lesões celulares podem ser reversíveis ou irreversíveis, ou seja,
as células podem sobreviver ou morrer. De acordo com sua
intensidade e extensão, as lesões podem ser identificadas a olho
nu, por microscopia de luz (ML) ou por microscopia eletrônica
(ME). Para a perfeita compreensão de todo o espectro de lesões,
é interessante considerar que nem toda agressão resulta em
alteração morfológica; esta só aparece quando os transtornos
moleculares e metabólicos são suficientemente intensos para
modificar a estrutura das células e tecidos. Por isso mesmo,
é importante que o leitor tenha sempre em mente que, quanto
mais discreta é uma lesão, mais difícil é o seu reconhecimento.
Nesse sentido, o emprego de toda a tecnologia hoje disponível,
conforme mostrado no Capo 2, tem contribuído sobremaneira
para melhor conhecimento e compreensão das diversas lesões em
seus diferentes níveis. Neste capítulo, serão descritos os aspectos
ultra-estruturais, microscópicos e macroscópicos das principais
lesões de interesse prático, tentando, sempre que possível, corre-
lacionar os achados morfológicos com as alterações moleculares
e suas repercussões funcionais. Para facilitar a compreensão das
degenerações e da morte celular (lesões resultantes de agressões
variadas), será feita inicialmente uma breve introdução sobre
como as células respondem aos agentes lesivos.
Respostas Gerais das Células às
Agressões. Estresse Celular
Embora as agressões dificilmente atinjam isoladamente um úni-
co componente dos tecidos, como células, microcirculação, matriz
extracelular ou inervação, o estudo das lesões é tradicionalmente
feito em separado para cada componente do tecido, o que facilita
a descrição e a compreensão dos mecanismos nelas envolvidos.
Diante de agressões diversas, as células dão respostas gerais
por meio de mecanismos semelhantes. Estes podem torná-Ias
mais resistentes ou mais adaptadas à agressão ou, dependendo
da intensidade desta, induzir morte controlada sob a forma de
apoptose, autofagia ou necrose. Em outros termos, quando são
agredidas as células respondem mediante ativação de vias de
sobrevivência ou de morte celular. Em conjunto, as respostas e
modificações celulares que surgem diante das inúmeras agressões
constituem o que se denomina estresse celular. As alterações
funcionais e as lesões que aparecem nessa situação resultam
de desvios metabólicos, tendo como conseqüência depósitos
anormais (degenerações), morte celular seguida de autólise (ne-
crose), morte celular com fragmentação da célula, sem autólise
(apoptose), ou transtornos nos mecanismos de proliferação, que
serão discutidos no Capo 8.
Qualquer que seja sua natureza, as agressões celulares: (a)
reduzem a oferta de 02 e nutrientes; (b) alteram vias metabólicas
que produzem energia; (c) geram radicais livres; (d) agridem
diretamente macromoléculas, em especial o DNA. Sensores
para esses efeitos lesivos existem nas membranas, no citoplas-
ma e no núcleo, tendo as respostas em comum a indução de
maior capacidade de sobreviver, de resistir, de reparar lesões
moleculares ou, se essa adaptação não é possível, de levar a
célula à morte por apoptose, autofagia ou necrose. Todos esses
. processos serão discutidos em detalhe ao longo deste capítulo.
Antes disso, a seguir serão comentadas as alterações que sur-
gem nos diversos compartimentos celulares (síntese protéica,
oxidações biológicas, geração de energia etc.) após as diversas
agressões, com a finalidade de dar ao leitor uma visão resumida
e abrangente das formas gerais de reação das células a diversos
estímulos (estresse celular).
ESTRESSE OXIDATIVO
Como visto no Capo 3, radicais livres constituem impor-
tante mecanismo de agressão às células. Para neutralizar ou
minimizar os efeitos desses radicais, as células dispõem de
variados mecanismos antioxidantes. Redox alterado (radicais
livres derivados de 02 ou N) ativa vias que permitem às células
uma resposta adaptativa a essa nova condição. Tal ativação
depende da intensidade de alteração no redox: se moderada, são
ativadas vias que levam à transcrição de genes favorecedores
de sobrevivência, os quais codificam moléculas antioxidantes,
HSP (Heat Shock Proteins) e moléculas antiapoptóticas (Bcl-2);
e muito intensa, ocorre ativação de vias que levam à morte
das células (apoptose ou necrose; ver adiante). No estresse
moderado, ocorre ativação de proteínas cinases envolvidas
nas vias de sobrevivência, ao passo que no estresse intenso
ão ativadas fosfatases que desativam rotas de sobrevivên-
cia e induzem morte celular. Como têm o potencial de lesar
membranas, os radicais livres podem alterar as membranas
mitocondriais ou lisossômica, conduzindo à necrose. Das vias
de transdução de sinais intracelulares, as mais relacionadas ao
estresse oxidativo são NFKB, MAPK e HSF-I (Heat Shock
Transcriptional fator-Ti.
O NFKB é um fator de transcrição existente no citosol sob a
forma de um dímero (p50-p60) acoplado a um inibidor (IKB).
ativação do NFKB é feita pela fosforilação do IKB pelas IKK
(IKB Kinases), o que pode ser feito por ativação de receptores
como TLR, TNFR, IL-IR e receptores de fatores de crescimento.
Uma vez fosforilado, o IKB é ubiquitinizado e degradado nos
proteassomos e o NFKB translocado para o núcleo, onde ativa
genes pró-inflamatórios (IL-l, IL-I8, TNFa, iNOS, COX2) e
genes de sobrevivência (HSP, antioxidantes e antiapoptóticos).
As MAPcinases (MAPK =Microtubule Activating Protein
Kinases e depois MitogenAPK) formam uma família de pro-
teínas cinases ligadas à transdução de sinais de proliferação,
de sobrevivência ou de apoptose. Existem quatro grupos na
família: ERKI, 2 (Extracelular signal Regulated Kinases),
JNK (Jun N terminal Kinases), p38 (ou ERK3/4) e BMK (Big
J1APK). JNK e p38 são conhecidas como proteínas cinases
ativadas pelo estresse (SAPK). Todos os grupos são ativados
após fosforilação de tiro sinas e treoninas por cinases que fazem
fosforilação em cascata conhecidas como MAPKK. As ERKI
e 2 são fosforiladas por MEK, a qual pode ser ativada por vias
diferentes, sendo a mais importante a feita por ativação da
proteína ras (proteína G monomérica do citosol), que ativa a
RAF, a qual fosforila a MEK, que finalmente faz a dupla fos-
forilação de ERKl e 2. ERKI e 2 possuem muitos substratos
(próximo de 50), entre eles outras cinases, como p90 e MSK, e
fatores de crescimento, como ATF-l, este último importante na
ativação de genes antioxidantes e genes antiapoptóticos. JNK é
ativada pela MAPKK4, que pode ser ativada por estimulação
de receptores com domínio de morte, como TNF e Fas, e por
cinases, como ASKI e MLK. Uma vez fosforilada, JNK ativa
fatores de transcrição de genes pró-apoptóticos (maior ativação)
ou antioxidantes (menor ativação). A Fig. 4.1 ilustra a ativação
das MAPK no estresse oxidativo.
O HIF -1 (Heat shock Induced transcription Factor) é um fator
de transcrição inativo existente no cito sol que, após ativação por
radicais livres, sofre trimerização, desloca-se ao núcleo e ativa
genes de sobrevivência, especialmente de HSP, de proteínas
antioxidantes e de proteínas antiapoptóticas.
Ativação de vias de sobrevivência possibilita às células au-
mentar a capacidade antioxidante e de lidar melhor com proteínas
alteradas, mediante aumento da expressão de HSP. Além desses
mecanismos de sobrevivência envolvendo MAPK e NFKB,
outra forma de eliminar moléculas alteradas por peroxidação,
principalmente proteínas, é a sua eliminação através de autofagia,
como será descrito adiante.Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 83
Receptor da Receptor para
família TNF fator de
crescimento
Fig. 4.1 Vias de ativação de MAPK no estresse oxidativo (EO). Notar
que receptores para proliferação celular (receptores para fatores de
crescimento) ou que induzem apoptose ou sobrevivência (receptores
da família TNFR) podem ativar as MAPK.
RETÍCULO ENDOPIASMÁTICO
As proteínas do choque térmico (HSP, ou proteínas do es-
tresse) exercem papel fundamental no estresse celular: além de
poderem ser excretadas e atuar como moléculas sinalizadoras
de perigo, as HSP desempenham importante função como cha-
peronas e chaperoninas, atuando no dobramento de proteínas e
na manutenção desse dobramento até a chegada da proteína ao
seu destino.
O dobramento da cadeia polipeptídica de uma proteína (alfa
hélice, faixa beta e alça) é feito no retículo endoplasmático (RE),
com gasto de energia e participação de HSP. Agressões diversas
que levam à redução na síntese de ATP, que geram radicais livres
ou que alteram o fornecimento de carboidratos para glicação
favorecem o aparecimento de proteínas nascentes maldobradas,
as quais se acumulam na luz do RE. Proteínas assim alteradas
são denunciadas porque chaperonas (HSP) presas a moléculas
transmembranosas do RE delas se soltam para se deslocar para
a luz da cisterna e se associarem às proteínas maldobradas, ten-
tando repará-Ias. Proteínas transmembranosas (p. ex., PERK,
IRE-I e ATF-6), agora livres das HSP, se dirnerizam, tornam-se
ativadas e transduzem sinais na face citosólica do RE, ativando
vias que originam três respostas: (a) inibição rápida da tradução,
mediante fosforilação do fator de elongamento eEF2, exceto para
RNAm com uma seqüência marcadora, que continuam a ser
traduzidos (os das HSP e das proteínas necessárias ao transporte
e proteólise das proteínas maldobradas); (b) indução da proteó-
lise das proteínas maldobradas nos proteassomos; (c) ativação
de genes das chaperonas e de outras proteínas necessárias ao
processo de proteólise, como a XBPO-l (ativada por IRE-I)
ou ATF-6 (ativada por proteólise após seu deslocamento do RE
para o Golgi). Além de atuarem no dobramento das proteínas,
as HSPs ativam rotas de sobrevivência e inibem vias que levam
à apoptose, como resumido na Fig. 4.2.
Se esses três mecanismos não restabelecem a homeostase do
i tema, é disparada a apoptose. IRE-I aciona TRAF-2, que ativa
84 Patologia Geral
CITOPLASMA
...---- APOPTOSECrre 9 Cite J lATP --"'- NECROSE
Caspare4 ~~9~~
í y--ca+V t
Pró- ~!na Sim,Bil<.?uma
caspose 4 UbJqultinização
PERK ATF.6
......•.iP'~Pl-_
InibiçÓOdo.....::.-~ .•.••••,
traduÇão ~ )
t Tradução ATF4 e GADD j
\vvvvRNAmdeXBP
~ Transcrição de ganes
anflapoptóflcos.
de chaperonas e de proteasesXBP
Fig. 4.2 Estresse no retículo endoplasmático (RE) e suas conseqüências.
O estresse inicia-se pela presença de proteínas maldobradas na luz do
RE. Chaperonas (HSP), que se encontram associadas a proteínas trans-
membranosas (IRE-I, PERK e ATF-6), deslocam-se para associar-se
às proteínas maldobradas e conduzi-Ias aos proteassornos, onde são
degradadas. Livres das chaperonas, as proteínas IRE, PERK e ATF são
ativadas, dimerizam-se e ativam a transcrição de genes de sobrevivência
(antiapoptóticos, de chaperonas e de proteassomos). A permeabilidade da
membrana do RE alterada favorece a liberação de Ca+no citosol, o qual
ativa a calpaína, ativando a caspase 4, que por sua vez induz apoptose.
Há também liberação de proteínas pró-apoptóticas aderidas às cister-
nas do RE (Bim, Bak, Puma), que atuam nas mitocôndrias induzindo
apoptose. Se a agressão provoca redução acentuada a síntese de ATP, a
célula entra em necrose. Linha tracejada indica inibição.
ASK -1, capaz de ativar as MAPKKs que ativam JNK e p38. Elas
ativam fatores de transcrição que inibem genes antiapoptóticos
e ativam genes pró-apoptóticos. Outro mecanismo envolve alte-
ração nos canais de Ca'" no RE, com liberação desse íon para a
matriz, promovendo ativação de calpaínas que ativam a caspase 4
(ligada à membrana do retículo endoplamático) e de calcineurina
(fosfatase) que desfosforila Bad, a qual altera a permeabilidade
mitocondrial e libera fatores mitocondriais desencadeadores de
apoptose. O produto do gene CHOP (C/EBP HOmolog Protein
ou GADD153) ativado durante o estresse também induz apop-
tose por inibir genes antiapoptóticos e favorecer a expressão de
genes pró-apoptóticos.
Se o estresse no RE é muito intenso, com grande alteração da
permeabilidade ao Ca'", o acúmulo deste no citoplasma altera a
permeabilidade transicional das mitocôndrias, levando à depleção
rápida na síntese de ATP e à ativação de fosfolipases, resultando
em morte celular por necrose.
SÍNTESE PROTÉICA
A síntese de proteínas pode ser resumida nas seguintes eta-
pas: (a) transcrição e processamento do RNA, com geração do
RNAm; (b) transporte do RNAm para o citoplasma; (c) edição
do RNAm; (d) tradução da proteína; e) degradação do RNAm;
f) modificações pós-tradução da proteína. A Fig. 4.3 resume as
principais etapas da síntese de uma proteína .
A tradução das proteínas ocorre nos ribossomos e depende de
um complexo sistema de proteínas denominadas eIF (eukaryote
Initiation Factors) e eEF (eukaryote Elongation Factors), res-
pectivamente fatores de iniciação da tradução e fatores de elon-
gamento do peptídeo nascente. Em condições normais, os fatores
de iniciação (eIFs) ficam associados a uma proteína eIFEBP (eIF
Binding Protein), que os mantém inativos. Fosforilação dessa
proteína libera o iFE, que se une a dois outros fatores e forma um
complexo que se liga à extremidade 5' do RNAm, favorecendo
sua ligação ao ribossomo e o início da tradução. O elongamento
do peptídeo depende dos eEF, que facilitam o deslocamento do
ribossomo e a aposição seqüencial dos arninoácidos. Os fatores de
iniciação são controlados por cinases e fosfatases, reguladas por
J Receptores na membrana
~Wr,mm~Un
MJ!JWW;)!JWWVWWJ",jWlJ»)lJl;~)UW0l,)i.lJJUiW! tllLIi\fI» "JIM1»~
Fat;' de t
4 .___tronscrtÇão inativa ti.,..', 2
Fator de ..
transcrição ativo Moléculas envolvidas
.-. •••••• .,. ••••••• "'"- na ativação de fatores
de transcrição
8/1(Tradução
Degradação CI ==;t;i",::;i.l:1""Pr:I:o::llltê;'r~a1O
doRNAm==== / I
11= 1
Modificação pós·franslaclonal ~ /W ..!!.
Proteína SumoiloçãO Proteóllse
mais estÓVel.P""'" Proteínar I
ativa 114 •
DEGRADAÇAO
Fig. 4.3 Etapas da síntese de uma proteína, indicadas desde a ativação de
um receptor por um agonista. O receptor ativado (1) aciona mecanismos
de transdução de sinais que ativam fatores reguladores da transcrição (2,
3 e 4), que vão ao núcleo e regulam o complexo ativador da transcrição
(5) no promotor do gene, favorecendo a iniciação da transcrição do
RNA, cuja progressão depende da ativação do complexo remodelador
(6). O RNA transcrito primário é processado (7) e o RNAm resultante
é transportado ao citoplasma (8), onde é editado, com troca de uma ou
algumas bases (9). Em seguida, ocorre a tradução (10), que é regulada
pela velocidade de degradação do RNAm e pela ação dos fatores de
iniciação e elongamento (11). A proteína sintetizada pode sofrer modifi-
cações pós-translacionais representadas por: a) ligação com ubiquitinas
de baixo peso molecular, que tornam a proteína mais estável (12),
processo este conhecido como sumoilação (Small Ubiquitin related
Modifier); b) proteólise parcial ou total (13 e 14).
diferentes vias. Fosforilação dos eIFs e eEFs os inibe, enquanto
a desfosforilação os ativa.
No estresse celular diante das várias agressões, a síntese pro-
téica pode ser alterada. O mediador que influencia a traduação
de proteínas mais estudado é a mTOR (mammalian Target Of
Rapamicin), proteína cinase existente no citosol que controla
também a autofagia. A mTOR é controlada por proteínas G da
família Rheb, que, sob a forma Rheb-GTP,a ativam. A Rheb-
GTP fica sob controle de duas proteínas, TSCl e 2 (Tuberous
Sclerosis Complex 1 e 2), que induzem atividade de GTPase na
Rheb-GTP, a qual passa à forma Rheb-GDP, incapaz de ativar
mTOR (TSCl e 2 são, portanto, inativadoras de mTOR). Quando
ativada, mTOR fosforila proteínas que: (a) ativam a tradução;
(b) regulam genes que atuam na síntese de aminoácidos; (c)
regulam a atividade de permeases para aminoácidos; (d) inibem
a autofagia.
A ativação da tradução pela mTOR se faz pela fosforilação
de: (1) proteínas da farru1ia eIFBP (eukaryote lnitiation Factor
Binding Protein), que se ligam e mantêm inativos os fatores de
inciação eIF4E. Após fosforilação, o eIF4E é liberado e inicia
a montagem do complexo molecular que prende o RNAm ao
ribossomo para iniciar a tradução; (2) S6K (proteína cinase ri-
bossômica), que ativa a transcrição de fatores de iniciação e de
elongamento e de proteínas ribossômicas. mTOR é capaz ainda
de ativar uma fosfatase da família PP2 que desfosforila o eEFl
e 2 e o eIF2, favorecendo o início da tradução e o alongamento
do peptídeo nascente. O efeito de mTOR na inibição da autofagia
erá discutido adiante.
Além de mTOR, a tradução de proteínas é regulada por: (a)
uma cinase Gcn (General amino acid control of gene expres-
sion, non-derepressing), ativada pelo acúmulo de RNAt livre
no citoplasma (quando há redução da oferta de aminoácidos);
(b) pela cinase PERK do RE; (c) pela PKR do citosol, ativada
por vírus. Todas essas cinases fosforilam o eIF2, inibindo-o;
ao ativar fosfatases, mTOR ativa o eIF2r por promover sua
desfosforilação.
Alguns efeitos de agressões sobre a atividade de mTOR
estão ilustrados na Fig. 4.4. Agressões que reduzem a oferta de
nutrientes e/ou a produção de energia inibem mTOR por ativar o
omplexo TSC. Tais agressões podem também inibir a tradução
pela fosforilação inativadora de eIFs e de eEFs. Ao contrário,
agressões que levam a estímulo de receptores para fatores de
crescimento (p. ex., IGF) ou que aumentam as exigências do
trabalho celular agem geralmente via PI3-K e ativam mTOR por
inibição do complexo TSC.
ELIMINAÇÃO DE PROTEÍNAS E ORGANEIAS
ENVELHECIDAS OU ALTERADAS
Normalmente, as células fazem continuamente reciclagem ou
renovação de seus componentes por processos que permitem a
degradação controlada de proteínas e de organelas envelhecidas.
• esse sentido, há dois mecanismos principais: degradação pro-
téica nos proteassomos e autofagia. Ambos são importantes, por
exemplo, durante o desenvolvimento embrionário e a diferen-
ciação dos tecidos. Em células diferenciadas, os dois processos
ão operados de modo muito regulado.
Os proteassomos são agregados macromoleculares em forma
de barril que contêm proteases capazes de agir sobre várias prote-
ínas. A proteólise nos proteassomos requer ubiquitinização, a qual
depende de enzimas denominadas ubiquitina ligases, que ligam
várias moléculas de ubiquitina à proteína a ser degradada, facili-
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 85
Receptor de insulina
ou IGF Estresse
Hipóxia yy mecânico
. ~ '~"::;;;;;;:;;;;;::;;;::11:;:;:;;:::;;;:;::;;;' •.•' ~Aminoácidos
~Ghcose..~.. ::;.::"" •.••@.....,:.:.~eucina
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~ ",\ livres
S6k Autofagia
~
tSíntese de ribossomos
tGenes de elF e eEF
Fig. 4.4 Efeitos de algumas agressões sobre a síntese protéica, media-
dos por mTOR. As setas contínuas indicam ativação e as tracejadas,
inibição.
tando a entrada desta nos proteassomos. Nas células, a proteólise
é um processo controlado especialmente pela ubiquitinização,
sendo utilizada para controlar a atividade de proteínas constituti-
vas que ficam normalmente inibidas por uma proteína inibidora.
A ativação da proteína inibida é feita pela fosforilação do seu
inibidor, o que favorece a ubiquitinização deste e sua destruição
nos proteassomos (é o que ocorre, por exemplo, na ativação do
NFKB, que normalmente fica inibido pelo IKB). Além desse papel
regulador, os proteassomos eliminam proteínas alteradas que, não
sendo eliminadas, se acumulam no citoplasma e produzem lesões.
Algumas doenças degenerativas do sistema nervoso decorrem de
mutações em proteínas que controlam os proteassomos, levando'
-ao acúmulo de proteínas alteradas no pericário, o que provoca
degeneração e morte de neurônios. A Fig. 4.5 esquematiza os
mecanismos de proteólise nos proteasssomos.
Autofagia, que significa alimentar-se de si mesmo, é um
processo ativo no qual a célula envolve partes de suas estruturas
lesadas ou envelhecidas ou agregados de proteínas alteradas e
forma um vacúolo autofágico (autofagossomo), que se funde
a lisossomos (autofagolisossomo) para digestão das estruturas
seqüestradas. Existem três formas de autofagia: macroauto-
fagia, microautofagia e autofagia mediada por chaperonas
(HSP). Micro e macroautofagia são processos conservados na
natureza, existindo em todos os eucariotas; autofagia mediada
por chaperonas só ocorre em mamíferos. Na microautofagia,
a membrana do lisossomo engloba diretamente os agregados
protéicos ou fragmentos da organela a serem digeridos. Na
macroautofagia, forma-se inicialmente uma vesícula, originada
provavelmente do RE, que envolve o componente a ser digeri-
do; com isso, surge o vacúolo autofágico com dupla membrana,
o qual se funde com lisos somos, ocorrendo nesse momento o
desaparecimento da membrana interna. Na autofagia mediada
por chaperonas, proteínas alteradas no cito sol associam-se a
HSP e são direcionadas à membrana do lisossomo, onde o
86 Patologia Geral
•
~ Estressedo retículo
./ ~ ~ndoPlasmátlco
Dobra correta~ "
/V{/~ ~ Dobra Incorreta
~~
A Proteína ~O ~ r-; f'-' madura
Chaperona ("J - ~~ \...
livre ~ ~~
~
Proteína envelhecido
ou alterada
LJh;q";'oo -'t
MA
Proteassomo
Degradação
Fig. 4.5 Esquema sobreosmecanismos de ubiquitinizaçãoe degradação
de proteínas em proteassomos.
complexo é reconhecido. Após reconhecimento, a proteína
alterada é transferida para dentro do lisossomo, com o auxílio
de uma chaperona lisossômica (lisHSP70). A Fig. 4.6 resume
os mecanismos dos três tipos de autofagia.
Por ser um processo ativo, a macroautofagia é regulada por
vias de sinalização das quais fazem parte algumas proteínas
especiais denominadas ATG (AuTophaGy proteins), mais bem
conhecidas em eucariotos primitivos, mas com correspondentes
identificadas também em mamíferos. As proteínas ATG estão
envolvidas nos mecanismos de formação do vacúolo autofá-
gico, na facilitação do seu deslocamento e na sua fusão com
os lisossomos. Várias proteínas da família ATG têm expressão
aumentada durante a autofagia. Em mamíferos, a expressão da
proteína LC3 (da farmlia das ATGs) é etapa fundamental no início
do processo, pois ela é responsável por formar os complexos
ATGs que iniciam a formação do envoltório do autofagossomo.
Outra proteína importante é a Beclin 1 (homóloga da ATG6 do
S. cerevisiae), que existe no citosol acoplada à Bcl-2. Disso-
ciação do complexo Beclin-Bcl-2 pode ser feita por proteínas
estimuladas por radicais livres (p. ex., UVRAG estimulada por
radiação ultravioleta) ou ceramida. Ligada à PI3 KIII, Beclin
induz autofagia. Como está relacionada à Bcl-2, Beclin também
favorece a apoptose. Por essas razões, Beclin é considerado gene
MACIIOAIITOfAGI
&
lnício foonação
endossomo
Endossomo
com dupla membrana
Fusão com Iisossomo (U)
e desaparecimenfo da
membrona inJemo
MICROAUTOfAGIA
AIlTOFAGIA MEDIADA. POR CIIAPERONAS
Fig. 4.6 Tipos de autofagia. Na autofagia mediada por chaperonas,
a proteína alterada é capturada diretamente pelos lisossomos, onde
sofre proteólise. A captura se faz pela ligação da proteína alterada (1)
ao complexo chaperona-proteínaacessória (2). O conjunto desloca-se
até a membrana lisossômica, onde se prende a uma proteína receptara
(3). Em seguida, a proteína atravessa a membrana, ligando-se a uma
chaperona intralisossômica, e é liberada no interior da organela (5),
onde é digerida.
supressor de tumor, e está deletado ou com expressão reprimida
em alguns tumores.
A autofagia é importante na fisiologia das células, inclusive
como mecanismo de renovação de suas estruturas (processo an-
tienvelhecimento); após agressões variadas, é inibida ou exaltada.
Autofagia excessiva pode ocorrer antes da morte celular, o que
tem levado alguns autores a admitir que autofagia possa ser um
processo de morte regulada de células. No entanto, os estudos
têm mostrado que na chamada morte por autofagia o que existe
na realidade é uma autofagia muito intensa antes de apoptose ou
necrose, o que confere um aspecto peculiar à célula morta.
MITOCÔNDRIAS
As mitocôndrias desempenham papel importante nas respostas
às agressões, já que geram energia, produzem radicais livres e
armazenam sustâncias ativadoras de caspases. Consideradas
organelas exclusivas para a produção de energia há até 25 anos,
as mitocôndrias são hoje tidas como organelas fundamentais no
processo que define a morte das células, por apoptose ou por
necrose. Durante o estresse celular, as alterações mitocondriais
têm um limite a partir do qual a progressão para a morte é ine-
xorável, não havendo possibilidade de retorno à normalidade.
Esse ponto de não-retorno é representado por alterações na
permeabilidade das membranas mitocondriais externa e interna.
A ativação de rotas de sobrevivência também age nas mitocôn-
drias, evitando sobretudo alterações na sua permeabilidade e
prevenindo a morte celular.
A membrana mitocondrial externa tem sua permeabilidade
ontrolada pelos canais VDAC (Voltage Dependent Anions
Channels), os quais estão superpostos aos canais ANT (Adenine
. ucleotide Transferase) nos pontos em que a membrana externa
toca a membrana interna; nesses locais, formam-se os chamados
poros de permeabilidade transicional. Esses canais permitem
a passagem de moléculas pequenas, de até 5 kD. A Fig. 4.7
mostra um modelo proposto desses canais e sua relação com
algumas proteínas da matriz mitocondrial e do citosol. Com
permeabilidade controlada, moléculas maiores, como fatores
apoptogênicos existentes na câmara mitocondrial externa, ficam
. olados do citosol.
As proteínas da família Bcl (B Cell Lymphoma), que pos-
suem domínios do tipo BH (Baculovir Homologue domain),
são os mais importantes controladores da permeabilidade da
membrana mitocondrial externa. As proteínas Bcl-2 e Bcl-XL
quatro domínios BH ou proteínas BclBH4) são estabiliza-
doras de membranas; as proteínas Bax e Bak (possuem três
domínios BH, BclBH3) e as proteínas com um único domínio
BH (Bid, Bad, Bod, Bim e Puma, BcIBHl) são desestabiliza-
doras da membrana, aumentam sua permeabilidade e induzem
liberação de moléculas pró-apoptóticas. As proteínas BclBH4
e a proteína Bak localizam-se junto aos poros VDAC. A prote-
ína Bax existe no citosol, mas, quando ativada, desloca-se até
a membrana externa, interage com a Bcl-2 e induz aumento
da permeabilidade. As proteínas com um único domínio BH
induzem aumento de permeabilidade porque, quando translo-
cadas para a membrana mitocondrial externa, ativam proteínas
Canal aniônico
voltagem-dependente
PJT
Ciclo de Krebs
I
NOH + H+
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 87
Bak aí existentes ou inativam proteínas Bcl-2, induzindo a
permeabilização.
A membrana mitocondrial interna dispõe de um mecanismo de
permeabilidade altamente controlado que assegura a manutenção
de um gradiente eletroquímico que gera diferença de potencial es-
tável conhecida como L1l/1m(delta-fi mitocondrial), indispensável
para ativação da ATPase que fosforila o ADP, transformando-o
em ATP. Há dúvidas se toda vez que se aumenta a permeabili-
dade da membrana mitocondrial externa a da membrana interna
também aumenta. Foi criada a expressão permeabilidade mi-
tocondrial transicional ou transitória para indicar o aumento
rápido da permeabilidade da mitocôndria para moléculas acima
de 1,5 kD que se acompanha inexoravelmente de morte celular.
Observações experimentais indicam que a abertura rápida dos
poros de permeabilidade por interação de Bax com Bcl-2 indu-
ziria alterações transitórias da permeabilidade que levariam à
apoptose; alteração mais duradoura da permeabilidade, por meio
da ativação de moléculas ligadas na face citosólica (hexoquinase)
ou na face interna da membrana interna (ciclofilina D), levaria a
aumento prolongado da permeabilidade, resultando em alterações
na estrutura da membrana interna, o que altera o L1l/1me impede a
ativação da ATPase, bloqueando a síntese de ATP e favorecendo
a produção de radicais livres; tudo isso conduz à necrose.
Alterações mitocondriais estão comumente associadas à morte
celular por apoptose ou necrose (o significado desses termos
será discutido adiante). A idéia de que alterações nas moléculas
associadas aos poros transicionais VDAC/ ANT têm importância
na pato gênese da necrose mas não da apoptose é reforçada pela
maior resistência à necrose em células nas quais a ciclofilina D é
inibida, embora a apoptose não esteja bloqueada nessas células.
Por outro lado, a interferência com o sistema Bax/Bcl-2 pode
afetar a apoptose, mas não interfere com a necrose. A alteração
da permeabilidade mitocondrial que leva à apoptose é diferente
da que provoca necrose, embora ambas possam ser controladas.
Fig. 4.7 Esquema representando as membranas mitocondriais com os poros de permeabilidade transicional e os complexos da cadeia respiratória.
Os poros de permeabilidade transicional são formados pela aposição dos canais VDAC (Voltage Dependent Anions Chanels) da membrana mi-
rocondrial externa com os canais ANT (Adenine Nucleotide Translocase) situados na membrana mitocondrial interna, formando uma estrutura
em que as duas membranas mitocondriais ficam justapostas. Uma hexocinase ligada ao VDAC e a ciclofilina D ligada ao ANT atuam como
controladoras da permeabilidade do poro. As proteínas pró-apoptóticas Bax (BH4) e as antiapoptóticas Bcl-2 (BH3 e BH) controlam a permea-
bilidade por se associarem aos canais VDAC.
88 Patologia Geral
Esse é um argumento a favor da idéia de que a necrose pode
também ser uma forma de morte programada da célula.
Todos os estímulos exógenos (via receptores) ou endógenos
para indução de apoptose passam pelas mitocôndrias, com parti-
cipação do sistema Bcl-2/Bax. Agressões que levam a alterações
na membrana mitocondrial interna (como aumento no Ca'" no
citosol e aumento de ceramida livre ou interferência com a
ciclofilina D), desestabilizando-a (anulando o il\)Jm), causam
aumento de radicais livres e supressão da síntese de ATP, que
culmina em morte celular por necrose. De modo semelhante agem
as agressões que reduzem o aporte ou inativam antioxidantes
intramitocondriais, possibilitando a ação dos radicais livres pro-
duzidos na cadeia respiratória sobre a membrana mitocondrial
interna. A Fig. 4.8 mostra os efeitos de agressões nos diferentes
territórios da célula, convergindo para as mitocôndrias, onde a
agressão pode levar à morte por apoptose ou por necrose.
LISOSSOMOS
Até há pouco tempo, os lisossomos eram considerados im-
portantes apenas nos processos de autofagia e de autólise que se
.seguem àmorte celular por necrose. Mais recentemente, surgiram
evidências de que os lisossomos participam ativamente da morte
celular tanto por apoptose como por necrose. Agressões variadas
podem desestabilizar a membrana lisossômica e favorecer a saída
de proteases envolvidas na apoptose. Desestabilização da mem-
brana ocorre sobretudo por ativação da esfingomielinase, que
gera ceramida e esfingosina; esta interage com a membrana lisos-
OMI
EndoG
\
ApoptoseFig. 4.8 Esquema sobre a ação de agressões em diferentes estruturas
celulares, convergindo para as mitocôndrias, que podem induzir apop-
tose ou necrose. REL = retículo endoplasmático liso; Li = lisossomo;
RL = radicais livres.
sômica, aumentando a permeabilidade. Radicais livres, gerados
inclusive dentro do próprio lisossomo, também desestabilizam
sua membrana. Após desestabilização, ocorrem permeabilização
e saída de catepsinas, que induzem apoptose por meio da ativação
de Bax e Bid, as quais aumentam a permeabilidade da membrana
mitocondrial e facilitam a liberação de fatores pró-apoptóticos.
Excesso de ceramida agride a membrana mitocondrial interna,
impedindo a síntese de ATP, o que pode resultar em necrose.
AGRESSÕES MECÂNICAS
OS tecidos ficam normalmente submetidos à ação de forças
mecânicas que exercem compressão e/ou distensão que podem
influenciar a atividade celular e a qualidade e quantidade da
matriz extracelular. Estímulos mecânicos ocorrem nos tecidos
musculares e seu estroma pelas forças exercidas por contração
e relaxamento, nos tecidos ósseo e cartilaginoso submetidos
à pressão pelo peso corporal e deslocamentos, na derme pela
força de compressão e distensão da pele e em vasos sanguíneo
por pressão e distensão da parede e pela força de cisalhamento.
representada pelo deslocamento do sangue sobre o endotélio. Em
todos esses tecidos, existem mecanorreceptores especializado
para recepção de estímulos mecânicos e transdução de sinai
para o citoplasma, envolvendo canais iônicos, moléculas do
glicocálice e componentes do citoesqueleto.
A transdução químico-mecânica de sinais se dá através da
membrana celular de dois modos: (a) ativação de canais iônicos
que permitem a passagem de eletrólitos que estimulam a ativação
de cinases e iniciam vias de ativação intracelulares; (b) ativação
de moléculas de adesão ligadas à matriz extracelular e, interna-
mente, ao citoesqueleto, por meio de proteínas vinculadas a cina-
ses ativáveis por alteração conformacional daquelas moléculas,
induzida pelo estimulo mecânico. Dessas cinases fazem parte as
FAK (Focal Adhesion Kinases), que, ativadas, iniciam a cascata
de transdução de sinais para o citoplasma. Proteínas, proteoglica-
nos e poliglicanos do glicocálice desempenham papel importante
na transdução quimiomecânica porque podem, após estímulo
físico, liberar moléculas sinalizadoras (fatores de crescimento)
na membrana da célula. AFig. 4.9 mostra alguns mecanismos de
transdução de sinais de força mecânica representada pela pressão
hidrostática do sangue e pela força de cisalhamento em células
endoteliais. Esse estímulo pode: (a) ativar MAPK; (b) estimular
a proliferação celular; (c) ativar mTOR, levando ao aumento da
síntese protéica (hipertrofia); (d) estimular a sintetase do óxido
nítrico; (e) levar à apoptose por ativação da p38.
No tecido cartilaginoso articular, forças mecânicas normal-
mente exercidas sobre a articulação induzem alterações estrutu-
rais nos proteoglicanos e poliglicanos da matriz, com fragmen-
tação de algumas dessas moléculas e liberação de outras a elas
associadas, especialmente da família TGFI3 (TGFI3 e BMPs,
Bone Morphogenetic Proteins). Via TLR (Tol! Like Receptors),
esses fragmentos e os fatores de crescimento liberados ativam os
condrócitos a produzir metaloproteases que digerem as moléculas
da matriz, especialmente proteoglicanos e poliglicanos, favore-
cendo sua eliminação; ao mesmo tempo, estimulam a síntese e
a excreção de novas dessas moléculas para repor as degradadas.
Desse modo, existe renovação constante da matriz extracelular
na cartilagem, principalmente da porção amorfa, que é maior
ou menor dependendo da sobrecarga mecânica. Desequilíbrio
entre degradação e síntese dos componentes amorfos da matriz
extracelular na cartilagem articular é o ponto de partida para as
lesões degenerativas nas chamadas osteoartrites ou osteoartro-
ses, tão comuns com o avançar da idade. Fenômeno semelhante
For~ de ~salh~men~ e P~SSãO iidrostática
Canal NADPH
iônico oxidase
~
(
RTK GPCR
ffiÍUl
RL
RAS
f
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 89
IIIlMI IlItHIII!!
~'.II, V',~u.
~
PKC RAF
~ MERK1/2
~
~
Genes de
proliferação e
sobrevivência Genes
pró-inflamatórios
Fig. 4.9 Vias de ativação em uma célula endotelial quando submetida a estímulo mecânico (p. ex., aumento da pressão hidrostática ou da força de
cisalhamento). Em A estão representados os diferentes sensores ou receptores dos estímulos mecânicos localizados tanto na face luminal como
na face abluminal, junto à membrana basal. Em B estão representadas as vias intracelulares que podem ser ativadas pelos diferentes receptores
representados em A, RL = radicais livres; RTK = receptor com atividade tirosina cinase; GPCR = receptor ligado a proteína G; FAK = proteína
tirosina cinase associada a focos de adesão celular; SRC = proteína tirosina cinase do citosol; NOS = sintetase do óxido nítrico.
ocorre no tecido ósseo e nos tendões, nos quais estímulos mecâ-
nicos favorecem a eliminação de componentes alterados pelas
forças mecânicas e a síntese de novos constituintes para repor
os perdidos.
AGRESSÕES AO DNA
O DNA celular está constantemente sujeito a variadas lesões
provocadas por diferentes agressões, como radiações ionizantes
e não-ionizantes, radicais livres e substâncias alquilantes, além
do pareamento errado de bases nucleotídicas durante sua dupli-
cação. As lesões resultantes, representadas por bases orgânicas
ou nucleotídeos modificados, pareamento errado, formação de
dimeros ou quebra de uma ou das duas fitas, são reconhecidas
por proteínas especializadas que geram uma resposta que pode
levar ao reparo da lesão, acompanhado ou não de parada no ciclo
celular (no caso de a célula estar ciclando) ou, quando a lesão é
extensa, à apoptose (Fig. 4.10).
O processo de reconhecimento de lesão no DNA, de trans-
dução de sinais para os efetuadores das respostas de reparo, de
parada do ciclo ou de apoptose é feito por um conjunto numeroso
e complexo de proteínas. O reconhecimento da lesão pode ser: (a)
direto, quando uma proteína, geralmente uma enzima, reconhece
a lesão e aciona o reparo; (b) multifásico, por uma proteína que
utiliza ATP para juntar duas moléculas; é o que faz o fator de
replicação que liga a UvrA (proteína auxiliar de reparo do DNA
identificada em células resistentes a radiações UV) ao DNA,
permitindo o recrutamento de UvrB e UvrC para iniciar o reparo,
ou às moléculas MSH e MLH, que reparam pareamento errado de
bases; (c) reconhecimento indireto, quando uma molécula não-
envolvida em reparo favorece o reconhecimento; é o que ocorre
com a RNA polimerase, que, quando encontra uma lesão no DNA
que está transcrevendo, pára a transcrição e induz a ligação do
complexo de reconhecimento e reparo; (d) reconhecimento de
extremidades de fitas quebradas, feito por proteínas capazes de
ativar os complexos de reparo e os relacionados com parada do
ciclo celular ou indução de apoptose. .
Os fatores que reconhecem e transduzem sinais da existência
de quebra no DNA são proteínas que se ligam à extremidade do
DNAquebrado (Ku70, Ku80, complexo MRN eATRIP) , tomam-
Radiação
ionizanteLUZUV-0
Agentes
químicos
/ Errosna
( ~ePlicação
11~tf\.
Ativação dos pontos
de controle
~
Retardo ou parada
do ciclo celular
Reparo do DNA
Reparo direto
Excisão de bases (BER)
Exclsão de nucleotídeos (NER)
Reparo de pareamento
Reparo de quebra
. Recombinação homóloga
• Fusão
Apoptose
Fig. 4.10 Principais conseqüências de lesão no DNA.
90 Patologia Geral
se ativadas e recrutam cinases da farru1ia PI3KIK (Phosphatidil
Inositol3 Kinase like Kinase), as quais fosforilam proteínas
transdutoras de sinais, especialmente Chk (Checkpoint Kinases),
que param o ciclo celular ou fosforilam histonas -e proteínas trans-
dutoras de sinais para reparo (BRCAl e 2, MDCI,topBPI, entre
outras); estas, por sua vez, recrutam as proteínas do complexo
reparador, variável conforme o tipo de reparo a ser efetuado. A
Fig. 4.11 resume o reparo por excisão de nucleotídeos.
Agressão
~ 1
..,.,......•,-..,.-T"""T"-r-1,r-r-d-fI " "
I I 11 , " 'I I I
I I, ,
AATr Bases lesadas
11 I I I I , 1 I 11 1
I I 11 11 I I , I I I
2
3
111111111111111111AA
EndonUClease} ~
11 11 1
11 1I I I 11 I
1 1 I1
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DNA polimerase i
DNA IIgase
~'~I~I~I~Ir-r-~1 ft~I~I~Ir-r-1 ~I~I~I~
11111 1111111111
5
AA
Fig. 4.11 Reparo no DNA por excisão de nucleotídeos (NER). Os
nuc!eotídeos lesados, representados por dímero de timina induzido
por raios ultravioleta (1), são reconhecidos pelo complexo do qual faz
parte a proteínaXPC (XerodermaPigmentosum Cprotein).Ocomplexo
recruta uma helicase (He), que abre a dupla fita (2 e 3). Em seguida,
a proteína XPC, agindo como endonuclease, corta uma seqüência que
contém os nucleotídeos lesados (4). A DNA polimerase sintetiza e a
DNA ligase liga uma nova seqüência, substituindo a que foi eliminada
com as bases lesadas (5).
A retirada de bases lesadas isoladamente é feita por um
mecanismo conhecido como reparo por excisão de bases (BER.
Base Excision Repair), feito por DNA glicosilases que clivam
a base lesada de cada lado; disso resulta uma área sem base
púrica ou pirimídica (área AP), que é removida por uma endo-
nuclease, sendo a substituição feita por uma DNA polimerase
b e uma DNA ligase I. O reparo por excisão de nucleotídeo
(NER, Nucleotide Excision Repair) é feito por um complexo
que possui uma nuclease de excisão, a qual c1iva o nucteotideo
lesado juntamente com alguns nucleotídeos acima e abaixo. O
oligômero retirado é reposto por um complexo que sintetiza e
liga outro oligômero. Esse complexo de reparo inclui cerca de
25 proteínas que promovem a síntese da nova fita e sua ligação
nas extremidades cortadas .
O reparo de quebra da dupla fita é mais complexo e feito de
duas maneiras: (I) se a quebra da dupla fita ocorre durante ou
após a fase S do ciclo celular, o reparo se faz por recombinação
homóloga, por meio da qual o complexo reparador sintetiza uma
nova fita, tomando como molde uma fita do DNA homólogo
não-lesado; (2) por junção direta das extremidades, chamada
junção não-homóloga. O reparo de quebra da dupla fita com
recombinação homóloga é um processo complexo que envol-
ve várias proteínas sensoras, transdutoras e reparadoras. Um
complexo protéico unido nas extremidades quebradas inicia o
elongamento da fita que procura uma seqüência homóloga com
a qual forma cruzamento (cruzamentos holidayy, os quais são
eliminados no fim do processo. A Fig. 4.12 ilustra as principais
etapas do reparo por recombinação homóloga.
O reparo de quebra da dupla fita por fusão das extremidades
lesadas é feito por outro complexo protéico que retira algumas
bases das extremidades cortadas e faz a ligação delas. Trata-se,
portanto, de reparo com perda de alguns pares de bases. O pro-
cesso envolve reconhecimento das extremidades e acionamento
do reparo, como indicado na Fig. 4.13.
O reparo do pareamento errado de bases é feito por um comple-
xo protéico descrito inicialmente na E. coli em que duas proteínas,
MutS e MutL, localizam o pareamento errado e acionam uma
belicase que abre o DNA no local, permitindo o corte da base
errada e de algumas vizinhas e a ação da polimerase e da ligase
para completar o reparo. Em humanos, existem cinco proteínas
homólogas da MutS (hMSH 2-6) e quatro homólogas da MutL
(MLH 1 e 2 e PMS 1 e 2), todas atuando como dímeros (MSH2/3
ou 2/6 ou 4/5 e MLH/PMS) (Fig. 4.14). Mutações nesses genes
predispõem ao carcinoma colorretal hereditário não-poliposo.
Lesões do DNA e Ciclo Celular
Lesões do DNA pouco extensas, principalmente aquelas repa-
radas por excisão de bases ou de nucleotídeos ou por retirada de
metilação, não se acompanham de retardo no ciclo celular. Lesões
mais extensas, que implicam quebras de fita, disparam sinais
para que haja retardo ou parada do ciclo celular. O fenômeno,
denominado checkpoint (ponto de avaliação) do DNA lesado,
refere-se aos momentos do ciclo celular em que ocorre avaliação
da integridade do DNA; o ciclo celular só avança se não existe
dano no DNA. Essa mesma expressão é usada para indicar o
processo de reconhecimento de lesão no DNA e transdução de
sinais para os mecanismos efetuadores do reparo, com retardo
ou parada do ciclo celular ou com indução de apoptose.
Os sensores, transdutores de sinais e efetuadores de respos-
tas ao dano ao DNA constituem o que se denomina moléculas
guardadoras do genoma, formadas por proteínas responsáveis
Agressão
I I I I I I I ~ 1
1
1I I I I I C rnd 1
111111 I 1111II1 ramal e
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11 I I I I 11 I I I I 111 I I11 I I I
6
I I I 1111 I 11 I 11 11111111 I
11 I 11111 11 I 11 I I 111 111 I
11 I I I 111 I I 1111 1111 111 I
1111 I 11 I 11 111 I 1111 I 11 I
Fig. 4.12 Reparo do DNA por recombinação homóloga de quebra da
dupla fita ocorrida na fase S do ciclo celular. A agressão produz que-
bra em uma das cromátides (1), a qual é reconhecida pelo complexo
do qual fazem parte proteínas ATM,RAD e BRCA (2). Forma-se um
complexo nucleoprotéico (linha pontilhada na extremidade 3' de cada
fita (3). Uma dessas extremidades procura, na cromátide irmã, uma
eqüência homóloga (4), com a qual hibrida e que serve de suporte
para uma DNA polimerase que faz crescer essa extremidade (linha
verde pontilhada), até encontrar a extremidade 5'. Nesse ponto, ocorre
pareamento com a outra extremidade 3'(5), iniciando a síntese dessa
fita (linha vermelha) até encontrar a extremidade 5' correspondente (6).
Desse modo, completa-se o reparo.
pela estabilidade do DNA. Por essa razão, os genes que as
codificam são conhecidos como genes guardiães do genoma,
e suas mutações são fatores importantes na carcinogênese, es-
pecialmente nas formas hereditárias de câncer, como será visto
no Capo 8. Tais moléculas foram identificadas inicialmente em
procariotos, mas logo depois reconhecidas em eucariotos pri-
mitivos (fungos), muitas delas já tendo sido identificadas em
mamíferos; são muito conservadas, havendo grande homologia
entre moléculas isoladas de espécies bastante distintas. Na Fig.
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 91
Agressão
~
11 I I I I I I 11 I I I I
11 I I I I I I I I 11 I I
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I I I I
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J- u60
DNA!( ~ '070
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I I
I I
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11111111 111
Fig. 4.13 Reparo de quebra da dupla fita do DNA por junção término-
terminal das extremidades (reparo por junção homóloga). A quebra da
dupla fita é reconhecida pelo complexo molecular do qual fazem parte
proteínas KU e DNA cinases (DNAK), que se unem às extremidades
da quebra; nestas, induzem atividade de endonuclease, que retira al-
guns nucleotídeos e ativa uma DNA ligase que une as extremidades,
sem repor as seqüências eliminadas. Trata-se de reparo que se faz com
deleção de parte do DNA.
4.15 estão indicadas as principais moléculas que participam do
mecanismo de checkpoint de lesões do DNA. As cinases Chkl e
Chk2 são efetuadoras do efeito que leva a retardo ou parada do
ciclo celular ou à apoptose. As cinases Chk 1e 2 são reguladoras
importantes das fosfatases da família Cdc, que são responsáveis
pela fase final da ativação das CDKs. Quandofosforiladas pelas
Chks, as Cdc são enviadas para proteólise nos proteassomos ou
seqüestradas no citoplasma, impedindo a ativação das Cdks e,
consecutivamente, a progressão do ciclo celular.
Em certas circunstâncias, a resposta a agressões ao DNA é a
parada permanente, irreversível, do ciclo celular. É o que ocorre,
por exemplo, na chamada senescência replicativa, quando células
duplicam várias vezes o DNA sem ativação da telomerase, o que leva
ao encurtamento dos telômeros. Quando estes atingem um tamanho
crítico, proteínas semelhantes às que reconhecem lesões do DNA
ativam a síntese de inibidores do ciclo celular, especialmente ARF
(que ativa a p53) e p16 (que inibe as Cdk 2 e 4). A p53 é indutora
Fig. 4.14 Reparo de pareamento errado que ocorre durante a duplicação
do DNA, feito pelo complexo MMR. O pareamento errado é reconhe-
cido por proteínas MSH, que acionam proteínas MLH, as quais têm
atividade de endonuclease e retiram a seqüência com a base errada. Em
seguida, um complexo DNA polimerase/DNA ligase sintetiza e liga a
nova seqüência para o pareamento correto.
92 Patologia Geral
1IIIIIIItl
1 11 11 I I 1 I 1c
~
:.::::::...•.....•......L...I--'-'- C
i~ Endonucleases
-r4-r=-1
I I I
I 1 11 11 I
C
DNApOlimerasei
DNAligase
Ilrl' I I
I I
I I
1 I11 I I I
C
AGRESSÃO AO DNA
'1/\4'1 $1 4Y1 IW-I~I. ~I
Ku70/Ku80, ATRIp, MRN
Reconhecimento
.[} .[}
ATM ATR
'" /
ARF ~ ATIVAÇÃO
~ (f)) 1'\ ---------iP)~ ~4 ~'---~ Seqüestrono
~~ ~ \. ~ citoplasma
~~7 ~ \ ~ cdc25c
~ Loegr~~~ção\\ _ ~. 14-3-3
~ ~ proteassomos \ Nao ativa
I'. Não ativa \ Cd[C2~ Cdc2
Apoptose Pf 1 ~
I CdK2/CiE I ICdK2/CiE/AI ~ I CdK2/CiB I
Parada do ciclo
emGl
Retardo ou
parada do
ciclo em S
Parada do ciclo
emG2
Reparo
do
DNA
Fig. 4.15 Reconhecimento de lesão no
DNA (quebra da dupla fita) e ativação
de proteínas cinases que ativam os
mecanismos de parada do ciclo celular.
Ku70/Ku80, ATRIP, MRN = proteí-
nas que reconhecem lesão no DNA.
ATM e ATR = proteínas cinases que
ativam chk (checkpoint kinases); cdc
= proteínas fosfatases inativadas por
chk; ARF = ativador de p53. BARD,
RAD, BRCA = proteínas que, além de
induzir parada do ciclo celular, atuam
no reparo do DNA.
importante da parada do ciclo celular e da apoptose. Sua influência
no ciclo celular se faz pela proteína p21, que é inibidora direta do
complexo Cdk2/CiE e CDk4/CiE. A p53 ativada após lesão do DNA
induz apoptose por sua ação estimuladora da transcrição de genes
pró-apoptóticos (do grupo Bax) e, segundo algumas evidências,
também por atuar diretamente em mitocôndrias, favorecendo a
liberação de proteínas ativadoras de caspases.
DEGENERAÇÕES
O termo degeneração aplica-se a alterações morfológicas das
células, não incluindo modificações no interstício. Ao lado disso,
degenerações são sempre processos reversíveis, ou seja, lesões
ompatíveis com a volta da célula à normalidade após eliminada
ua causa. De forma simplificada, degeneração indica as lesões
. reversíveis decorrentes de alterações bioquímicas que resultam
no acúmulo de substâncias no interior das células. Esse conceito
restringe o uso da palavra degeneração às lesões euja característica
morfológica fundamental é a deposição (ou acúmulo) de substân-
cias nas células. Se a substância acumulada é um pigmento, a lesão
é estudada à parte, entre as pigmentações (Cap, 5).
O termo infiltração já foi utilizado como sinônimo de dege-
neração. Entretanto, infiltração deve ser reservada a situações em
que células de um tecido estão penetrando ou são encontradas
na intimidade de outro tecido (infiltração adiposa do miocárdio
ignifica a presença de tecido adiposo entre feixes de fibras car-
díacas, o que não tem nada a ver com degeneração).
Tomando-se por base a composição química das células (água,
eletrólitos, lipídeos, carboidratos e proteínas), as degenerações são
agrupadas de acordo com a natureza da substância acumulada. Por
esse critério, as degenerações são classificadas em: (1) degenerações
por acúmulo de água e eletrólitos. O exemplo clássico é o da degene-
ração hidrópica; (2) degenerações por acúmulo de proteínas. As mais
importantes são as degenerações hialina e mucóide; (3) degenerações
por acúmulo de lipídeos. As de maior interesse são a esteatose e as
lipidoses; (4) degenerações por acúmulo de carboidratos. Na maioria
dos casos, o acúmulo de carboidratos nas células se deve a deficiências
de enzimas responsáveis por sua metabolização; as glicogenoses e as
mucopolissacaridoses são os principais exemplos.
DEGENERAÇÃO HIDRÓPICA
Degeneração hidrópica é a lesão celular reversível caracterizada
pelo acúmulo de água e eletrólitos no interior da célula, tomando-a
tumefeita, aumentada de volume. É a lesão não-letal mais comum
diante dos mais variados tipos de agressão, independentemente da
natureza (física, química ou biológica) do agente agressor.
CAUSAS E MECANISMOS. Degeneração hidrópica é provocada
por transtornos no equilibrio hidroeletrolítico que resultam em retenção
de eletrólitos e água nas células. O trânsito de eletrólitos através das
membranas (citoplasmática e das organelas) depende de mecanismos
de transporte feito pelos canais iônicos; são as chamadas bombas
eletrolíticas, que são capazes de transportar eletrólitos contra gradien-
te de concentração e de manter constantes as concentrações desses
eletrólitos no interior da célula. Para seu funcionamento adequado,
algumas bombas eletrolíticas dependem de energia na forma de ATP;
outras, que não gastam ATP, dependem da estrutura da membrana e
da integridade das proteínas que formam o complexo enzimático da
bomba. Desse modo, uma agressão pode diminuir o funcionamento da
bomba eletrolítica quando: (1) altera a produção ou o consumo deATP;
(2) interfere com a integridade de membranas; (3) modifica a atividade
de uma ou mais moléculas que formam a bomba. Degeneração hidró-
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 93
pica, portanto, pode ser provocada por grande variedade de agentes
lesivos: (a) hipáxia, desacopladores da fosforilação mitocondrial (p.
ex., tiroxina), inibidores da cadeia respiratória e agentes tóxicos que
lesam a membrana mitocondrial, porque reduzem a produção deATP;
(b) hipertermiaexógena ou endógena (febre), por causa do aumento do
consumo deATP; (c) toxinas com atividade de fosfolipase e agressões
geradoras de radicais livres, que lesam diretamente a membrana; (d)
substâncias inibidoras da ATPase Na+/K+ dependente (é o caso da
ouabaína, substância utilizada no tratamento da insuficiência cardí-
aca). Em todas essas situações, as mais diferentes causas conduzem
a um fenômeno comum: retenção de sódio, redução de potássio e
aumento da pressão osmótica intracelular, levando à entrada de água
no citoplasma e à expansão isosmótica da célula. Como as bombas
eletrolíticas do REL são mais sensíveis à redução de ATP, esse é o
primeiro compartimento a se expandir. Em seguida, expande-se o
citosol, provocando certo rearranjo na distribuição das organelas ci-
toplasmáticas, que, mais separadas, conferem ao citoplasma o aspecto
granuloso visto ao microscópio de luz (ML); a dilatação das cisternas
dos retículos granular e liso e o grande acúmulo de água no citosol é
que conferem o aspecto vacuolar característico da lesão.
ASPECTOS MORFOLÓGICOS. Macroscopicamente, o
aspecto dos órgãos com degeneração hidrópica varia de
acordo com a intensidade da lesão. De modo geral, os órgãos
aumentam de peso e volume, as células são mais salientes
na superfície de corte (fato bem observado no fígado) e a
coloração é mais pálida porque as células degeneradas,
aumentadas de volume, comprimem os capilares e dimin-
uem a quantidade de sangue no órgão. Ao ML, as células
são tumefeitas e o citoplasma adquire aspecto granuloso ~
torna-se menos basófilo (fica mais acidófilo); é a lesão mais
discreta (Fig. 4.16). Em estágio mais avançado,as células
apresentam pequenos vacúolos de água distribuídos de modo
regular no citoplasma (podem ser confundidos com esteatose
microvesicular, mas a pesquisa de lipídeos desfaz a dúvida).
Em algumas células, o aspecto mais marcante é a acidofilia.
Outras vezes, formam-se grandes vacúolos, como ocorre
nos hepatócitos, que chegam a tomar o aspecto baloniforme
(fala-se, então, em degeneração baloniforme). Ao ME, as
lesões consistem em redução das vilosidades, formação de
bolhas na membrana citoplasmática, dilatação do retículo en-
doplasmático, contração da matriz mitocondrial, expansão da
câmara mitocondrial externa e condensação da cromatina.
A degeneração hidrópica é um processo reversível; eliminada
a causa, as células voltam ao aspecto normal. Quase sempre, ela
não traz conseqüências funcionais muito sérias, a não ser que
seja muito intensa. Nos hepatócitos, por exemplo, degeneração
hidrópica intensa do tipo baloniforme pode produzir alterações
funcionais no órgão, mas insuficiência hepática por lesão exclu-
sivamente do tipo degenerativa é muito rara.
DEGENERAÇÃO HIALINA
O conceito de degeneração hialina é morfotintorial: trata-se
do acúmulo de material acidófilo no interior da célula (do grego
hyálinos = vidro, porque as primeiras observações feitas em cor-
tes sem coloração mostravam acúmulo de material transparente
dentro das células). O material acumulado é protéico, mas as
alterações que levam ao seu acúmulo variam de caso para caso.
Em alguns, a degeneração resulta da condensação de filamentos
intermediários e proteínas associadas que formam corpúsculos
no interior das células; em outros, representa acúmulo de mate-
fltMAôa-
94 Patologia Geral
Fig. 4.16 Degeneração hidrópica de hepatócitos. A. Os hepatócitos da
região centrolobular são mais claros do que os demais (EP = espaço
porta; VC = veia centrolobular). B. Detalhe de A, mostrando hepatócitos
centrolobulares contendo pequenos vacúolos claros (comparar com os
hepatócitos sem vacuolização na porção superior da figura). C. Hepa-
tócitos muito tumefeitos e claros.
rial de origem virótica; algumas vezes, o que se descreve como
degeneração hialina são, na realidade, corpos apoptóticos (ver
adiante, Apoptose); ainda em alguns casos, o material hialino
depositado é constituído por proteínas endocitadas.
O corpúsculo hialino de Mallory (Fig. 4.17) é encontrado tipi-
camente nos hepatócitos de alcoólatras crônicos, e é formado por
Fig. 4.17 Corpúsculo hialino de Mallory. Outros hepatócitos mostram
esteatose macrovesicular.
filamentos intermediários (citoceratina) associados a outras pro-
teínas do citoesqueleto, razão pela qual ao ME apresenta aspecto
filamentoso em algumas áreas e amorfo em outras; fora do alcoo-
lismo, é visto na esteato-hepatite não-alcoólica, na cirrose juvenil
da Índia e no carcinoma hepatocelular, além de poder ser induzido
experimentalmente em camundongos pelo uso prolongado de gri-
seofulvina. Parece que, nessas diferentes condições, o mecanismo
de formação desse corpúsculo é o mesmo: radicais livres agem
sobre as citoceratinas induzindo peroxidação e facilitando ligações
transversais, favorecendo a formação de aglomerados, que se pre-
cipitam. Os corpúsculos hialinos de Councilman e Rocha Lima são
encontrados nos hepatócitos em hepatites virais, especialmente na
febre amarela, na qual são muito numerosos. Esses corpúsculo
correspondem geralmente a hepatócitos em apoptose.
Adegeneração hialinade fibrasmusculares esqueléticas e cardíacas
(Fig. 4.18) ocorre por ação de endotoxinas bacterianas (especialmente
lipopolissacarídeos) e por agressão de linfócitos T e macrófagos (p.
ex., miocardite e miosite chagásicas). Admite-se que o fator funda-
mental para que parte da célula tome aspecto homogêneo e hialino
Fig. 4.18 Degeneração e necrose hialina de fibras musculares esquelé-
ticas de camundongo infectado com Trypanosoma cruzi. Notar fibra
com sarcoplasma homogêneo e muito acidófilo (a) e outras fragmen-
tadas (b).
intensamente acidófilo) seja a desintegração dos microfilamentos,
o que parece estar relacionado à ação de IL-l e TNFa nas células
musculares, nas quais induzem grande atividade catabólica (ativação
de proteassomos do citosol e outras proteases intracelulares). Degene-
ração hialina segmentar de fibrocélulas musculares é compatível com
reabsorção e reestruturação dos sarcômeros, mas, se muito extensa,
leva a célula à morte (necrose hialina). Ao ML, muitas vezes é difícil
distinguir necrose hialina de degeneração hialina acentuada. Miócitos
em apoptose podem também tomar aspecto hialino.
Em indivíduos com proteinúria, é encontrada degeneração
hialina no epitélio tubular renal por endocitose excessiva de
proteínas. Acúmulo excessivo de imunoglobulinas nos plasmó-
itos leva à formação de estruturas intracitoplasmáticas conhe-
idas como corpúsculos de Russell, os quais são freqüentes em
algumas inflamações agudas (p. ex., salmoneloses) ou crônicas
especialmente na leishmaniose tegumentar e osteomielites). Os
corpúsculos de Russell são vistos no interior de plasmócitos, mas,
após desintegração destes, ficam livres no interstício.
DEGENERAÇÃO MUCÓIDE
Sob essa denominação são conhecidas duas condições: (1) hiper-
produção de muco pelas células mucíparas dos tratos digestivo e respi-
ratório, levando-as a se abarrotar de glicoproteínas (mucina), podendo
- lusive causar morte celular; (2) síntese exagerada de mucinas em
adenomas e adenocarcinomas, as quais geralmente extravasam para
o interstício e lhe conferem aspecto de tecido mucóide.
TEATOSE
Éo acúmulo de gorduras neutras (mono, di ou triglicerídeos) no
itoplasma de células que normalmente não as armazenam. A lesão
é comum no fígado, epitélio tubular renal e miocárdio, mas pode
ser observada também nos músculos esqueléticos e pâncreas.
Etiologia e Patogênese
Muitas são as agressões capazes de produzir esteatose. A lesão
aparece todas as vezes que um agente interfere no metabolismo
dos ácidos graxos da célula, aumentando sua síntese ou dificul-
tando sua utilização, transporte ou excreção. Esteatose é causada
por agentes tóxicos, hipóxia, alterações na dieta e distúrbios
metabólicos de origem genética. A lesão é mais bem estudada no
fígado, onde sua pato gênese será discutida em maior detalhe.
Em condições normais, os hepatócitos retiram da circulação áci-
dos graxos e triglicerídeos provenientes da absorção intestinal e da
lipólise no tecido adiposo. Os ácidos graxos são utilizados para: (1)
produção de colesterol e seus ésteres; (2) síntese de lipídeos comple-
_os (fosfolipídeos e esfingolipídeos) ou de glicerídeos (mono, di ou
triglicerídeos); (3) gerar energia através da l3-oxidaçãoaté acetil CoA
e formação de corpos cetônicos, Os glicerídeos sintetizados no REL
dos hepatócitos aí permanecem até serem transportados em vesículas
ao complexo de Golgi, onde são conjugados com apoproteínas para
ormar as lipoproteínas. Estas, no interior de vesículas do complexo
de Golgi, são excretadas no pólo sinusoidal da célula para o espaço
de Disse; a excreção depende de transporte intracitoplasmático de
vesículas do qual participam microtúbulos e microfilamentos.
Os agentes lesivos causam esteatose hepática por interferirem
nos diferentes passos do metabolismo lipídico, como: (1) aumento
da síntese de lipídeos por maior aporte de ácidos graxos decorrente
de lipólise ou de ingestão excessiva; (2) produção de ácidos graxos a
partir do excesso de acetil CoA que não encontra condições de rápida
oxidação no ciclo deKrebs; (3) redução na utilização dos triglicerídeos
ou de ácidos graxos para a síntese de lipídeos mais complexos, devido
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 95
à carência de fatores nitrogenados e de ATP; (4) menor formação de
lipoproteínas por deficiência na síntese das apoproteínas; (5) distúrbios
no deslocamento e fusão das vesículas que contêm as lipoproteínascom amembrana plasmática, em decorrência de alterações funcionais
no citoesqueleto. Ingestão abusiva de etanol e distúrbios do metabo-
lismo lipídico asssociados à obesidade (ver adiante) são as causas
mais comuns de esteatose hepática; desnutrição protéico-energética
e substâncias hepatotóxicas também podem produzi-Ia.
O etanol é oxidado a acetaldeído e acetil CoA usando NAD, que
é reduzido a NAD~; o excesso de acetil CoA gerado favorece a sín-
tese de ácidos graxos, que, somados aos provenientes da circulação,
originam triglicerídeos que se acumulam nas células. O acúmulo de
triglicerídeos é favorecido, ainda, porque o transporte das vesículas
de lipoproteínas está comprometido devido à ação do acetaldeído
e dos radicais livres gerados do metabolismo do etanol no retículo
endoplasmático liso sobre microtúbulos e microfilamentos. Estea-
tose induzida pelo etanol pode ser agravada pela desnutrição que,
freqüentemente, acompanha o alcoolismo crônico, embora a lesão
possa surgir independentemente de fatores nutricionais.
Nos estados de hipóxia (anemia, insuficiência cardíaca ou respi-
ratória etc.), há redução da síntese deATP.Nesses casos, a esteatose
decorre, em boa parte, do aumento da síntese de ácidos graxos a
partir do excesso de acetil CoA, cuja oxidação no ciclo de Krebs
está diminuída. Os ácidos graxos encontram grande quantidade de
o.-glicerofosfato (originado da glicólise acelerada pela redução da
síntese de ATP) e formam os triglicerídeos que se acumulam no
citoplasma. Redução do ATP também dificulta a síntese de lipídeos
complexos e diminui a utilização de ácidos graxos e triglicerídeos,
favorecendo assim o acúmulo desses últimos.
Na desnutrição protéico-energética, dois fatores são importan-
tes: (1) carência de proteínas leva à deficiência de fatores lipotrópi-
cos indispensáveis à produção dos fosfolipídeos e à diminuição na
síntese das apoproteínas, reduzindo a formação de lipoproteínas e
a excreção de triglicerídeos; (2) ingestão calórica deficiente causa
mobilização de lipídeos do tecido adiposo, aumentando o aporte de
ácidos graxos para o fígado. Em crianças com desnutrição protéica
grave, pode haver esteatose em outras vísceras, especialmente no
coração, rim, músculo esquelético e pâncreas. Nos casos descritos,
ao lado da desnutrição havia também ingestão de grande quanti-
dade de aflatoxinas com os alimentos, o que poderia representar
um co-fator na patogênese da esteatose visceral.
Agentes tóxicos (p. ex., CCI4) lesam o retículo endoplasmático
granular e reduzem a síntese de proteínas, podendo levar à estea-
tose por afetar a síntese de lipoproteínas. Embora síntese protéica
deficiente possa resultar em esteatose, isso não é regra geral. Des-
nutrição protéica no adulto não induz esteatose semelhante à que
se observa na infância, além de inibidores da síntese protéica nem
sempre induzirem esteatose hepática. Por outro lado, inibidores da
síntese protéica (p. ex., ácido orótico e puromicina) podem provo-
car esteatose mediante bloqueio na utilização de triglicerídeos sem
que a síntese protéica tenha sido reduzida. É possível, portanto,
que a esteatose na carência de proteínas (desnutrição) ou a síntese
deficiente das proteínas (agentes tóxicos) tenha mecanismos mais
complexos envolvendo os processos de conjugação dos lipídeos
com as apoproteínas e sua posterior excreção.
Algumas formas de esteatose hepática têm pato gênese obs-
cura. É o que ocorre com a esteatose microvesicular aguda da
gravidez e a que aparece na síndrome de Reye, nas quais parece
haver defeito mitocondrial na oxidação dos lipídeos. A tetraci-
clina produz esteatose microvesicular nos hepatócitos possivel-
mente por alteração na excreção das vesículas de lipoproteínas.
96 Patologia Geral
A esteatose associada à obesidade e à síndrome metabólica será
descrita a seguir.
Esteatose Visceral. Obesidade.
Síndrome Metabólica
Obesidade, moderada ou patológica, representa hoje um
dos mais importantes problemas de saúde pública: em todos os
continentes, populações desenvolvidas, em desenvolvimento ou
subdesenvolvidas mostram aumento progressivo no número de
pessoas com peso acima do aceito como normal para a idade,
com freqüência associado a aumento do risco para doenças
cardiovasculares e diabete do tipo 2. Essa verdadeira epidemia
de obesidade deve-se principalmente à ingestão excessiva de
energia (carboidratos e lipídeos) associada ao sedentarismo. O
organismo adapta-se à ingestão excessiva de energia mediante
aumento do gasto energético e armazenamento de gordura no
tecido adiposo, além da diminuição do apetite. No entanto, essa
adaptação é limitada e depende do padrão genético do indivíduo,
razão pela qual dieta rica em calorias em diferentes pessoas leva
a obesidade em freqüência e graus variáveis.
A obesidade associa-se comumente a alterações metabóli-
cas importantes que caracterizam uma nova entidade clínica,
conhecida como síndrome metabólica (síndrome X, síndrome
metabólica X), cujos componentes principais são: (a) obesidade
central (aumento da circunferência abdominal ou da relação
cintura-quadril); (b) dislipidemia (aumento de triglicerídeos e
redução de HDL); (c) intolerância à glicose, geralmente acompa-
nhada de resistência à insulina; (d) hipertensão arterial sistêmica;
(e) esteatose visceral; (f) aumento do risco para doença cardio-
vascular aterosclerótica e diabete do tipo 2. Estudos recentes
demonstram que essa síndrome complexa tem seu eixo central
no tecido adiposo e no metabolismo lipídico, razão pela qual sua
compreensão torna-se mais fácil pelo conhecimento do papel
fisiológico desse tecido na regulação do gasto energético.
TECIDO ADIPOSO E ADIPOCINAS. Ao lado de armazenar
lipídeos, o tecido adiposo possui também atividade endócrina, por
sintetizar, nos adipócitos e em outras células (células do estroma
e macrófagos), numerosas substâncias genericamente conhecidas
como adipocinas, que atuam no metabolismo lipídico, resistência
à insulina, controle da pressão arterial, coagulação sanguínea
e inflamação. As principais substâncias produzidas no tecido
adiposo estão resumidas na Fig. 4.19.
A leptina é um peptídeo produzido em adipócitos que age em
receptores no sistema nervoso e nos demais tecidos; tais receptores
são transmembranosos e utilizam JAKs e STATs para transdução
de sinais. A leptina tem efeito controlador do apetite (age nos
centros do apetite no hipotálamo) e do metabolismo energético,
influenciando a lipogênese e a lipólise, além de ser ativadora da
imunidade inata e adaptativa. Os níveis plasmáticos de leptina
refletem a massa de tecido adiposo e o status nutricional recente:
aumentam quando o indivíduo está alimentado e caem rapidamente
no início do jejum, por meio de mecanismos complexos e ainda
pouco conhecidos. A leptina é um importante controlador do ape-
tite, razão pela qual muitos casos de obesidade estão associados a
mutações nos genes do seu peptídeo, no seu receptor ou nos dos
produtos envolvidos nas vias de transdução do seu sinal.
A adiponectina é um peptídeo com domínios de colágeno que
podem originar hélice tríplice, formando trímeros ou hexâmeros;
raramente, é encontrada sob a forma monomérica. Seu receptor,
de sete voltas na membrana, foi identificado no fígado, músculo
Resistina
TNFa, IL-1, IL-6
RBP4
Angiotensinogênio
Estrogênios
Glicocorticóides
Adipsina
Vaspina
Peptídeo semelhante
à angiopoetina
,.•. ,-
Leptina
Visfatina
Adiponectina
Omentina
Fig. 4.19 Principais adipocinas produzidas por adipócitos no tecido
adiposo unilocular. No retângulo cinza estão adipocinas que induzem
resistência à insulina; no retângulo alaranjado, adipocinas que aumen-
tam a sensibilidade à insulina. RBP4 = Retinoic acid Binding Protein,
proteína ligadora do ácido retinóico.
esquelético e sistema nervoso central. Sua ligação ao receptor ati-
va várias vias intracelulares, inclusive a adenosina monofosfatocinase (AMPK), uma das responsáveis pelo aumento da oxidação
de ácidos graxos e da sensibilidade à insulina nos músculos es-
queléticos. Animais nocauteados para o seu gene desenvolvem
facilmente resistência à insulina quando alimentados com dietas
hipercalóricas. Nos pacientes com síndrome metabólica, os níveis
séricos de adiponectina estão significativamente reduzidos.
A resistina é um peptídeo produzido em adipócitos de
camundongos e, em humanos, em macrófagos residentes do
tecido adiposo. Em camundongos, a injeção do peptídeo induz
resistência à insulina. A resistina humana tem apenas 53% de
homologia com a de camundongos, e o seu papel na resistência
à insulina ainda não está definido.
A adipsina (fator D do complemento) é uma protease pro-
duzida no tecido adiposo, principalmente nos macrófagos aí
residentes. AASP (Acylation Stimulating Protein) tem estrutura
semelhante à do C3 do complemento e favorece a síntese de
triglicerídeos.
A proteína ligadora do ácido retinóico é também produzida
no tecido adiposo, e seus níveis plasmáticos são elevados na
síndrome metabólica, estando relacionados com a resistência à
insulina (cujo mecanismo não é conhecido).
A visfatina, proteína semelhante a um fator estimulador de
colônias de precursores de linfócitos B, é produzida principal-
mente no tecido adiposo visceral, liga-se ao receptor da insulina
em sítio diferente do agonista natural e atua como sensibilizador
dos efeitos da insulina.
O tecido adiposo produz alguns inibidores de serina prote-
ases (serpinas). A síntese da vaspina, feita principalmente no
tecido adiposo visceral, é regulada por PPAR')' (ver adiante);
administração experimental de vaspina aumenta a sensibilidade
à insulina e a tolerância à glicose. Como todo inibidor de serina
proteases, ela tem efeito antiinflamatório, o que seria importante
para modular os efeitos pró-inflamatórios da expansão do tecido
adiposo visceral.
O PAI"1 (inibidor do ativador do plasminogênio) é produzido
por adipócitos 'e outras células do tecido adiposo, e seus níveis
séricos estão aumentados na síndrome metabólica, tendo forte
correlação com risco para aterosclerose.
Um peptídeo semelhante à angiopoetina é também produzi-
do no tecido adiposo, induzido por PPAR)' (no fígado é induzido
pelo PPARa), o qual pode ter efeito inibidor sobre a lipoproteína
lipase, reduzindo os depósitos de gordura e aumentando a mo-
bilização de ácidos graxos.
Algumas citocinas e quimiocinas são sintetizadas no tecido
adiposo, especialmente em células não-adiposas. A expressão
de TNFa, IL-6, IL-l e IL-18 aumenta com o aumento dos
depósitos de gordura, especialmente da gordura visceral; há
também aumento da produção de MCPl (CCL-2), quimiocina
responsável pela atração de macrófagos para o tecido adiposo. A
expressão de citocinas e de quimiocinas que atraem macrófagos
para o tecido adiposo justifica o estado pró-inflamatório que
acompanha a obesidade, especialmente a obesidade visceral.
A demonstração de que ácidos graxos podem ativar receptores
TLR4 em macrófagos explica esse estado pró-inflamatório do
tecido adiposo, especialmente na síndrome metabólica, na qual
ocorrem dislipidemia e aumento de ácidos graxos circulantes.
Especialmente quando em expansão na obesidade visceral,
o tecido adiposo pode sintetizar corticóides. O tecido adiposo
expressa aromatase citP450-dependente e diferentes l3-hidroxi-
esteróide-desidrogenases, diferentes hidroxilases e redutases,
todas importantes na esteroidogênese. A capacidade de produzir
esteróides (cortisol e corticosterona) é maior no tecido adiposo
visceral, admitindo-se que essa produção local de corticóides
possa influenciar a produção de outros hormônios do tecido
adiposo, com aumento dos que induzem resistência à insulina e
intolerância à glicose, favorecendo a síndrome metabólica.
O tecido adiposo também produz angiotensinogênio, o que
explica, em parte, a hipertensão arterial sistêmica nos obesos
abdominais.
TIPOS DE TECIDO ADIPOSO. Embora semelhante em
todos os sítios em que é encontrado, o tecido adiposo apresenta
algumas peculiaridades morfológicas e funcionais nos diferentes
locais do corpo. O tecido adiposo pardo ou primário, altamente
especializado em produzir calor por meio do grande número de
mitocôndrias que possui e da expressão elevada da proteína de-
sacopladora UCP-l, parece ter origem no mesoderma axial. Em
humanos, está presente em fetos e recém-nascidos nas regiões
axilar, cervical, periadrenal e perissupra-renal; sua quantidade
decresce rapidamente após o nascimento, permanecendo em
quantidades insignificantes em adultos.
O tecido adiposo branco (ou amarelo, especialmente em
humanos, pelo acúmulo de carotenóides), também de origem
mesodérrnica, era considerado da mesma natureza e tendo as
mesmas funções nas suas diferentes localizações. Observações
experimentais e em humanos apontam para diferenças tanto na
origem embrionária quanto na função dos diferentes tecidos
adiposos amarelos. O tecido adiposo da mama e das coxas, por
exemplo, tem maior resposta aos hormônios sexuais, enquanto o
tecido adiposo do pescoço e da região dorsal superior responde
mais aos glicorticóides (aparecimento do dorso de búfalo no
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 97
hipercorticalismo). Nas diferentes formas de lipodistrofia, a
atrofia do tecido adiposo ocorre em locais distintos. Na lipodis-
trofia generalizada (síndrome de Beradinelli-Seip, por mutação
em um gene de função desconhecida), não se forma o tecido
adiposo subcutâneo, visceral e da medula óssea, mas é normal
o tecido adiposo retroorbitário, paImar, plantar e das bochechas.
Na lipodistrofia familiar parcial de Duningan (mutação no gene
da lamina A/C), há atrofia do tecido adiposo subcutâneo nas
extremidades e tronco, mas não no tecido adiposo do pescoço,
face ou visceral. Estudos comparativos da expressão de genes
nos adipócitos do subcutâneo e nos do tecido adiposo visceral
mostram diferenças acentuadas. Portanto, existem evidências
indiretas de que os diferentes tecidos adiposos amarelos do
corpo, além de armazenar triglicerídeos, possam ter origem em
diferentes áreas do mesoderma, sofram diferentes processos de
diferenciação e tenham funções distintas.
Em humanos, dois tipos de tecido adiposo amarelo são mais
bem conhecidos: o tecido adiposo subcutâneo e o tecido adiposo
visceral (gordura intra-abdominal e intratorácica). Os tecidos
adiposos viscerais (intra-abdominal, subepicárdico e medias-
tinal) originam-se do mesoderma esplancnoplêurico associado
ao intestino primitivo, diferentemente do tecido adiposo sub-
cutâneo, originado, em parte, do mesoderma da somatopleura.
Esses dois tipos de tecido adiposo exibem diferenças marcantes,
principalmente na fisiologia, com papel diferente na patogênese
da síndrome metabólica. O Quadro 4.1 resume as principais
diferenças dos dois tecidos.
O desenvolvimento e a distribuição corporal do tecido adiposo
sofrem influência genética: estudos em gêmeos mostram que o
índice de massa corporal e a relação cintura-quadril são traços
hereditários. De modo semelhante, o acúmulo de gordura subcu-
tânea no quadril, especialmente na região glútea (esteatopígia)
de mulheres, parece ter natureza hereditária.
Se parece haver heterogeneidade entre os diferentes tecidos
adiposos, há também evidências de heterogeneidade de adipóci-
tos em um mesmo tecido adiposo amarelo. Estudos de adipócitos
isolados de um mesmo local em camundongos e em humanos
mostram distribuição bimodal do tamanho, com diferenças na
expressão de muitos genes entre os maiores e os menores.
O desenvolvimento dos tecidos adiposos pardo e amarelo
sofre influência hormonal e do ambiente. Estímulos adrenérgicos,
frio e alimentação aumentam a atividade do tecido adiposo pardo,
Quadro 4.1 Substâncias produzidas em maior
quantidade e propriedades mais evidentes nos
tecidos adiposos viscerale subcutâneo
Tecido adiposo visceral Tecido adiposo subcutâneo
Resistina
Visfatina
Síntese de PAI-I
Receptores (3-adrenérgicos
Ação lipolítica de catecolaminas
Freqüência de deleção do gene do
receptor para insulina
Receptores de glicocorticóides
Receptores de androgênios
Leptina
Adiponectina
Atividade inibidora do AMPc
pelo receptor a
Afinidade no receptor para
insulina
Expressão de IRS-l e 2*
*/nsulin Receptor Substrate.
98 Patologia Geral
favorecendo a diferenciação dos pré-adipócitos e a expressão
da proteína UCP-I. Já o tecido adiposo amarelo é influenciado
pela alimentação e tem a lipólise sob controle pela insulina e por
hormônios adrenérgicos, embora de modo diferente nos tecidos
adiposos subcutâneo e visceral.
DIFERENCIAÇÃO E REGENERAÇÃO DO TECIDO
ADIPOSO. Não se conhece com precisão o processo da adipo-
gênese na vida embrionária. Há dúvidas se existe um precursor
mesenquimal comum para o tecido adiposo pardo e os diferentes
tipos de tecido adiposo amarelo. Observações in vitro e in vivo
mostram que as células-tronco mesenquimais no mesoderma
dão origem às células das linhagens osteoblástica, mioblástica
e adipoblástica. Fatores de crescimento das farmlias BMP (Bone
Morphogenetic Proteins), Hedgehog e Wnt desempenham papel
nessa diferenciação: níveis elevados de BMP e de Hedgehog
favorecem o desenvolvimento das linhagens osteogênicas e
miogênicas, reduzindo a linhagem adipogênica.
Após o nascimento, o tecido adiposo pardo é progressi-
vamente substituído pelo amarelo, sugerindo a existência de
pré-adipócitos com potencial para se diferenciar em adipócitos
uniloculares no tecido adiposo pardo. Por outro lado, ocorre
diferenciação de adipócitos multiloculares em acúmulos de
tecido adiposo amarelo nos processos de adaptação ao frio ou
por administração de agonistas beta, ativadores de PPARy e
leptina. A descoberta recente de células-tronco multipotentes no
tecido adiposo, com potencial para originar células das linha-
gens mesodérmica, endodérmica e neuroectodérmica, explica
mais facilmente a diferenciação de gordura parda em amarela, e
vice-versa. No futuro, manipulação dessa conversão poderá ser
utilizada para aumentar a diferenciação de gordura parda com
alto potencial para consumir energia, no tecido adiposo amarelo,
como alternativa auxiliar no tratamento da obesidade.
O tecido adiposo amarelo sofre renovação constante de suas
células, aparentemente em ritmo lento: adipócitos apoptóticos e
corpos apoptóticos endocitados por macrófagos são normalmente
vistos no tecido adiposo normal, Em modelo experimental de
indução maciça de apoptose no tecido adiposo em camundongos,
observam-se regeneração de adipócitos e recuperação, em poucas
semanas, da população normal.
Na obesidade que se inicia na vida adulta há hipertrofia dos
adipócitos, com acúmulo de triglicerídeos; na obesidade inicia-
da precocemente na vida, ocorrem hiperplasia e hipertrofia de
adipócitos. A hiperplasia decorre de proliferação e diferenciação
de pré-adipócitos (ou adipoblastos) morfologicamente muito
semelhantes a fibroblastos, existentes no estroma do tecido
adiposo, dependendo essa diferenciação da expressão e ativação
de receptores PPARy.
RECEPTORES NUCLEARES NA ADIPOGÊNESE E
REGULAÇÃO DO METABOLISMO LIPÍmCO. Existe
uma farmlia de receptores nucleares conhecidos como PPAR
(Peroxisome Proliferation Activators Receptors), semelhantes a
outros receptores nucleares que reconhecem esteróides, vitamina
D e ácido retinóico. Tais receptores possuem vários agonistas,
incluindo ácidos graxos e alguns de seus derivados (prostaglan-
dinas), e podem ser influenciados por moléculas que agem em
sítios diferentes do sítio de ligação com o agonista. São conhe-
cidos três tipos: PPARa, PPAR)' e PPARô, cuja expressão varia
nos diferentes tecidos. Os PPARa ativam a transcrição de genes
que favorecem a lipoxidação e o desacoplamento da fosforilação,
favorecendo o gasto energético. Os PPAR)' são essencialmente
lipogenéticos, ativando genes que favorecem a captação de áci-
dos graxos e sua utilização na síntese de triglicerídeos, sen
indispensáveis na diferenciação dos adipócitos. Os PPARô são
os menos conhecidos. Estudos em animais transgênicos para
uma forma ativa desses receptores demonstram que eles induzem
genes que favorecem a lipoxidação e a termogênese e que atuam
associados a um co-fator de receptores nucleares denomina
PGC-Ia (co-receptor PPAR)'), expresso em diferentes tecido e
responsável pela indução de proteínas desacopladoras, importan-
tes na termogênese como mecanismo de gasto energético.
Além de atuarem no metabolismo lipídico, os PPAR têm
atividade antiinflamatória e ativam a síntese e a liberação de
adiponectinas facilitadoras da ação da insulina. Por essa razão.
agonistas sintéticos desses receptores têm sido avaliados no
tratamento da síndrome metabólica, já que ativam a lipoxida-
ção (PPARa) e a mobilização da gordura para o tecido adiposo
subcutâneo (PPAR)'), reduzindo a dislipidemia e melhorando a
resistência à insulina em diferentes modelos experimentais de
síndrome metabólica. Além de PPAR, outros receptores nucle-
ares (p. ex., LXR, de Liver X Receptors, e FXR, de FarnesoidX
Receptor) são importantes no controle de genes que codificam
enzimas do metabolismo do colesterol, especialmente da síntese
de sais biliares.
METABOLISMO LIPÍDICO E A SÍNDROME METABÓ-
LICA. Os lipídeos ingeridos na alimentação são digeridos no in-
testino delgado e os ácidos graxos absorvidos pelos enterócitos, no
quais se associam a apoproteínas CU e B; em seguida, passam para
a matriz extracelular e chegam aos vasos linfáticos sob a forma de
quilornícrons. Dos vasos linfáticos ganham a circulação sanguínea e,
por ação de lipoproteínas lipases associadas ao endotélio de diferen-
tes órgãos, liberam ácidos graxos, que são absorvidos pelas células
que os utilizam para a produção de energia (músculos estriado e
cardíaco), para a síntese de triglicerídeos que ficam armazenados
(adipócitos) ou para a formação de lipídeos complexos que fazem
parte das lipoproteínas (fígado). No fígado, os remanescentes dos
quilornícrons são capturados via receptores para LDL; os ácidos
graxos liberados e os capturados diretamente da circulação e os
originados da captura de LDL e HDL têm dois destinos: (a) são
utilizados para a síntese de triglicerídeos e de lipídeos complexos
(fosfolipídeos, esfingolipídeos e outros), os quais se associam a
apoproteínas e colesterol, originando as lipoproteínas de muito baixa
densidade (VLDL), as quais são liberadas na circulação; (b) são
oxidados nas mitocôndrias (l3-oxidação de ácidos graxos de cadeia
menor), nos peroxissomos (l3-oxidação de ácidos graxos de cadeia
longa ou rarnificada) ou no retículo endoplasmático, utilizando
citocromo P450 (ácidos graxos de cadeia longa).
As VLDL são excretadas pelo fígado e, por ação das lipo-
proteínas lipases existentes no endotélio, disponibilizam ácidos
graxos para os tecidos periféricos (de modo semelhante aos
quilomícrons), transformando-se em IDL (lipoproteínas de
densidade intermediária), que também cedem ácidos graxos aos
tecidos periféricos e originam LDL, responsáveis pelo forneci-
mento de ácidos graxos, fosfolipídeos e colesterol às diferentes
células. As IDL e LDL circulantes são capturadas no fígado (via
LDLR), onde liberam ácidos graxos, fosfolipídeos, colesterol e
seus ésteres para reutilização e eliminação (na bile).
As HDL são formadas no plasma a partir das apoproteínas
E sintetizadas e liberadas pelo fígado, as quais capturam coles-
terol, triglicerídeos e fosfolipídeos das LDL. HDL interagem
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 99
com receptores SR1, prendem-se à membrana das células,
e estas, através de proteínas da família ABC (ATP Binding
Cassete Proteins), transportam colesterol do citosol para o
meio extracelular, o qual se incorporaà HDL. Esta recebe
colesterol também de LDL e VLDL, o que é feito por ação da
enzima lecitina-colesterol aciltransferase; além disso, trans-
fere colesterol para outras lipoproteínas por meio da enzima
transferidora de ésteres decolesterol (CETP, Colesteril-ester
Transfer Protein), e é a principal transferidora de colesterol
para as células que sintetizam esteróides. A HDL liga-se a
receptores SR -1 nos hepatócitos, transferindo colesterol e
fosfolipídeos via proteínas ABC e ácidos graxos após hidró-
lise pela lipase hepática. Pelo fato de trazer colesterol dos
tecidos para o fígado, de onde é excretado na bile, as HDL
são conhecidas como o "bom colesterol". A Fig. 4.20 resume
a origem e o destino das HDL. Na Fig. 4.21 estão indicados
Colesterol
Fosfolipídeos
Pré-
HDl
~
LlPíDEOS DA DIETA
Ácidos graxos Colesterol
C3
Ácidos graxos Colesterol
apoE
ACe
B48
Cl
- -E B
VLDL
C
-
- - - -
Ácidos graxos(:;;;,.r,- -
Músculos estriados
Adipócitos
Fig. 4.20 Esquema resumindo a origem e o destino das liproproteínas. Os lipídeos da dieta são digeridos e absorvidos pelos enterócitos (Cl ),
onde se originam triglicerídeos, os quais se associam a apoproteínas E, A, C e B48 para formar quilomícrons (Qm), exportados para a circulação.
o tecido adiposo e nos tecidos musculares, a lipoproteína lipase dos capilares retira ácidos graxos dos Qm; os remanescentes de quilomícrons
(rQm) são capturados no fígado, em receptores de lipoproteínas (LPR). No fígado (hepatócitos), os ácidos graxos são utilizados para a síntese de
triglicerídeos, fosfolipídeos e colesterol, que se associam a apoproteínas E, B e C para formar as lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL),
exportadas para a circulação. As VLDL cedem ácidos graxos para o tecido adiposo e tecidos musculares, transformando-se em lipoproteínas
de baixa densidade (LDL), passando por um estágio intermediário (IDL). As LDL são capturadas em receptores específicos (LDLR) existentes
em todas as células (C2), para as quais fornecem ácidos graxos, fosfolipídeos e colesterol. Ainda na circulação, as LDL transferem colesterol
e ácidos graxos para as lipoproteínas de alta densidade (HDL), por ação da enzima transferidora de ésteres do colesterol (CEPT). As HDL são
formadas no plasma a partir da apoproteína A excretada pelo fígado, por associação com fosfolipídeos e colesterol existentes no plasma, formando
as pré-HDL, por ação da enzima lecitina colesterol acil-transferase (LCAT). As pré-HDL crescem e formam as HDL, recebendo colesterol e
ácidos graxos das LDL. As HDL têm função de transferir colesterol para as células que sintetizam esteróides (C3), nas quais se prendem por
receptores de remoção SR-B 1. Após transferirem o colesterol, soltam-se do receptor e voltam para a circulação, sendo capturadas no fígado, de
onde o colesterol é eliminado com a bile.
100 Patologia Geral
CANALÍCULO
BlUAR
Fosfolipídeos
+
CoIesterol
+
Ácidos biliares
(bife)
LUZ
DO
lNIES1INO
iF"""~~~~ Á~8
Resina que liga ~ ~::::==::::::i3------'''''
ácido biliar biliares
Cofesferol
Célula epitelial do intestino
ABC
BABP
9
Fig. 4.21 Metabolismo do colesterol no fígado e efeitos de estatinas e resinas ligadoras de colesterol na redução da colesterolemia. A LDL é
capturada no hepatócito (1) e demolida nos fagolisossomos (2). O colesterol liberado, juntamente com o colesterol sintetizado a partir do ácido
mevalônico: a) é utilizado na síntese de ácidos biliares (3); b) é excretado no pólo biliar junto com ácidos biliares e fosfolipídeos (4 e 5) e excretado
no pólo sinusoidal, junto com fosfolipídeos (11), via proteínas da família ABC. O colesterol inibe a protease que regula a liberação do SREBP (6),
fator que ativa a transcrição do receptor de LDL (LDLR). Os ácidos biliares regulam a expressão da 7cx-hidroxilase por ativação de receptores de
FXR (7), que inibe a expressão dos genes da enzima. Os ácidos biliares e o colesterol excretados na bile são reabsorvidos no epitélio intestinal (8
e 9) e voltam à circulação. Os ácidos biliares são recapturados nos hepatócitos (10), e o colesterol excretado, associado a fosfolipídeos, liga-se à
HDL. As estatinas reduzem os níveis séricos do colesterol porque reduzem sua síntese por inibirem a HMG-CoA redutase (12). Com a redução
do colesterol nos hepatócitos, diminui a inibição da liberação de SREBP, que ativa a expressão de LDLR, aumentando a retirada do colesterol do
plasma. As resinas que se ligam a ácidos biliares reduzem a reabsorção intestinal destes, o que diminui os seus níveis nos hepatócitos. A menor
quantidade de ácidos biliares e a menor ativação dos FXR provocam maior expressão da 7cx-hidroxilase, resultando em aumento da síntese de
ácidos biliares e do consumo do colesterol, com consecutiva redução dos seus níveis dentro dos hepatócitos. ABC = proteínas transportadoras
da família das ATP binding proteins; SREBP = steroid responsive element binding protein; BABP = bile acid binding protein; FXR = jarmesil
X receptor. A seta tracejada indica inibição.
os principais aspectos da captura e síntese do colesterol no
fígado, seu destino e principais sítios de ação dos medica-
mentos que reduzem a colesterolemia.
MECANISMOS PATOGENÉTICOS DA SÍNDROME
METABÓLICA. Tudo indica que a dislipidemia é um dos
fatores iniciais na síndrome metabólica e a responsável por sua
progressão. Desequilíbrio energético faz com que os adipócitos
acumulem cada vez mais triglicerídeos, aumentando seu volume.
No tecido adiposo visceral, o aumento de volume dos adipócitos
atinge um valor crítico que induz a liberação de citocinas (TNFa)
e quimiocinas (CCL-2 ou MCP-I), resultando em aumento do
número de macrófagos no estroma; estes liberam citocinas, espe-
cialmente TNFa e IL-6, as quais têm ação parácrina e reduzem os
efeitos da insulina nos adipócitos viscerais mediante fosforilação
inibidora dos substratos do receptor da insulina (IRS); com isso,
dificulta a transdução do sinal da insulina, um dos quais é o de
inibir a lipase hormoniossensível. Ativação dessa lipase é também
aumentada por estímulo de receptores l3-adrenérgicos, abundantes
nos adipócitos viscerais. Desse modo, os adipócitos, principal-
mente os viscerais, liberam grande quantidade de ácidos graxos
não-esterificados na circulação, especialmente no sangue portal,
que passam a ser captados em maior quantidade pelo fígado.
Em uma fase compensada da ingestão excessiva de energia,
os ácidos graxos de cadeia longa ativam receptores PPARa nos
hepatócitos, os quais induzem enzimas da l3-oxidação e proteí-
nas desacopladoras (UCPs), aumentando a oxidação de ácidos
graxos e favorecendo o desacoplamento da fosforilação, com
maior dissipação de energia sob a forma de calor. A progressiva
sobrecarga de ácidos graxos nos hepatócitos, no entanto, aumenta
a síntese de triglicerídeos e de fosfolipídeos, favorecida pela
ativação, via insulina, do SREBP (Steroid Regulator Element
Binding Protein), principal fator de transcrição na ativação de
enzimas da síntese desses lipídeos. Com maior produção de
triglicerídeos, há aumento de lipoproteínas de muito baixa densi-
dade (VLDL). O aumento na síntese de lipoproteínas pode estar
ainda mais facilitado pela indução da expressão de receptores
PPAR-y, que, ativados por ácidos graxos, estimulam genes de
enzimas da lipogênese. Lançadas na circulação, as VLDL, ricas
em triglicerídeos, têm sua vida média aumentada por baixa na
atividade da lipoproteína lipase no tecido adiposo, por redução
dos efeitos estirnuladores da insulina sobre essa enzima. As LDL
formadas a partir das VLDL são também ricas em triglicerídeos,
o que favorece seu depósito nas artérias.
A redução de HDL está relacionada à troca de colesterol por
triglicerídeos com as LDL. Desse modo, a HDL fica mais rica
em triglicerídeos e mais pobre em colesterol, sendo removida
rapidamente pelo fígado. Também há diminuição, no tecido adi-
poso, do transportereverso do colesterol (uma importante fonte
para o crescimento das HDL), por diminuição da atividade de
transportadores da farm1ia ABC.
Resistência à insulina é definida como a redução na capa-
cidade da insulina circulante de manter os níveis euglicêmicos.
Disso resulta aumento na produção de insulina, sem redução pro-
porcional da glicemia. Embora não se saiba ainda com precisão,
resistência à insulina na síndrome metabólica parece secundária à
dislipidemia. No tecido adiposo visceral, a resistência à insulina
manifesta-se devido à ação parácrina de citocinas pró-inflamató-
rias (IL-l e IL-6), resultando em aumento da lipólise e da libera-
ção de ácidos graxos não-esterificados na circulação. O excesso
de ácidos graxos não-esterificados circulantes parece ser o fator
iniciador da resistência à insulina, embora não se conheçam os
seus mecanismos. Admite-se que ácidos graxos não-esterificados
aumentem a síntese de diacilglicerol e de ceramida nas células,
o que resulta em ativação de proteínas cinases (especialmente
PKC) que fosforilam diferentes sítios (substratos) do receptor
da insulina (IRS, de Insulin Receptor Substrate), dificultando
a transdução do sinal. Admite-se também que o excesso de ci-
tocinas pró-inflamatórias circulantes (IL-6 e TNFa produzidos
no tecido adiposo visceral) possa ativar cinases, como as IKKs
(fosforiladoras do inibidor do NFKB), que podem ativar a PKC,
favorecendo a inibição dos IRS.
A resistência à insulina manifesta-se primeiro no fígado, onde
a insulina deixa de controlar a glicogenólise, a gliconeogênese
e a glicogenogênese. Nos músculos esquelético e cardíaco, os
mesmos mecanismos (excesso de citocinas pró-inflamatórias e
de ácidos graxos livres) diminuem os efeitos da insulina, difi-
cultando a utilização da glicose, por diminuição da expressão
do transportador de glicose (Glut-4) no sarcolema. Resistência
à insulina no fígado e nos músculos aumenta a disponibilidade
de glicose na circulação, o que hiperestimula as células beta das
ilhotas de Langerhans; a hiperglicemia ativa a entrada de glicose
nas células beta, estimulando a produção de ATP, com aumento da
relação ATP/ADP, o que fecha canais de K+ e abre canais de Ca'",
mediadores da liberação da insulina. A Fig. 4.22 mostra o controle
da liberação de insulina pelas células beta. Para produzir mais
insulina, as células beta sofrem hipertrofia e hiperplasia. Como
a resistência à insulina aumenta progressivamente, hipertrofia
e hiperplasia das células beta não se mantêm indefinidamente,
sobrevindo sua exaustão, o que leva ao diabete tipo 2. Não se
conhecem os mecanismos da insuficiência das células beta, mas
admite-se que o excesso de ácidos graxos livres seja um fator
fundamental, por causa da lipotoxicidade.
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 101
A esteatose visceral da síndrome metabólica manifesta-
se no fígado, ilhotas de Langerhans, músculos esqueléticos e
miocárdio. No fígado, o excesso de ácidos graxos, inicialmente
compensado pelo aumento da [3-oxidação e da síntese de tri-
glicerídeos e lipídeos complexos, induz aumento da oxidação
de ácidos graxos no REL e peroxissomos. Com isso, ocorre
aumento de radicais livres, que alteram proteínas do citoesque-
leto e dificultam o transporte de lipoproteínas, favorecendo o
acúmulo de triglicerídeos no citosol, os quais estão com síntese
aumentada. Essa esteatose não-alcoólica (também denominada
doença gordurosa hepática não-alcoólica) pode evoluir para es-
teato-hepatite não-alcoólica, que, além da estetatose, apresenta
corpúsculos de Mallory, degeneração hidrópica acentuada dos
hepatócitos e fibrose, podendo chegar a cirrose hepática. Os
corpúsculos de Mallory formam-se por ação de radicais livres
(originados da excessiva oxidação de ácidos graxos no retículo
endoplasmático) sobre proteínas do citoesqueleto. A inflamação,
representada por exsudação de neutrófilos e alguns macrófagos,
é secundária à necrose focal de hepatócitos, também por ação de
radicais livres. A fibrose, do tipo pericelular, decorre da ativação
das células estreladas pelas citocinas liberadas nos focos de
inflamação e pelos aldeídos originados da peroxidação lipídica.
Além da necrose focal, há apoptose de hepatócitos induzida por
aumento na síntese de cerarnida.
Nos músculos esqueléticos e cardíaco, admite-se que o ex-
cesso de ácidos graxos ativa genes de PPAR/" o que aumenta a
lipogênese e a síntese de triglicerídeos, que se depositam entre
as miofibrilas. Há também aumento de apoptose de miócitos,
possivelmente pela lipotoxicidade, induzida especialmente pelo
excesso de cerarnida a partir do excesso de triglicerídeos. A fra-
queza muscular e a maior predisposição à falência miocárdica
nos pacientes com diabete do tipo 2 estão relacionadas em parte
com a esteatose nas miocélulas e a lipotoxicidade, que favorece
a apoptose.
Nas ilhotas de Langerhans, as células beta acumulam ácidos
graxos e aumentam a síntese de triglicerídeos, o que favorece a
esteatose, além de aumento de ceramidas, que promove a apop-
tose. Esteatose e facilitação da apoptose devem ser fatores impor-
tantes na instalação da insuficiência dessas células, conduzindo.
ao diabete do tipo 2. Fatores genéticos são também importantes,
já que o risco de diabete do tipo 2 é aumentado se existe parente
próximo que manifestou a doença. Polimorfismos em genes
que controlam o metabolismo lipídico e a função mitocondrial
nas células beta devem ser importantes no desenvolvimento da
lipotoxicidade e suas conseqüências nessas células.
A hipertensão arterial que acompanha a síndrome meta-
bólica relaciona-se em parte à atividade do sistema renina-an-
giotensina, aumentado no tecido adiposo visceral, e aos efeitos
da resistência à insulina nos vasos periféricos. A insulina é
vasodilatadora dos vasos periféricos e aumenta a absorção de
sódio no rim. Com a resistência periférica à insulina, o efeito
vasodilatador é perdido, mas se mantém o aumento da absorção
renal de sódio, favorecendo a hipertensão arterial.
O aumento do risco de aterosclerose está relacionado a dois
fatores: (a) aumento da produção de LDL, rica em colesterol,
triglicerídeos e radicais livres, aumentando a quantidade de LDL
oxidada, o que favorece seu depósito na íntima das artérias; (b)
estado inflamatório crônico no tecido adiposo, especialmente do
visceral, que aumenta os níveis séricos de citocinas pró-inflama-
tórias e favorece a ativação endotelial, com aumento da adesivi-
dade de monócitos que migram para a íntima, onde endocitam
LDL oxidada, iniciam a formação do ateroma e contribuem
102 Patologia Geral
Insulina
RI
tGlicemia yIRS-2'f
MAPk PKB
tGlicose ~ " ~
, ~ tSobrevivencia
t Acido pirúvico
~
Inervação ~
parassimpática ' ~
\ . Ácidos graxos'-- )~ ~ ; ~
Real Dlaeit"eerol~KC~
AcilCoA /
GPCR40
R~~Inervação
simpática
j
Ra
> >
REL
•••..... .-.. .-.
\
Ácidos graxos 1
não-esterificados ./
•••
::::: Exocitosedos-. grânulos de
insulina
Fig. 4.22 Efeitos da glicemia no controle da liberação da insulina nas células beta das ilhotas de Langerhans. Elevação da glicemia aumenta
a glicólise, com aumento da oferta de ácido pirúvico para as mitocôndrias, aumentando a síntese de ATP, com aumento da relação ATP/ADP.
Aumento da relação ATP/ADP fecha os canais de K+, o que leva à abertura de canais de Ca'". Elevação da concentração de Ca'" no citosol induz
deslocamento dos grânulos de secreção para junto da membrana plasmática, onde ocorre a exocitose da insulina. Receptores beta-adrenérgicos
(Rj3), receptores colinérgicos, receptores para ácidos graxos não-esterificados (GPCR40) e aumento de ácidos graxos no citoplasma favorecem
a liberação de Ca" no retículo endoplasmático liso, favorecendo a liberação da insulina. Com a redução da glicemia, a quantidade Ca'" diminui,
reduzindo a exocitose do hormônio. R« = receptor alfa-adrenérgico; seta tracejada indicainibição.
para sua progressão. Há ainda aumento da proteína C reativa e
da coagulabilidade do sangue (aumento de PAI-I), fatores que
favorecem a progressão das lesões ateroscleróticas.
ASPECTOS MORFOLÓGICOS. OS órgãos com esteatose
apresentam aspecto morfológico variável. O fígado aumenta
de volume e peso (pode atingir 3 kg) e tem consistência
diminuída, bordas arredondadas e coloração amarelada. No
coração, a esteatose pode ser difusa (na miocardite diftérica),
ficando o órgão pálido e com consistência diminuída; em
outros casos (hipóxia prolongada), a esteatose aparece em
faixas amareladas visíveis através do endocárdio, criando um
aspecto conhecido como coração tigróide. No rim, há aumento
de volume e peso, tomando o órgão coloração amarelada.
Ao ML, a este atos e é muito característica (Fig. 4.23). Os
triglicerídeos acumulam-se em pequenas vesículas ou glóbu-
los revestidos por membrana (Iipossomos). Na fase inicial, são
encontrados vacúolos de tamanhos variados com tendência
à fusão e à formação de glóbulos cada vez maiores. Na sua
forma clássica, os hepatócitos apresentam um grande vacúolo
de gordura no citoplasma, o qual desloca o núcleo para a peri-
feria da célula e lhe confere aspecto de adipócito (esteatose
macrovesicular). Em certas condições, a esteatose hepática
adquire aspecto microvesicular: a gordura se acumula em
pequenas gotículas que se distribuem geralmente na periferia
da célula, permanecendo o núcleo em posição central. É o
que ocorre na esteatose aguda da gravidez, na síndrome de
Reye, na intoxicação pela tetraciclina e em algumas formas de
hepatite fulminante em crianças. Nessas últimas, os hepatóci-
tos ficam muito tumefeitos, assumindo aspecto moruliforme
devido à presença dos numerosos glóbulos de gordura na
periferia do citoplasma. No coração, os triglicerídeos de-
positam-se em pequenos glóbulos dispostos ao longo das
miofibrilas. Nos rins, aparecem em pequenos glóbulos, que
podem coalescer e formar vesículas maiores, mas raramente
produzem grande deformidade nas células.
Como os triglicerídeos se dissolvem no álcool e no xilol
usados nas colorações de rotina, o que se observa ao ML são
espaços vazios que podem ser confundidos com vacúolos
contendo água (como na degeneração hidrópica) ou outras
substâncias solúveis nesses solventes. Para se ter certeza
do conteúdo lipídico dos vacúolos, devem ser feitas colora-
Fig. 4.23 Esteatose de hepatócitos. A seta negra mostra numerosos
pequenos vacúolos citoplasmáticos de gordura (esteatose microve-
icular); a seta azul indica grande vacúolo citoplasmático (esteatose
macrovesicular).
ções especiais em cortes de material fixado ou não, obtidos
após congelação. Os corantes mais utilizados são o Sudam
vermelho (Sudam 111)ou negro (Sudam IV)e o óleo vermelho
O (ail redO).
EVOLUÇÃO. CONSEQÜÊNCIAS. Apesar de ser uma lesão
reversível, nas agressões mais graves a esteatose pode evoluir
para morte celular. No fígado, os hepatócitos repletos de gordura
podem se romper e formar verdadeiros lagos de gordura (cistos
gordurosos), podendo ocorrer reação inflamatória com células
gigantes. Pode haver ainda embolia gordurosa a partir da ruptura
dos cistos gordurosos na circulação, o que é facilitado por trauma-
tismos. Na esteatose difusa e grave pode haver manifestações de
insuficiência hepática. No etilismo crônico, a esteatose hepática
muitas vezes se acompanha de fibrose pericelular, especialmente
centrolobular, que pode evoluir para cirrose. Fibrose e cirrose
hepáticas podem surgir também na evolução de esteato-hepatite
não-alcoólica, indicando que esteatose pode estar relacionada
diretamente a mecanismos fibrogênicos, possivelmente por
meio de alterações no metabolismo lipídico dos hepatócitos. No
coração, esteatose difusa pode agravar a insuficiência funcional
do órgão. Como é lesão reversível, em etilistas crônicos ela se
reduz ou desaparece em poucos dias após abstinência.
IlPIDOSES
São acúmulos intracelulares de outros lipídeos que não os
triglicerídeos. Em geral, são representados por depósitos de
colesterol e seus ésteres, sendo raros os acúmulos de lipídeos
complexos como os esfingolipídeos e os gangliosídeos que se
formam em doenças metabólicas. As lipidoses podem ser loca-
lizadas ou sistêmicas,
DEPÓSITOS DE COLESTEROL. Depósitos localizados de co-
lesteral e seus ésteres podem ser formados nas artérias (ateroscle-
rase), na pele (xantomas) e em sítios de inflamações crônicas.
A aterosclerose é a doença caracterizada por depósitos de
colesterol, ésteres do colesterol e, em menor quantidade, de
fosfolipídeos e glicerídeos, na íntima das artérias de médio e
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 103
grande calibres. A doença é multifatorial na sua etiologia, com a
participação de fatores genéticos e ambientais. Dislipidernia, com
aumento de triglicerídeos e colesterol no plasma, é o principal
fator de risco; hipertensão arterial, tabagismo, estresse e seden-
tarismo são outros fatores envolvidos na doença. Componentes
genéticos são também importantes e estão envolvidos com
polimorfismos em genes relacionados ao metabolismo lipídico,
biologia do tecido adiposo e resposta inflamatória. Polimorfismos
em genes que codificam receptores para lipoproteínas, moléculas
ABC transportadoras de colesterol e apoproteínas estão associa-
dos a hipercolesterolernia e aterosclerose, Depósitos lipídicos em
artérias, embora possam ser encontrados já nos primeiros anos
de vida, tornam-se mais freqüentes e com maior potencial para
evoluir com complicações após a quarta década da vida.
ASPECTOS MORFOLÓGlCOS. Espessamentos da íntima
são observados já na primeira década de vida, possivel-
mente como processo de adaptação do vaso às condições
hemodinâmicas, razão pela qual são considerados fenômenos
adaptativos; neles não há depósitos lipídicos, embora con-
tenham mais lipoproteínas do que as áreas não-espessadas
da íntima.
Depósitos lipídicos vistos nos primeiros anos da vida são
representados por: (a) acúmulo de macrófagos vacuolizados
contendo colesterol (células espumosas ou vacuolizadas) e
macrófagos sem vacuolização; (b) estrias lipídicas visíveis
macroscopicamente, formadas por macrófagos vacuolizados
contendo colesterol e seus ésteres, além de raros linfócitos e
células musculares lisas contendo lipídeos.
Com o passar dos anos e sobretudo a partir da quarta
década, surgem as lesões típicas da doença, denominadas
ateromas ou placas ateromatosas (Fig. 4.24), que apresen-
tam aspectos morfológicos diferentes conforme sua evolução:
placa mole, placa fibrosada, placa complicada por trombose
ou hemorragia e placa calcificada. O ateroma típico ou
placa mole é uma lesão na íntima do vaso, excêntrica, em
forma de placa, que faz saliência na luz arterial. Microscopi-
camente, tem uma região central com grande quantidade de
lipídeos extracelulares, sobretudo sob a forma de cristais de
colesterol, associados a restos celulares, tendo em volta cé-
lulas espumosas (macrófagos e células musculares repletas
de colesterol), macrófagos e células musculares lisas sem
colesterol, linfócitos e mastócitos. Nas margens da lesão,
há vasos neoformados e deposição de matriz extracelular,
com grande quantidade de proteoglicanos e poucas fibras
colágenas. Na região subendotelial, encontram-se camada
de matriz extracelular amorfa com poucas fibras colágenas e
elásticas e algumas células musculares lisas. As placas moles
são chamadas também de placas instáveis, pelo maior risco
que têm de sofrer complicações.
A placa fibrosada ou dura caracteriza-se por grande
quantidade de fibras musculares lisas na região subendotelial,
as quais depositam matriz extracelular e maior quantidade
de fibras colágenas, que formam uma capa fibrosa. O núcleo
dessas placas contém menos células espumosas, colesterol
e seus ésteres e restos celulares. Nas suas margens, existem
vasos neoformados e poucas célulasinflamatórias. Essas
placas são chamadas placas estáveis, porque, embora
possam reduzir a luz arterial, têm menor risco de sofrer com-
plicações, especialmente fissuras ou erosões e, com estas,
hemorragia ou trombose.
As placas complicadas são as que sofrem fissuras ou
rachaduras na superfície, provocando erosão ou ulceração,
que favorecem a trombose. Hemorragias focais na placa
podem resultar da ruptura de vasos neoformados nas mar-
104 Patologia Geral
gens; hemorragias maiores decorrem da entrada de sangue
em fissuras, geralmente nas margens da lesão. Fissuras ou
ruptura na placa são provocadas sobretudo por metalopro-
teases liberadas por células inflamatórias, especialmente
macrófagos ativados.
A instabilidade da placa que favorece as complicações está
relacionada sobretudo à intensidade da inflamação, especial-
mente ao número e ao estado de ativação dos macrófagos, os
quais liberam metaloproteases, inibidor do ativado r do plas-
minogênio (PAI-1) e citocinas, como TNFa e IL-1, que ativam
o endotélio e o tornam mais pró-coagulante. Complicações na
placa são os fatores determinantes das doenças isquêmicas
que ocorrem nos órgãos com aterosclerose, especialmente
coração e encéfalo. Por essa razão, os pesquisadores têm
procurado métodos de imagem ou marcadores bioquímicos
que possam indicar se uma placa em uma coronária ou na
carótida é estável ou instável, para prever o risco de uma
isquemia aguda. Tomografia computadorizada e ressonân-
cia magnética em cortes múltiplos não só têm possibilitado
demonstrar a existência de placas nas coronárias como
também têm fornecido algumas pistas para indicar o seu
potencial evolutivo.
Os ateromas podem apresentar ainda calcificação, que
pode ser extensa ou sob a forma de focos pequenos e múlti-
plos. Placas calcificadas são geralmente estáveis, com menor
risco de complicações.
PATO GÊNESE. A aterosclerose é hoje considerada uma doença
inflamatória, cujo agente iniciador é ainda discutido. Em mode-
los experimentais da doença (em coelhos, por dietas ricas em
colesterol, e em camundongos geneticamente modificados, por
mutações ou nocauteamento de genes da apoE), as lesões podem
ser acompanhadas desde seu início. O evento inicial parece ser
agressão ao endotélio, por agentes físicos, químicos ou biológi-
cos, inclusive a própria hipercolesterolemia. A primeira reação
é a ativação do endotélio, que expressa moléculas de adesão e
captura monócitos circulantes. Parece que a LDL oxidada é res-
ponsável por essa ativação, induzindo a síntese de TNFa e IL-l,
os quais, por ação autócrina, ativam as células endoteliais a expor
mais moléculas de adesão e a produzir outras citocinas (CSF-M)
e quimiocinas (CCL-2), responsáveis por ativar a diapedese de
monócitos para a íntima, cuja sobrevivência é favorecida pelo
CSF-M. Acúmulo de LDL oxidada ou minimamente oxidada
(LDLmO) precede a captura e a migração de leucócitos para
a íntima. A passagem da LDLmO é facilitada por sua ligação
a receptores do endotélio (que favorecem a transcitose através
de vesículas) e por produtos de sua oxidação (lisofosforilcolina
induz poros interendoteliais). O ambiente da íntima favorece a
oxidação progressiva de LDLmO, por ser pobre em antioxidantes
e por acumular macrófagos, que possuem efeitos pró-oxidantes,
por meio de lipoxigenases, radicais livres, água oxigenada, hi-
poclorito e peroxinitrito.
Na íntima, os monócitos capturam LDL oxidada por meio
dos receptores de remoção, que não induzem processamento
da lipoproteína que se acumula em vacúolos, conferindo ao
macrófago o aspecto de célula espumosa. Macrófagos ativados
produzem mais citocinas (IL-ll3 e TNFa) e quimiocinas (CCL-2,
3, 4 e 5), que favorecem maior ativação endotelial e exsudação
de mais monócitos para a íntima. Macrófagos ativados também
possuem maior número de receptores de remoção, aumentando a
capacidade de endocitar LDL oxidada; também expressam mais
proteínas da fanu1iaABC, o que favorece a excreção de colesterol
para a matriz extracelular, começando a formar o núcleo lipídico.
Macrófagos morrem por apoptose ou por necrose, e seus restos
misturam-se aos depósitos lipídicos extracelulares.
Os linfócitos T que chegam à íntima liberam citocinas que
contribuem para ativar macrófagos, que, além de endocitar
LDL, liberam fatores de crescimento, como PDGF (este liberado
também por plaquetas aderidas ao endotélio), FGF e VEGF, os
quais induzem neoformação de vasos e quimiotaxia de células
musculares lisas para a íntima e sua multiplicação. As células
musculares lisas também endocitam LDL oxidada e originam
Fig. 4.24 Aterosclerose. Aspectos microscópicos de uma placa ateroma-
tosa. A. Núcleo da placa com numerosas células espumosas (setas), en-
volto por cápsula fibrosa (F). (*) indica área de matriz amorfa no núcleo
da placa. B. Detalhe de A, evidenciando as células espumosas (setas).
C. Detalhe de núcleo de ateroma recente, com abundante colesterol
extracelular, depositado sob a forma de cristais rombóides (setas).
células espumosas; ao lado disso, transformam-se em miofi-
broblastos, sintetizam matriz extracelular e contribuem para a
formação da capa fibrosa que envolve o núcleo lipídico.
As complicações da placa parecem relacionadas à maior
intensidade do processo inflamatório na íntima. Quanto maior o
número de leucócitos, maior a produção de metaloproteases, cuja
ação favorece a ruptura da placa, especialmente nas margens,
onde o número de células inflamatórias é maior.
ARTERIOLOSCLEROSE. Colesterol e seus ésteres e outros
lipídeos e proteínas plasmáticas podem também depositar-se na
íntima de pequenas artérias e arteríolas, especialmente no rim de
indivíduos com hipertensão arterial. O processo é bem diferente
da aterosclerose, pois os lipídeos depositados, originados do
plasma, associam-se a proteínas, formando o que se denomina
lipo-hialinose da íntima. Os depósitos lipo-hialinos associam-
se a outras alterações da íntima (elastose, fibrose), recebendo o
conjunto de lesões a denominação arteriolosclerose.
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 105
XANTOMAS. São lesões encontradas na pele sob a forma de
nódulos ou placas que, quando superficiais, têm cor amarelada.
Microscopicamente, são formados por acúmulos de macrófagos
carregados de colesterol, com aspecto espumoso. Os xantomas
surgem geralmente em pessoas com aumento do colesterol sérico,
embora possam ser encontrados sem hipercolesterolemia.
Em algumas inflamações crônicas ou em áreas de necrose
em processo de reabsorção, são encontrados macrófagos espu-
mosos, carregados de colesterol e fosfolipídeos, originados dos
restos celulares fagocitados. Um bom exemplo é a pielonefrite
xantogranulomatosa.
ESFINGOLIPIDOSES. São doenças de armazenamento de
esfingolipídeos e seus produtos, decorrente da falta ou defici-
ência de enzimas lisossômicas encarregadas da demolição de
gangliosídeos e cerebrosídeos até esfingosina e ácidos graxos.
No Quadro 4.2 estão indicadas as principais doenças e as enzimas
deficientes. As esfingolipidoses são doenças genéticas, algumas
mais freqüentes em determinados grupos raciais (p. ex., judeus),
Quadro 4.2 Principais doenças por armazenamento de glicoesfingolipídeos
Denominação Distúrbio enzimático lipídeos acumulados Estruturas afetadas Evolução
Doença de Niemann-Pick Esfingomielinase Esfingomielina e lecitina Histiócitos do fígado, baço, Morte, em média, aos 3
(Chln-P-Cer) medula óssea e linfono- anos de idade
dos; neurônios do SNC
Doença de Gaucher (3-D-glicosidase Cerebrosídeos (Glc-Cer) Histiócitos do baço, fígado, Forma adulta: sobrevida
medula óssea (forma longa. Forma infantil:
adulta); neurônios do morte na I." ou 2:
SNC (forma infantil) infância
Doença de Tay-Sachs ou Hexosaminidase A Gangliosídeo GM2 (Gal! Neurônios do SNC e SNA Morte aos 2-4 anos de
idiotia amaurótica familial Nac-Gal-Glc-Cer) idade
Doença de Sandhoff Ausênciaquase total de Gangliosídeo GM2 (100 Neurônios do SNC e SNA Morte aos 2-4 anos de
hexosaminidase A a 300 vezes o valor idade
normal)
Gangliosidose juvenil GM2 Deficiência parcial de Gangliosídeo GM2 (40 Neurônios do SNC e SNA Morte dos 5 aos 15 anos
hexosaminidase A a 90 vezes o valor de idade
normal)
Gangliosidose generalizada Ausência quase total de Gangliosídeo GM, (10 Geral, predominando no Morte dos 6 meses até 2
(3-galactosidase A, B, C vezes o valor normal) cérebro, fígado, baço, anos de idade
medula óssea
Gangliosidose juvenil GM, Ausência quase total de Gangliosídeo GM, (10 Neurônios do SNC e SNA Morte dos 3 aos 10 anos
(3-galactosidase B e C vezes o valor normal) deidade
Doença de Fabry ou An- (3-D-galactosidase Triaexosídeo de ceramida Predominantemente na Morte na meia-idade
gioqueratoma corporis (Gal-Gal-Glc-Cer) parede dos vasos sanguí-
difusum universale neos, SNC, SNA, miocár-
dio, córnea, rins, pele
Leucodistrofias metacro- Sulfatidase Galactoesfingosídeos Neurônios do SNC Forma infantil: morte
máticas sulfatados nos primeiros anos
(Gal-Cer) Forma juvenil e adulta:
I sobrevida longa
OS03
Doença ou leucodistrofia (3-D-galactosidase Ceratinina (Gal-Cer) Neurônios do SNC Morte dos 5 aos 8 anos
de Krabbe deidade
Cer: ceramida; C/c: glicose; Cal: galactose; Cal/Nac: N-acetil-galactosamina; Chln: colina; SNC: sistema nervoso central; SNA: sistema nervoso autônomo.
106 Patologia Geral
Quadro 4.3 Glicogenoses
Tipo Denominação Glicogênio Estrutura afetadaDistúrbio enzimático
Doença de von Gierke Normal
Normal
Fígado, rim, intestino (?)
GeneralizadaII Doença de Pompe (glicogenose por
deficiência generalizada de a-I,4-
glicosidase)
Doença de Cori (dextrinose-limite por
deficiência de desramificante)
III
IV Doença de Andersen (amilopectinose
por deficiência de ramificante)
V Doença de McArdle-Schmid-Pearson
(glicogenose por deficiência de
miofosforilase)
Doença de Hers (glicogenose por
deficiência de hepatofosforilase)
Doença por deficiência de fosfofruto-
quinase do músculo
Doença por deficiência de fosforilase-
quinase hepática
Hipoglicogenose por deficiência de
sintetase hepática
Glicogenose cardíaca de Antopol*
VI
VII
VIII
IX
?
Glicose-ô-fosfatase
a-I,4-g1icosidase
Amilo-Lô-glicosidase
Amilo-(1,4 -? 1,6) transgli-
cosidase
Fosforilase do glicogênio do
músculo
Fosforilase do glicogênio do
fígado
Fosfofrutoquinase do mús-
culo
Fosforilase-quinase do
fígado
Glicogênio-sintetase do
fígado
?
Subnormal: cadeias exter-
nas ausentes ou muito
curtas
Subnormal: cadeias
desramificadas internas e
externas muito longas
Normal
Fígado, coração, músculos,
leucócitos
Fígado e, provavelmente,
outros órgãos
Músculo esquelético
Normal Fígado e leucócitos
Normal Músculo esquelético (clinica-
mente semelhante ao tipo V)
FígadoNormal
Quantidade limitada Fígado
? Musculatura cardíaca e esque-
lética
*A classificação desse tipo em separado é ainda duvidosa.
outras sem preferência por grupo étnico. Os depósitos são en-
contrados nos lisossomos, que ao ME apresentam estrutura em
impressão digital ou linhas em espiral concêntrica em seu interior.
O diagnóstico é confirmado com facilidade a partir da cultura
de células do paciente (p. ex., da pele), nas quais pode ser feita
a pesquisa das enzimas lisossômicas. Embora as lesões possam
ser sistêmicas, são mais graves em alguns órgãos: nos neurônios
do sistema nervoso central na doença de Fabry, na doença de
Niemann-Pick e na doença de Tay-Sachs; nos macrófagos do
fígado e do baço na doença de Gaucher.
GUCOGENOSES
São doenças genéticas caracterizadas pelo acúmulo de
glicogênio nas células do fígado, rins, músculos esqueléticos
e coração e que têm como causa a deficiência de enzimas que
atuam no processo de sua degradação. Dependendo da doença,
os depósitos podem ser intralisossômicos ou no citosol. As
principais doenças provocadas pela deficiência de enzimas
relacionadas ao metabolismo do glicogênio e os órgãos mais
afetados estão resumidos no Quadro 4.3. Acúmulo de glico-
gênio pode ocorrer também por outros mecanismos. É o que
acontece nas células dos túbulos renais no diabetes melito por
causa da reabsorção de glicose presente em excesso no filtrado
glomerular.
MUCOPOUSSACARIDOSES
Depósitos anormais de poliglicanos e/ou proteoglicanos
ocorrem em doenças metabólicas denominadas genericamente
mucopolissacaridoses, que resultam de deficiências enzimáticas
e se caracterizam pelo acúmulo intralisossômico de poliglica-
nos e/ou seus catabólitos. Embora tenham alguns aspectos em
comum, as mucopolissacaridoses apresentam manifestações
diferentes de acordo com a enzima lisossômica deficiente; no
entanto, anormalidades no esqueleto, nas artérias e nas valvas
cardíacas, retardamento mental e opacificação da córnea existem
em todas elas. No Quadro 4.4 estão indicados os principais tipos
de mucopolissacaridoses e suas características anatomoc1ínicas
mais importantes.
MORTE CELULAR
Ao agirem nas células, os agentes lesivos causam lesões
reversíveis ou morte celular. Produzir lesões reversíveis ou
não depende da natureza do agente agressor e da intensidade
e duração da agressão. Morte celular é um processo e, como
tal, uma sucessão de eventos, sendo às vezes muito difícil
estabelecer qual o fator que determina a irreversibilidade da
lesão, ou seja, o chamado ponto de não-retorno. Este não
pode ser sempre estabelecido por critérios apenas morfoló-
gicos, embora se saiba que determinadas alterações, como
grande tumefação mitocondrial, perda das cristas, depósitos
floculares da matriz, bolhas e solução de continuidade na
membrana, sejam indicativas de lesão irreversível. Por outro
lado, também nem sempre a morte celular é precedida de
lesões degenerativas, pois o agente agressor pode causar
morte rapidamente, não havendo lesões degenerativas que
a precedam.
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 107
Quadro 4.4 Principais mucopolissacaridoses
Distúrbio Achados bioquímicos
Tipo Denominação enzimático Urina Fibroblastos
I Síndrome de Hurler «-t-iduronidase i DS i DS
(MPS IH ou gargoilismo) i HS
V Síndrome de Scheie o-t-iduronidase i DS
(MPS IS) i HS
II Síndrome de Hunter grave Fator corretivo de i DS
Hunter i HS i DS
Síndrome de Hunter leve Fator corretivo de i DS i DS
Hunter i HS
III Síndrome A de Sanfilippo Heparan-sulfato i HS i HS
sulfatase
Síndrome B de Sanfilippo N-acetil-a-o-gli- i HS i HS
cosaminidase i DS
IV Síndrome de Morquio Desconhecido Ceratossulfato e
Condroitinsulfatos
Síndrome de Maroteaux- ? i DS
Lamy
i DS: Dennatan-sulfato em excesso; i HS: Heparan-sulfato em excesso.
Características anatomoclínicas
Grave retardo mental; deformidades es-
queléticas, particularmente dos ossos da
face; opacificação da córnea; alterações
somáticas; morte antes dos 10 anos
Articulações rígidas; córneas turvas; in-
suficiência aórtica; inteligência normal;
sobrevivência normal (?)
Retardo mental moderado; graves defor-
midades esqueléticas; surdez prematura;
marcantes alterações somáticas; morte
geralmente antes dos 15 anos
Leves alterações clínicas; boa inteligên-
cia; sobrevivência até a 3.a à 5." década
Retardo mental grave; anomalias ósseas
moderadas; opacificação de córnea
questionável
Retardamento mental grave; anomalias
ósseas moderadas; opacificação questio-
nável da córnea
Deformidades graves do esqueleto, com
acentuada displasia espondiloepifisiana;
insuficiência aórtica; córneas turvas
Deformidades ósseas graves; opacificação
corneana
Se a morte celular ocorre no organismo vivo e é seguida de
autólise, o processo recebe o nome de necrose. Autólise significa
a degradação enzimática dos componentes celulares por enzimas
da própria célula liberadas dos lisossomos após a morte celular,
independentementede ter havido morte do indivíduo ou morte
focal no organismo vivo. Um outro tipo de morte celular ocorre por
um processo ativo no qual a célula sofre contração e condensação
de suas estruturas, fragmenta-se e é fagocitada por células vizinhas
ou por macrófagos residentes, não ocorrendo nela o fenômeno
de autólise. Esse tipo de morte celular é denominado apoptose.
Portanto, morte celular não pode ser usada sempre como sinônimo
de necrose, já que esta é a morte seguida de autólise. Também não
se pode utilizar a palavra necrose para indicar a morte celular que
acompanha a morte do indivíduo (morte somática), já que necrose
significa morte celular no organismo vivo.
NECROSE
Como já comentado, o termo necrose é utilizado para indi-
car a morte celular ocorrida no organismo vivo e seguida de
fenômenos de autólise. Quando a agressão é suficiente para
interromper as funções vitais (cessam a produção de energia e
as sínteses celulares), os lisossomos perdem a capacidade de
conter as hidrolases no seu interior e estas saem para o citosol,
são ativadas pelas altas concentrações de Ca'" no citoplasma e
iniciam o processo de autólise. Os lisossomos contêm hidrolases
(proteases, lipases, glicosidases, ribonuc1eases e desoxirribo-
nuc1eases) capazes de digerir praticamente todos os substratos
celulares. É da ação dessas enzimas que dependem as alterações
morfológicas observadas após a morte celular.
ASPECTOS MORFOLÓGICOS. Macroscopicamente, as
áreas de necrose têm aspecto particular conforme a sua
natureza. A região de necrose isquêmica nos órgãos de cir-
culação terminal adquire coloração esbranquiçada e torna-se
tumefeita, fazendo saliência na superfície do órgão ou na
superfície de corte. Na necrose anóxica de órgãos com cir-
culação dupla, há extravasamento de sangue a partir do vaso
não-obstruído e a área comprometida adquire aspecto hemor-
rágico (vermelho-escuro ou vermelho-vinho). Na necrose que
ocorre na tuberculose, a área necrosada tem aspecto de
massa de queijo, esbranquiçada e quebradiça, tendo recebido
por essa razão o nome de necrose caseosa. Na sífilis, as
lesões necróticas tomam o aspecto semelhante a goma, daí
o nome de necrose gomosa. Há um tipo de necrose em que
o tecido é digerido até a liquefação, ficando muito mole, com
aspecto semifluido. É a necrose por liquefação ou coliqua-
tiva, comum no encéfalo.
Ao ML, as alterações morfológicas decorrem do processo
de autólise e só podem ser observadas algum tempo depois
de ocorrida a morte celular. Por essa razão, se a necrose
ocorreu rapidamente e o tecido foi fixado logo em seguida, o
108 Patologia Geral
observador pode não encontrar indícios morfológicos de que
ela tenha ocorrido no indivíduo vivo. Isso é importante porque,
se uma pessoa tem isquemia miocárdica grave e infarto
agudo seguido de morte somática minutos depois, o exame
do coração ao ML pode não revelar alterações que permitam
saber se houve necrose. O tempo entre a morte celular e o
aparecimento de alterações detectáveis ao ML é variável de
tecido para tecido. Observações experimentais mostram que,
no fígado isquêmico, as alterações indicativas de necrose
aparecem em torno de sete horas após a morte celular. Ao ME,
necrose pode ser diagnosticada mais precocemente. Como a
atividade de algumas enzimas se reduz ou desaparece após
a morte celular, o emprego de certos métodos histoquímicos
facilita o reconhecimento de uma área necrosada.
Os principais achados microscópicos são: (1) alterações
nucleares caracterizadas por intensa contração e condensa-
ção da cromatina, tornando o núcleo intensamente basófilo,
de aspecto homogêneo e bem menor do que o normal: é a
picnose nuclear. Outra alteração característica é a digestão
da cromatina, que faz desaparecer a afinidade tintorial dos
núcleos, não mais se podendo distingui-Ios nas colorações
d~ rotina: é a cariólise, facilmente identificada pela ausência
dos núcleos nas células. As vezes, o núcleo se fragmenta e
se dispersa no citoplasma, fenômeno denominado carior-
rexe. Picnose, cariólise e cariorrexe são decorrentes do
abaixamento excessivo do pH na célula morta (que condensa
a cromatina) e da ação de desoxirribonucleases e de outras
proteases que digerem a cromatina e fragmentam a mem-
brana nuclear; (2) alterações citoplasmáticas são menos
típicas na necrose. Geralmente há aumento da acidofilia, não
só pelo desacoplamento dos ribossomos e desintegração
dos polissomos como também pela proteólise parcial que
expõe grande número de radicais acídicos nas moléculas
citoplasmáticas. Com a evolução da necrose, o citoplasma
toma aspecto granuloso e tende a formar massas amorfas de
limites imprecisos, pois nessa fase as membranas se rompem
e o material citoplasmático autolisado se mistura, formando
uma massa homogênea.
Ao ME, as células necrosadas mostram aspectos diversos
conforme o tempo de autólise. Nas fases iniciais, são obser-
vadas organelas com alterações variadas, sobretudo vacuo-
lização de mitocôndrias, retículo endoplasmático e complexo
de Golgi. À medida que o processo avança, as organelas
perdem a individualidade e não podem mais ser reconhecidas.
Depósitos cristalinos de sais de ca- são freqüentemente
encontrados. Restos de complexos juncionais são às vezes
vistos quando outras subestruturas celulares já não são mais
distinguíveis, por causa da grande estabilidade do material
protéico dos elementos de junção.
Causas e Tipos
Qualquer agente lesivo pode produzir necrose. O aspecto da
lesão varia de acordo com a causa, embora necroses produzidas
por diferentes agentes possam ter aspecto semelhante. Os agentes
agressores produzem necrose por: (1) redução de energia, quer
por obstrução vascular (isquemia, anóxia), quer por inibição
dos processos respiratórios da célula; (2) produção de radicais
livres; (3) ação direta sobre enzimas, inibindo processos vitais
da célula (agentes químicos e toxinas); (4) agressão direta à
membrana citoplasmática, criando canais hidrofílicos pelos quais
a célula perde eletrólitos. Todos esses mecanismos e os agentes
que podem produzi-los foram estudados no Capo 3. Nesta seção,
far-se-á descrição dos principais tipos morfológicos de necrose,
já que o processo pode ter características peculiares de acordo
com sua causa e órgão atingido. Em alguns casos, a denomina-
ção se refere ao aspecto macro ou microscópico da lesão; outras
vezes, leva em consideração a sua causa. Os principais tipos de
necrose e suas causas são:
NECROSE POR COAGULAÇÃO OU NECROSE ISQUÊ-
MICA. Além das alterações nucleares, especialmente cariólise,
as células necrosadas apresentam citoplasma com aspecto
de substância coagulada (o citoplasma torna-se acidófilo e
granuloso, gelificado; Figs. 4.25 e 4.26). Nas fases iniciais do
processo, os contornos celulares são nítidos, sendo possível
identificar a arquitetura do tecido necrosado; mais tarde, toda
Fig. 4.25 Necrose por coagulação (necrose isquêmica) de hepatócitos, em indivíduo que faleceu por choque hipovolêmico. A. Hepatócitos íntegros,
para comparação, os quais têm núcleos de cromatina frouxa e citoplasma discretamente basofílico. B. Área de necrose, onde os hepatócitos possuem
citoplasma acidófilo e homogêneo, sem núcleos (cariólise). As setas amarelas mostram núcleos picnóticos; as setas azuis indicam hepatócitos
contraídos e intensamente acidófilos, com núcleo picnótico (hepatócitos em apoptose, também denominados corpos hialinos, semelhantes aos
corpúsculos de Councilman e Rocha Lima).
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 109
Fig. 4.26 Necrose isquêmica do miocárdio. A. Cariólise das miocélulas, que têm citoplasma homogêneo e muito acidófilo. As setas indicam
núcleos picnóticos, sobretudo de células do estroma. B. Infiltração de células fagocitárias e de linfócitos, iniciando a remoção dos cardiomiócitos
mortos e o processo de reparação (cicatrização). As setas mostram restos de cardiomiócitosmortos entre os fagócitos.
a arquitetura tecidual fica perdida. Macroscopicamente, a área
atingida é esbranquiçada e faz saliência na superfície do órgão.
Como sua causa mais freqüente é a isquemia, ela é denominada
também necrose isquêmica. Quase sempre, a região necrótica
é circundada por um halo avermelhado (hiperemia que tenta
compensar a isquemia ocorrida).
NECROSE POR LIQUEFAÇÃO. Também chamada necrose
por coliquação ou necrose coliquativa, é aquela em que a zona
necrosada adquire consistência mole, semifluida ou mesmo li-
quefeita. Écomum após anóxia no tecido nervoso, na supra-renal
ou na mucos a gástrica. A liquefação é causada pela liberação de
grande quantidade de enzimas lisossômicas. Nas inflamações
purulentas, também há necrose por liquefação do tecido infla-
mado, produzida pela ação das enzimas lisossômicas liberadas
pelos leucócitos exsudados.
NECROSE LÍTICA. É a denominação que se dá à necrose de
hepatócitos nas hepatites virais, os quais sofrem lise ou esfacelo
(necrose por esfacelo).
NECROSE CASEOSA. Assim denominada porque a área ne-
crosada adquire aspecto macroscópico de massa de queijo (do
latim caseum). Microscopicamente, a principal característica é a
transformação das células necróticas em uma massa homogênea,
acidófila, contendo alguns núcleos picnóticos e, principalmente
na periferia, núcleos fragmentados (cariorrexe); as células per-
dem totalmente os seus contornos e os detalhes estruturais (Fig.
4.27). Esse tipo de necrose é comum na tuberculose, mas pode
ser encontrado também em outras doenças, como paracoccidioi-
domicose e tularemia. A lesão parece decorrer de mecanismos
imunitários de agressão envolvendo macrófagos e linfócitos T
sensibilizados, apesar de não ser possível afastar hipóxia na sua
gênese, uma vez que o granuloma da tuberculose é hipovascular.
Embora não existam provas indubitáveis, essa necrose parece
depender da ação de linfotoxinas (p. ex., TNF~) e de produtos
citotóxicos de macrófagos. Recentemente, demonstrou-se que, na
necrose caseosa de granulomas da tuberculose, ocorre apoptose
maciça das células inflamatórias. Antes do surgimento da necrose,
ocorrem aumento da síntese de proteínas pró-apoptóticas e redu-
ç~o de proteínas antiapoptóticas, da parte central para a periferia
dos granulomas. De fato, há cariorrexe evidente na periferia da
zona de necrose caseosa, achado muito freqüente na apoptose.
Na parte mais central da zona caseificada, encontra-se cariólise
extensa. Admite-se que, na tuberculose, muitas células iniciam
a apoptose e a concluem, enquanto outras iniciam o processo de
apoptose mas evoluem para necrose, evidenciada especialmente
pela cariólise.
NECROSE GOMOSA. Éuma variedade de necrose por coagula-
ção na qual o tecido necrosado assume aspecto compacto e elástico
como borracha (goma), ou fluido e viscoso como a goma-arábica.
É encontrada na sífilis tardia ou terciária (goma sifilítica).
ESTEATONECROSE. Também denominada necrose enzimá-
tica do tecido adiposo, é uma forma de necrose que compromete
adipócitos. Trata-se de necrose encontrada na pancreatite aguda
necro-hemorrágica que ocorre por extravasamento de enzimas
dos ácinos pancreáticos. Por ação de lipases sobre os trigliceríde-
os, os ácidos graxos liberados sofrem processo de saponificação
Fig. 4.27 Necrose caseosa em granuloma da tuberculose. A área de
necrose, com aspecto acidófilo e homogêneo, apresenta núcleos pie-
nóticos na periferia.
110 Patologia Geral
na presença de sais alcalinos, originando depósitos esbranqui-
çados ou manchas com aspecto macroscópico de pingo de vela.
Esteatonecrose ocorre também em outros locais após traumatis-
mos sobre o tecido adiposo, especialmente na mama.
Evolução
Células mortas e autolisadas comportam-se como um corpo
estranho e desencadeiam uma resposta no sentido de promover
sua reabsorção e de permitir reparo posterior. Dependendo do
tipo de tecido, do órgão acometido e da extensão da área atingida,
uma área de necrose pode seguir vários caminhos; os principais
estão descritos a seguir.
REGENERAÇÃO. Quando o tecido que sofreu necrose tem
capacidade regenerativa, os restos celulares são reabsorvidos
por meio da resposta inflamatória que se instala (ver adiante),
e fatores de crescimento são liberados pelas células vizinhas e
pelos leucócitos exsudados, induzindo multiplicação das células
parenquimatosas; se o estroma é pouco alterado, há regeneração
completa do tecido. É o que ocorre no fígado, por exemplo, se
as áreas de necrose são pequenas, permitindo a conservação da
malha de fibras reticulares (Fig. 4.28). Se a necrose é extensa, a
trama reticular sofre colapso, e, embora regenerados, os hepató-
citos não conseguem organizar-se no lóbulo hepático e tendem a
formar nódulos que distorcem a arquitetura do órgão.
CICATRIZAÇÃO. É o processo pelo qual o tecido necrosa-
do é substituído por tecido conjuntivo cicatricial (Fig. 4.29).
Inicialmente, na área lesada são liberados alarrninas, especial-
mente HMGBl, fosfatos, uratos e peptídeos formilados, que se
difundem para o tecido não-lesado e nele induzem a liberação
de mediadores pró-inflamatórios, especialmente IL-l, TNFa
e IL-8. Tais mediadores iniciam as alterações vasculares e a
exsudação celular necessárias à reabsorção dos restos celulares.
Surge assim uma reação inflamatória, que será estudada no Capo
7. As primeiras células que exsudam são fagócitos (neutrófilos e
monócitos), mas linfócitos (LT, NK e NKC) e células dendríticas
também migram para dar início à resposta imunitária adaptativa.
Antígenos são capturados pelas células dendríticas, as quais vão
para os órgãos linfáticos e ativam linfócitos T CD4, com gera-
ção de linfócitos T sensibilizados e anticorpos auto-reatores. As
citocinas produzidas são importantes na proliferação endotelial
e fibroblástica, além de atuarem como ativadores dos fagócitos.
acelerando a remoção do tecido necrótico. Tendo chegado à área
necrótica, neutrófilos e macrófagos fagocitam os restos celulares.
Em seguida, surgem fibroblastos e células endoteliais proliferadas
a partir de capilares situados nos limites com o tecido não-lesado.
Desse modo, à medida que os fagócitos avançam, o espaço vai
sendo ocupado por tecido conjuntivo vascularizado, neoforma-
do a partir do tecido não-lesado. A proliferação fibroblástica e
endotelial depende da liberação de fatores de crescimento: (1)
Fig. 4.28 Necrose seguida de regeneração. Necrose de hepatócitos
centrolobulares em rato sacrificado 24 horas após receber dose subletal
de CCI4• A. A região de necrose (n), mais acidófila e já infiltrada por
células fagocitárias, apresenta picnose e cariólise dos hepatócitos. VC
= veia centrolobular; EP = espaço porta. B. Detalhe de A, mostrando
hepatócitos em mitose (setas brancas), outros com cariomegalia, devido
à poliploidia (setas amarelas), e outro binucleado (seta vermelha),
indicando fenômenos de regeneração.
Fig. 4.29 Aspectos da reparação na necrose isquêmica do miocárdio.
A. Área de neoformação de tecido conjuntivo cicatricial. Notar grande
celularidade da região, onde células inflamatórias se misturam a fi-
broblastos e células endoteliais. No canto superior esquerdo existem
cardiomiócitos mortos, mas ainda não fagocitados. B. Cicatriz completa,
recente, substituindo área de necrose isquêmica.
fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) e fator de
crescimento de fibroblastos (FGF), produzidos por macrófagos;
(2) fator de crescimento transformante beta (TGFf3) e fator de
crescimento para endotélio (VEGF), liberados por linfócitos
T e macrófagos. Com isso, a área de necrose pode se tornar
completamente cicatrizada em poucos dias (duas semanas no
miocárdio, se a necrose é pouco extensa). Por ação contrátil dos
miofibroblastos, a cicatriz conjuntiva tende a se retrair e a reduzir
o volume da área comprometida (ver também cicatrização, no
final deste capítulo).
ENCISTAMENTO. Quandoo material necrótico não é ab-
sorvido por ser muito volumoso ou por causa de fatores que
impedem a migração de leucócitos, a reação inflamatória com
exsudação de fagócitos se desenvolve somente na periferia da
lesão. Esse fato causa proliferação conjuntiva e formação de
uma cápsula que encista o tecido necrosado, o qual vai sendo
absorvido lentamente, permanecendo em seu interior um material
progressivamente mais líquido.
ELIMINAÇÃO. Se a zona de necrose atinge a parede de uma
estrutura canalicular que se comunica com o meio externo, o
material necrosado é lançado nessa estrutura e daí eliminado,
originando uma cavidade. Esse fenômeno é comum na tuber-
culose pulmonar, em que o material caseoso é eliminado pelos
brônquios e forma as chamadas cavernas tuberculosas.
CALCIFICAÇÃO. A zona de necrose pode também se calcificar.
Certos tipos de necrose tendem freqüentemente à calcificação, como
a necrose caseosa, especialmente na infância. Embora os níveis de
Ca" se elevem muito nos tecidos mortos, pouco se sabe sobre os
mecanismos íntimos que regulam a calcificação nesses locais.
Gangrena
É uma forma de evolução de necrose que resulta da ação de
agentes externos sobre o tecido necrosado. Desidratação da re-
gião atingida, especialmente quando em contato com o ar, origina
a gangrena seca, tomando a área lesada aspecto de pergaminho,
semelhante ao observado nos tecidos das múmias (o processo
é também conhecido pelo nome de mumificação). A gangrena
seca ocorre preferencialmente nas extremidades dos dedos, dos
artelhos e ponta do nariz, na maioria das vezes em conseqüência
de lesões vasculares como as que ocorrem no diabete melito. A
zona de gangrena seca tem cor escura, azulada ou negra devido
à impregnação por pigmentos derivados da hemoglobina, e é
comum a presença de uma linha nítida (reação inflamatória) no
limite entre o tecido morto e o não-lesado. Gangrena úmida
ou pútrida decorre de invasão da região necrosada por mi-
crorganismos anaeróbicos produtores de enzimas que tendem a
liquefazer os tecidos mortos e a produzir gases de odor fétido que
se acumulam em bolhas juntamente com o material liquefeito.
Esse tipo de gangrena é comum em necroses do tubo digestivo,
pulmões e pele, onde as condições de umidade a favorecem. A
absorção de produtos tóxicos da gangrena pode provocar reações
sistêmicas fatais, induzindo choque do tipo séptico. A gangrena
gasosa é secundária à contaminação do tecido necrosado com
germes do gênero Clostridium que produzem enzimas proteo-
líticas e lipolíticas e grande quantidade de gás, sendo evidente
a formação de bolhas gasosas. A gangrena gasosa é comum
nas feridas infectadas e foi muito freqüente na Primeira Guerra
Mundial, quando geralmente era fatal.
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 111
APOPTOSE
Apoptose (do grego apo = de, e ptose = cair), inicialmente
conhecida como morte celular programada, é um fenômeno em
que a célula é estimulada a acionar mecanismos que culminam
com sua morte. Diferentemente da necrose, a célula em apoptose
não sofre autólise; ao contrário, ela é fragmentada, e seus frag-
mentos são endocitados por células vizinhas, sem desencadear
quimiotatismo nem ativação de células fagocitárias.
A apoptose é uma modalidade de morte celular muito freqüen-
te, tanto em estados fisiológicos como patológicos. Em condi-
ções normais, é um mecanismo importante na remodelação de
órgãos durante a embriogênese e na vida pós-natal. Além disso,
participa no controle da proliferação e diferenciação celulares,
fazendo com que uma célula estimulada a se diferenciar possa ser
eliminada após ter cumprido sua função, sem causar transtorno
para as demais células do tecido ou órgão. Um bom exemplo
é o das glândulas mamárias: terminada a fase de lactação, as
células dos ácinos que proliferaram e secretaram leite entram
em apoptose, restando apenas as células dos duetos mamários.
No caso, a cessação dos estímulos hormonais que mantinham
a secreção do leite desencadeia sinais para ativar o processo de
apoptose. De forma semelhante, linfócitos que proliferam após
estimulação tendem a entrar em apoptose cessado o estímulo ou
quando o estímulo é inadequado.
A manutenção do número de células num tecido é feita pelo
controle dos mecanismos de proliferação (mitose) e de apoptose.
Quando ocorre distúrbio da proliferação celular, como no câncer,
há não só proliferação descontrolada como também redução na
capacidade das células proliferadas de sofrer apoptose. Por essa
razão, os conhecimentos sobre a apoptose são muito importantes,
também, para se entender a biologia das neoplasias.
A apoptose que ocorre em condições patológicas é desenca-
deada por inúmeros agentes, como vírus, hipóxia, substâncias
químicas, agressão imunitária, radiações ionizantes etc. Por
outro lado, apoptose tem sido descrita em muitas condições sem
que se saiba ao certo o agente indutor, como, por exemplo, no
miocárdio (doença de Chagas, cardiopatia dilatada idiopática)
e nas fibras musculares lisas dos vasos arteriais (hipertensão
arterial, aterosclerose).
ASPECTOS MORFOLÓGICOS. A apoptose atinge células
individualmente, razão pela qual ela não é facilmente reco-
nhecida nos exames microscópicos rotineiros. A célula em
apoptose se encolhe e o citoplasma fica mais denso; a cro-
matina torna-se condensada e disposta em grumos acoplados
à membrana nuclear, criando imagens descritas ao ML como
núcleos em meia-lua, em pata de cavalo, em lança, em naveta
(descritas por morfologistas anos atrás, antes de se conhecer
o processo). Em seguida, o núcleo se fragmenta (cariorrexe),
ao mesmo tempo em que a membrana citoplasmática emite
projeções e forma brotamentos que contêm fragmentos do
núcleo. O brotamento termina com a fragmentação da cé-
lula em múltiplos brotos, que passam a constituir os corpos
apoptóticos, os quais são endocitados por células vizinhas
(Fig.4.30) ou permanecem livres no interstício (o que é muito
pouco freqüente). Muitas vezes, a célula apoptótica sofre ape-
nas encolhimento e condensação do citoplasma e do núcleo,
sem haver fragmentação, como acontece nos ceratinócitos
nos casos de queimadura solar.
Na coloração pela hematoxilina-eosina, os corpos apop-
tóticos aparecem como pequenos corpúsculos intensamente
basófilos, quando contêm grande fragmento nuclear, ou forte-
112 Patologia Geral
Fig. 4.30 Necrose e apoptose em carcinoma hepatocelular. Área de
necrose por anóxia (devido à vascularização inadequada do tumor)
é vista à direita na figura. As células tumorais apresentam cariólise e
citoplasma acidófilo; algumas têm núcleos picnóticos (setas negras). As
setas amarelas indicam células tumorais em apoptose, formando corpos
apoptóticos com fragmentos de núcleos e citoplasma acidófilo (a área
ampliada mostra em detalhe a morfologia dos corpos apoptóticos).
mente acldófilos, quando formados apenas por fragmento de
citoplasma condensado. Sua identificação nas preparações de
rotina em geral não é fácil; podem ser facilmente reconhecidos
nos centros germinativos dos linfonodos, onde linfócitos apop-
tóticos são numerosos e estão geralmente endocitados por
macrófagos, formando os chamados macrófagos com corpos
corados (também conhecidos como TBM, de fingible-body
macrophages). Nas hepatites virais, são vistos hepatócitos
encarquilhados, com citoplasma muito condensado e acidófilo,
conhecidos como corpúsculos de Councilman e Rocha Lima. A
ME identifica melhor as células apoptóticas, mostrando muito
bem a condensação da cromatina e do citoplasma (inclusive
a acentuada condensação das mitocôndrias), que contrasta
com a tumefação vista na célula em degeneração ou necrose.
A formação dos brotamentos e a fragmentação da célula são
bem documentadas ao microscópio eletrônico de varredura.
Patogênese
A apoptose pode ser desencadeada por: (l) estímulos exóge-
nos que agem em receptores de membrana; (2) estímulos endó-genos gerados após diferentes agressões, como irradiações (UV
ou ionizantes), estresse oxidativo, agressão química e hipóxia.
Independentemente do estímulo, a apoptose resulta sempre da ati-
vação de proteases, as quais induzem as modificações funcionais
e morfológicas características do processo. Embora a ativação
de proteases seja induzida por rotas diferentes, de acordo com o
fator desencadeante, algumas são mais freqüentemente utilizadas:
(1) ativação direta de caspases; (2) alterações de mitocôndrias
que também resultam na ativação de caspases; (3) interferência
com proteínas citosólicas reguladoras da apoptose.
As caspases (de cysteine asparargil specific proteases) são
enzimas que possuem cisteína no sítio ativo e que clivam proteí-
nas em sítios com resíduos de ácido aspártico. São produzidas
como pró-caspases, e ativadas por deslocamento da molécula
inibidora ou por clivagem proteolítica em sítios com ácido
aspártico. São conhecidas 12 caspases em humanos, nem todas
envolvidas diretamente na apoptose: as caspases 1, 4 e 5 fazem
a clivagem da pró-IL-l e pró-IL-18, e são importantes nos pro-
cessos inflamatórios. As caspases envolvidas na apoptose podem
ser separadas em caspases ativadoras (caspases 8, 9 e 10) e
caspases efetuadoras (caspases 3, 6 e 7). As caspases ativadoras
fazem proteólise das caspases 3, 6 e 7, que, por sua vez, ativam
outras proteases que degradam diferentes substratos da célula.,
incluindo DNA, larninas nucleares, PARP (Poly [ADP-RiboseJ
Polymerase) e proteínas do citoesqueleto, do que resultam as
modificações morfológicas mais importantes da apoptose.
As mitocôndrias desempenham papel essencial na apoptose
pois, quando sofrem alteração de sua permeabilidade, liberam
citocromo c, proteína SMAC (Second Mitochondrial Acti-
vator ofCaspases, também conhecida como DIABLO) e AIF
(Apoptopsis Inducing Factor), os quais ativam a caspase 9 ou,
diretamente, as caspases efetuadoras. O citocromo c no citosol
se associa com a Apaf-l (Apoptosis Protease Activating F ac-
tor) e recruta a caspase 9, formando um complexo conhecido
como apoptossomo. Um sítio da Apaf-Lliga-se ao ATP ou ao
didesoxi-ATP, do que resulta a alteração conformacional neces-
sária para ativar a caspase 9 (aqui o ATP é indispensável para a
apoptose). A proteína SMAC ou DIABLO liga-se a inibidores
naturais da apoptose denominados IAPs (ver adiante), inibindo-
os (os IAPs ligam-se às caspases 3 e 9 e as inibem); desse modo,
essas caspases ficam ativadas. O AIF, além de ativar a caspase
9 diretamente, é ativador de endonucleases, possivelmente pela
ativação das caspases 3 e 7. Outras duas proteínas mitocondriais
envolvidas na apoptose são a OMIlHtra2 e a endonuclease G.
A OMI liga-se às IAPs, e a endonuclease favorece a ativação de
outras endonucleases pelas caspases efetuadoras; ambas podem
induzir apoptose independentemente da ativação de caspases,
como será discutido adiante.
Proteínas do citosol regulam a apoptose por inibirem as
caspases ou por regularem a permeabilidade das mitocôndrias.
Os IAPs (Inhibitor of Apoptosis Proteins) formam uma fanu1ia
de proteínas inibidoras naturais da apoptose muito conservadas
na natureza. Possuem um domínio em prega com zinco, deno-
minado BIR (Baculoviral IAP Repeats), que se liga e inibe as
caspases efetuadoras 3 e 7 e a caspase ativadora 9. Algumas des-
sas proteínas (sobrevivina, cIAPl, clAP2 e XIAP) são expressas
em grandes quantidades em células cancerosas, e são um dos
fatores que facilitam a sobrevivência dessas células. A fanulia
das proteínas BcI (descobertas em B celllymphoma) inclui 23
proteínas, inibidoras (antiapoptóticas) ou ativadoras (pró-apop-
tóticas) da apoptose. As antiapoptóticas, como Bcl-Z e Bcl-XL,
localizam-se na membrana mitocondrial, constituindo ou regu-
lando proteínas formadoras de poros de permeabilidade transi-
cional, importantes na permeabilidade mitocondrial. As proteínas
pró-apoptóticas da fanu1ia Bcl, conhecidas em conjunto como
proteínas bax (Bim, Bad, Bid, Noxa, Hrk, Bcl-G, entre outras),
caracterizam-se por apresentarem um domínio de dimerização
BH3 que permite ligá-Ias às proteínas antiapoptóticas (Bcl-Z e
Bcl-XL), inibindo-as. Muitas vias indutoras de apoptose ativam
essas proteínas pró-apoptóticas, levando à desestabilização da
membrana mitocondrial e à liberação do citocromo c e de outras
proteínas ativadoras de caspases. Cada uma dessas proteínas
pró-apoptóticas é acionada de maneira diferente: a p53, por
exemplo, ativa o gene Noxa; Hrk resulta de processamento do
RNA mensageiro do NGF após retirada do agonista do receptor
NGF; cinases (como a Akt ou Pkb) e fosfatases controlam a
fosforilação de Bad e, portanto, a sua atividade; Bid é clivada
pela caspase 8, liberando um fragmento ativo. O Quadro 4.5 lista
as principais proteínas reguladoras da apoptose.
Quadro 4.5 Proteínas que regulam a apoptose
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 113
Receptores com domínio da morte (DD, de Death Domain)
TNFR-l (de TNF Receptor 1)
NGFR (de Nerve Growth Factor Receptor)
Fas (de First apoptosis signal)
DR3, 4, 5 e 6 (de Death Receptors) ou TRAILR (de TNFReceptor
Apoptosis Inducing Ligand Receptors)
Proteínas de adaptação com o DD
TRADD (de TNFReceptor Adaptor with Death Domain)
FADD (de Fas Adaptor with DD)
RAIDD ou CRADD (de RIP IL-i Adaptor DD ou Caspase and RiP
Adaptor with DD)
DAPKinase (de Death Associated Protein Kinase) Anquirina 1 e 3
RIP* (de Receptor Interacting serinelthreonine Protein Kinase)
lRAKs* (de /L-i Receptor Associated Kinase)
MyD88* (de Myeloid Difterentiation response gene 88)
Proteínas com domínios efetuadores da morte (DED, deDeath
Eftector Domain)
FADD (tem DD e DED)
FLIP, FLICE, FLASH (pseudocaspases, que se unem às caspases,
impedindo-as de se ativarem)
Proteínas com CARD (de Caspase Recruitment Domain)
Apaf-l (de Apoptosis Protease Activating Fator)
RAIDD
Cardiak (de CARD containing lCE-Associated Kinase)
Proteínas com domínio BIR (de Baculoviral Inhibitor of apoptosis
Repeats)
XIAP (de X-linked lnhibitor of Apoptosis)
IAP 1,2,3
AIP (de Neuronal Apoptosis lnhibitory Protein)
Survivina (BIRC5, de BIR Containing Protein 5)
Appolon
'" = intermediários de ativação do NFKB que induzem genes de sobrevivência, antiapoptóticos.
- = localizam-se em membranas.
- = localizam-se no citosol.-* = só têm Odomínio BH3, que se dimeriza com o Bcl-2.
Proteína cinase B (Akt) e IKK (lnhibitor ofNFKB kinases)
também regulam a apoptose. Akt fosforila proteínas pró-apop-
(óticas como Bad, caspase 9 e fatores de transcrição envolvidos
na expressão do ligante do Fas, inibindo assim o processo. Os
ativadores das IKK ativam o NFKB, o qual induz a expressão de
genes IAPs, Bcl-2 e Bcl-XL, desfavorecendo a apoptose.
A Fig. 4.31 indica as principais alterações que ocorrem na
apoptose. A Fig. 4.32 resume as rotas de indução da apoptose após
diferentes estímulos. Em seguida, serão discutidos os principais
mecanismos indutores de apoptose.
APOPTOSE INDUZIDA POR ESTÍMULOS QUE ATUAM
EM RECEPTORES QUE POSSUEM DOMÍNIOS DE MOR-
TE. A apoptose induzida por agentes que atuam em receptores da
família do TNF (1NFR, Fas, NGFR e uma série de receptores se-
melhantes ao TNF, denominados DR3, DR4, DR5 e DR6) inicia-se
pela ativação do receptor existente na superfície celular, o qual sofre
dirnerização e alteração conformacional no segmento intracitoplas-
Proteínas mitocondriais indutoras de apoptose
SMAC (de Second Mitochondrial Activator ofCaspases, ou
DIABLO, de Direct IAP Binding protein with LOw pI)
AIF (de Apoptosis lnducing F actor, ou PDCD8, de Programmed
CellDeath)
Proteínas com domínio BH (de B cell Homolog)
Antiapoptóticas
Bcl-2, Bcl-XL Bcl-W, Bcl-2 L(Like) 10** (de B cell Lymphoma)
Mcl-l ** (de Myeloid cell Leukemia)
Pró-apoptóticas
Bax*** (de Bcl-2 Associated x protein)
Bak*** (de Bcl-2 Associated Killer)
Bok*** (de Bcl-2 related Ovarian Killer)Bad*** (de Bcl-2 Antagonist of cell Death)
Bid*** (de BH3 Interactin Death Domain)
Bim*** (de Bcl-2 lnteracting and Modifying Protein)
Bik**** (de Bcl-2 lnteracting Killer)
Hrk**** Harakiri
Bcl-Xs**** (de Bcl-X (Short formi
Apr (Noxa)**** (Noxa, de Noxious = damage)
Bcl-g**** (de Bcl-like obtido de gonad (gônada)
Nip 3**** tem domínio de Nitro Phenilphosphatase
Nix (BNP)**** (de Bcl-2 Adenovirus interacting protein)
mático que expõe o domínio da morte (DD, de Death Domain), o
qual recruta uma proteína de adaptação. Esta expõe sítios para ligação
de uma proteína efetuadora do domínio da morte (proteína DED, de
Death Eifector Domain), a qual se liga à pró-caspase ativadora 8 ou
10,por meio de domínios específicos denominados CARD (CAspase
Recruitment Domain). Caspase ativada ativa as caspases efetuadoras
3,6 e 7, responsáveis pela ativação das proteases que completam o
processo. Além de ativar as caspases efetuadoras, a caspase 8 cliva
a Bid, originando um fragmento que se liga a proteínas Bcl-2 e Bcl-
XL, alterando a permeabilidade mitocondrial e favorecendo a saída
do citocromo c,AIF e SMAC, que ativam a caspase 9 ou as caspases
efetuadoras (3, 6 e 7). Portanto, a ativação da caspase 8 aciona também
omecanismo mitocondrial de indução da apoptose.Apoptose por esse
mecanismo, envolvendo amolécula Fas, ocorre em linfócitos durante
processos inflamatórios e irnunitários.
Para os receptores que possuem somente os domínios DD,
como o Fas (First apoptosis signal), a ativação leva sempre
à apoptose (seriam receptores profissionais para indução da
apoptose). Outros receptores dessa família são mais complexos
114 Patologia Geral
~Tr~~sduçãO
~sinais
Síntesee ativaçãO!
de endonucleases
Fragmentação
internucleossômica
doDNA
~
600 pB
~OPB.a,
200 pB
Corpos apoptóticos
endocitados por
célula vizinha
Fig. 4.31 Representação esquemática das principais alterações que
ocorrem na apoptose. pb = pares de bases.
e contêm outros domínios que, fosforilados, recrutam proteínas
adaptadoras que ativam proteínas cinases indutoras de rotas pro-
motoras de mitose e de sinais de sobrevivência (sinais inibidores
da apoptose). Um exemplo é o receptor para o TNFcx; dependendo
da ativação e das proteínas de adaptação presentes no citosol,
ele desencadeia apoptose ou rotas para mitose e sobrevivência
(antiapoptose). Isso coloca o TNFR como um receptor crucial
para determinar, após uma agressão, se a célula vai caminhar
para a sobrevivência ou para a morte (apoptose).
APOPTOSE INDUZIDA POR ESTÍMULOS EXTERNOS
QUE NÃO AGEM EM RECEPTORES DE MEMBRANA.
Estímulos externos, como radiações ionizantes, luz ultravioleta,
alguns agentes químicos genotóxicos e radicais livres, produ-
zem apoptose por mecanismos variados. Todos esses estímulo
atingem o genoma da célula, que, dependendo da intensidade da
agressão, responde aumentando a expressão do gene p53, cujo
produto, a proteína p53, induz retardo mitótico e apoptose. Um
dos alvos da p53 são produtos dos genes IAPs, cuja expressão
fica inibida. Desse modo, as caspases, especialmente a caspase
9, naturalmente inibidas pelos IAPs, tornam-se ativadas e ativam
as caspases efetuadoras. Por outro lado, a p53 ativa os gene
das proteínas Bax, que se dimerizam com as proteínas Bc1-2;
com isso, ocorrem aumento da permeabilidade mitocondrial e
liberação de fatores mitocondriais pró-apoptóticos,
Dois outros mecanismos estão envolvidos na indução de
apoptose por radiações e radicais livres: (a) ação direta sobre
as mitocôndrias, alterando-lhes a permeabilidade; (b) agressão
direta na membrana, ativando esfingomielinases que induzem a
liberação de ceramida. Esta ativa cinases e fosfatases capazes
de inativar inibidores das caspases 8 e 9, ativando-as. Algumas
fosfatases são também inibidoras de proteínas antiapoptóticas
Fig. 4.32 Esquema mostrando as principais vias de ativação da apoptose. DD = domínio de morte. O significado das demais siglas que aparecem
nesta figura está indicado no Quadro 4.5. Col = colágeno.
do grupo Bcl e ativadoras de proteínas Bax. A ceramida ativa
também as SAPK (Stress Activated Protein Kinases) e JNK (Jun
N terminal activatedKinases), que ativam fatores de transcrição
reguladores da expressão de genes da família Bcl, controladores
da apoptose. Ao ativar SAPK, a cerarnida ativa proteínas cinases
PKR (Protein Kinases activated by double-stranded RNA), que
fosforilam um fator de iniciação da síntese protéica (eIF-2a),
inibindo-o, favorecendo assim a morte celular. A ceramida é
o mais importante mediador da apoptose induzida por ácidos
graxos nas células com esteatose.
APOYfOSE INDUZIDAPOR SUBSTÂNCIAS QUE AGEM
DIRETAMENTE NA MEMBRANA MITOCONDRIAL.
Substâncias que podem interagir com a camada lipídica da mem-
brana mitocondrial, como os ácidos biliares não-polares, os ésteres
de etanol com ácidos graxos e certas drogas utilizadas em quirnio-
terapia, podem induzir apoptose por modificarem a permeabilidade
mitocondrial e, segundo alguns, por alterarem a membrana celular
de modo a induzir a ativação do Fas sem necessidade do seu ago-
nista natural, o ligante do Fas. Por essa razão, algumas substâncias
lipofílicas polares, como ácidos biliares polares, têm efeito protetor
da apoptose, por tomarem as membranas lipídicas mais estáveis.
APOYfOSE POR PERDA DO ESTÍMULO TRÓFICO OU
DA ANCORAGEM NA MATRIZ EXTRACELULAR OU
EM OUTRAS CÉLULAS. Uma causa comum de apoptose é a
perda de estímulo trófico representado pela falta do agonista sobre
o receptor, como ocorre em células ativadas por hormônios tróficos
após a retirada desse hormônio. Nesse caso, a apoptose se deve à
redução dos estímulos antiapoptóticos (ou de sobrevivência) induzi-
dos pelo agonista, permitindo a ação das moléculas pró-apoptóticas.
As integrinas (e outras moléculas de adesão, como as caderinas)
se relacionam com proteínas do citoesqueleto, como a anquirina,
que possuem domínios de morte. Quando a integrina se solta da
molécula da matriz extracelular, a proteína do citoesqueleto com
DD é ativada e inicia a ativação de caspases.
MECANISMOS DAS ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS
AAPOYfOSE. As alterações mais importantes na membrana
celular decorrem de mudanças na sua fluidez devido a modifi-
cações na síntese e degradação de lipídeos em conseqüência da
ativação de fosfolipases e esfingomielinase. Esta última degrada
esfingolipídeos e gera ceramida, que ativa rotas pró-apoptóticas.
A exteriorização da fosfatidilserina, fenômeno característico
da apoptose, deve-se em parte a essa reorganização da camada
lipídica da membrana. A formação de bolhas na membrana cito-
plasmática depende de alterações no citoesqueleto e nas proteínas
que formam a sustentação da face interna da membrana celular
(espectrinas e anquirinas) decorrentes da ativação de proteases
por ação das caspases efetuadoras. O descolamento da célula
da matriz extracelular ou das células vizinhas pode ser evento
secundário à desorganização do citoesqueleto, com desarranjo
nos diferentes pontos de adesão; no entanto, se uma agressão
induz desorganização dos pontos de adesão, esse pode ser o es-
tímulo para se iniciar a apoptose, como descrito anteriormente.
A retração do citoplasma, que se toma mais denso, deve-se à
eliminação de água e à reorganização do citoesqueleto. A elimi-
nação de água é feita através de poros de transporte de eletrólitos,
por ativação de cinases e fosfatases e, possivelmente, também
por ação de radicais livres sobre resíduos SH de proteínas que
formam os canais iônicos.
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 115
As alterações nucleares na apoptose, incluindo a picnose nuclear e
a cariorrexe, dependem das caspases 3 e 7, que ativam proteases que
degradam as proteínas nucleares. A atividade proteolítica no núcleo
leva a: (1) degradação das proteínas que formam o citoesqueleto
nuclear, das quais as mais importantes são proteínas de 240 kD de-
nominadasNUMA (NUcleus Mitotic Apparatus), e fosforilação e
acetilação de histonas, favorecendo a desorganização da cromatina,
que se desloca para a periferia e sofre condensação progressiva (pie-
nose); (2) proteólise parcial das larninas, que desorganiza a sustentação
do envelope, favorecendo a fragmentação do núcleo (cariorrexe). A
cisterna perinuclear modifica a disposição dos poros, que tendem a se
agregar, resultando em alteração na permeabilidade; (3) degradação
parcial das SNURP (Small NUclear Ribonucleoproteins), que formam
os spliceossomos, e das PARP,que atuam no reparo do DNA, reduzin-
do a capacidade de gerar RNAm e de reparar o DNA; (4) proteólise
das proteínas inibidoras de dsDNAses ativadas por caspases (lCAD,
de Inhibitors ofCaspase Activated dsDNAse), o que leva à ativação
dessas endonucleases, que clivam o DNAintemucleossomal, gerando
fragmentos com 200 pares de bases ou seusmúltiplos. Fundamentado
nesse fenômeno, um método muito eficaz de reconhecimento da
apoptose consiste na análise por eletroforese em gel do DNA extraído
de células ou tecidos em apoptose, a qual revela bandas com diferença
de 200 pares de bases (Fig. 4.31). Outra maneira precisa de detectar a
apoptose é a incorporação de nucleotídeos marcados nas extremidades
dos fragmentos intemucleossômicos do DNA (técnica de TUNEL,
de Terminal deoxynucleotidyl transferase mediated digoxigenin-UTP
Nick-End-Label), que podem ser depois identificados in situoO mé-
todo consiste na inserção de um nucleotídeo ligado a digoxigenina no
ponto de clivagem, posteriormente identificadopela imunoistoquímica
para detecção da digoxigenina.
Apoptose e Necrose
Ainda que os conceitos coloquem apoptose e necrose em
posições distintas, a análise mais detalhada dos mecanismos
dos dois processos mostra que as duas lesões têm margens que
se tocam e se confundem. Em primeiro lugar, muitas agressões
podem induzir tanto apoptose como necrose, e, com freqüência,
os dois processos coexistem no mesmo tecido. Uma vez que a
célula é agredida, a decisão de entrar em apoptose ou de sobre-
viver vai depender da intensidade e da qualidade da agressão e
dos receptores acionados.
A geração de mensageiros a partir de lipídeos da membrana
parece ser um fator crucial na determinação de rotas de ativação
de apoptose ou de sobrevivência: ativação da esfingomielinase
gera ceramida (que pode ser também sintetizada de novo a partir
do excesso de ácidos graxos), que é potente ativadora de rotas de
apoptose; já a ativação de outras fosfolipases (p. ex., fosfolipase
C) gera diacilglicerol, ativador da proteína cinase C, grande
indutora de rotas de sobrevivência.
A apoptose éATP-dependente, razão pela qual as agressões que
a induzem não podem fazer cessar completamente a produção de
energia. Se se reduz muito o ATP, a célula entra em necrose. Por
outro lado, necrose implica perda do controle da permeabilidade
dos lisossomos, elemento fundamental no processo de autólise.
Alguns autores admitem que uma agressão pode inicialmente
induzir rotas de apoptose, que são interrompidas ou não se com-
pletam, permitindo em seguida a evolução do processo como
necrose. Na necrose caseosa da tuberculose (e também dos tu-
mores), por exemplo, esse fato parece ser evidente: há aumento
de expressão de proteínas pró-apoptóticas, e, morfologicamente,
cariorrexe é fenômeno dominante (poeira nuclear observada na
116 Patologia Geral
periferia da necrose). Por outro lado, na necrose caseosa também
existe cariólise abundante (típico fenômeno de autólise, portanto
de necrose), ainda que a lise das células não seja muito evidente.
É possível que a "necrose" caseosa compacta das lesões ainda
fechadas seja predominantemente um processo de apoptose, que
evolui para liquefação, com a instalação de fenômenos típicos de
necrose (autólise).
APOPTOSE NÃO INDUZ EXSUDAÇÃO DE FAGÓCITOS
(INFLAMAÇÃO). OScorpos apoptóticos, mesmo se fagocitados
por macrófagos, não induzem a liberação de quimiocinas e cito-
cinas pró-inflamatórias, como ocorre com os restos dos tecidos
necróticos. A endocitose dos corpos apoptóticos é mediada por
vários receptores (chamados receptores padrão, PRR, de Pattern
Recognition Receptors, que incluem integrinas, receptores do tipo
lectina e os chamados receptores de remoção), dos quais os mais
importantes são os receptores para fosfatidilserina. Se opsonizados
pela trombospondina, são reconhecidos em integrinas av[33. Esses
receptores induzem rotas de ativação para síntese de IL-l O e TGF[3,
de forte atividade antiinflamatória e imunossupressora.
APOPTOSE E INDUçÃO DE REAÇÕES AUTO-IMUNI-
TÁRIAS. OS mecanismos de aparecimento dos diversos an-
ticorpos antiantígenos nucleares que caracterizam as doenças
auto-imunes sistêmicas não são ainda conhecidos. Todas as
hipóteses de auto-imunidade admitem que a fonte indutora
desses auto-anticorpos é de material intracelular liberado
por células mortas. Como na apoptose a morte celular ocorre
sem autólise, os auto-antígenos ficam mais preservados; com
a formação de corpos apoptóticos, estes podem ser fonte de
sensibilização. Por outro lado, algumas proteínas nucleares
antigênicas (p. ex., as SNURP) sofrem modificação muito
particular durante a apoptose, o que poderia facilitar a expo-
sição de antígenos crípticos e a quebra de tolerância. Redu-
ção na endocitose de corpos apoptóticos tem sido observada
no lúpus eritematoso sistêmico, admitindo-se ser esse um
mecanismo que favorece maior exposição de auto-antígenos
às células dendríticas do tecido ou de órgãos linfáticos. Os
corpos apoptóticos endocitados pelas células dendríticas via
integrinas av[35 são processados e apresentados via MHC 11,
com produção simultânea de citocinas pró-inflamatórias, como
IL-l e TNFa, capazes de ativar linfóticos T CD4.
MORTE PROGRAMADA E OUTRAS FORMAS
DE MORTE CELULAR
Fala-se em morte celular programada quando os eventos que
levam à morte celular são regulados dentro da própria célula,
segundo um programa genético. É o que ocorre na embriogênese,
na involução de órgãos e na regulação da resposta imunitária
após ativação de linfócitos. A expressão foi cunhada com sentido
oposto ao de morte acidental, provocada por agentes agressores.
Durante muito tempo, morte programada foi sinônimo de apop-
tose, o que hoje não é mais aceito, já que esta pode ser induzida
por diferentes agressões. Observações mostrando que as célu-
las podem morrer de modo regulado, mesmo com inibição das
caspases, levaram a admitir outras formas de morte celular pro-
gramada além da apoptose, admitindo-se também que a necrose
possa ocorrer como morte programada. Desse modo, vários tipos
de morte celular, diferentes da necrose e da apoptose, têm sido
descritos, embora sua terminologia deva ser vista com cautela
porque os mecanismos não são ainda bem conhecidos. Embora
se considere tratar-se de morte celular independente de caspases..
a afirmação baseia-se em observações feitas com inibidores de
caspases que nem sempre inibem todas as enzimas do grupo.
Morte por autofagia tem sido admitida. Observações in vitro
mostram que células em autofagia podem morrer, sem ativar cas-
pases e sem sofrer autólise, apresentando aspectos morfológicos
diferentes da apoptose e da necrose; nela não há condensação
nem fragmentação da cromatina.
Um outro tipo de morte celular programada, recentemente
descrita com o nome da paraptose, caracteriza-se por vacuo-
lização mitocondrial e do retículo endoplasmático; é induzida
por ativação de receptores da fann1ia do TNFR, é independente
de caspases, não é seguida de autólise e seus mecanismos são
ainda desconhecidos.
Células que estão realizando mitose podem ser induzidas a
morrer se há grande alteração na organização dos cromos somos.
levando ao que se chama de catástrofe mitótica, que ocorre
geralmente na anáfase ou telófase. Essa morte após catástro-
fe mitótica é independente de p53 e da ativação de caspases,
emboraseja acompanhada de permeabilização da membrana
mitocondrial.
Em neurônios, excesso de estimulação trófica pode levar à
morte excitotóxica. Nela, há liberação excessiva de mediadores..
como glutamato, que abre canais de Ca'" e causa aumento deste
no citosol. Com isso, a célula morre, mesmo que as caspases
tenham sido inibidas. A degeneração walleriana é também um
tipo particular de morte celular, diferente da apoptose, inclusive
por ocorrer em apenas um segmento da célula, sendo interrom-
pida no primeiro estrangulamento de Ranvier proximal ao ponto
em que a fibra nervosa foi seccionada.
A corneificação de ceratinócitos (ceratinização ou formação
da camada córnea) é outra forma especial de morte celular pro-
gramada diferente da apoptose, como se demonstrou em animais
nocauteados para genes indispensáveis para a a apoptose. Esse
processo envolve mecanismos pouco conhecidos de lise da cro-
matina e de organelas. A ceratinização resulta da organização de
proteínas e lipídeos na membrana, tomando a escama (células
anucleadas) resistente, flexível e impermeável.
Entose é a denominação dada à morte celular que se segue à
endocitose de uma célula por outra. Trata-se de um processo de
endocitose em que a célula a ser endocitada empurra a membrana
da que endocita, participando ativamente na formação do fagos-
somo. Há fusão com lisossomos, e a célula endocitada é morta
e degradada. Curiosamente, uma célula pode ser endocitada e
exocitada posteriomente, intata e viva. A entose foi observada em
células cancerosas in vitro; endocitose de uma célula cancerosa
por outra é observação comum em cânceres humanos (p. ex.,
da mama e pulmão).
Embora a apoptose e as formas especiais de morte celular
descritas anteriormente sejam consideradas formas de morte
programada, há evidências de que a célula pode programar a
morte por necrose. Proteínas associadas aos canais mitocondriais
dependentes de voltagem, especialmente hexoquinases no lado
externo e ciclofilina D no lado interno, controlam a permeabi-
lidade mitocondrial e, sobretudo, o gradiente eletroquímico da
membrana mitocondrial interna (permeabilidade transicional ou
Ll<pm),indispensável para a síntese de ATP. Alterações nessas
moléculas podem ser induzi das por sinais vindos do citoplasma,
podendo levar à morte por geração de grande quantidade de
radicais livres e parada da síntese de ATP. Instala-se assim uma
necrose (morte celular por redução drástica de ATP é sempre
seguida de autólise) a partir de um sinal produzido dentro da
própria célula, razão pela qual se fala em morte programada.
ALTERAÇÕES DO INTERSTÍCIO
O interstício ou matriz extracelular (MEC) é constituído
por uma rede complexa de macromoléculas que preenchem
os espaços interceluIares. Entre suas malhas, circula o líquido
tecidual, que, originado da microcirculação, banha as células
e retoma a ela ou aos vasos linfáticos. Aqui, será feito um
breve resumo dos aspectos moleculares do interstício e, em
eguida, serão discutidas as alterações morfológicas de seus
componentes após agressões. Serão estudados em seguida
os principais aspectos patogenéticos básicos das fibroses que
comprometem alguns órgãos, como fígado, coração e fáscias
musculares (fibromatoses), bem como os mecanismos de ci-
catrização das feridas.
As macromoléculas da MEC podem estar estruturadas
em fibras (colágenas, reticulares e elásticas) ou sob a forma
de um complexo amorfo, intimamente associado às fibras,
denominado substância fundamental amorfa. Tais macromo-
léculas são: (1) proteínas fibrosas (colágeno e elastina), que
formam as fibras colágenas e reticulares (colágeno) e elásticas
(elastina); (2) proteínas não-fibrosas, de aderência (laminina
e fibronectina), que aderem as células à MEC, e proteínas
organizadoras também com função de aderência, como a
tenascina, a entactina e a ondulina; (3) glicosaminoglicanos
(poliglicanos) e proteoglicanos, que formam um gel altamente
hidratado, a substância fundamental, na qual as proteínas
fibrosas estão imersas.
Os componentes da MEC são sintetizados e excretados por
fibroblastos, condroblastos, osteoblastos e odontoblastos nos
tecidos conjuntivos, cartilaginoso e ósseo. Células epiteliais e
musculares lisas também os produzem e excretam, especialmente
os constituintes das lâminas basais.
COLÁGENO. FffiRAS COLÁGENAS E
RETICUIARES
O colágeno é a proteína mais abundante do interstício (25%
das proteínas do organismo). A molécula de colágeno é formada
Quadro 4.6 Principais tipos de colágeno
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 117
por três cadeias polipeptídicas, do tipo cadeia alfa, enroladas
de modo semelhante a uma corda torcida. Existem cerca de 20
tipos de cadeias alfa (20 genes diferentes) capazes de formar até
1.000 diferentes tipos de colágeno, dos quais 11 tipos já foram
identificados. Os mais bem definidos são os tipos I, 11,m e IV
Os colágenos dos tipos I, 11e III formam fibrilas (de 20 a 300 nm
de diâmetro) que se organizam em fibras visíveis ao ML, com
espessura de até alguns micrômetros, Essas fibrilas se organi-
zam em torno de um núcleo formado pelos colágenos V e XI. O
colágeno tipo IV (assim como o VIII) não forma fibrilas, mas se
organiza como uma rede nas membranas basais. O colágeno tipo
V se associa formando fibrilas finas que se dispõem em torno
de células, como ocorre nos tecidos musculares liso (colágeno
pericelular) e estriado (endomísio). O colágeno do tipo VI
também é fibrilar e forma fibrilas finas com nódulos globulares,
que se interpõem entre feixes de fibrilas colágenas dos tipos I e
I1I, associando-as. O colágeno do tipo VII forma fibrilas finas
e curtas que ligam a membrana basal ao conjuntivo subjacente
(fibras de ancoragem). Os colágenos tipos VIII, IX, X e XIsão
encontrados nas cartilagens. No Quadro 4.6 estão resumidas as
principais características dos diferentes tipos de colágeno.
A síntese do colágeno pode ser resumida nas seguintes etapas
(Fig. 4.33): (1) ativação dos genes das cadeias alfa, com síntese
dos RNAm que vão para o citoplasma e aderem aos ribosso-
mos do RER. A expressão desses genes é controlada por sinais
emitidos especialmente por fatores de crescimento, que agem
em receptores específicos (FGFa, TGFI3, IL-1, entre outros);
(2) síntese das cadeias alfa nos polissomos e penetração dos
polipeptídeos nascentes nas cisternas do RER. As cadeias alfa
(pró-cadeias a) contêm a seqüência sinalizadora e os peptídeos
terminais nas extremidades NH2 e COOH; (3) nas cisternas
do RER, ocorre hidroxilação da prolina e da lisina por ação
da prolina-hidroxilase e da lisina-hidroxilase, na presença de
O2 molecular e vitamina C; (4) após hidroxilação, inicia-se a
associação das três cadeias a partir dos peptídeos terminais, que
contêm cisteína e formam pontes S-S unindo as cadeias entre si.A
molécula assim formada é o pró-colágeno, pois ainda contém os
peptídeos terminais; (5) transportadas para o complexo de Golgi,
as moléculas de pró-colágeno são glicosiladas, principalmente
em resíduos de hidroxilisina, por ação da galactosiltransferase
e da glicosil-galactosiltransferase (há adição de galactose ou de
Tipo Fórmula Forma polimerizada Distribuição nos tecidos
Colágeno fibrilar {a I (1)2a2(II)} fibras largas pele, ossos, cómea, útero
11 {ai (II)}3 fibras finas cartilagem, disco intervertebral, humor
vítreo
III {a2(I1I)}2 fibras finas pele, vasos sanguíneos, submucosas
V {a I (V)2 a2(V)} fibrilas associadas ao tipo I colágeno pericelular
VI ------?------ fibrilas associadas aos tipos I e III igual aos tipos I e li
XI (al)2 e a3(XI) fibrilas associadas ao tipo 11 igual ao tipo 11
Colágeno associado IX ai, a2 e a3(IX) associa-se a fibrilas do tipo 11 cartilagem
a fibrilas XII ai (XII)3 associa-se a fibrilas do tipo I tendões, ligamentos e fáscias
Colágeno em rede VII ai (VlI)3 estruturas de ancoragem abaixo de epitélios escamosos
IV {a I (IV)2 a2(IV)}associação em bandas membranas basais
118 Patologia Geral
Núcleo \ \~J
VVU"' J '\ mRNA para as
'- mRNA três cadelas a--.....~~y
R~~_~~Q.r~--l~~
Membrana celular
Pró-cadeia a
Vit C I Prolina hidroxilase
0, ~ Usina hidroxilase=r:
OH
~
Glicosil-goloctosll I Goloctosil
tronsterose ~ tronsterose
J
OH
~
=:
Ligações
cruzadas
Fibras
colágenas
Fibrila
colágena
Fig. 4.33 Esquema geral das etapas da síntese do colágeno. REG =
retículo endoplasmático granuloso.
glicosil-galactose em quantidades variáveis, dependendo do tipo
da cadeia); (6) as moléculas do pró-colágeno são em seguida
levadas até a membrana plasmática e excretadas; (7) no meio
extracelular, ainda junto ao glicocálice, as moléculas de pró-
colágeno sofrem ação de peptidases (pró-colágeno peptidases),
que c1ivam os peptídeos terminais; (8) agora livres dos peptídeos
terminais, as moléculas de colágeno começam a se associar es-
pontaneamente para formar as fibrilas colágenas. Desse processo
participam outras proteínas extracelulares ligadas ao citoesque-
leto, já que a associação ocorre bem junto ao glicocálice; (9) as
moléculas de colágeno organizadas em fibrilas passam a formar
ligações cruzadas, transversais, feitas entre resíduos de lisina.
Essas ligações ocorrem por ação da enzima lisil oxidase, que
forma resíduos de aldeído-lisina entre os quais se estabelecem
as ligações cruzadas. Ligações cruzadas transversais produzidas
por glicosilação não-enzimática também se formam no colágeno.
especialmente com o envelhecimento e nas fibroses avançadas.
São feitas pela adição de carboidratos reduzidos agrupamentos
amina da proteína, tornando o colágeno muito insolúvel e de
difícil degradação; (10) organização das fibrilas em fibras colá-
genas, que varia de acordo com o tecido. Esse processo depende
da ação de fibroblastos, que controlam a expressão dos genes das
cadeias a, da síntese de outras proteínas, dos proteoglicanos que
participam na organização das fibrilas e da síntese da lisil oxidase.
Também, ao se deslocarem sobre as fibrilas, os fibroblastos as
arrastam, influenciando sua compactação.
O colágeno tipo IV difere do colágeno fibrilar em dois aspec-
tos: (a) a seqüência de arninoácidos das cadeias a - Gli-X-Y
- se modifica em algumas áreas. Com isso, a trípice hélice se
desfaz, permitindo que a molécula se dobre e forme ângulos; (b)
o pró-colágeno tipo IV é excretado sem c1ivagem dos peptídeo
de associação. As moléculas desse colágeno se associam em dí-
meros por meio de ligações término-terminais nas extremidades
COOH; os dímeros se associam em rede e formam faixas com
várias camadas nas membranas basais.
ELASTINA. FffiRAS ELÁSTICAS
O principal componente das fibras elásticas é a elastina,
proteína altamente hidrofóbica, não-glicosilada, rica em prolina
e glicina, mas com pouca hidroxiprolina e sem hidroxilisina.
A elastina é excretada nos espaços intercelulares, onde forma
filamentos e bainhas, nos quais as moléculas se ligam umas
às outras por ligações cruzadas semelhantes às existentes no
colágeno. Assim ligadas, as moléculas de elas tina em repouso
permanecem como novelos frouxos unidos entre si, mas, quando
submetidas a estiramento, as moléculas enoveladas se distendem,
mantendo-se unidas pelas ligações cruzadas; cessada a força do
estiramento, as moléculas voltam à posição enovelada inicial
(Fig. 4.34). Além de elastina, as fibras elásticas contêm uma
glicoproteína (fibrilina) que forma fibrilas na sua superfície. Essa
proteína microfibrilar é secretada antes da elastina e parece ser
importante na associação das moléculas de elastina para formar
as fibras e bainhas elásticas.
(A) •• •• Estiramento
lt
(B) ==:tR t:
Fig. 4.34 As moléculas de elastina formam novelos frouxos que ficam
ligados entre si por ligações transversais. A figura representa o elástico
em repouso (A) e após estiramento (B).
GUCOSAMINOGUCANOS E PROTEOGUCANOS.
UBSTÂNCIA FUNDAMENTAL
Os glicosaminoglicanos são polissacarídeos não-ramificados,
formados pela sucessão de unidades dissacarídicas representadas
por uma acetilexosamina e por um ácido urônico, podendo a
hexosamina estar ligada a um ou mais radicais sulfato. Os prin-
ipais glicosaminoglicanos e proteoglicanos, suas características
químicas e sua localização mais freqüente estão resumidos no
Quadro 4.7.
As cadeias dos glicosaminoglicanos são fortemente hidrofOi-
cas mas pouco flexíveis, razão pela qual se enovelam ao acaso,
formando aglomerados frouxos que ocupam grande volume em
relação à massa. A abundância de cargas negativas atrai uma ver-
dadeira nuvem de cátions (Na", principalmente) osmoticamente
ativos que retêm grande quantidade de água na molécula. Essa
arquitetura molecular (novelo frouxo com retenção de água) cria
um estado de turgência na substância fundamental que a toma
capaz de suportar grande força de compressão.
O ácido hialurônico é o principal componente dos glicosami-
noglicanos, encontrado em quantidade variável na matriz; abun-
dante nos tecidos embrionários, confere à substância fundamental
maior fluidez, favorecendo a migração celular. Ao contrário do
ácido hialurônico, os poliglicanos sulfatados se unem a proteínas
por ligação covalente e formam proteoglicanos. A síntese dos
proteoglicanos se faz no complexo de Golgi, para onde é trans-
portada a proteína central (proteína-eixo ou núcleo do proteogli-
ano) após sua síntese no RER. A ligação de glicosaminoglicanos
sulfatados à proteína se faz em resíduos de serina após ligação
de um trissacarídeo; o alongamento do trissacarídeo se dá pela
adição de unidades dissacarídicas do poliglicano. O número de
moléculas de glicosaminoglicanos que se associam à proteína é
ariável, podendo originar macromoléculas de peso molecular
muito elevado. Na cartilagem, formam-se macromoléculas que
têm como eixo o ácido hialurônico associado a várias moléculas
de proteoglicanos, chegando a ter peso molecular em tomo de
3 X 106 D. A estrutura dos proteoglicanos varia de acordo com
a qualidade da proteína central e com o número e tipo de glico-
saminoglicanos associados (Fig. 4.35). As proteínas centrais de
diferentes proteoglicanos não são ainda bem conhecidas.
A organização dos poliglicanos e dos proteoglicanos na
ubstância fundamental ainda é pouco conhecida. Eles se ligam
uns aos outros e às proteínas fibrosas e não-fibrosas da matriz,
Quadro 4.7 Proteoglicanos da matriz extracelular
Poliglicano
Proteoglicano PM associado Localização
Agrecan 210.000 SCeSQ cartilagem
Betaglican 36.000 SD todos os tecidos
conjuntivos
Perlecan 60.000 SH membranas basais
Serglicina 20.000 SCeSD vesículas de secre-
ção de leucócitos
Sindecan 32.000 SCeSH molécula de adesão
na membrana
plasmática
PM = peso molecular; se = sulfato de condroitina; SQ = sulfato de queratan; SD = sulfato
de dermatan; SH = sulfato de heparan,
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 119
Proteínas de
ligação
Proteína central
Glicosamino-
glicanos
Fig. 4.35 Esquema da arquitetura molecular de um proteoglicano com-
plexo da substância fundamental arnorfa.
formando estruturas tridimensionais mais ou menos definidas.
Alguns proteoglicanos da matriz se ligam à membrana das células
ou são transmembranosos, funcionando como co-receptores de
fatores de crescimento (betaglican para TGFI3 e sindecam para
FGFb); outros ficam associados a moléculas do glicocálice.
PROTEÍNAS NÃO-FffiROSAS DA MATRIZ
Além do colágeno e da elas tina, a matriz extracelular contém
outras proteínas importantes, como fibronectina, laminina, trom-
bospondina 1 e 2, SPARC, tenascina e entactina. A fibronectina,
proteína extracelular de adesão, é um dímero com duas cadeias
unidas por pontes S-S (Fig. 4.36). Cada cadeia possui várias
unidades globulares ligadas entre si por seqüências flexíveis.
A proteína existe sob as formas dimérica (fibronectina solúvel
no plasma), oligomérica(fibronectina da superfície das células)
e polimérica insolúvel (fibronectina da matriz extracelular).
A fibronectina possui sítios de ligação a receptores celulares
(integrinas), colágeno, fibrina e heparina, e é importante na or-
ganização da matriz e no deslocamento das células no interstício.
Existem vários tipos de fibronectina quanto à sua estrutura pri-
mária, cada uma delas mais adequada para aderir a determinado
tipo celular.
A laminina, produzida por ,células epiteliais, é componente
essencial das lâminas basais. E um complexo de quatro unida-
des polipeptídicas (850 kD) distribuídas em três braços curtos
e um longo (Fig. 4.36). Possui sítios funcionais que se ligam ao
colágeno IV, sulfato de heparan, integrinas, toxinas bacterianas,
lipopolissacarídeos, entre outros.
A proteína SPARC (Secreted Protein Acidic and Rich in
Cysteine) tem ampla distribuição no tecido conjuntivo e apre-
senta domínios com diferentes efeitos: há domínios que se ligam
ao PDGF, VEGF e FGFb, inativando-os e, assim, inibindo a
proliferação e a migração celular, a angiogênese e a síntese de
componentes da matriz.
A tenascina é uma glicoproteína de adesão com distribuição
mais limitada, abundante em tecidos embrionários e no tecido
nervoso. É formada por seis unidades polipeptídicas em disposi-
ção radial (Fig. 4.36). A entactina, uma glicoproteína em forma
de haltere, é encontrada geralmente em associação com a larni-
nina. Entactina e tenascina parecem ser elementos importantes
na organização espacial da matriz extracelular.
120 Patologia Geral
Fibronectina
Colágeno
fibrilar
Laminina
L Proteoglicano( ",,\. \
Colágeno IV
~ Tenascina
Fig. 4.36 Representação esquemática das proteínas da matriz extrace-
lular em escala comparativa de tamanho.
RELAÇÕES DA MATRIZ EXTRACELUIAR COM
AS CÉLULAS
A MEC e as células mantêm íntimo contato por meio de
integrinas da superfície celular e de sua ligação às proteínas
não-fibrosas e ao colágeno. Como o citoesqueleto também forma
ligações com as integrinas, pode-se dizer que ele se continua
com a MEC. Essa continuidade envolve estímulos que passam
da matriz para as células, influenciando seu comportamento.
Todas as proteínas transmembranosas que se ligam a moléculas
da matriz estão ligadas a proteínas do citoesqueleto que podem
controlar a ativação de cinases que induzem diferentes rotas de
ativação de fatores de transcrição. Assim, a chamada inibição
por contato (com a MEC ou com outras células) é induzida por
essas rotas, que inibem a expressão de genes que favorecem a
entrada da célula em G I'Uma modificação da relação da molécula
de adesão com a matriz pode alterar a ativação da molécula que
a liga ao citoesqueleto, ativando rotas que levam à estimulação
de genes necessários para a célula entrar em G 1 e iniciar o ciclo
celular (existe um grupo de proteínas cinases denominadas FAK
[Focal Adhesion Activated Kinases] cuja atividade é controlada
por estímulos da matriz ao citoesqueleto, nos chamados focos de
adesão); as FAK controlam os ERK (Extracelullar signal Rela-
ted Kinases), que controlam a proliferação celular, ativando as
MAPK (Mitogen Activated Protein Kinases). Como já descrito,
esses sinais da MEC também controlam a apoptose.
AMECCOMOARMAZENADORADEFATORESBIOLO-
GICAMENTE ATIVOS. Os diferentes componentes da matriz
extracelular têm a propriedade de se associar e reter, na forma
inativa, substâncias biologicamente ativas, como hormônios,
citocinas e fatores de crescimento. A Fig. 4.37 indica os principais
produtos e as moléculas que os retêm na MEC.
COMPONENTES DA MEC OU DELES DERIVADOS,
COMO REGULADORES DA ATIVIDADE BIOLÓGICA
DOS TECIDOS. Muitas das moléculas que formam a MEC
exercem grande efeito regulador nas células com as quais entram
em contato, através de diferentes receptores, entre os quais as
integrinas são os mais importantes. Tais moléculas regulam a
proliferação, motilidade e aderência das células e a síntese e
degradação da própria matriz.
Quando submetidas à ação de proteases, as proteínas da MEC
não só liberam as moléculas inativas que estavam retendo como
também geram fragmentos (peptídeos) biologicamente ativos
que interferem nas células do tecido conjuntivo, em leucócitos
exsudados ou em células parenquimatosas. A proteólise da
laminina libera um peptídeo (AG73) que favorece a migração
celular e a ativação da expressão de genes Bcl-2, estimulando
o deslocamento e a sobrevivência de células; outro peptídeo
(AG12) tem efeito oposto: inibe a migração celular e induz o
gene mdm2, que favorece a expressão da p53, inibidor de mitose
e indutor de apoptose. O colágeno IV, quando clivado, libera
um peptídeo que inibe a migração de células tumorais e tem
efeito antiangiogênico. A fibronectina dá origem a peptídeos
que induzem as metaloproteases (MMP) e outros com efeito
antiangiogênico. O colágeno VI age em integrinas das células,
induzindo proliferação e inibindo a apoptose. O colágeno XIV,
abundante nos tecidos conjuntivos maduros, age em receptores
CD44 promovendo inibição da síntese de DNA, mas não induz
apoptose. O colágeno XVIII, produzido por células epiteliais, atua
em receptores do endotélio favorecendo a proliferação celular e
inibindo a apoptose; quando sofre ação de elastase ou catepsina L,
libera um peptídeo (angiostatina) com poderoso efeito antiangio-
gênico (seqüestra o sulfato de heparan, um dos co-receptores do
VEGF). A proteólise da SPARC gera peptídeos que ativam proli-
feração endotelial (angiogênese) e de células mesenquimais.
Pelo exposto, conclui-se que a MEC é de fato muito impor-
tante na regulação dos processos biológicos nos tecidos. Em
circunstâncias especiais, como em inflamações e neoplasias,
modificações da MEC são fundamentais para a evolução do pro-
cesso: a migração, a atividade e a sobrevivência dos leucócitos
após a exsudação, por exemplo, estão na dependência da MEC.
A transformação maligna das células (cancerização) depende,
entre outros fatores, da regulação de genes relacionados com a
síntese e a degradação da MEC.
Degradação e Renovação
Os componentes da MEC são renovados constantemente,
mas com velocidade variável nos diferentes órgãos. A degrada-
ção depende sobretudo de proteases específicas denominadas
metaloproteases (também conhecidas como MMP, de Matrix
Metalloproteinases). As MMP são enzimas secretadas em for-
ma inativa, contêm zinco no sítio ativo, atuam em pH neutro e
requerem cálcio para sua atividade. Existem cerca de 20 MMP,
que são separadas em cinco grupos: colagenases, estromelisinas,
gelatinases, matrilisinas e metaloproteases ligadas à membrana
plasmática (MT-MMP, deMembrane Type MMP). Estas últimas
podem ser transmembranosas ou ancoradas via glicosilfosfa-
tilinositol. Segundo nomenclatura atualmente proposta, cada
t Proliferação
IApoptose
~ ;;ostctina
PDGF, Il-2 IV V VI VIII XIV t Proliferação
HGF.KGF 11I1 Colágeno I rz-> I Apoptose
OSM, CTG/cF I 11 XVIII ~
TSPle2 \
~ / [ ElasHna 1
no endotéliO/
Glipican
ll 'I Heparan SISI BiglicL..a-n---P-e-r-le-c-a-'n
oxidase Decorina
Lurnican
Fibrornodulina
MMP ~
1.2.3.8.9.14 TIMPs ~
uPA PAI
t Migração.
I Apoptose t
AG73 AG12 • MMP
~ Angi~neSe
Lamina Y
Fibronectina
Entactina
PDGF
ProteínasSP.A.RC:::
não-fibrosas
tMigração
IApoptose
LesõesCelulares e do Interstício. Cicatrização.Regeneração 121
IMigração celular
I Angiogênese
~
tMigração
IApoptose
~
Condroitina-4-6-S
Proteoglicanos Derrnatan S
FGF ob, VEGF
IFNy,GM-CSF
a-i. HGF
KGE PDGF
Fig. 4.37 Componentes da matriz extracelular (MEC) , citocinas a eles adsorvidas (em retângulos sombreados) e alguns dos produtos deles derivados
após proteólise parcial (P), com seus efeitos na proliferação, migração e sobrevivência das células. R indica a ação da molécula em receptores
(integrinas) e seus efeitos. P significa o produto da proteólise. MMP = metaloproteasesda matriz; TIMP = inibidores das MMP; uPA = ativador do
plasminogênio dependente da uroquinase; PAI = inibidor do ativador do plasminogênio; HGF = Hepatocyte Growth Factor ou scatter factor ou
plasmynogen related growthfactor; KGF = Keratinocyte Growth Factor; OSM = oncostatina M (inibidora de proliferação); CTGF = Connective
Tissue Growth Factor; TSP 1 e 2 = trombospondina 1 e 2; S = sulfato; SPARC = Secreted Protein Acidic and Rich in Cysteine.
metaloprotease é indicada por um número (p. ex., as MMP-l,
3, 8 e 14 têm atividade de colagenase; o Quadro 4.8 indica as
principais MMP). Embora tenham como principais substratos os
componentes da MEC, as MMP também clivam outras proteases
e seus inibidores, quimiocinas, citocinas, fatores de crescimento
e moléculas de adesão, de modo que atuam como reguladores
da migração celular.
As colagenases atuam sobre as moléculas de colágeno, po-
dendo clivar os três diferentes tipos de cadeia alfa dessas pro-
teínas. As estromelisinas têm como substratos proteoglicanos,
fibronectina, laminina e colágeno do tipo IV. As gelatinases
apresentam amplo espectro de ação, agindo sobre praticamente
todas as proteínas da matriz extracelular. As matrilisinas agem
sobre componentes da membrana basal, clivam o plasminogênio
e geram fragmentos angiostáticos. As MMP ligadas à membrana
por meio de um sítio de reconhecimento de furina alcançam a
superfície das células em estado ativo e são importantes para
ativar outras MMP. Um grupo especial de metaloproteases são as
ADAMs (A Disintegrin And Metalloproteinase), glicoproteínas
transmembranosas que clivam moléculas de adesão (integrinas) e
podem ser excretadas, atuando na matriz como metaloproteases;
ADAMs são importantes no controle da adesão celular e como
proteases membranosas que convertem formas inativas de cito-
cinas na sua forma ativa (p. ex., pró-TNFa em TNFa).
A atividade das MMP está sob controle de citocinas, de
produtos secretados por fagócitos, de inibidores enzimáticos
naturais do plasma (proteínas de fase aguda) e de inibidores
naturais produzidos nos tecidos (TIMP, de Tissue Inhibitors
of MMP). As MMP são sintetizadas por células fagocitárias
e por todas as células do tecido conjuntivo, mas não se
conhecem com certeza as células que produzem os TlMP;
é possível que sejam sintetizados por células do tecido con-
juntivo. Além das MMP, outras proteases (serina-proteases)
são importantes na degradação da matriz, como as catepsinas
e as proteínas de ação tríptica, que geralmente degradam os
peptídeos originados da ação de MMP. A renovação normal
da matriz extracelular depende, portanto, do balanceamento
entre sua produção e ação das MMP e dos seus inibidores
naturais.
ALTERAÇÕES DAS FIBRAS COLÁGENAS E RETICU-
LARES. Modificações nas fibras colágenas e reticulares podem
ocorrer devido a: (1) defeitos genéticos que comprometem a
122 Patologia Geral
Quadro 4.8 Metaloproteinases da matriz extracelular
(MMP)
Nomenclatura Nomenclatura
padronizada comum Principais substratos
MMP-l Colagenase 2 Colágenos I e III
MMP-2 Gelatinase 1 Colágeno IV
MMP-3 Estromelisina Proteoglicanos, fibronec-
tina, laminina, colágeno
tipo IV
MMP-7 Matrilisina Fibronectina, laminina,
colágeno tipo IV
MMP-8 Colagenase I Colágeno tipo I
(PMN)
MMP-9 Colagenase IV Colágeno tipo IV
MMP-lO Estromelisina 2 Proteoglicanos, fibro-
nectina
MMP-ll Estromelisina 3 Proteoglicanos, fibronec-
tina, colágeno tipo IV
MMP-12 Metaloproteinase Elastina
de macrófagos
(elastase)
MMP-13 Colagenase 3 Colágeno tipo II
MMP-14 MT1-MMP Ligada à membrana, atua
sobre outras MMP,
ativando-as
MMP-15 MT2-MMP Idem
MMP-16 MT3-MMP Idem
MMP-17 MT4-MMP Idem
estrutura, síntese ou degradação do colágeno; (2) alterações
adquiridas que interferem na sua síntese ou degradação.
Alterações do colágeno por defeitos genéticos são raras, tanto
em humanos como em outros mamíferos. São conhecidas muta-
ções nos genes que codificam as cadeias alfa ou nos genes que
controlam as modificações pós-translacionais da molécula e sua
degradação. As doenças resultantes são geralmente complexas
e manifestam-se na pele (elasticidade e resistência alteradas),
vasos sanguíneos (aneurismas, porque alguns defeitos são co-
muns ao elástico), intestino, globo ocular (a esclerótica é rica
em colágeno) e ossos (onde o colágeno é constituinte importante
da matriz) (Quadro 4.9). As investigações para se detectarem
tais defeitos são complexas e incluem: (a) quantificação dos
diferentes tipos de colágeno (a relação entre eles) em biópsias,
geralmente da pele; (b) determinação da solubilidade do colá-
geno e de seu comportamento diante da ação de colagenases;
(c) avaliação do metabolismo do colágeno, medindo a excreção
urinária de hidroxiprolina ou a quantidade de peptídeos deriva-
dos da colagenólise no plasma; (d) análise morfológica das fibras
colágenas aos ML e ME; (e) estudo da função de fibroblastos
do paciente em cultura, o que permite conhecer a atividade das
enzimas que participam do processo de síntese da proteína.
Defeitos adquiridos do colágeno decorrem de agressões
que perturbam os mecanismos pós-transcricionais de sua sín-
Quadro 4.9 Doenças congênitas do colágeno
relacionadas a alterações genéticas
Alteração básica Doença
Mutação nos genes das
cadeias CI.
Síndrome de Marfan
Osteogênese imperfeita (I, Il, IV)
Síndrome de Ehlers-Danlos (VII)
Síndrome de Ehlers-Danlos (VI)Deficiência de lisina-
hidroxilase
Deficiência de glicosil-
transferase
Deficiência de pró-colágeno
peptidase
Deficiência de lisil oxidas e
Epidermólise bolhosa congênita
Dermatopráxis
Cútis flácida (cutis laxa)
Síndrome de Menkes
Síndrome de Ehlers-Danlos (V)
Síndrome de Ehlers-Danlos (III, VIII)
Osteogênese imperfeita (III)
Alteração básica
desconhecida
tese. Algumas situações são conhecidas e serão comentadas
a seguir.
• Carência de vitamina C leva a hidroxilação deficiente do colá-
geno, o que compromete também a glicosilação e a formação
de ligações cruzadas. É o que ocorre no escorbuto, no qual há
alterações da membrana basal por modificações no colágeno tipo
N(normalmente muito glicosilado), levando a fragilidade capilar
e hemorragias. Além disso, há comprometimento dos alvéolos
dentários e da dentina, podendo aparecer deformidades ósseas.
• A semente da ervilha-de-cheiro (Latyrus oddoratus) contém
inibidores da lisil oxidase. A ingestão dessa semente causa a
doença conhecida como latirismo, que se manifesta por defor-
midades ósseas e aneurismas, pois nela a elastina também está
alterada.
• Existem drogas que inibem a prolina-hidroxilase (hidralazina)
ou impedem a formação de ligações cruzadas (penicilarnina).
A utilização dessas drogas durante a gravidez pode provocar
alterações graves nas fibras colágenas do feto.
• A carência de cobre provoca diminuição na atividade da lisil
oxidase; em porcos, essa condição é acompanhada de alterações
nas fibras colágenas e elásticas.
• Algumas doenças metabólicas podem induzir acúmulo de
metabólitos inibidores da síntese do colágeno. Na alcaptonúria
e na homocistinúria, há acúmulo de ácido homogentísico e de
homocistina, ambos bloqueadores da atividade da lisil oxidase.
• Degradação excessiva do colágeno ocorre por ação de colage-
nases liberadas por células fagocitárias nos locais de inflama-
ção.
• Deposição anormal de colágeno e de outros componentes
da matriz extracelular acontece em doenças fibrosantes que
comprometem diversos órgãos, as quais são denominadas
conjuntamente fibroses (Fig. 4.38). São condições complexas,
geralmente desencadeadas por um agente externo, mas pos-
sivelmente dependentes de alguma predisposição genética.
Algumas considerações sobre as fibroses serão feitas no final
deste capítulo.
Ig. 4.38Transformação hialina de fibrascolágenas em cicatriz queloi-
a. As fibras colágenas são muito espessas e acidófilas(setas).
ALTERAÇÕES DAS FIBRAS ELÁSTICAS. Podem ser con-
;: nitas ou adquiridas. As congênitas se devem a alterações
;: nicas, especialmente as relacionadas com a lisil oxidase. As
adquiridas estão associadas a defeito na síntese, por inibição
lisil oxidase (p. ex., latirismo), ou a transtornos malconhe-
idos sobre as fibras já formadas. Um exemplo é a elastose de
os e do endocárdio decorrente do aumento de sua síntese
r fibras musculares estimuladas pela maior distensão do
o (hipertensão arterial) ou do endocárdio (cardiopatias
mpanhadas de alterações hemodinâmicas). Fragmentação
elástico é encontrada na derme (impropriamente chamada
degeneração basófila do colágeno, Fig. 4.39) e na parede
e vasos sanguíneos por exposição prolongada à luz solar e na
enilidade (na senilidade, a pele de áreas expostas à luz perde
a elasticidade por redução das fibras elásticas). A elastólise
e deve a aumento da atividade da elastase, por redução da
atividade de antiproteases. Pulmões de pessoas idosas, prin-
ipalmente de indivíduos com enfisema, apresentam redução
das fibras elásticas por aumento de elastases e/ou diminuição
das antiproteases.
ALTERAÇÕES DAS MEMBRANAS BASAIS. As mem-
branas basais são constituídas por colágeno tipo IV, laminina
e proteoglicanos associados nos matrissomos. A integridade
das membranas basais é importante para manter a atividade
funcional dos epitélios sob os quais se localizam, além de ser
indispensável para a função de filtro que controla a passagem
de macromoléculas e de agregados moleculares.
Depósitos anormais de substâncias diversas podem se formar
nas membranas basais de muitos órgãos: (1) imunoglobulinas e
imunocomplexos na membrana basal dos glomérulos, produzin-
do espessamentos irregulares e alteração na sua permeabilidade;
2) na arniloidose, a substância amilóide pode se depositar nas
membranas basais; (3) metais pesados, como o mercúrio e o
ismuto sob a forma de albuminato. Espessamento das mem-
ranas basais na microcirculação ocorre caracteristicamente
em diabéticos, fazendo parte da chamada microangiopatia
diabética. Nessa doença, o espessamento da membrana basal se
ve a alteração na síntese e glicosilação deficiente do colágeno
produzido pelo endotélio, o que, associado à hiperglicação de
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 123
Fig. 4.39 Transformação das fibras elásticas da derme, por ação da luz
solar (impropriamente chamada degeneração basofílica do colágeno).
Notar o aspecto basofílico damatriz na derme profunda (comparar com
o aspecto acidófilo na região superficial, indicado pela seta amarela).
O padrão é irregular, com áreas tendendo a formar massas homogêneas
basófilas (setas brancas).
outras moléculas da MEC, altera a formação dos complexos
macromoleculares que constituem as unidades estruturais da
membrana basal.
ALTERAÇÕES DA SUBSTÂNCIA FUNDAMENTAL. Al-
terações isoladas da substância fundamental amorfa são raras.
Pode haver despolimerização de poliglicanos e proteoglicanos
por ação de anticorpos ou de imunocomplexos depositados,
como ocorre no tecido conjuntivo do coração e das articulações
na doença reumática. Imunocomplexos e células inflamatórias
levam não só à despolimerização dos poliglicanos e proteogli-
canos como também a alterações em outros componentes da
matriz, produzindo lesões mais complexas conhecidas como
transformação do intersticio.
Transformação do Interstício
Corresponde a alterações complexas dos componentes da
MEC, mais conhecidas sob a denominação incorreta de degene-
rações do interstício (o termo transformação do interstício é mais
adequado porque a palavra degeneração deve ser usada somente
para lesões celulares). As principais transformações do interstício
são: transformação hialina ou hialinose, transformação mucóide
e transformação fibrinóide, esta última também denominada
impropriamente degeneração ou necrose fibrinóide.
Transformação hialina ou hialinose caracteriza-se por
depósitos acidófilos no interstício formados pOI proteínas do
plasma que exsudam e se depositam na MEC. E o que ocorre
na íntima das pequenas artérias e arteríolas de indivíduos com
hipertensão arterial (Fig. 4.40). Nesse caso, o material protéico,
originado em parte do plasma, geralmente está associado a lipí-
deos, razão pela qual se fala em lipo-hialinose. Nos glomérulos
renais de pacientes diabéticos e em outras glomerulopatias, ma-
terial hialino deposita-se no mesângio, originado provavelmente
de exsudação plasmática. A hialinização do interstício, é uma
transformação hialina na qual as fibras colágenas e a substância
fundamental se tornam intensamente acidófilas. As fibras co-
124 Patologia Geral
Fig. 4.40 Depósito hialino na íntima de arteríola renal (seta amarela)
e nos capilares glomerulares (setas brancas) em paciente com diabete
melito.
lágenas ficam tumefeitas e mais espessas, porém homogêneas,
perdendo o aspecto fibrilar normal; essa hialinização é encontrada
no quelóide, em cicatrizes hipertróficas, na esclerose sistêmica
progressiva e em muitos tipos de fibrose.
Transformação mucóide do interstício consiste no aumento
da substância fundamental. Com isso, há dissociação das fibras
colágenas, que ficam dispersas em fibrilas finas, conferindo ao
interstício aspecto de tecido mucoso. Na doença reumática, a
transformação mucóide do interstício é a lesão mais precoce e
parece estar relacionada à ação de anticorpos ou de imunocom-
plexos presentes na matriz (Fig. 4.41). No hipotireoidismo (mi-
xedema), o tecido conjuntivo da derme apresenta transformação
mucóide por razões inexplicadas. Em alguns tumores (p. ex.,
fibroadenoma da mama), o estroma adquire aspecto mucóide
também por mecanismo desconhecido (possivelmente produção
anormal de poliglicanos e proteoglicanos que expandem a parte
amorfa da MEC).
Transformação fibrinóide do interstício é uma alteração
caracterizada morfologicamente pelo achado, na MEC, de ma-
terial acidófilo semelhante a depósitos de fibrina. Na lesão, são
encontrados fragmentos de fibras colágenas que, misturados à
fibrina parcialmente degradada, assumem o aspecto fibrinóide.
A origem da transformação fibrinóide é diferente em diferentes
circunstâncias. Nas doenças por imunocomplexos, ela é comum
na parede dos vasos e no tecido perivascular. Decorre de depósitos
de imunocomplexos que ativam o sistema do complemento, o que
atrai PMN e aumenta a permeabilidade vascular. Há exsudação
de fibrina, e os PMN, ao fagocitarem os imunocomplexos ou se
estimulados pelo C5a, exocitam material dos grânulos contendo
proteases e glicosidases que digerem o interstício; componentes
do interstício parcialmente digeridos misturam-se à fibrina ex-
sudada e formam o material fibrinóide. Na hipertensão arterial
maligna, ocorre transformação fibrinóide da parede vascular, com
exsudação de plasma que embebe a parede; as células muscula-
res morrem devido à anóxia, e a fibrina é parcialmente digerida
pela plasmina, misturando-se às células necróticas para formar o
material fibrinóide (Fig. 4.42). Na úlcera péptica, há necrose das
células epiteliais por ação da secreção cloridopéptica; os restos
necróticos misturam-se com a fibrina e passam a constituir o
material fibrinóide.
Fig. 4.41 Transformação mucóide da matriz extracelular em valva
cardíaca de paciente com doença reumática. A. A parte amorfa da ma-
triz está expandida e afasta as fibras colágenas e as células, conferindo
aspecto de tecido edemaciado. A matriz tem aspecto discretamente
basofílico.B.Coloraçãodamesmaregião comazul alcião,para demons-
trar aumento da quantidade da parte amorfa da matriz, representada
por poliglicanos e proteoglicanos corados em azul (os núcleos estão
contracorados com vermelho neutro).
AMILOIDOSE
A amiloidose representa um grupo de doenças que têm em
comum a deposição no interstício de material protéico fibrilar, a
substância amilóide, que possui característicasfísico-químicas
e tintoriais particulares. O termo "amiloidose" foi empregado por
Virchow no século XIX porque a substância cora-se macrosco-
picamente em azul ou violeta após ter sido tratada pelo lugol e
solução diluída de ácido sulfúrico (a palavra "amilóide" significa
semelhante ao amido, mas logo se demonstrou que o material
era protéico, não tendo relação com carboidratos).
Os depósitos amilóides são representados por material amor-
fo e acidófilo que se deposita no interstício, comprimindo e
hipotrofiando as células. A distinção entre substância amilóide e
depósitos de material hialino (hialinose) ou de fibrina é feita pelo
emprego de métodos especiais de coloração, entre os quais os mais
usados são: (1) vermelho Congo, que não só cora os depósito
amilóides em vermelho-alaranjado como lhes confere birrefrin-
gência característica à luz polarizada; (2) tioftavinas T e S, que
induzem ftuorescência na substância amilóide; (3) cristal violeta,
que causa metacromasia no material amilóide (coloração rosa ou
violeta). Ao ME, o material amilóide é constituído por fibrilas de
Fíg. 4.42 Transformação fibrinóide (necrose fibrinóide) da matriz
extracelular na parede de pequena artéria do rim, em paciente com
hipertensão arterial.
comprimento variado e com espessura entre 7 e 10 nm. As fibrilas
formam feixes ou estruturas reticuladas. Associado ao material
amilóide fibrilar existe componente glicoprotéico em forma de
estruturas poligonais, contendo orifício central, semelhante a um
bolo furado, com diâmetro externo de 9 nm e interno de 4 nm,
denominado componente P da arnilóide.
Nos órgãos e tecidos, a substância arnilóide deposita-se forman-
do massas de tamanho variado. No fígado, os depósitos começam
nos espaços de Disse e, à medida que progridem, vão comprimindo
e destruindo as lâminas de hepatócitos (Fig. 4.43). Nos rins, os
depósitos são freqüentes nos glomérulos, iniciando-se no mesângio
e. progressivamente, formando massas que comprimem e fazem
desaparecer os capilares; depósitos intertubulares são também
observados, com hipotrofia e desaparecimento de túbulos. No baço,
depósitos podem estar localizados nos folículos (formando nó-
dulos brancos visíveis macroscopicamente, conferindo aspecto de
baço em sagu); podem também se formar depósitos perifoliculares
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 125
e perissinusoidais na polpa vermelha. No coração, os depósitos
iniciam-se geralmente na região subendocárdica, comprometendo
o sistema de condução.
Quando a deposição é muito intensa, os órgãos atingidos po-
dem apresentar alterações macroscópicas. O fígado aumenta de
volume, fica com consistência aumentada e, ao corte, apresenta
aspecto homogêneo e superfície untuosa, semelhante a toucinho.
No rim, há aumento de volume, peso e consistência. No baço,
observam-se aumento de volume e peso e aspecto micronodular
(baço em sagu) ou homogêneo na superfície de corte.
O material amilóide é constituído pela proteína amilóide
(90%) e pela glicoproteína do componente P (10%). A proteína
arnilóide, fibrilar, tem pregueamento beta predominante, e suas
moléculas se associam formando bainhas pregueadas, o que lhes
confere as propriedades polariscópicas das fibrilas: birrefringên-
cia após coloração com o vermelho Congo, cujas moléculas se
associam regularmente em paralelo com as dobras das bainhas
da proteína nas fibrilas.
As proteínas amilóides apresentam grande diversidade estru-
tural. Os principais tipos são: (1) proteína amilóide AL derivada
de cadeias leves de imunoglobulinas. É encontrada na arniloidose
associada à proliferação de células plasmáticas e em arniloido-
ses idiopáticas, localizadas ou sistêmicas; (2) proteína amilóide
AA, produzida a partir de um precursor sintetizado no fígado,
denominado precursor sérico da amilóide ou proteína sérica
associada à amilóide (SAA). A proteína arnilóide AA, com 760
arninoácidos e peso molecular de 8.500 D, é encontrada na ami-
loidose secundária a inflamações crônicas; (3) proteína amilóide
formada por ou derivada da proteína transportadora de tiroxina e
retinol (chamada transtiretina), encontrada na arniloidose farnilial
polineuropática e em algumas arniloidoses senis; (4) proteína
arnilóide formada por !32-mi~roglobulina, que normalmente se
associa às moléculas MHC I. E vista em pacientes em hemodiálise
por períodos prolongados; (5) proteína !3-amilóide encontrada na
doença de Alzheimer, que se origina de uma proteína existente na
membrana citoplasmãtica; (6) proteína arnilóide derivada de pró-
hormônios ou de citoceratina, vista em arniloidoses associadas a
tumores de células APUD.
As conseqüências clínicas da amiloidose dependem da sua
intensidade. De modo geral, a deposição é lenta e assintomática,
Fig. 4.43 Amiloidose. A. Depósito de material amilóide no fígado (setas amarelas), hipotrofiando os hepatócitos (setas brancas). B. Massas de
material amilóide, acidófilo e homogêneo, depositado no glomérulo.
126 Patologia Geral
só dando manifestações após grandes acúmulos. As principais
repercussões são síndromes renais ou hepáticas e arritmias cardí-
acas, já que, no coração, muitas vezes os depósitos comprometem
o sistema de condução.
Nomenclatura e Classificação
As amiloidoses podem ser classificadas em: (a) sistêmica
ou localizada; (b) primária (idiopática, quando não tem causa
conhecida) ou secundária (provocada por uma doença). Pode
ainda ser hereditária, quando condicionada por um fator genético
conhecido. A seguir, será feita descrição sucinta dos principais
tipos de amiloidose.
AMILOIDOSE REACIONAL OU SECUNDÁRIA A IN-
FLAMAÇÕES CRÔNICAS. É sistêmica, e a amilóide depo-
sitada é do tipo AA. Acompanha inflamações crônicas, como
tuberculose, sífilis terciária avançada, artrite reumatóide colite
ulcerativa e doença de Crohn. É encontrada também em usuários
de heroína por via subcutânea. Raramente se associa a tumores,
como linfoma de Hodgkin e carcinoma de células renais.
AMILOIDOSE SISTÊMlCA SECUNDÁRIA A PROLIFE-
RAÇÃO DE PLASMÓCITOS. É sistêmica, mas a arnilóide é do
tipo AL. Ocorre em proliferações monoclonais de linfócitos B, das
quais a mais freqüente é o plasmocitoma (mieloma múltiplo). Apa-
rece também em outras gamopatias monoclonais, como a macroglo-
bulinemia deWaldenstrõm, doença da cadeia pesada, plasmocitoma
solitário e em alguns linfomas nodulares de células B. É interessante
observar que apenas uma minoria dos pacientes com mieloma (cerca
de 15%) desenvolve arniloidose generalizada, apesar de a maioria
deles apresentar a proteína de Bence Jones na circulação; isso indica
que a arniloidose depende também de algum defeito na degradação
das cadeias leves produzidas em excesso pelos plasmócitos neoplá-
sicos, e não somente de sua produção exagerada.
AMILOIDOSE SISTÊMICA DE AMILÓIDE TIPO AL
NÃO-ASSOCIADA A PROLIFERAÇÃO DE PLASMÓCI-
TOS. A maioria dos indivíduos com amiloidose sistêmica com
depósito da proteína amilóide AL não tem proliferação anormal
de plasmócitos; muitos apresentam imunoglobulinas ou cadeias
leves monoclonais na circulação e aumento do número de plas-
mócitos na medula óssea, mas sem caráter neoplásico. É possível
que representem uma gamopatia monoclonal que se manifesta
por amiloidose sem evidência de proliferação neoplásica de
plasmócitos. Não está demonstrado se esses pacientes podem
mais tarde vir a apresentar linfoma plasmocitário.
AMILOIDOSE NA DOENÇA DE ALZHEIMER. Os de-
pósitos formam-se na parede dos vasos cerebrais ou na matriz
extracelular do tecido nervoso, fazendo parte das placas senis. A
substância origina-se de uma proteína transmembranosa existente
nos neurônios (APP, Amyloid Precursor Protein), por ação de
proteases intramembranosas conhecidas como 13e -y-secretases.
Uma terceira enzima, a o-secretase, pertencente à família das
ADAMs, também age sobre a APP, gerando fragmento solúvel
(sAPPa); o resíduo restante nãosofre ação da v-secretase e não
pode originar fragmentos amiloidogênicos. A l3-secretase cliva
a proteína em outro sítio e libera um fragmento também solúvel
(s-APPI3); a v-secretase (complexo protéico em que a atividade
proteolítica reside na pré-senilina) cliva a APP no segmento in-
tramembranoso, após c1ivagem pela l3-secretase, liberando um
fragmento amiloidogênico (I3A), que se agrega e pode originar os
depósitos amilóides. Não se conhecem as funções dos peptídeos
resultantes dessa proteólise. Admite-se que a I3Atenha papel no
transporte de colesterol e na captura de metais de transição no
tecido nervoso. Os depósitos amilóides resultariam da elimina-
ção reduzida dos fragmentos de I3Ae/ou da produção excessiva
desses fragmentos, por alteração na APP ou na atividade da "t:
secretase. Em condições fisiológicas, a I3Aé transportada para a
circulação e degradada por peptidases (nefrilisina, que degrada a
insulina, e a peptidase conversora da endotelina). Não há evidên-
cias de que alteração nesses processos esteja relacionada com a
origem dos depósitos da amilóide. O excesso de produção pode
advir de aumento do substrato e/ou da atividade proteolítica da
v-secretase. Mutações nos genes da APP e da pré-senilina são
freqüentes na forma familial da doença.
AMILOIDOSE SISTÊMICA FAMILIAL DA FEBRE DO
MEDITERRÂNEO. É uma doença de natureza genética caracte-
rizada por surtos febris recorrentes, acompanhados de inflamação
nas serosas e articulações. A doença é comum em descendentes de
árabes, armênios e judeus (sefardim). Os depósitos são múltiplos,
e a amilóide é do tipo AA.
AMILOIDOSE SECUNDÁRIA A HEMODIÁLISE PRO-
LONGADA. É observada em tecidos periarticulares, bainhas
de tendões, cápsula articular e sinóvia. A proteína depositada
tem características da 132-microglobulina.
AMILOIDOSE FAMILIAL HEREDITÁRIA POLINEU-
ROPÁTICA. É doença hereditária, de herança autossômica
dominante, que se caracteriza por depósitos amilóides em nervos
periféricos e gânglios do sistema nervoso autônomo. Os depósitos
são formados pela proteína amilóide derivada da transtiretina.
AMlLOIDOSE LOCALIZADA IDIOP ÁTICA. Caracteriza-se
por depósitos da proteína arnilóide do tipoAL restritos a um único ór-
gão, às vezes formando lesões tumorais visíveis macroscopicamente.
Ao microscópio, os depósitos arnilóides são circunscritos e muitas
vezes apresentam na periferia infiltrado linfoplasmocitário (do qual
se admite a origem da proteína AL que se deposita). Os depósitos
são encontrados nos pulmões, laringe, bexiga, língua e pele.
AMILOIDOSE DE ORIGEM ENDÓCRINA ASSOCIADA
A NEOPLASIAS. Alguns tumores, como carcinoma medular
da tireóide, tumores de células das ilhotas de Langerhans, feo-
cromocitoma ou carcinoma indiferenciado do estômago, podem
apresentar depósitos amilóides. A proteína depositada é originada
de pró-hormônios, especialmente pró-calcitonina e pró-insulina.
AMILOIDOSE SENIL. Pode ocorrer em: (a) coração, onde
os depósitos amilóides aparecem depois da sétima década
de vida e são formados por substância amilóide originada da
transtiretina; (b) cérebro, no qual os depósitos são constituídos
de l3-amilóide e ocorrem nas placas senis, semelhantes às da
doença de Alzheimer.
Patogênese
E complexa e ainda pouco conhecida. Como visto na discussão
da natureza das proteínas amilóides, cada uma delas se origina
de um precursor que sofre modificações. Não parece que o fator
principal seja a produção excessiva do precursor, já que, em
inflamações crônicas, normalmente existe produção de grande
quantidade de SAA, mas apenas uma pequena porcentagem dos
pacientes desenvolve amiloidose. Isso sugere que deve haver
algum distúrbio nos mecanismos de demolição normal da SAA,
o que é feito normalmente por macrófagos. Nas amiloidoses se-
undárias a proliferação de plasmócitos, há produção de grande
quantidade de cadeia leve monoclonal, mas só alguns pacientes
desenvolvem amiloidose; é possível que estes tenham defeitos
nos mecanismos normais de metabolização dessas cadeias leves.
_ as amiloidoses familiares, há produção de transtiretina anormal
codificada por um gene mutado), a qual origina a amilóide.
Conclui-se, portanto, que, na patogênese da amiloidose há estí-
mulo para a produção de um precursor que, após modificações,
se acumula em um órgão (amiloidose localizada) ou vai para a
irculação e, através dela, deposita-se em diversos locais (ami-
loidose sistêmica).
PARO DE LESÕES
Lesões teciduais que se acompanham de morte celular e/ou
destruição da matriz extracelular sofrem um processo de cura
e se dá por cicatrização ou por regeneração. Na regeneração,
tecido morto é substituído por outro morfofuncionalmente
êntico; na cicatrização, um tecido neoformado, originado do
estroma (conjuntivo ou glia), substitui o tecido perdido. Serão
scritos adiante os aspectos mais importantes desses processos,
seguindo-se, como exemplos, comentários gerais sobre reparo
lesões nos tecidos ósseo, cartilaginoso e nervoso.
egeneração
Em humanos, a regeneração de tecidos adultos ocorre facil-
ente em órgãos com células que se renovam continuamente,
corno epitélios de revestimento e medula óssea; em órgãos com
gulas estáveis, a regeneração ocorre a partir de células diferencia-
estacionadas em Go' de células-tronco ou de células progenitoras
identes, No fígado, a regeneração completa é a regra após pe-
enas lesões necróticas, desde que haja preservação do estroma
ticular. Com a morte de pequeno número de hepatócitos, os
.izinhos são estimulados e entram em mitose, ocupando o lugar
s que desapareceram. Se a necrose é mais extensa e o estroma
ticular sofre colapso, ocorre regeneração tanto de hepatócitos
mo de células dos duetos biliares. Como o colapso da trama
ticular impede a reorganização da arquitetura lobular, formam-
se nódulos regenerativos, com trabéculas espessas, com mais de
is hepatócitos, e com arquitetura vascular alterada. A regene-
~ão pode ser feita a partir de hepatócitos ou do epitélio biliar
erenciado, especialmente nas agressões agudas. Em agressões
õnicas, parece que a regeneração de hepatócitos e epitélio biliar
_ faz a partir de células-tronco e de células progenitoras residen-
- (denominadas células ovais), localizadas junto aos canalículos
- 'ares na placa limitante. A mobilização de células-tronco e
gulas progenitoras em agressões crônicas deve-se ao fato de
- hepatócitos agredidos estarem sem condições de responder
estímulos mitogênicos. A regeneração dos hepatócitos nas
_ essões agudas depende de fatores de crescimento liberados
r células inflamatórias que migram para o local onde as células
rreram ou por células vizinhas estimuladas por diferentes cito-
- as geradas na inflamação. TNFex e IL-6 são fundamentais para
iciar o processo. Os receptores dessas citocinas, uma vez ativa-
nos hepatócitos vizinhos aos que morreram, ativam fatores
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 127
de transcrição (AP-i, C/EBP, NFKB) que estimulam genes para
receptores de EGF, IGF e HGF; ativados por seus agonistas, esses
receptores estimulam os hepatócitos a entrar em G I e progredir
no ciclo celular. Em agressões crônicas, em que os hepatócitos
estão sem condições para entrar em mitose, são acionadas células
progenitoras e células-tronco residentes ou vindas da circulação,
que entram em proliferação e se diferenciam em hepatócitos. Os
fatores de crescimento envolvidos no processo de proliferação,
deslocamento e diferenciação dessas células para originar os
novos hepatócitos não são ainda bem conhecidos.
Nos tecidos em que as células não mais se dividem, a re-
generação é muito mais difícil, mas pode ocorrer em algumas
circunstâncias. Na musculatura lisa do intestino ou de artérias,
lesões destrutivas sofrem cicatrização conjuntiva seguida de
remodelação, e a cicatriz é substituída por tecido muscular liso
neoformado. Nos músculos esquelético e cardíaco,onde existem
células-tronco, há tentativa de regeneração, mas geralmente sem
sucesso: a destruição de fibrocélulas é seguida de cicatrização
conjuntiva e aparecimento de mioblastos sem diferenciação em
miócitos. No tecido nervoso periférico, a regeneração de fibras
nervosas ocorre com facilidade, mas é difícil no sistema nervoso
central, como será visto adiante.
Cicatrização
Cicatrização é o processo pelo qual um tecido lesado é substi-
tuído por tecido conjuntivo vascularizado, sendo semelhante quer
a lesão tenha sido traumática, quer ocasionada por necrose. Em
ambos os casos, o primeiro passo é a instalação de uma reação
inflamatória, cujo exsudato de células fagocitárias reabsorve
o sangue extravasado e os produtos da destruição tecidual. Em
seguida, há proliferação fibroblástica e endotelial que forma o
tecido conjuntivo cicatricial. Posteriormente, o tecido cicatricial
sofre remodelação, que resulta em redução de volume da cicatriz,
podendo chegar até o seu desaparecimento. Para exemplificar o
fenômeno, será descrita a cicatrização de uma ferida na pele em
duas circunstâncias: (1) ferida cujas bordas foram aproximadas
por sutura e que não tenha sido infectada; (2) ferida mais ampla,
de bordas afastadas ou que tenha sido infectada. No primeiro .
caso, a cicatrização é denominada primária ou por primeira
intenção; no segundo, secundária ou por segunda intenção.
CICATRIZAÇÃO POR PRIMEIRA INTENÇÃO. Émais rá-
pida e forma cicatrizes menores, visto que a fenda da ferida é mais
estreita e a destruição tecidual nas suas bordas é menor. O exemplo
clássico é o das feridas cirúrgicas, em que o sangue extravasado
pelo corte forma um coágulo que ocupa o espaço entre as margens
da ferida (Fig. 4.44). A reação inflamatória se instala a partir da
liberação de mediadores originados do coágulo de fibrina, das
células aprisionadas no coágulo, do tecido conjuntivo das bordas
da ferida e das células epiteliais da margem da lesão. IL-i e TNFex
são liberados por macrófagos do coágulo e pelos ceratinócitos da
margem da lesão. Essas citocinas ativam as células endoteliais,
que expõem moléculas de adesão (ICAM, VCAM, selectinas),
favorecendo a adesão de leucócitos. Vasodilatação arteriolar, com
abertura dos capilares no tecido conjunti vo das margens, já ocorreu
pela liberação de mediadores como taquicininas das terminações
nervosas e histamina dos mastócitos, estimulados diretamente pelo
instrumento mecânico que produziu a lesão (corte).
A migração dos leucócitos para a área ocupada pelo coágulo
e para a MEC nas bordas da ferida depende da liberação de dife-
rentes quimiotáticos: nas primeiras horas, há migração maciça de
Capilar
neoformado
128 Patologia Geral
IFibrina I
~
Fibrinopeptídeos _....:....> QTpara PMNe M <D
24-48h
Moléculas de
adesão
t
----""-" IEndotélio I
TGF~
angiotropina
VEGF
PRGF
Colágeno 11I
4-6d
1) 2) 3)
25
Fig. 4.44 Esquema representando o processo de cicatrização por primeira intenção. As elipses representam o tecido de granulação em diferentes
fases. À direita estão indicados os fatores que induzem o processo. QT = quimiotático; h = horas; d = dias; s = semanas; PMN = polimorfonuclear
neutrófilo; M<j>= macrófago; VEGF = fator de crescimento do endotélio vascular; PRGF = fator de crescimento relacionado ao plasminogênio.
neutrófilos devido à liberação de fatores quimiotáticos a partir da
fibrina (fibrinopeptídeos) e do complemento e, principalmente, de
quimiocinas do grupo CXC (CXCL2, CXCL3, CXCL6, CXCL8).
A partir de 18 horas, há grande produção de quimiocinas CC
CCL2, CCL3, CCLS, CCL7 e CCL8), que atraem monócitos, e
quimiocinas CXC (CXCL9, CXCLlO, CXCLll), que recrutam
linfócitos, os quais predominam no exsudato após 24 horas (Fig .
.45). A fonte dessas quirniocinas são as células conjuntivas da
margem da ferida, os monócitos e as plaquetas presos no coágulo
e as células endoteliais dos vasos nas bordas da lesão. Os fagó-
cites fagocitam o coágulo, e, ao mesmo tempo, são iniciadas a
odução do tecido conjuntivo cicatricial e a regeneração do
epitélio. Essa fase também depende da liberação de citocinas,
quirniocinas e fatores de crescimento. Os ceratinócitos da borda
da ferida expõem receptores CXCR2 para CXCL8 (IL-8), a qual
induz a proliferação desses receptores; ceratinócitos proliferados
deslocam-se e prendem-se à matriz provisória representada pela
âbrina e, em seguida, sintetizam membrana basal, com a qual se
ligam, restabelecendo assim a sua relação normal com a MEC.
Proliferação de fibroblastos e ativação da síntese dos componen-
da matriz são feitas por FGFa e b, TGF(3 e PDGF, sintetizados
e liberados na MEC por macrófagos e linfócitos exsudados.
Os fibroblastos proliferam, deslocam-se e vão depositando os
componentes da matriz, inicialmente com grande quantidade de
poliglicanos (ácido hialurônico) e de colágeno do tipo III, com
fibras finas; essa MEC é mais fluida e permite a migração de
células, além de fornecer um ambiente mais propício a sua sobre-
.ivência e diferenciação. Simultaneamente, ocorre formação de
novos capilares, a partir do endotélio de capilares na margem da
ferida. Os fatores de crescimento VEGF, FGF e PDGF e a citocina
lNFa agem sobre as células endoteliais que, ativadas, aumentam
a expressão de receptores para o VEGF (efeito do PDGF e TNFa
e de quimiocinas CXCL 1, 2 e 7), os quais, ativados, induzem a
proliferação das células endoteliais; estas proliferadas produzem
metaloproteases (que digerem a membrana basal) e se deslocam,
atraídas pelo estímulo quimiotático representado por produtos de
degradação da matriz, pelo VEGF e por quirniocinas CXCL 1, 2,
e 12 e CCL2. A proteólise de um precursor do plasrninogênio
existente na membrana de células endoteliais e fibroblastos gera
o PRGF (Plasminogen Related Growth Factor), que, além de
poderoso mitogênico para o endotélio, induz o fenótipo de célula
móvel, facilitando seu deslocamento. As células endoteliais que
se deslocam formam um broto celular que cresce em direção ao
coágulo, onde está ocorrendo a deposição da MEC neoformada.
As células endoteliais começam a sintetizar membrana basal, e, a
partir daí, o broto se reorganiza, formando a luz do novo capilar,
em comunicação com o capilar de origem. Dessa maneira, vai
se formando uma rede capilar que acompanha a nova matriz
que está sendo produzida por fibroblastos, originando um tecido
conjuntivo bem-vascularizado. Esse tecido conjuntivo frouxo,
rico em capilares sanguíneos e contendo leucócitos e matriz
extracelular formada por fibras colágenas finas (colágeno tipo
11I),ácido hialurônico e quantidade moderada de proteoglicanos,
recebe o nome de tecido de granulação. Macroscopicamente,
esse tecido tem coloração rósea e aspecto granuloso. O tecido
de granulação é edemaciado porque o endotélio capilar não
apresenta estruturas juncionais completas e permite a passagem
de líquidos para o interstício. Cerca de cinco dias após a sutura,
o tecido de granulação preenche todo o espaço da ferida e o
epitélio da epiderme já adquire sua espessura normal, inclusive
com início de ceratinização.
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 129
Inflamação
Proliferação
PMN Maturação
Remodelação
I I
16
I
O
i i
8 10
Dias
>6 meses
Fig. 4.45 Número de !eucócitos em função do tempo nas diferentes
fases da cicatrização.
Ainda durante sua formação, começa a remodelação do tecido
cicatricial. A Fig. 4.46 resume a seqüência de aparecimento e re-
moção das proteínas da MEC durante a cicatrização. A Fig. 4.47
mostra o aspecto histológico de uma cicatriz recente. A quantidade
de colágeno aumenta com o tempo, e, por volta de duas semanas,
suas fibras passam a predominar na matriz extracelular. Ao mesmo
tempo, começa a haver redução na síntese de glicosaminoglica-
nos, especialmente do ácido hialurônico. O colágeno do tipo I
passa a predominar em relação ao tipoIII, e as fibras colágenas
tornam-se mais grossas e compactas, comprimindo os capilares e
reduzindo seu número. As células fagocitárias vão desaparecendo
(por apoptose), e o tecido de granulação passa a ser constituído
por um tecido conjuntivo progressivamente mais denso e menos
vascularizado, situado logo abaixo da epiderme já regenerada. Esse
tecido cicatricial ainda é dinâmico nas semanas seguintes: a cola-
genólise ainda é evidente, com grande renovação dessa proteína.
Progressivamente, o colágeno aumenta as ligações transversais,
tomando-se mais resistente e estável. Os miofibroblastos sinteti-
zam actina e tomam-se contráteis (daí o nome miofibroblastos),
produzindo contração da cicatriz e aproximando mais ainda as bor-
das da ferida. Como a ferida é estreita desde o início e se formam
poucos miofibroblastos, a contração é pequena na cicatrização por
primeira intenção. Apesar de estar consolidada por volta de 10dias,
a cicatriz leva algumas semanas para completar sua remodelação
Inflama ão
Proliferação
Maturação
Fibronecffno
Remodelação
o 2 10 12 16 >6 meses8 144 6
Dias
Fig. 4.46 Concentração das diferentes proteínas da MEC e resistência
da cicatriz, em função do tempo, nas diferentes fases da cicatrização.
130 Patologia Geral
Fig. 4.47 Cicatriz recente. Notar fibras colágenas abundantes em meio
a numerosos vasos sanguíneos e infiltrado inflamatório.
e adquirir resistência máxima. A substituição do colágeno III pelo
colágeno I e as modificações das proteínas não-colágenas da parte
amorfa se devem ao controle na síntese e na degradação desses
componentes por metaloproteases; diferentes metaloproteases e
glicosidases produzidas ao longo do processo garantem que haja
degradação de componentes que vão sendo substituídos por outros,
cuja síntese é estimulada por citocinas, fatores de crescimento e
produtos originados da degradação da MEC.° controle do volume de tecido cicatricial a ser formado
depende de estímulos que regulam a atividade das células,
responsáveis pela síntese da MEC. Um fator importante é a
oxigenação, já que o 02 é indispensável para a síntese do co-
lágeno. Deposição rápida de MEC comprime os capilares neo-
formados, diminuindo a sua luz e reduzindo progressivamente a
perfusão do tecido cicatricial, o que controla o seu crescimento.
Também a atividade proteolítica da remodelação (por ação
de metaloproteases) libera vários peptídeos antiproliferativos
que dificultam a migração e induzem apoptose, o que limita a
neoformação vascular e a proliferação fibroblástica. Citocinas,
quimiocinas e produtos originados da degradação da MEC no
processo de remodelação agem em receptores dos fibroblas-
tos, induzindo modificação no perfil de expressão dos genes
nessas células: há repressão dos genes necessários à síntese
de proteínas e poliglicanos da MEC e aumento da expressão
de genes que induzem a síntese de proteínas contráteis. Desse
modo, os fibroblastos adquirem o fenótipo de miofibroblastos,
com reduzida capacidade de sintetizar MEC, mas importantes
no processo de retração da cicatriz.
Na segunda semana, a resistência da cicatriz corresponde a
cerca de 10% a 20% da resistência da pele não-lesada, aumen-
tando progressivamente até atingir cerca de 80% da resistência
original. °aumento da resistência da cicatriz decorre da remo-
delação do colágeno, especialmente pela maior quantidade de
colágeno do tipo I e pelo aumento das ligações transversais entre
as suas moléculas.
Conclui-se, portanto, que o processo de cicatrização é con-
trolado por vários fatores de crescimento e citocinas sintetizados
por macrófagos, plaquetas, células endoteliais e linfócitos T,
além daqueles liberados da MEC ou produzidos após a ação de
proteases nessa matriz. A maior ou menor velocidade de cica-
trização, o tamanho da cicatriz e a sua maior ou menor retração
estão na dependência da quantidade e qualidade das citocinas e
fatores de crescimento produzidos durante o processo. °equi-
líbrio entre síntese e degradação da MEC é fundamental para
uma cicatrização normal. A degradação depende da produção
de metaloproteases e de seus inibi dores (TIMPs).
CICATRIZAÇÃO POR SEGUNDA INTENÇÃO. Quando a
ferida é extensa e tem margens afastadas, forma-se um grande
coágulo; se há infecção associada, surge reação inflamatória
exuberante. Nos dois casos, a exsudação de fagócitos é muito
intensa e forma-se abundante tecido de granulação. Como a
bordas da ferida são distantes, a regeneração da epiderme é
mais lenta e demora mais tempo para se completar. As células
da epiderme proliferam nas margens, onde ocorre certo grau de
hiperplasia devido à grande quantidade de fatores de crescimento
liberados a partir das células exsudadas. Nas fases iniciais, o
tecido de granulação faz saliência na superfície da ferida. Com
o passar do tempo, ele sofre as mesmas transformações descritas
na cicatrização por primeira intenção, sendo muito mais intenso
e evidenciável o fenômeno da retração da cicatriz pelos miofi-
broblastos (a transformação de fibroblastos em miofibroblastos é
muito mais freqüente nesse tipo de cicatrização). A retração é tão
pronunciada que pode, em alguns meses, reduzir a superfície da
cicatriz em 90% da dimensão inicial. Como na cicatrização por
primeira intenção, a resistência da cicatriz aumenta com o passar
do tempo, mas não atinge os níveis da pele íntegra. Os fatores
de crescimento envolvidos nessa cicatrização são os mesmos
descritos para a cicatrização por primeira intenção.
Todas as lesões destrutivas de qualquer órgão ou estrutura
podem ter cicatrização pelos mesmos mecanismos descritos para
a pele. Se a lesão é extensa e/ou há infecção, o processo é mais
intenso e maior é a quantidade de tecido de granulação produzido.
As cicatrizes formadas podem sofrer retração e remodelamento
em graus variáveis, podendo inclusive diminuir de volume ou
mesmo desaparecer.
FATORES QUE INFLUENCIAM A CICATRIZAÇÃO. A
cicatrização é influenciada por fatores locais e sistêmicos que
podem reduzir, retardar ou impedir o processo.
Fatores Locais. Isquemia local, por lesões vasculares ou por
compressão, além de diminuir O aporte de nutrientes para a
produção de matriz extracelular, reduz a síntese de colágeno
(baixa tensão de O,), reduz o pH e aumenta catabólitos, como
ADP e adenosina, que têm efeitos antiinflamatórios. Infecção
e corpos estranhos estimulam a reação inflamatória e, por isso,
aumentam a liberação de metaloproteases, o que desequilibra a
relação entre síntese e lise dos componentes da MEC, retardando
a cicatrização. A temperatura local interfere na cicatrização por
modificar o fluxo sanguíneo.
Baixa perfusão tecidual por lesões vasculares (p. ex., ateros-
clerose) ou por perturbações hemodinâmicas (estase venosa,
como nas varizes) retardam ou impedem a cicatrização porque
reduzem o fornecimento de 02 e nutrientes. Úlceras crônicas nos
membros inferiores em pacientes varicosos ou com aterosclerose
não cicatrizam ou o fazem de forma lenta devido à baixa perfusão.
As úlceras de decúbito que ocorrem em pacientes acamados (nos
calcanhares, nas nádegas, na região sacrococcígea) decorrem
da baixa perfusão tecidual induzida pela compressão do corpo
sobre o leito; nesses casos, em geral a cicatrização é dificultada
também pelo mau estado nutricional do paciente. A temperatura
local interfere na cicatrização por modificar o fluxo sanguíneo.
Por interferir nas mitoses, irradiação tem efeito anticicatricial,
podendo até originar úlceras crônicas.
Fatores Sistêmicos. Indivíduos diabéticos têm cicatrização de-
ficiente por causa das lesões vasculares (hipóxia) e de alterações
nas células fagocitárias que favorecem a instalação de infecções.
A neuropatia diabética também prejudica a cicatrização, devido à
redução de estímulos (mediadores) da inflamação liberados por
rrninações nervosas. Também no diabete há grande glicosilação
proteínas, formando produtosterminais originados de glicação
AGE, de Advanced Glycation End products). Células endote-
liais, fibroblastos e macrófagos possuem receptores específicos
receptores RAGE, da superfarrulia das Ig) para as glicoproteínas
iperglicadas (AGE). Quando ativados, tais receptores induzem
citocinas pró-inflamatórias e proteases, diminuindo a expressão
moléculas antiinftamatórias e antiproteases naturais, favore-
rendo a ampliação da lesão inflamatória nos processos cicatri-
iais, o que dificulta a cicatrização.
No hipotireoidismo, há alteração qualitativa na síntese de
componentes da matriz, principalmente poliglicanos, o que di-
- ulta a cicatrização. Desnutrição, especialmente a deficiência
proteínas, de vitamina C ou de zinco, retarda a cicatrização
r interferir diretamente nos processos de síntese do colágeno;
zinco é componente de muitas enzimas (metaloenzimas),
lusive as que participam da síntese do DNA. Neutropenia,
utropatias (defeitos intrínsecos dos neutrófilos) e deficiência
síntese de moléculas de adesão no endotélio ou em fagócitos
ompanham-se de retardo na cicatrização também por facilitar
infecções.
A cicatrização é mais difícil nos idosos, devido a outras
ndições associadas ao envelhecimento (co-morbidades), mas
~ pouco alterada em idosos saudáveis. Em fetos de mamíferos,
reparação de feridas se faz por regeneração; neles não existe
fase inflamatória inicial, e a matriz extracelular sintetizada é
.s rica em poli e proteoglicanos e a reepitelização é muito
is rápida.
Os corticosteróides são inibidores da cicatrização porque ini-
m todas as fases do processo: reduzem a resposta inflamatória
~a síntese e remodelação da matriz extracelular. No entanto, seu
feito em retardar cicatrizes cirúrgicas é controvertido. Antiinfla-
tórios não-esteroidais, inibidores da COX-l ou 2, influenciam
uco a cicatrização. Os quimioterápicos citostáticos e citocidas
judicam a cicatrização por reduzirem a fase inflamatória, a
liferação de fibroblastos e a síntese da MEC.
O tabagismo pode prejudicar a cicatrização por causa da vaso-
constrição provocada pela nicotina e dos efeitos antiinflamatórios
monóxido de carbono.
A resposta inflamatória sistêmica que acompanha trauma-
. mos extensos, infecções e queimaduras (ver Capo 7) reduz
icatrização pela baixa perfusão do tecido cicatricial, o que
enta a geração de metabólitos antiinflamatórios no local.
_ Ianipulações e Procedimentos para Facilitar a Cicatriza-
~- o. Os profissionais da saúde vêm tentando vários tipos de
ipulação para facilitar e acelerar o processo de cicatrização,
cialmente nas feridas crônicas. Os equivalentes biológicos de
le, formados por ceratinócitos proliferados in vitro, associados
componentes da MEC, são testados para acelerar a reparação
feridas extensas ou de úlceras crônicas. O efeito acelerador
cicatrização está relacionado ao fato de o enxerto possuir
células vivas que produzem fatores de crescimento, favorecendo
proliferação fibroblástica e vascular.
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 131
Métodos físicos vêm sendo testados, com base em observa-
ções experimentais, mas ainda com resultados discutíveis em
humanos. Experimentalmente, eletroestimulação direta com
corrente alternada de baixa freqüência ou de alta voltagem au-
menta a exsudação de leucócitos e acelera a síntese de matriz e
o fluxo de sangue no tecido cicatricial. A utilização de oxigênio
hiperbárico é considerada útil no tratamento de feridas infectadas,
especialmente por microrganismos anaeróbicos ou com necrose
óssea. O método aumenta a oxigenação do sangue e a síntese
de óxido nítrico, o que parece estimular a formação do tecido
cicatricial. Apesar de bons resultados experimentais, em humanos
os benefícios são questionáveis. Os raios laser de baixa energia
e o ultra-som também têm sido considerados facilitadores da
cicatrização em modelos experimentais. Não existe explicação
satisfatória para os efeitos observados.
CICATRIZAÇÃO HIPERTRÓFICA. QUELÓIDE. Cicatri-
zação hipertrófica e quelóide são duas condições em que há for-
mação excessiva de tecido conjuntivo denso em cicatriz cutânea,
a qual pode adquirir volume considerável. A cicatriz hipertrófica
tende a ser reversível, regredindo parcialmente com o passar do
tempo. O quelóide forma tumorações nas áreas de cicatrização,
mesmo em feridas pequenas, podendo não regredir ou ter re-
gressão muito lenta. Nos dois casos, o aspecto microscópico é
semelhante: as fibras colágenas são irregulares, grossas (ver Fig.
4.38), e formam feixes distribuídos ao acaso, contendo capilares e
fibroblastos em maior número do que uma cicatriz normal. Essas
duas lesões são mais freqüentes em jovens negros ou amarelos,
mas não se conhece o defeito que leva ao descontrole da síntese
do colágeno nos dois processos. Trata-se de situações em que os
mecanismos de produção estão exacerbados e/ou os mecanismos
de degradação da MEC estão reduzidos.
Reparo de Fraturas Ósseas
O reparo de fraturas ósseas se faz por neoformação de tecido
ósseo que une as partes fraturadas, o qual sofre remodelação e
forma um tecido ósseo igual ao perdido na fratura; o processo,
portanto, associa-se também a regeneração. De modo semelhante
ao que ocorre na cicatrização, há dois tipos de reparo de fraturas:
reparo primário ou por primeira intenção e reparo secundário ou
por segunda intenção.
O reparo primário ocorre quando as extremidades fraturadas
ficam justapostas, com um mínimo de espaço entre elas. No
início, há aumento do número de osteocIastos que removem as
superfícies das extremidades fraturadas, seguido de neoformação
de tecido ósseo corticalligando as duas extremidades. Essa forma
de reparo, denominada reparo osteonal, é raramente observada,
pois só ocorre se o espaço entre as extremidades do osso fraturado
for muito pequeno e a imobilização adequada.
O reparo secundário ocorre quando entre as extremidades do
osso fraturado forma-se um espaço maior, que é ocupado pelo
coágulo resultante da hemorragia. O processo tem cinco fases:
(a) formação do coágulo no espaço intercortical, que induz
reação inflamatória, com angiogênese; (b) neoformação de car-
tilagem (calo mole); (c) início da formação do calo duro a partir
de ossificação endocondral do calo mole; (d) formação do osso
membranoso a partir do periósteo, completando a formação do
calo duro; (e) remodelação do tecido ósseo neoformado, substi-
tuindo o osso trabecular do calo duro por osso lamelar.
O coágulo é a grande fonte de mediadores inflamatórios que
iniciam o processo do reparo: plaquetas ativadas liberam PDGF
132 Patologia Geral
e TGFI3; leucócitos são fonte de IL-I, IL-6, TNFa e quimioci-
nas (CxCL8, CCLl e 2), que ativam o endotélio no periósteo,
no endósteo e nos vasos do sistema haversiano, favorecendo
a migração de leucócitos que iniciam a remoção do coágulo.
Monócitos migrados dos vasos do sistema de Havers originam
os osteoclastos que removem o tecido ósseo necrótico nas ex-
tremidades fraturadas. Fatores de crescimento mesenquimais
(PDGF, TGFI3, FGF, VEGF e BMPs) estimulam a proliferação
e a diferenciação de precursores existentes no canal medular, no
periósteo ou vindos da circulação (células-tronco e progenitores
de células endoteliais) que originam vasos sanguíneos, condro-
blastos e osteoblastos envolvidos na neoformação do tecido ósseo
reparador. As BMPs (Bone Morphogenetic Proteins) pertencem
à família TGFI3, havendo cerca de 40 variantes, muitas delas
envolvidas na morfogênese do tecido ósseo e cartilagens.
No canal medular e no espaço intercortical onde o coágulo
se formou, os fatores de crescimento induzem diferenciação de
células mesenquimais em fibroblastos (PDGF, FGF, TGFI3), va-
sos sanguíneos (VEGF) e condroblastos (BMP). Forma-se assim
o que se denomina calo mole ou calo fibrocartilaginoso. O calo
duro forma-se a partir da ossificação endocondral do calo mole
e da formação deosso membranoso iniciada no periósteo. Os
vasos neoformados invadem a cartilagem, os condrócitos sofrem
apoptose, a matriz cartilaginosa é reabsorvida (por metaloprote-
ases) e os osteoblastos, ativados, produzem colágeno do tipo I e
proteínas acessórias da rnineralização (osteocalcina, osteopontina).
Desse modo, forma-se tecido ósseo endocondral unindo as duas
extremidades do osso fraturado. Simultaneamente, a partir do pe-
riósteo originam-se vasos sanguíneos, fibroblastos e osteoblastos,
que iniciam a ossificação intramembranosa e formam um calo de
osso esponjoso que encontra o osso endocondral, com o qual se
funde. Em seguida, surge a remodelação, e o osso trabecular é
progressivamente transformado em osso lamelar, com formação
do sistema de Havers. A diferenciação de osteoblastos (mas não de
condroblastos) no periósteo deve-se em parte ao fato de osteócitos
subjacentes ao periósteo produzirem esclerostina, peptídeo que se
liga e inibe os receptores das BMPs que induzem a diferenciação
das células mesenquimais em condroblastos.
Fatores mecânicos influenciam a formação do calo ósseo. Se
a fratura é bem imobilizada, geralmente se cura por formação do
calo mole com ossificação endocondral e por neoformação óssea
diretamente do osso cortical justaposto; não ocorre, ou é mínima,
a formação de osso a partir do periósteo. Se a fratura é apenas
parcialmente imobilizada, permitindo pequeno movimento, há
estimulação da osteogênese no periósteo e formação de calo
periósteo ou calo externo, com osso de origem membranosa. Se
o movimento na fratura é muito grande, forma-se calo mole a
partir do endósteo e do coágulo, com pouca ossificação da car-
tilagem, sendo o calo do periósteo inibido ou retardado; nesses
casos, pode não haver união das extremidades do osso fraturado,
resultando em uma pseudo-artrose.
Reparo no Tecido Cartilaginoso
Como todo tecido conjuntivo, o tecido cartilaginoso tem
atividade constante de renovação de sua matriz extracelular.
Trabalho mecânico fisiológico sobre as cartilagens articulares é
o estímulo que libera metaloproteases, que digerem a matriz, e
ativa condrócitos, que sintetizam novas moléculas. O estímulo
mecânico age na membrana citoplasmática dos condrócitos, mas
também modifica proteoglicanos da matriz, os quais, alterados,
ativam receptores naquelas células.
Lesões mecânicas em cartilagens podem ser reparadas por ci-
catrização ou por regeneração. Esta ocorre em fraturas pequenas.
mediante proliferação de condroblastos a partir do pericôndrio.
Em lesões extensas, com sangramento, forma-se um coágulo, e
a reparação se faz por cicatrização.
Um bom exemplo de doença em que existem alterações de-
correntes de transtornos na renovação da matriz cartilaginosa é
a osteoartrose ou osteoartrite (doença degenerativa crônica das
cartilagens articulares). Trata-se de doença crônica, de etiologia
desconhecida, que se caracteriza por alterações degenerativas
da MEC e condrócitos, que leva ao adelgaçamento progressivo
da cartilagen articular e formação de fissuras ou ulcerações que
comprometem o osso subjacente e os tecidos periarticulares.
produzindo dor e, progressivamente, limitação de movimento
até o enrijecimento da articulação; sinais macroscópicos de in-
flamação são discretos. Além do componente genético, a doença
associa-se ao envelhecimento e pode se iniciar ou se agravar pelo
aumento do peso corporal.
As lesões na osteartrite devem-se ao desequilíbrio entre
destruição e reparação da matriz extracelular da cartilagem.
provocado por estímulo excessivo para produção de metalopro-
teases e/ou redução da síntese dos componentes destruídos pelo
condroblastos. Excesso de estímulo mecânico (p. ex., aumento
de peso), redução da capacidade funcional dos condroblastos
(envelhecimento) ou influência genética fazem com que as meta-
loproteases sejam mais abundantes, mais ativas e menos inibidas
por seus inibidores (TIMPs), resultando em maior destruição do
componente amorfo da matriz, não acompanhada de reparação
adequada. A cartilagem torna-se mais fina e sofre fraturas lineares
ou ulcerações, eliminando fragmentos para a cavidade articular.
A artroscopia mostra as fraturas e os fragmentos de cartilagem
(flóculos) misturados no líquido sinovial. A síntese de poligli-
canos e proteoglicanos anormais e fragmentos dessas moléculas
geram estímulos para os sinoviócitos, os quais liberam citocinas
que aumentam, nessas células, a produção de metaloproteases,
que são lançadas no líquido articular e agridem a superfície ar-
ticular. Ocorre também ativação da síntese de prostaglandinas
resultando, na membrana sinovial e adjacências, em inflamação
com edema, dor e pouco exsudato celular, diferentemente da
inflamação com rico exsudato celular vista nas artrites infecciosas
ou de natureza imunitária. Mais tarde, surge fibrose progressiva
da cápsula articular, enquanto os vasos neoformados a partir
da cápsula invadem a cartilagem, calcificando-a. Fissuras e
ulcerações na superfície articular levam a exposição do osso
subcondral, que reage com neoformação de espículas ósseas ir-
regulares (osteófitos), responsáveis pelo aumento da dor articular
por irritação do periósteo e de tendões.
O estudo histológico da cartilagem articular na osteartrite
mostra redução do componente amorfo da matriz (perda da me-
tacromasia pelo azul de toluidina), hipertrofia e hiperplasia de
condrócitos (nas fases iniciais da doença) e desarranjo das fibras
colágenas e ulcerações na superfície articular com o progredir
da doença. Encontram-se ainda edema e escasso infiltrado de
mononucleares nos tecidos periarticulares e na sinóvia, que, nas
fases mais avançadas, apresentam fibrose acentuada.
Reparo no Tecido Nervoso
A regeneração e o reparo no tecido nervoso têm características
diferentes no sistema nervoso central (SNC) e no sistema nervoso
periférico (SNP): enquanto no SNP lesões das fibras nervosas
sofrem regeneração eficiente, no SNC, em circunstâncias seme-
lhantes, a regeneração não acontece ou é muito pouco eficaz. Por
essa razão, serão discutidas em separado.
REPARO NO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO. A re-
generação de nervos é bem estudada em modelos experimentais
in vivo e in vitro, o que permitiu esclarecer vários aspectos mole-
culares do processo. Em animais de laboratório, são comumente
estudados três tipos delesão traumática de nervos periféricos: (a)
compressão ou esmagamento, que lesa as fibras nervosas, manten-
do a arquitetura do nervo; (b) ligadura com fio, de duração variável,
que leva à destruição segmentar das fibras nervosas, mas também
sem seccionar o nervo; (c) secção transversal do nervo, seguida ou
não de aproximação e sutura das extremidades seccionadas.
Após esmagamento ou ligadura seguida de afrouxamento,
ocorre degeneração das fibras nervosas, seguida de regeneração
dos axônios que chegam aos seus destinos graças à manutenção
da arquitetura do nervo: as células de Schwann proliferadas man-
têm a mesma posição, guiando os axônios em crescimento. Desse
modo, há recuperação morfológica e funcional do nervo. Quando
o nervo é seccionado e as extremidades são adequadamente
apostas e suturadas, há regeneração dos axônios e o sucesso da
recuperação funcional vai depender da disposição correta das
élulas de Schwann proliferadas na área de secção, formando os
condutos para os axônios regenerados chegarem ao seu destino
no coto distal, onde reencontram os túneis nos quais existiam
as fibras nervosas antes da secção do nervo. Por isso mesmo,
após traumatismo com secção de nervo, quanto mais rápida a
intervenção e mais adequada a sutura, melhor é o prognóstico em
relação à recuperação funcional. Os cirurgiões tentam criar um
melhor ambiente para a regeneração na área seccionada não só
utilizando suturas adequadas como também colocando tubos de
material biodegradável para que as extremidades sejam mantidas
o mais próximo possível, com a posição das fibrassemelhante
àquela anterior ao traumatismo.
Em 1850, Augustus Waller descreveu a desintegração das
fibras nervosas após secção do nervo, não só na extremidade
distal como também na proximal, até o primeiro estrangulamento
de Ranvier, fenômeno conhecido como degeneração walleriana.
Dados experimentais in vivo e in vitro demonstram que a dege-
neração walleriana é um processo ativo e complexo, envolvendo
moléculas sinalizadoras, mediadores e receptores diversos. Após
secção das fibras nervosas, ocorrem os seguintes eventos: (a)
fechamento das extremidades do axônio, que ocorre nos primei-
ros 30 minutos após o traumatismo, geralmente acompanhada
de degeneração rápida de alguns micrômetros de extensão nos
cotos seccionados; (b) entre 8 e 24 horas, inicia-se degeneração
do axolema (membrana do axônio), que se torna tumefeito e
om bolhas, simultaneamente a desintegração granulosa do ci-
toesqueleto. Esta caracteriza-se pelo desmonte de neurotúbulos,
neurofilamentos e outras proteínas do citoesqueleto, dependente
da entrada de cálcio e de calpaínas e do sistema ubiquitina-
proteassomo. Tais eventos são indispensáveis para o disparo da
fragmentação da bainha de mielina, o evento da degeneração
walleriana mais facilmente observado à microscopia de luz.
A fragmentação da bainha de mielina se faz por mecanismos
ainda não totalmente esclarecidos. Ainda que aparentemente
emelhante à apoptose, a fragmentação da mielina independe
desta, já que apoptose no corpo celular em camundongos com
degeneração walleriana lenta (camundongos mutantes Wld) não
é seguida da fragmentação da bainha de mielina. Uma vez ini-
ciada, a fragmentação da mielina completa-se rapidamente, em
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 133
algumas horas. Os fragmentos originados da desintegração dos
axônios e da mielina serão removidos por endocitose por células
de Schwann e macrófagos residentes ou vindos da circulação. Os
macrófagos são atraídos para a área da lesão e para o segmento
distal por quimiocinas (CCL2) e citocinas (TNFa, IL-6) produ-
zidas pelos fibroblastos endoneurais e, em menor escala, pelas
células de Schwann. Anticorpos naturais IgM e auto-anticorpos
IgG, antiepítopos da mielina, são importantes na ativação do
complemento e geração de anafilatoxinas, agentes quimiotáticos
para monócitos. A barreira sangue-fibra nervosa é quebrada ao
longo do segmento distal do nervo seccionado, o que favorece
o afluxo de macrófagos e a remoção dos fragmentos originados
da degeneração walleriana; a remoção completa-se em alguns
dias, após o início do crescimento dos axônios.
As células de Schwann estimuladas proliferam, são ativadas
e se organizam em bandas (denominadas cordões de Binder) no
espaço entre as extremidades seccionadas e seguindo os túneis
de membrana basal das fibras nervosas nos segmentos distal e
proximal do nervo seccionado. O crescimento do axônio se faz
em velocidade variável, em torno de 1mm por dia, e se completa
entre 6 e 18 meses.
O crescimento dos axônios e a remielinização sofrem influên-
cia de vários fatores. Fragmentos originados da mielina (p. ex.,
glicoproteína associada à mielina, efrina e semaforina) e fibrina
exsudada inibem o crescimento axonal. Daí a importância de
anticorpos naturais e auto-anticorpos que favorecem a rápida
remoção da mielina e do ativador do pias mino gênio produzido
pelas células de Schwann, que induz digestão da fibrina. Os
fatores neurotróficos mais importantes no favorecimento da rege-
neração dos axônios são o NGF (Nerve Growth Factor), BDNF
(Brain Derived Neurotrophic Factor) e neurotrofinas 3,4 e 5,
reconhecidos em receptores com atividade de tirosina cinase de
alta (receptores Trkl) ou baixa (p75ntr) afinidade. Esses recepto-
res têm expressão aumentada em células de Schwann e axônios
a partir de 72 horas após o traumatismo, mantendo-se alta até
completar a regeneração. Outros fatores neurotróficos são FGF- 2,
fator neurotrófico originado de células gliais (GDNF) e TGFI3,
originados de fibroblastos, macrófagos e células de Schwann. O
TGFI3 modula a proliferação das células de Schwann mediante
controle do seu número e da apoptose.
Neurorregulinas, proteínas transmembranosas da membrana
do axônio, entram em contato com as células de Schwann e
nelas induzem sinais de sobrevivência e ativação da síntese de
mielina. Fragmentos dessas neurorregulinas, liberados após a
lesão do nervo, reconhecidos em receptores ERB nos corpos
celulares, induzem os sinais para iniciar a regeneração do axônio.
A remielinização de axônios em crescimento inicia-se imediata-
mente após contato do axônio com a célula de Schwann, cujas
integrinas reconhecem as neurorregulinas do axolema, resultan-
do na transdução de sinais de sobrevivência. Os estímulos dos
receptores para os diferentes fatores neurotróficos induzem os
processos de síntese e modelagem da bainha de mielina.
A recuperação funcional do nervo seccionado depende mui-
to da facilitação encontrada pelo alinhamento das células de
Schwann onde as extremidades ficam justapostas. Se se forma
espaço maior entre as extremidades, com coágulo que induz a
neoformação de tecido conjuntivo, as células de Schwann prolife-
radas formam cordões desorganizados, e os axônios regenerados,
vindos do coto proximal, não são orientados para atingirem os
túneis nos segmentos distais e assim chegarem corretamente ao
seu destino. Muitos axônios passam a ter um trajeto anômalo,
134 Patologia Geral
formando estruturas plexiformes, com fibras nervosas mieliniza-
das ou não, que chegam às vezes a formar pequena tumoração,
geralmente dolorosa no local da secção do nervo, conhecida
como neuroma de amputação.
REPARO NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL. A capa-
cidade regenerativa do tecido nervoso no SNC era considerada
mínima, com base na concepção de que células nervosas não
se regeneram. A demonstração da existência de células-tronco
abaixo do epitélio ependimário, na região do hipocampo e no
bulbo olfatório, capazes de proliferar e originar novos neurônios,
veio quebrar o dogma de que neurônios mortos não podem ser
repostos. O conhecimento sobre a biologia das células-tronco
no SNC, seu potencial regenerativo e fatores que podem in-
fluenciá-Io permitem vislumbrar a possibilidade de intervenções
terapêuticas que visem regenerar neurônios, especialmente em
indivíduos com doenças degenerativas do SNC
Observações experimentais demonstram neuroniogênese
depois de lesões no SNC em roedores, a partir de células-tronco
residentes ou originadas da circulação. A diferenciação de novos
neurônios a partir de células-tronco hipocampais e subependi-
márias tem sido demonstrada também em humanos em algumas
doenças degenerativas (p. ex., doença de Huntington), embora
não se conheça o seu real impacto na evolução da doença.
Nas lesões isquêmicas do SNC, os neurônios necróticos são
reabsorvidos por macrófagos originados da circulação e pela
micróglia. Macrófagos e micróglia endocitam e digerem os
restos do tecido necrótico, tomando o aspecto espumoso devido
à grande quantidade de lipídeos endocitados, o que é seguido de
intensa proliferação glial, especialmente de astrócitos, que envol-
vem rapidamente os vasos sanguíneos e restabelecem a barreira
hematoencefálica. O tecido morto é substituído por um foco de
gliose, onde predominam astrócitos e micróglia. A recuperação
funcional das deficiências que se seguem à necrose se deve em
parte à hipertrofia de neurônios vizinhos, que aumentam seus
prolongamentos e fazem novas conexões. Em humanos, ainda
não há evidências de regeneração de neurônios nesse processo.
Experimentalmente, injeção de células-tronco no sítio de
lesões recentemente produzidas em ratos resulta em recuperação
significativamente maior e mais rápida das deficiências funcio-
nais decorrentes da lesão, o que tem levado os pesquisadores
a tentar a terapia com células-tronco em lesões traumáticas e
isquêmicasdo SNC humano.
Regeneração de Fibras Nervosas no SNC. Após secção de
fibras nervosas no SNC e em lesões da medula espinhal, ocorre
degeneração walleriana de modo muito lento, com regeneração
mínima. Embora não se conheçam os mecanismos dessa difícil
regeneração de fibras nervosas no SNC, alguns fatores começam
a ser esclarecidos, possibilitando inclusive vislumbrar manipu-
lações terapêuticas que possam melhorar o processo. Um fator
importante está ligado aos oligodendrócitos, que têm comporta-
mento diferente do das células de Schwann. Após traumatismo
que secciona fibras nervosas no SNC, os oligodendrócitos asso-
ciados aos axônios degenerados sofrem apoptose ou hipotrofia,
não contribuindo nem com a remoção dos fragmentos origina-
dos da degeneração walleriana nem com remielinização. Por
outro lado, liberam inibidores do complemento, o que dificulta
a opsonização da mielina desintegrada. Outro fator que reduz a
remoção da mielina é a barreira hematoencefálica, mais difícil
de ser quebrada no SNC, o que dificulta a passagem de anticor-
pos naturais antimielina e a migração de monócitos do sangue
periférico. A micróglia, embora ativada para se deslocar para o
sítios de lesão, tem baixo desempenho na fagocitose de grânulo
de mielina desintegrada. Desse modo, degeneração walleriana
acontece, mas a remoção dos fragmentos é muito lenta, levando
meses ou anos para se completar. A persistência da mielina e
de subprodutos inibidores do crescimento de axônios impede
regeneração adequada. A pouca migração de fagócitos e a baixa
ativação da micróglia diminuem a apresentação de fragmentos
de mielina ao sistema imunitário, o que reduz a formação de
anticorpos, contribuindo para retardar a remoção dos grânul -
originados da degeneração walleriana. Por tudo isso, as lesões
da medula que seccionam fibras nervosas geralmente têm baix
índice de recuperação, o mesmo acontecendo com doenças qu
causam desmielinização em outras áreas do SNC
Fibroses
São condições em que há aumento do estroma conjuntivo de
um órgão decorrente de cicatrização ou de um processo reaciona,
em que a produção de MEC não está relacionada com o proces
reparativo. Em conseqüência das modificações na arquitetura
órgão (remodelação) e das alterações na função das células paren-
quimatosas pela fibrose, podem surgir transtornos funcionais.
Fibroses decorrentes de processos cicatriciais secundário .;.
lesões traumáticas ou inflamatórias são freqüentes, mas ficam
circunscritas à área lesada. Em um pulmão com lesão tuber-
culosa que se cura por fibrose, a área fibrosada restringe-se'
região acometida pela inflamação granulomatosa; no fígado, UI&
abscesso hepático pode resultar em cicatriz fibrosa. Fibroses por
agressões sistematizadas tendem a ser difusas e a compromete
todo o órgão, não representando somente a substituição de partes
pedidas, mas também produção excessiva de MEC em regiões
menos afetadas pela lesão. Nesses casos, a fibrose altera a ar-
quitetura do órgão e pode ser responsável por alterações funcio-
nais. É o que acontece na cirrose hepática após esteato-hepatite
alcooólica ou não-alcoólica, a qual se inicia pelo aumento de
matriz extracelular e produção de fibras colágenas no espa,
subsinusoidal, não representando uma fibrose de substituição
de hepatócitos mortos.
MECANISMOS GERAIS DE FIBROSE. A primeira fase de
uma fibrose é a inflamação, na qual são liberados citocinas e fatore
de crescimento que desencadeiam a formação excessiva de MEC.
Nem sempre o processo inflamatório é muito evidente, como
ocorre nas agressões difusas por agentes infecciosos (vírus, nas
hepatites virais crônicas; parasitas, como na esquistossomose man-
sônica) ou por auto-agressão (pneumonite intersticial auto-imune).
Em muitas circunstâncias, agressão física (pneumonia actínica) ou
química (etanol ou distúrbio metabólico no fígado) gera radicai
livres, que, ao agredirem células e estroma, induzem a liberação
de citocinas e fatores de crescimento. Mais raramente, elemento
extrínsecos ao órgão atuam como fatores estimuladores para a
produção excessiva de MEC, como ocorre com a angiotensina
lI, que induz fibrose miocárdica na hipertensão arterial sistêmica,
Outras vezes, não se consegue detectar o fator iniciador ou indutor
da fibrose (p. ex., fibrose pulmonar idiopática).
Todos os componentes do órgão participam do processo de
fibrose, contribuindo para a produção aumentada da MEC Em
cada órgão, no entanto, as células mais envolvidas na síntese e
deposição da matriz podem variar. Na fibrose hepática esquistos-
somótica, por exemplo, parece que a angiogênese é importante
na síntese da MEC, porque os estímulos angiogênicos não só
ativam a proliferação de células produtoras de matriz como
também estimulam a diferenciação de pericitos e de células
mesenquimais indiferenciadas (células-tronco) em células
produtoras de MEC. Na fibrose hepática das esteato-hepatites,
a deposição subsinusoidal de fibras depende da proliferação e
ativação de células estreladas (células armazenadoras de gordura,
ou células de Ito), com pouca participação de fibroblastos portais
ou perivenulares. Nas hepatites crônicas virais, a fibrose depende
de fibroblastos portais (na fibrose que se inicia nos espaços porta
e na zona 1 do ácino hepático) e células de Ito (à medida que a
fibrose invade o lóbulo). Em todos os tipos de fibrose hepática,
há participação de células endoteliais e hepatócitos na produção
da MEC excessivamente depositada.
Como visto nos exemplos de fibrose hepática, as células que
sintetizam a MEC podem ter diferentes origens: (a) fibroblastos
residentes; (b) precursores com outros fenótipos, como as células
armazenadoras de gordura no fígado ou de pericitos existentes
em torno de capilares e vênulas menores, que quando ativados se
diferenciam em miofibroblastos. Células semelhantes às células
de Ito do fígado, com o mesmo potencial de se diferenciar em
miofibroblastos, têm sido descritas nos pulmões, rins e pâncre-
as, onde podem promover fibrose; (c) precursores vindos da
circulação, como células-tronco multipotentes, células mesen-
quimais indiferenciadas ou células com marcadores mielóides
(CD44+), além dos chamados fibrócitos circulantes. Estes são
freqüentes na circulação, mas a sua participação na fibrose de
órgãos foi documentada apenas em modelos experimentais
de fibrose pulmonar, com pouco papel em doenças humanas;
(d) em algumas circunstâncias experimentais, especialmente
em modelos de fibroses renal e pulmonar, demonstrou-se que
miofibroblastos podem se originar por um processo de transdi-
ferenciação epiteliomesenquimal, a partir de células tubulares
renais e de pneumócitos do tipo I no pulmão. No entanto, faltam
ainda evidências convincentes para demonstrar a importância da
transdiferenciação no processo de fibrose.
Os fatores que estimulam a proliferação, diferenciação e
ativação de miofobroblastos são múltiplos, sendo diferente sua
participação nas fibroses de diferentes órgãos ou no mesmo órgão
diante de diferentes agressões. Algumas citocinas (IL-l, TNFa,
IL-6, PDGF, IL-4 e IL-13) e quimiocinas (CCL2, CCL4) são
importantes na indução de receptores para fatores de crescimento
que induzem proliferação e deslocamento dos miofibroblastos (ou
seus precursores). TGFf3 e IL-13 são os fatores de crescimento
mais diretamente envolvidos com a proliferação e a ativação de
miofibroblastos. TGFf3 é o mais universal, estando envolvido em
fibroses de diferentes órgãos. IL-13 e IL-4 estão envolvidas em
fibroses associadas a inflamações granulomatosas com ativação
de linfócitos Th2, como a esquistossomose mansônica, mas são
menos importantes em fibroses associadas a inflamações granu-
lomatosas dependentes de estimulação de linfócitos Thl, como
a tuberculose. Além de citocinas, aldosterona e angiotensina 11
podem estimular diretamente os miofibroblastos, aumentando a
expressão de moléculas que favorecem a transdução desinais do
TGFf3, ou indiretamente, por aumentar a síntese dessa citocina
pelas células locais. Outro fator envolvido na proliferação e ati-
vação de fibroblastos é a relação que essas células mantêm com
a MEC. Ligação de fibroblastos com a laminina, por exemplo,
os mantém quiescentes.
Fator importante na evolução da fibrose é o balanço entre
estímulos fibrogênicos e fibrolíticos. Metaloproteases são libe-
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 135
radas por leucócitos exsudados na inflamação .ou por células
residentes. Macrófagos e miofibroblastos as liberam em grande
quantidade, mas outras células, inclusive as do parênquima e
endoteliais, também as produzem. Remodelação da MEC ocorre
também nos processos de fibrose, mesmo naqueles que não têm
características de reparo (cicatrização). A capacidade de produzir
citocinas e quimiocinas ativadoras da síntese de MEC, de meta-
loproteases e de seus inibidores varia em diferentes indivíduos,
na dependência, entre outros, de fatores genéticos. Isso explica
por que só uma pequena porcentagem de pessoas infectadas
pelo S. mansoni, com a mesma carga parasitária, desenvolve
fibrose hepática.
FIBROSES HEPÁTICAS. A matriz extracelular do fígado
tem características diferentes nos espaços porta, no interior dos
lóbulos e na região em torno da veia centrolobular. Nos espaços
porta, predominam os colágenos dos tipos I e Ill, existindo ainda
colágeno IV nas membranas basais dos canais biliares e vasos;
em menor quantidade, existem colágenos dos tipos V e VI. De
permeio, encontram-se proteoglicanos e proteínas não-fibrosas,
como laminina, fibronectina, entactina e ondulina. Nos espaços
perissinusoidais de Disse, predomina o colágeno do tipo IV,
que, juntamente com proteoglicanos, laminina, fibronectina
e entactina, forma uma estrutura correspondente à membrana
basal. Esta constitui, nas preparações coradas para reticulina, o
que se denomina retículo estromático do fígado. Nos espaços de
Disse, são raras as fibras de colágeno dos tipos I ou Ill. Em torno
das veias centrolobulares, existem fibras delgadas formadas por
colágeno dos tipos I e Ill associadas aos colágenos V e VI, além
dos outros constituintes da membrana basal (Fig. 4.48).
Os componentes da matriz extracelular são sintetizados pelos
fibroblastos portais (nos espaços porta), pelas células perissi-
nusoidais armazenadoras de gordura (células de Ito, ou células
estreladas) e pelas células endoteliais dos sinusóides nos espaços
de Disse e em torno da veia centrolobular. Embora os hepatócitos
possam produzir componentes da matriz, especialmente glico-
saminoglicanos e poliglicanos, sua contribuição para a síntese
da matriz é pequena quando comparada à das células estreladas
(de Ito) e endoteliais.
Após necrose hepática focal, a matriz extracelular permanece
intata e os hepatócitos regenerados ocupam a mesma posição
dos necrosados. Esse contato é indispensável para induzir nessas
células a diferenciação normal, especialmente a sua polarização.
Se a necrose é muito extensa (zonal ou submaciça), o estroma
reticular se colaba e os hepatócitos regenerados, não encontran-
do o retículo que orienta seu alinhamento adequado, formam
nódulos que crescem e ficam envoltos pela matriz extracelular
colabada após a necrose. Nessa matriz colabada, ocorre deposi-
ção de mais moléculas de colágeno dos tipos I e Ill que formam
septos fibrosos envolvendo os nódulos de regeneração. Esse
tipo de fibrose em que há neoformação conjuntiva, regeneração
nodular dos hepatócitos e subversão da arquitetura do órgão é
denominado cirrose hepática. O termo fibrose hepática, por outro
lado, é empregado para condições nas quais a conjuntivização do
órgão não se acompanha de subversão da arquitetura lobular. A
síntese da matriz extracelular nas neoformações conjuntivas no
fígado (com ou sem cirrose) que se seguem ao colapso do retículo
secundário a necroses extensas é feita predominantemente por
células armazenadoras de gordura, cujo número aumenta nessas
condições, e por miofibroblastos originados de precursores da
circulação.
136 Patologia Geral
Endotélio~
-..•\""~~
Célula
armazenadora
de gordura
Área centrolobular
CoIIV, L F
Coll, 111,V,VI
FeO
Fig. 4.48 Distribuição da matriz extracelular nas diferentes regiões
do fígado. Cal = colágeno; VP = veia porta; S = sinusóide; VC = veia
centrolobular; F = fibronectina; O = ondulina; L = laminina.
No etilismo crônico, desenvolve-se fibrose no fígado (Fig.
4.49), que, em cerca de 15% dos casos, evolui para cirrose
hepática. A fibrose começa em torno da veia centrolobular
(participam fibroblastos perivenulares), avança para os espaços
de Disse (fibrose pericelular, produzida por miofibroblastos ori-
ginados de células de Ito) nas zonas 3, 2 e 1 do ácino hepático
e acaba chegando à região periportal. Desse modo, podem se
formar septos centro-portais, centro-centrais e septos irregula-
res no interior dos lóbulos, especialmente se há necrose focal,
progressiva, dos hepatócitos. Se a regeneração hepatocitária se
toma nodular, o processo evolui para subversão da arquitetura
do órgão, ou seja, para cirrose.
Os mecanismos da fibrose hepática no etilismo são ainda em
parte desconhecidos. Sabe-se que a deposição dos componentes
da matriz extracelular depende da ativação das células estreladas
(armazenadoras de gordura), que se transformam em miofibro-
blastos e produzem colágeno. Essas células são ativadas pelo
acetaldeído, por radicais livres originados do etanol e do O2 e por
produtos da lipoperoxidação (malondialdeído e 4-0H-nonenal,
gerados nos hepatócitos), além de citocinas liberadas do processo
inflamatório ou da ativação das células de Kupffer.
Na esquistossomose mansônica humana, a fibrose hepá-
tica é a lesão mais grave e importante. Os ovos do parasita
se localizam predominantemente nos espaços porta, onde
Fig. 4.49 Fibrose hepática em alcoolista crônico. A. Septos fibrosos vis-
tos na coloração pelo tricrômico de Masson (setas). B. Detalhe do mesmo
caso, para mostrar fibrose pericelular ou subsinusoidal (setas).
induzem inflamação granulomatosa. Na maioria dos casos, os
granulomas se curam por fibrose discreta ou moderada que não
tem conseqüências importantes. Em uma minoria de pessoas
infectadas, porém, a neoformação conjuntiva em correspon-
dência com os granulomas é excessiva e se estende a todo o
espaço porta, o qual se torna alargado, de forma poligonal,
com vértices finos e alongados. Essa fibrose exuberante, com
predomínio de colágeno do tipo I e acompanhada de moderada
deposição de fibras elásticas e grande neoformação vascular,
fica restrita ao espaço porta. Nos espaços de Disse, há deposição
de colágeno dos tipos I e Ill, porém discreta, não-progressiva.
A angiogênese acentuada estimulada pelos granulomas é fator
importante nessa fibrose, na qual os miofibroblastos se originam
também de pericitos.
FIBROSES CARDÍACAS. Fibroses no miocárdio são freqüen-
tes, especialmente as cicatriciais que se formam em áreas de infar-
to. Muito importante é a fibrose que se desenvolve em miocardites
crônicas, como a chagásica, nas quais contribui para diminuir a
capacidade contrátil do coração. Na coronariopatia ateroscleróti-
ca, há hipóxia variável do miocárdio, o que leva a necrose focal
(miocitólise) e, possivelmente, a apoptose. Em conseqüência,
instala-se uma fibrose focal, em múltiplos focos disseminados,
conferindo o aspecto que se conhece como miocardioesclerose.
Fibrose do tipo reacional, não-cicatricial e não-inflamatória,
ocorre de modo difuso em alguns tipos de hipertrofia cardíaca,
representando fator importante na modificação da arquitetura do
miocárdio e na alteração de suas propriedades contráteis.
No coração normal, o estroma conjuntivo se distribui for-
mando o epirnísio, que envolve toda a musculatura (conjuntivo
subepicárdico), o perirnísio, que separa fascículos de fibrocélu-Ias, e o endomísio, que se dispõe em torno dos miocardiócitos
- oladamente. O epirnísio possui fibras colágenas em disposição
cruzada, o que facilita a acomodação durante a diástole, quando
fibrocélulas estão distendidas. O perimísio é formado por
fibras colágenas grossas que ligam o endornísio ao epirnísio,
funcionando como "tendões" para os fascículos de fibrocélulas.
O endornísio tem constituição mais complexa, como revelam
tudos de microscopia eletrônica de varredura. Junto ao sar-
olema, há uma rede fina de fibrilas colágenas (tipos IV e V)
sociadas a proteoglicanos complexos de alto peso molecular,
sobre a qual existe uma malha frouxa de fibras colágenas en-
volvendo todo o miocardiócito. Fibras colágenas mais grossas
colágenos tipos I e III) formam traves que unem látero-lateral-
mente os miocardiócitos e estes à membrana basal dos capilares;
sas traves ficam inseridas numa malha frouxa de colágeno que
envolve as fibrocélulas (colágeno pericelular, do tipo V). Fibras
elásticas finas formam uma malha irregular entre os miocardió-
itos e se dispõem em feixes espiralados, esparsos, em tomo de
cada fibrocélula (Fig. 4.50). As fibras colágenas do epirnísio e
do perirnísio são espiraladas e se dispõem em rede, de modo a
formar uma malha reticulada que, apesar de pouco extensível,
se adapta facilmente às variações impostas pela contração e re-
laxamento do músculo cardíaco. No coração de adultos, cerca de
0% do colágeno é representado pelo tipo I, 10% pelo tipo III e
os restantes 10% pelos colágenos tipos IV, V e VI. A síntese da
matriz extracelular no coração é feita por fibroblastos dispostos
ao longo das miocélulas, pelas células endoteliais e pelas células
musculares lisas dos vasos.
Fibrose do Miocárdio na Hipertrofia Cardíaca. Quando
há hipertrofia de miocardiócitos, ocorre também aumento do
estroma, especialmente dos componentes da matriz extrace-
lular. Na sobrecarga cardíaca por exercício físico, por fístulas
- -- Fibrilas elásticas
Rede fina formada de cordões
de proleoglicanos e colágena
dos tipos IVe V
Fig. 4.50 Arquitetura do endomísio do miocárdio normal. FC = miocé-
lula cardíaca.
Lesões Celulares e do Interstício. Cicatrização. Regeneração 137
arteriovenosas ou por anemia crônica, há aumento do estroma
proporcional à hipertrofia, de modo que a relação entre massa
de fibrocélulas, massa vascular e massa de matriz extracelular
fica mantida. Cessada a causa, a hipertrofia regride, regredindo
também o estroma (fibrólise). Portanto, nas condições citadas, a
fibrose reacional à hipertrofia é proporcional e parece depender
de estímulos locais gerados pelos fatores que desencadeiam
hipertrofia dos miocardiócitos.
Na hipertrofia provocada por hipertensão arterial, coarctação
da aorta ou defeitos valvares, a fibrose reacional é intensa e des-
proporcional à hipertrofia. O aumento da quantidade de fibras
colágenas no estroma é maior do que a hipertrofia das miocé-
lulas, de modo que a relação entre massa de estroma e massa
de cardiócitos aumenta. A fibrose reacional dessas hipertrofias
patológicas tem características morfológicas particulares: (1) é
uma fibrose intersticial difusa, com aumento do colágeno no en-
dornísio (Fig. 4.51); (2) é também perivascular, na adventícia dos
vasos coronarianos; (3) associa-se com áreas de fibrose reparativa
representadas por cicatrizes microscópicas secundárias à morte
de miocardiócitos, por necrose (miocitólise focal) ou apoptose;
(4) em algumas áreas, é plexiforme (em feixes entrecruzados)
devido ao desalinhamento das fibrocélulas.
Os fatores que governam essa fibrose desproporcional na
hipertrofia cardíaca ainda não são conhecidos. No entanto, obser-
vações experimentais demonstram que a fibrose é um processo
independente da hipertrofia. Irradiação do miocárdio de ratos,
por exemplo, induz fibrose endomisial difusa sem relação com
hipertrofia das fibrocélulas. Na hipertensão arterial renovascular
experimental de ratos, ocorre fibrose reacional do ventrículo
direito sem que essa câmara tenha sofrido hipertrofia. Nesse
caso, a fibrose reacional do miocárdio relaciona-se a fatores
sistêmicos que agem no ventrículo direito, como aldosterona
e angiotensina lI. Inibição da aldosterona pela espironolactona
em doses que não reduzem a hipertensão impede o aparecimento
da fibrose reacional na hipertensão renovascular de ratos, indi-
cando que a aldosterona deve interferir, direta ou indiretamente,
Fig. 4.51 Fibrose endomisial e reparadora no miocárdio de indivíduo
com hipertensão arterial (coloraçãopelo picrossírius, que cora colágeno
em vermelhoe fibrascardíacasem amarelo).Notar depósitode colágeno
no endomísio (setas negras) e área de fibrosecicatricial focal ocupando
o espaço de miocardiócitos (seta amarela).
138 Patologia Geral
na estimulação dos fibroblastos do miocárdio. Angiotensina 11
aumenta a permeabilidade dos vasos miocárdicos, o que poderia
facilitar a saída de fatores de crescimento (p. ex., PDGF) ou de
seus ativadores para o interstício. Pode-se postular, ainda, que
o aumento da permeabilidade possa aumentar a passagem para
o interstício de inibidores de proteases originados do plasma,
os quais reduzem a atividade colagenolítica. Observações in
vitro, por outro lado, mostram que a aldosterona pode se ligar a
receptores de fibroblastos e estimular a fibrilogênese.
A miocardite crônica da doença de Chagas acompanha-se de
fibrose acentuada, às vezes difusa, com aumento do colágeno
endo e perimisial. A fibrose é intensa nos pacientes com insufi-
ciência cardíaca congestiva e discreta na forma indeterminada da
doença. Não se conhecem os fatores que determinam, em alguns
pacientes, essa fibrose progressiva. No entanto, é certo que fatores
genéticos e mecanismos imunitários envolvidos na patogênese
da inflamação estão relacionados à hiperprodução de fatores de
crescimento pelas células do exsudato inflamatório.
FIBROMATOSES. São doenças de etiologia desconhecida
. caracterizadas por proliferação exagerada de tecido conjuntivo e
produção de grande quantidade de fibras colágenas espessas que
formam massas irregulares ou nódulos. Nas fibromatoses palmar
e plantar, as células proliferadas são miofibroblastos, razão pela
qual a lesão tende a se contrair e a produzir deformidades nas
mãos ou nos pés. Na fibromatose peniana (doença de Peyronie),
fibrose no dorso do pênis forma massa que altera a conformação
do órgão. As fibromatoses plantar, palmar e peniana podem es-
tacionar ou mesmo regredir espontaneamente, mas, em muitos
casos, necessitam de intervenção cirúrgica.
O tumor desmóide ou fibromatose agressiva caracteriza-se
por proliferação de tecido conjuntivo que infiltra lentamente as
estruturas vizinhas, especialmente fáscias e músculos. A lesão é
muito celular na parte periférica, mas na região central é consti-
tuída por feixes grossos de colágeno parcialmente hialinizado. O
tumor desmóide origina-se nas fáscias dos músculos do ombro,
coxas, tórax e abdome; na parede abdominal, é encontrado ge-
ralmente em mulheres após o parto; tumores intra-abdominais
formam-se na parede pélvica ou no mesentério. A etiologia do
tumor desmóide é desconhecida, mas suspeita-se da existência
de fator genético devido à sua associação freqüente com outras
doenças hereditárias. Receptores para estrogênio têm sido des-
critos em fibroblastos do desmóide abdominal.
A fasciite nodular é uma proliferação de tecido conjuntivo
no subcutâneo ou junto de aponeuroses. Na fase inicial, o tecido
conjuntivo tem aspecto rnixomatoso, e os fibroblastos são de ta-
manhos variados, com núcleos às vezes bizarros; há numerosos
capilares, e, na matriz extracelular, predominam glicosamino-
glicanos. Progressivamente, a lesão torna-se mais celular, com
fibroblastos dispostos em feixes e esparsas células inflamatórias
e hemácias; macrófagos espumosos e células gigantes podem
ser observados. Na fase tardia, há deposição de colágenoem
feixes espessos, dispostos irregularmente. A lesão assemelha-se
a uma neoplasia pelo caráter infiltrativo e celular.
REGRESSÃO DE FIBROSES. Durante muito tempo conside-
radas irreversíveis, as fibroses podem involuir ou mesmo desa-
parecer se desaparece o estímulo que as induziu. A involução da
fibrose depende de fatores fibrolíticos, representados sobretudo
por metaloproteases e seus inibidores. Se o estímulo fibrogênico
deixa de existir, é possível que metaloproteases ativadas e/ou
TIMPs inibidos iniciem e completem a degradação da matriz.
Essa situação foi demonstrada na fibrose miocárdica de hiper-
tensos após controle da hipertensão arterial, especialmente com
inibidores de aldosterona e angiotensina 11, na fibrose esquis-
tossomótica após eliminação do parasita e na fibrose alcoólica
após abstinência prolongada. No entanto, o fenômeno não é
observado em todos os indivíduos, estando na dependência de
fatores individuais (genéticos): há indivíduos bons fibrogênicos,
por exacerbação dos fatores envolvidos na síntese da matriz
ou maus fibrolíticos, por redução na capacidade de produzir
metaloproteases ou por exacerbação na atividade de TIMPs. No
fígado, foi descrita regressão de cirrose secundária a hepatite
viral, após erradicação do vírus, e de cirrose biliar por obstrução
biliar, após desobstrução. No entanto, a maioria das cirroses
não regride. Quando está em estágio muito avançado, a fibrose
tem poucas células, inclusive as responsáveis pela produção de
metaloproteases, o que dificulta a sua remodelação.
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