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Mara Rúbia Ribeiro Welferinger NEUROPEDAGOGIA Ficha catalográfica Welferinger, Mara Rúbia Ribeiro. Neuropedagogia Mara Rúbia Ribeiro Welferinger/. – São Luís: UemaNet, 2017 ... p 103 ISBN: 1. Neuropedagogia. 2.Neurociências. 3. Aprendizagem I.Título CDU: 331.45(094.5) Universidade Estadual do Maranhão - UEMA Núcleo de Tecnologias para Educação - UEMAnet Campus Universitário Paulo VI, Tirirical - São Luís-MA Fone-fax (98) 2106-8970 http://www.uema.br http://www.uemanet.uema.br Edição Universidade Estadual do Maranhão - UEMA Núcleo de Tecnologias para Educação - UEMAnet Coordenadora do UemaNet Profª. Ilka Márcia Ribeiro de Sousa Serra Coordenadora Pedagógica de Designer Educacional Profª. Maria das Graças Nery Ferreira Coordenadora Administrativa de Designer Educacional Cristiane Costa Peixoto Professora Conteudista Mara Rúbia Ribeiro Welferinger Designer Pedagógico Lidiane Saraiva Ferreira Lima Designer Educacional Clecia Assunção Silva Revisoras de Linguagem Layla Magalhães Araújo Lucirene Ferreira Lopes Editoração Digital/Capa Luis Macartney Serejo dos Santos Governador do Estado do Maranhão Flávio Dino de Castro e Costa Reitor da Uema Prof. Gustavo Pereira da Costa Vice-reitor da Uema Prof. Walter Canales Sant’ana Pró-reitor de Administração Prof. Gilson Martins Mendonça Pró-reitor de Extensão e Assuntos Estudantis Prof. Paulo Henrique Aragão Catunda Pró-reitora de Graduação Profª. Andréa de Araújo Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof. Marcelo Cheche Galves Pró-reitor de Planejamento Prof. Antonio Roberto Coelho Serra APRESENTAÇÃO 1.1. Neurociências e neurocientistas .......................................................... 11 1.2. Pesquisas e Descobertas em Neurociências ....................................... 14 1.3. Origem do conceito de Neuropedagogia .............................................. 17 1.4. Por que Neuropedagogia? ................................................................... 23 1.5. A neuropedagogia atualmente: a batalha entre conceitos ................... 25 UNIDADE I: ORIGEM E HISTÓRICO DA NEUROPEDAGOGIA SUMÁRIO 2.1 O Cérebro um sistema de conexão: o papel do corpo caloso .................... 32 2.2 Componentes de base: ............................................................................... 37 2.3 Exigências físicas do cérebro: movimento, oxigênio e alimentação ............. 62 2.4 Nossas capacidades, conceitos-chave: potencialidade, conectividade e plasticidade ..................................................................................................69 REFERÊNCIAS ..................................................................................................74 5Neuropedagogia UNIDADE II: NOSSO CÉREBRO HOJE 3.1 Problemas a serem resolvidos ..................................................................... 79 3.2 Colocando em perspectiva ............................................................................101 UNIDADE III: RUMO A UMA NEURO APRENDIZAGEM Neuropedagogia? Do que se trata? A Neuropedagogia é um conceito que foi criado na França pela pedagoga e linguísta Hélène Trocmé Fabre*. É uma passarela entre as neurociências e a pedagogia. A Neuropedagogia aborda a aprendizagem sob um novo enfoque, partindo de dois elementos que nos são inerentes: nosso cérebro e nossa capacidade para aprender, tendo como objetivo final a autonomia daquele que aprende. NEUROPEDAGOGIA RUMO A UMA NEURO APRENDIZAGEM NEURO CÉREBRO APRENDER PEDAGOGIAE E A contribuição das Neurociências Uma nova abordagem da pedagogia Fonte: Eleborado por Mara Welferinger * Ver o quadro com um pequeno resumo dos trabalhos de Hélène Trocmé-Fabre. APRESENTAÇÃO Neuropedagogia Neuropedagogia6 7 Trata-se de uma abordagem sistêmica, transdisciplinar, integradora. Logo, essa disciplina não se destina a uma área específica, mas a todos os que se sentem engajados com o ato de aprender. Como diz a referida autora, precisamos repetir com insistência “Nascemos para aprender” e aprendemos ao longo de nossa existência. Aprendemos com nosso corpo inteiro regido por nosso cérebro. Consciente ou não, ambos, cientista ou o comum dos mortais possuem um sistema nervoso central e praticam o aprender, que é considerado como a mais antiga das profissões. A lógica do Vivente é antes de tudo aprender! Nosso cérebro ainda é um fabuloso mistério. Nós estamos infinitamente longe de obter todas as respostas sobre o potencial que se encontra encerradas nele e sobre o potencial do verbo aprender, porém atualmente, com os avanços científicos das neurociências e das ciências cognitivas “já temos informações suficientes para tentar compreender esse mistériol”. Na Universidade Estadual do Maranhão, a neuropedagogia como disciplina caminha de maneira natural e legítima, ao lado da Filosofia. A preocupação de ambas consiste em desenvolver no ser humano valores fundamentais que formam o pensamento crítico, porque somente este ajuda a ser livre e autônomo. Este e-Book foi organizado em três Unidades, levando em consideração os rítmos do Vivente que são, na maioria dos casos, rítmos de estrutura ternária : rítmo cardíaco, rítmo respiratório, rítmos cerebrais (vigília, sono e sonho)... O ternário permite o ritmo. O ritmo, que vem do verbo grego pεĩν (rhein), “fluir, escorrer”, permite à duração “fluir”. É necessário esclarecer que a neuropedagogia será abordada aqui, tomando respaldo nos trabalhos da referida linguísta e pedadoga e que fora alguns acréscimos feitos por mim, o essencial do trabalho é um resumo de alguns temas tratados por ela. Este e-Book contará um pouco da história e da origem do conceito de “neuropedagogia”, os avanços das pesquisas em neurociências. Nele também falaremos sobre nossos recursos, sobre o funcionamento de nosso cérebro, sobre nossas capacidades e sobre os problemas que precisam ser resolvidos. Sem perder de vista o caráter abrangente do assunto, fizemos a opção de organizá-lo, da maneira mais simples possível, esperando que desperte em você, aluno/aprendente, o desejo de explorar, descobrir, compreender, criar e sobre tudo questionar. Hélène Trocmé-Fabre é uma renomada especialista da aprendizagem, doutora em Linguística, em Letras e Ciências Humanas. Autora de vários livros e artigos de referência sobre a Ciência da Educação, métodos de ensino e aprendizagem de línguas. Livros publicados: Apprendre Aujourd’hui (Aprender Hoje), 1994; Né pour apprendre (Nascemos para Aprender), série de 7 videofilmes, 1994 ; Réinventer le Métier d’Apprendre (Reinventar o Ofício de Aprender), 1999 ; J’apprends, donc je suis (Aprendo, logo existo), 2002 ; L’Arbre du Savoir-Apprendre ( A Árvore do Saber-Aprender), 2003 ; Le Langage du Vivant (A Linguagem do Vivente), 2013. A autora traduziu do inglês para o francês, vários autores engajados em pesquisas sobre a cognição, a aprendizagem e a comunicação como, por exemplo, Tony Buzan, Use your head (Une tête bien faite – Use sua cabeça); L. V. Williams, Teaching for the two-sided mind (Deux cerveaux pour apprendre – Dois cérebros para aprender); E. de Bono, Thinking Course (Réfléchir mieux – Refletir melhor); Charles Hampden-Tuner, Maps of tthe Mind (L’Atlas de notre cerveau – O Atlas do nosso cérebro); Francisco Varela e Humberto R. Maturana, The Tree of Knowledge (L’Arbre de la Connaissance – A Árvore do Conhecimento). Caro estudante, Além do texto com as informações do conteúdo da disciplina, estamos lhe apresentando os ícones, elementos gráficos que ampliam as formas de linguagem e simplificam a organização e a leitura hipertextual. Você deve clicá-los para ter acesso às informaçôesque cada um representa. Observe os significados: Objetivos: • Adquirir conhecimentos sobre as neurociências; • Descobrir os mecanismos do funcionamento do cérebro; e • Refletir sobre o papel das neurociências na aprendizagem. 1.1 Neurociências e neurocientistas Atualmente, nosso cérebro tornou-se o centro das atenções. Sua história e a maneira como ele funcionam vem despertando o interesse de um grande número de cientistas e da maioria das disciplinas que se reúnem sob o termo de Neurociências. As neurociências fazem referência a toda uma categoria de setores ou áreas de exploração do sistema nervoso central (SNC), tanto a morfologia cerebral como a fisiologia, as relações entre a organização cerebral e os processos mentais, ou ainda os distúrbios e as terapias. A história das neurociências está ligada ao conceito de neurônio, forjado por Waldeyer. Ela se impôs nos anos 50 com a neurobiologia que orientou as pesquisas para o nível celular. SUGESTÃO DE LEITURA – indica outras leituras, contendo temas relacionados com o conteúdo do texto; ABC ou Glossário – define uma palavra, termo ou expressão utilizada no texto; Saiba mais – traz informações, curiosidades ou notícias acrescentadas ao texto e relacionadas ao tema estudado. ORIGEM E HISTÓRICO DA NEUROPEDAGOGIA UNIDADE I ÍCONES Neuropedagogia Fi gu ra 2 - I m ag em d e ne ur ôn io Terminaçôes do axônio Corpo Bainha de mielina Dendrito Mitocôndria Célula schwann Nodo de Rainvier Núcleo axônio É um imenso campo de estudo, onde os pontos de pesquisas são diversos, como o funcionamento do cérebro (desde os aspectos mais elementares: molecular, celular e sináptico); a sensação, a percepção, a aprendizagem, a memória, a atenção, as emoções, o sono, o envelhecimento, as doenças neurológicas e psiquiátricas, o estresse, o comportamento, além das funções cognitivas1. Atualmente, praticamente todas as disciplinas colocaram o “chapéu neuro”. Alguns exemplos: a neuroanatomia, neurofisiologia, neuroquímica, neurobiologia, neuropsicologia, neuropediatria, neuroendocrinologia, neurofísica, neuropsicologia etc. Elas fazem parte de uma familía maior, as ciências da bioevolução (paleontologia, antropologia, etnologia, genética, etologia etc). 1 CNRS, dossier d’actualité veille et analyses n° 80. Setembro, Neurosciences et éducation : la ba- taille des cerveaux (a batalha dos cérebros) Neuropedagogia Ela também está no centro das preocupações de muitos cientistas voltados para a busca de soluções e tratamentos para doenças, problemas e lesões no cérebro como, por exemplo, a doença de Alzheimer, a doença de Parkinson, os AVC, a dor crônica, o autismo, a depressão, os tumores cerebrais, as lesões da medula espinhal2 . Ela se enriqueceu a partir dos anos 50, com o avanço considerável provocado pela emergência de novas ciências e novas teorias como a cibernética de A. Wiener e de W. McCulloch, a teoria dos Sistemas e a Nova Comunicação, com a escola de Palo Alto, a termodinâmica, a física quântica e post-quântica, a cosmologia, a informática, a eletrônica... etc.3 O fascínio provocado pelas ciências de exploração cerebral parece ser compartilhado por um vasto público. Termos permanecido durante séculos na ignorância de nós mesmos, agora com o advento de todas essas novas ciências e novas tecnologias temos a sensação que podemos conhecer melhor nosso mundo interno. Mas, o desejo de conhecer melhor nosso funcionamento interno talvez seja uma necessidade diante do aumento das ameaças do meio ambiente. Um fenômeno interessante que surgiu com as neurociências foi à supressão de todos os tipos de fronteiras, entre continentes, entre disciplinas, entre ciências. As pesquisas são obrigadas a levar em conta o sentido de globalidade, de complexidade e de relatividade. Mas, a vida cerebral continua sendo um mistério embora atualmente as técnicas de imageamento/imagiologia nos permitam observar o funcionamento de um cérebro humano, em atividade, dando-nos a possibilidade para compreender os mecanismos fundamentais do ato de aprender e as correspondências entre atividades cognitivas e as ativações cerebrais. 2 Fonte : Society for neuroscience. University of Washington, citado por http://braincanada.ca/files/ Fiche_informations_FR.pdf 3 Hélène Trocmé-Fabre, J’apprends, donc je suis (Aprendo, logo existo), 2002. Cérebro Cerebelo Tranca Encefálico Medula Espinisal Figura 1 - Sistema nervoso central Sistema Nervoso Central 1110 Neuropedagogia Neuropedagogia12 13 As pesquisas que exploram a química do cérebro estão em plena expansão. A descoberta dos neurotransmissores, da endorfina e das novas moléculas lança uma nova luz sobre o funcionamento cerebral. Através dos mecanismos reguladores do cérebro hormonal, os pesquisadores mostram conceitos de importância capital para o processamento da informação. Esses conceitos são palavras-chave indispensáveis para a compreensão dos nossos mecanismos de base. Citemos alguns: Precursor, receptor, reconhecimento, processo de maturação, re-captação, armazenamento, síntese local, retroação, inibição, pré-sináptico etc.4 Em 1971, nos Estados Unidos, diante da paixão e da correria rumo ao “neuro”, o biólogo Francis Otto Schmitt, junto com uma equipe de pesquisadores decidiram criar um projeto chamado “The neurosciences Research Program” (NRP). De um simples programa de pesquisa, essa nova abordagem sobre o cérebro transformou-se em uma verdadeira disciplina com suas práticas e discursos e uma nova comunidade de especialistas, os neurocientistas. Porém, esse conceito só entrou no imaginário popular na década de 1990, chamada a década do cérebro.5 Na verdade, neurociência era uma palavra nova para uma nova visão de como as pesquisas sobre o cérebro deveriam ser conduzidas, na esperança de acabar com o debate sobre o dualismo espírito-cérebro e permitir os grandes avanços sociais e individuais. No primeiro artigo sobre as neurociências, publicado em Nature, em 1970, Otto Schmitt explica que as neurociências englobam as ciências do cérebro e do comportamento e que atuam em quatro níveis: molecular, celular, neural e comportamental. Resumindo: o termo “neuro” reuniria as ciências de base do cérebro, incluindo a psicologia e a psiquiatria. 4 HélèneTrocmé-Fabre, Op.Cit., 2002. 5 Joelle M Abi-Rached et Nikolas Rose, Historiciser les neurosciences (Historizar as neurociências), 2014. https://scholar.harvard.edu/files/jabirached/files/abirached_rose_chap2_-_moutaud_chamak. pdf 6 Joelle M. Abi-Rached et Nikolas Rose, Op. Cit. 2014. 7 Francis O. Schmitt, Promising trends in Neuroscience, 1970, Nature n° 227, citado por Rached e N. Rose. O objetivo inicial era descrever os “acontecimentos” cerebrais como a cognição ou as emoções, em termos moleculares, ou seja, em termos de neurônios, moléculas, receptores, neurotransmissores e outros elementos moleculares e celulares. Como explica M. Abi-Rached e Nikolas Rose, esse projeto “neurocientífico” tinha também outro objetivo, baseado na crença de um conhecimento universal do cérebro, além dos diversos mecanismos subjacentes: celular, molecular, comportamental, linguístico, psicológico que era unificar o objeto de estudo que parecia disperso por meio das disciplinas e escolas de pensamento. Essa abordagem era guiada pela crença profunda na possibilidade de melhorar o bem-estar humano e social graças à ciência6 . Segundo esses mesmos pesquisadores, ainda em 1990, Otto Schmitt ressaltava a função social das neurociências e a possibilidade de resolver os problemas psicológicos, comportamentais, sociais (drogas, violência, esquizofrenia, retardo mental, problemas genéticos etc.). “As neurociências nos trazem a esperança que uma melhorcompreensão das origens biológicas da natureza humana poderá favorecer as perspectivas de bem- estar social e até mesmo de sobrevivência da vida humana neste planeta”7. Figura 3 - A química do cérebro Neuropedagogia14 15Neuropedagogia aprendizagem, reorganização e adaptação) que permite ao cérebro humano realizar performances extraordinárias; Os anos 1990: considerado como a década do cérebro. Desenvolvimento da biologia molecular. Identificação e clonagem de neuromediadores, receptores e canais iônicos. Melhor compreensão da fisiologia intracelular e dos mecanismos intrínsecos dos neurônios. Atualização e desenvolvimento da imagiologia funcional do cérebro que permite ver o cérebro humano em ação. Em 1992, foram observadas as primeiras imagens do cérebro através do IRMf (Imagem por Ressonância Magnética Funcional); 1996 – Primeiro transplante de neurônios em pacientes com distúrbio neurolológico hereditário, caracterizado pela falta de coordenação e movimentos corporais anormais. (George Huntington é um médico americano, 1850-1916) (equipe de científicos franco/belga); 1999 – Descoberta da capacidade de divisão de certas células dentro do cérebro adulto; 2000 – Arvid Carlsson, Paul Greengard e Eric Kandel – Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina para o conjunto de seus trabalhos e contribuição na descoberta, envolvendo a comunicação e transmissão de sinais entre células nervosas no cérebro e o papel da dopamina na doença de Parkinson; 2000 – Descoberta das células-tronco; Anos 2000 – Emergência da noção de « big data » ou « megadados » para armazenar e processar a massa de dados disponíveis na Internet, incluindo os dados da Biologia e os da Neurobiologia; 2001 – Publicação da sequência do genoma humano; 2003 – Laureados com o Nobel de Fisiologia e Medicina, os cientistas Peter Mansfield e Paul Lauterbur por seus trabalhos sobre o IRM, iniciados nos anos 1970; 2004 – Richard Axel e Linda Buck – Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina por seus trabalhos sobre a decodificação genética dos receptores de odores e a organização do sistema olfatório; 8 http://www.frcneurodon.org/comprendre-le-cerveau/a-la-decouverte-du-cerveau/un-siecle-de-neu- rosciences/ Durante esse período (décadas de 60 e 70), os investimentos na pesquisas em ciência fundamental foram consideráveis, sobretudo nas pesquisas sobre o cérebro. Esses anos foram marcados pela corrida à superioridade técnico-científica. Tudo o que era suscetível de trazer benefícios sociais significativos era facilmente financiado. Ainda segundo esses autores, o que começou como um simples programa acabou por criar uma nova categoria de especialistas, os neurocientistas, mas também uma nova disciplina com suas subdisciplinas (neurociências celular, molecular, cognitiva etc.) e novas plataformas para traduzir os produtos epistêmicos (conhecimentos, técnicas, práticas etc.) em aplicações socialmente e clinicamente significantes. Em 1973, Amherst College foi à primeira instituição a propor diplomas em neurociências. A virada “neuro”, só se realizou plenamente durante a década do cérebro. O que é importante ressaltar é a crença e o desejo de intervir no cérebro para melhorar a saúde e o bem-estar dos seres humanos individualmente e coletivamente. 1.2 Pesquisas e Descobertas em Neurociências AGUMAS DESCOBERTAS EM NEUROCIÊNCIAS A explosão dos conhecimentos sobre nosso órgão de aprendizagem vem do avanço das descobertas em neurociências ocasionado pelo avanço das novas tecnologias. Os anos abaixo relacionados são alguns elementos de referências para nos situar no espaço-tempo. Essas informações, a seguir, provêm do [site] que está na nota de rodapé de n° 8 “compreender o cérebro, um século de neurociências”8. Observe : 1985 – 2000: Destaque e estudo da plasticidade cerebral (capacidade de 14 Neuropedagogia Neuropedagogia16 17 2008 – Primeira estimulação profunda para o TOC (Transtorno Obsessivo- Compulsivo). Esse método foi utilizado para tratar a doença de Parkinson ; 2010 – Avanços da optogenética. Termo que se refere às proteínas codificadas que respondem à luz para monitorar e controlar a atividade específica dos circuitos neurais ; 2012 – Robert Lefkowitz e Brian Kobilka – Prêmio Nobel de Química por suas descobertas dos receptores acoplados às proteínas G, particularmente abundantes no sistema nervoso ; 2013 – A Europa decide financiar (1,2 bilhões de euros) por um período de dez anos, o “Human Brain Project” que visa simular o funcionamento do cérebro, por computador. No mesmo ano, os Estados Unidos lança o “Brain Initiative”, dotado de 3 bilhões de dólares em dez anos, para mapear o funcionamento dos neurônios ; 2014 – Yasuo Kurimoto e sua equipe fazem o primeiro transplante de célula-tronco para tratar a DMRI (Degeneração/Degenerescência Macular Relacionada à Idade) ; 2014 – John O’Keefe, May-Britt Moser e Edvard Moser – Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina por sua descoberta do sistema de posicionamento espacial dentro do cérebro “place cells”, no hipocampo e “grid cells” no córtex entorhinal. Espécie de GPS Mental ; 2014 – Eric Betzig, Stefan W. Hell e William E. Moerner – Prêmio Nobel de Química pela invenção da “nanoscopia”, métodos de imagem em microscopia óptica que permite observar o funcionamento de objetos de tamanho inferior a 200 nm, ou seja, nano-estruturas celulares. Esses são apenas alguns exemplos de descobertas, mas os pesquisadores em neurociências do mundo inteiro aceleram suas pesquisas. Desde que os cientistas se colocaram sobre o “chapéu neuro”, transformando-se em uma “grande família”, compartilhando suas experiências, fazendo uma análise coletiva de suas hipóteses e “erros”, os avanços têm sido consideráveis e cada dia surge novas descobertas. 9 A Brief History of the science of learning: Part 2 (1970s-present). Tracey Tokuhama-Espinosa, Director of IDEA (Instituto de Enseñanza y Aprendizaje or Teaching and Learning Institute), and Pro- fessor of Education and Neuropsychology at the of the University of San Francisco in Quito, Ecuador. 10 H. Trocmé-Fabre, 2002 ; T. Tokuhama-Espinosa, 2011; Renato M.E. Sabbatini, Neurônios e sinap- ses (A história de sua descoberta), http://www.cerebromente.org.br/n17/history/neurons1_p.htm 1.3 Origem do conceito de Neuropedagogia O conceito de neuropedagogia é relativamente recente, mas suas raízes estão fixadas em uma longa história passada. Como sabemos aprendizagem, pedagogia, educação, ensino e didática são termos que existem desde a Grécia antiga, talvez mesmo antes. A diferença é que esses conceitos são abordados hoje à luz das novas descobertas sobre o cérebro. Nos Estados Unidos ela surgiu sob o nome de MBE (Mind, Brain and the Education Science = Mente, Cérebro e Ciência da Educação). As pesquisas de Tracey Tokuhama-Espinosa oferecem um panorama relevante sobre como evoluiu a história do cérebro e da aprendizagem9. Foi somente na segunda metade do século XIX e início do século XX que surgiram as descobertas mais significativas sobre o funcionamento do cérebro. Por exemplo, as descobertas sobre as funções específicas, por Paul Broca (1862) e Carl Wernicke (1874),correspondendo a produção e a compreensão da linguagem. Inclusive, essas áreas são chamadas áreas de Broca e de Wernick respecticvamente. Broca e Wernicke descobriram que a maioria das pessoas (90% destros e 70% canhotos) tem uma área principal no lobo frontal esquerdo (Broca) e outra área principal no lobo parietal esquerdo (Wernicke) para tratar a linguagem. Em 1909, Korbinian Brodman recenseou as áreas do cérebro e fez um mapa geral. Em 1911, Santiago Ramón y Cajal faz uma descoberta sobre o papel das sinapses ou conexões entre neurônios. Ele mostrou que o neurônio era a unidade estrutural e funcional de base do cérebro10.Neuropedagogia Neuropedagogia18 19 No final do século XIX, o alemão Heinrich Waldeyer, continuando as pesquisas de Santiago Ramón y Cajal, cria o termo neurônio para designar as células nervosas e o inglês Charles Scott Sherrington propõe o conceito de synapses, para designar a junção funcional que existe entre os neurônios. Esses cientistas influenciaram as neurociências, dando uma nova visão sobre a natureza do cérebro e da aprendizagem. Nesse contexto, surgiram outras teorias científicas sobre o assunto, como a da biologia da aprendizagem, cujo foco era a influência da natureza ou da cultura sobre a aprendizagem e a inteligência. A questão subjacente era saber se somos dependentes dos genes que recebemos de nossos pais ou da maneira como fomos criados. Esse debate está na origem do controverso tema da eugenia e dos diversos problemas éticos decorrentes, como por exemplo, a discriminação de pessoas por categorias, etiquetadas como sendo aptas ou não para a reprodução. Em 1896, James Mark Baldwin elabora uma teoria sugerindo que o comportamento constante de um indivíduo ou de um grupo influencia sua capacidade de aprendizagem, não estando limitado exclusivamente aos fatores genéticos, ou seja, quando uma aprendizagem é benéfica à sobrevivência da espécie, ela será inscrita nos genes e transmitida às gerações futuras. Em seguida surgiram inúmeras outras teorias, tentando conectar o comportamento à biologia, como, por exemplo, a do Behaviorismo (Pavlov, Hull e Skinner). Essa teoria é bastante conhecida, quando Pavlov fez sua experiência com cães, descobrindo assim os princípios de base do comportamento. Nessa teoria dos reflexos condicionados, todas as respostas comportamentais do indivíduo seriam determinadas pela a entrada sensorial. Em 1949, Donald Hebb, psicólogo canadense, lança um livro intitulado The Organization of Behavior (A Organização do Comportamento), que se tornou um livro de referência mundial na área da neuropsicologia. Hebb critica a teoria do estímulo-resposta de Pavlov, porque segundo ele Pavlov não leva em conta, além dos estímulos (aferências sensoriais), outros fenômenos intrínsecos que também intervêm no comportamento, como a generalização perceptiva (estímulos sensoriais diferentes podendo determinar um mesmo comportamento). Ele está na origem do conceito de “assembleias neuronais” (cell assembly), ou seja, certas conexões sinápticas entre grupo de neurônios quando reforçadas, levam os circuitos formados por esses neurônios a agirem como uma entidade única. Segundo ele, os neurônios, mesmo estando distantes uns dos outros colaboram mutuamente no processo da informação dentro do cérebro. Ele considera essas assembleias neuronais como sendo unidades funcionais de base do cérebro e, por exemplo, ele sugere que mesmo na ausência de estímulos externos, uma assembleia neuronal pode sustentar a atividade cerebral autônoma. A frase “neurons wire together if the fire together” de Siegrid Löwel é sempre associada ao postulado de Hebb. Resumindo: Si dois neurônios são ativados ao mesmo tempo, as sinapses entre esses neurônios serão reforçadas. A regra de Hebb continua a ser um dos fatores determinantes para se saber quais as sinapses que serão reforçadas em uma rede de neurônios. A sinapse de Hebb é fundamental para a nossa compreensão global da plasticidade do cérebro e para a aprendizagem, porque esta última se apoia sobre a plasticidade dos circuitos de nosso cérebro, ou seja, a capacidade dos neurônios de alterar de forma durável a eficácia de sua transmissão sináptica11. Nesse mesmo contexto, Jean Piaget elabora um novo quadro teórico de referência para a psicologia, chamado o Construtivismo. Para Piaget a inteligência humana é de inspiração biológica e evolucionista. O pensamento é uma forma de adaptação do organismo a seu meio ambiente. A inteligência se desenvolve por etapas sucessivas: sensório-motor (0 a 2 anos), correspondendo a passagem de uma atividade reflexa a uma atividade voluntária; pré-operatória (2 a 6 anos), caracterizada pelas funções semióticas e utilização dos significantes, por sinais ou símbolos, mas também caracterizada pela incapacidade de controlar as operações reversíveis; operações concretas (8 a 12 anos), caracterizada pela capacidade que tem a criança para objetivar, dominar as operações lógico- 11 Stanislas Dehaene, Le Code de La Cosncience ( O Código da Consciência), Ed. Odile Jacob, 2014; Tokuhama-Espinosa, Op. Cit, 2011 e, Bruno Dubuc, http://lecerveau.mcgill.ca/flash/i/i_07/i_07_ cl/i_07_cl_tra/i_07_cl_tra.html Neuropedagogia Neuropedagogia20 21 matemáticas e a seriação (capacidade de classificar os objetos de acordo com a forma, a cor, tamanho etc). Essas operações concretas são ações internalizadas, reversíveis, organizadas em sistemas e se refere aos objetos; a fase das operações formais ou do pensamento hipotético-deductível (11/12 a 14/15 anos) é considerada por Piaget como a última fase do desenvolvimentoto cerebral 12. Esse modelo de fase após fase, linear e cumulativo, porque sistematicamente ligado a ideia de aquisição e de progresso foi bastante contestado pelas recentes pesquisas que mostram que os bebês já possuem uma capacidade cognitiva bastante complexa que foi ignorada por Piaget e que não se restringe a um funcionamento estritamente sensório-motor. Conclusão: parece que a inteligência, em vez de seguir uma linha ou um plano que leva do sensório-motor ao abstrato, ela prefere avançar de maneira singular e não linear. Nesse mosaico de ideias, aparece Lev S. Vygotsky, filósofo, epistemologista e psicólogo russo. Se Piaget considera que o entorno social só influencia de maneira “marginal” o desenvolvimento cognitivo, Vygotsky, ao contrário, considera que a criança cresce em interação estreita com dois aspectos da cultura: as ferramentas que ela produz, por exemplo, a língua oral e escrita, e as interações sociais entre adultos e crianças e entre crianças. A popularidade de Vygotsky na educação é tal que ele se tornou o porta-voz da pedagogia ativa, encarnando a ruptura com a pedagogia e a psicologia tradicional. Sua principal tese teve o efeito notável na psicologia mundial dos anos 20 e 30. Como ele lia fluentemente inglês, francês e alemão, tudo que era publicado não lhe escapava. Vygotsky, dando a volta em torno das pesquisas científicas da época e das interpretações teórica propostas concluiu que as relações sociais não são um fator de desenvolvimento psíquico, entre outros, elas são a fonte e a origem do desenvolvimento das funções psíquicas da criança que surgem primeiro no meio coletivo, depois se tornam funções psíquicas integradas à personalidade13. Um dos conceitos mais conhecidos de Vygotsky é o conceito de Zona Próxima de Desenvolvimento, ou área potencial de desenvolvimento cognitivo, onde a criança aprende por meio da interação social com outros que têm mais experiências, mais conhecimentos. Segundo Vygotsky, a criança faz primeiro com a ajuda de outro, para em seguida realizar de maneira autônoma. Continuando os trabalhos de Vygotsky, Alexander Luria deu um grande impulso à psicologia histórico-cultural. Um de seus questionamentos era saber como a cultura, por meio da linguagem, influenciava o pensamento. Alexander Luria é um renomado neurologista e psicólogo de origem russa, como Vygotsky. Luria contribuiu de maneira considerável para o conhecimento da memória. Estudou durante mais de quarenta anos os diferentes aspectos do processo mnêmico, ao nível celular, molecular e morfofisiológico. Ele optou por um conceito mais preciso do que o do rastro mnêmico, ou seja, a própria estrutura da atividade mnêmica. Luria confirmou o papel do sistema límbico, sobretudo do hipocampo no “armazenamento” e na consolidação das impressões corticais e na conservação das impressõesprocedentes da experiência direta14. Suas experiências como, por exemplo, os dois pacientes citados abaixo, a memória sinestesicamente perfeita, prodigiosa de Chereshevsky e a incapacidade de se lembrar de Zasetsky (que foi atingido por uma bala no cortex parieto-ociptal esquerdo), levaram Luria a concluir que existiam vários tipos de memória. Luria contribuiu amplamente para memória como um conceito plural “memórias”15. Entre os anos 60 e 80 surgiu à teoria do “ambiente enriquecido” elaborada por Mark Rosenzweig, Marian Diamond e Arnold Scheibel, entre outros, que até hoje é fonte de controvérsias, ou seja, o mito da necessidade de estímulo precoce, entre 0 e 3 anos de idade suscetível de assegurar o desenvolvimento ideal do cérebro. Segundo essa teoria os três primeiros anos de vida seriam cruciais e determinariam o que o humano iria ser no futuro. 12 T. Tokuhama-Espinosa, 2011; H. Trocmé-Fabre, 2002. 13 Ludmila Chaiguerova, Yure Zinchenko e Fréderic Yvon, « Vygotsky, une théorie du développement et de l’éducation », 2011. http://www.unige.ch/fapse/leforcas/files/9214/2608/9943/Vygotsky_1-428. pdf 14 H. Trocmé-Fabre, Op. Cit., 2002. 15 Alexandre Luria, L’homme dont le monde volait en éclats (O homem cujo o mundo se fragmenta- va), 1995. Neuropedagogia Neuropedagogia22 23 Em 1997, a partir dessa teoria do “ambiente enriquecido” William Greenough, fazendo experiências com ratos, pode observar que a densidade sináptica podia aumentar quando indivíduos eram colocados em um ambiente complexo, por exemplo, no caso da experiência com outros ratos e diversos objetos a serem explorados. Quando esses ratos foram submetidos a um teste de aprendizagem em um labirinto ficou demonstrado que eles passavam o teste com sucesso e mais rapidez que os outros ratos que se encontravam em ambientes pobres. Resumindo: a lógica da sinaptogênese é que, quanto mais sinapses disponíveis houver, mais a atividade e a comunicação neurais potenciais serão elevadas, mais será possível aprender melhor. John Bruer (filósofo americano) afirmou inúmeras vezes que os estudos efetuados sobre esse assunto dos três anos cruciais não permitem formular princípios fundamentais sobre a maneira de melhorar a educação. Como ele diz “as crianças precisam de alguém para cuidar delas. As primeiras experiências são importantes, mas não decide tudo para o resto da vida. As crianças não precisam de “estímulos especiais” para se desenvolverem normalmente16. No meio de todas essas pesquisas e controvérsias, a aprendizagem ganha um espaço importante. Ao mesmo tempo, o interesse por parte dos pesquisadores aumenta no que se refere a certos aspectos envolvidos na aprendizagem como a atenção, a memória, motivação e as emoções. 16 John T. Bruer, Tout est-il joué avant 3 ans? (Tudo já está determinado antes dos 3 anos ?), Ed. Odile Jacob, 2002. 1.4 Por que Neuropedagogia ? França, na década de 70, Hélène Trocmé-Fabre, uma dessas vozes em permanente questionamento procura novos caminhos para o ato de aprender. Ao longo de sua experiência como professora, em contato permanente com diferentes parceiros da situação de aprendizagem, ela pode constatar que apesar de todos os meios utilizados, como a renovação dos conteúdos, as ferramentas e as diversas abordagens metodológicas, os problemas de assimilação de novos conhecimentos e os problemas relativos ao “como aprender”, a atenção e a motivação, entre outros continuavam sendo ignorados. Mas ela observava também que os parceiros do sistema educacional tomavam consciência de que havia uma lacuna entre os recursos dos”aprendentes” e suas realizações; entre os esforços que todos faziam e os resultados obtidos; entre as expectativas de uns e de outros e os objetivos alcançados. Essa constatação levou-a concluir que era preciso mudar de atitude sobre a “aquisição de conhecimentos”. O sistema educacional continuava voltado somente para os conteúdos, dando muito pouco interesse ao “processo” de aprendizagem, aos recursos perceptivos e ao perfil do aluno. Para ela não existe aprendizagem humana possível, sem compreensão de si mesmo, sem compreensão do mundo que nos cerca, sem disponibilidade para com seu próprio ser. No início dos anos 80, encorajada e respaldada pelas pesquisas inovadoras sobre o funcionamento do cérebro, mas também pela abordagem sistêmica que já se desenvolviam nos Estados Unidos e em vários lugares do planeta, Hélène Trocmé- Fabre decide focar sua tese de doutourado sobre os avanços da neurociências e o envolvimento delas na aprendizagem. A pesquisadora cria o conceito de “neuropédagogie” (neuropedagogia), estabelecendo assim um diálogo entre nosso cérebro (neuro) e a pedagogia ( a arte de aprender). Neuropedagogia Neuropedagogia24 25 Em 1987, Hélène Trocmé-Fabre publica pela primeira vez o livro J’apprends, donc je suis, une introduction à la neuropédagogie (Aprendo, logo existo, uma introdução à neuropedagogia) e que foi lançado em 2016 no Brasil. Nosso cérebro, como afirma Hélène Trocmé-Fabre é nosso órgão de aprendizagem por excelência, a pedagogia mais do que qualquer outra disciplina encontra sua legitimidade sob o prefixo “neuro”. Embora ela ainda seja considerada, por muitos, como uma disciplina para professores e que esse conceito tenha se desgastado com o tempo, é mais do que urgente resituá-la, valorizá-la como uma transdisciplina, por meio, entre e para além das disciplinas porque seu objeto principal é o aprender, nossa capacidade fundamental 17. 17 Hélène Trocmé-Fabre, J’apprends, donc je suis (Aprendo, logo existo), 2002. 18 Albert Camus, Sur une philosophie de l’expression (Sobre uma filosofia da expressão), ensaio, 1944. A neuropedagogia, como diz Hélène Trocmé-Fabre é um apelo para que retornemos às raízes biológicas da aprendizagem. Um apelo por uma aprendência bionômica, ou seja, que rege a vida. Um apelo por uma aprendizagem/aprendência ecológica, que leva em conta as relações daquele que aprende com seu meio ambiente. Um apelo por uma emergência do ser e sua transposição para além da própria existência porque nascemos para aprender e para descobrir nosso próprio potencial na duração. Cada ser humano, seja qual for sua idade, sua origem, sua hereditariedade, seu passado, seu futuro… tem um direito fundamental: o de desenvolver sua inteligência, sua capacidade para compreender o mundo que o cerca, e para saber quem ele é. É necessário repetir com insistência: a natureza equipou-nos para aprender, para captar o que vemos, ouvimos e ressentimos. Mas, o mecanismo só poderá funcionar bem se não estivermos sobrecarregados por aquilo que cremos saber… A aprendizagem é um nascimento que deve ser feito sem precipitação, a seu rítmo e na hora exata. 1.5 A neuropedagogia atualmente “Não nomear bem o objeto é aumentar o sofrimento do mundo”. Albert Camus18 16 1.5.1 A batalha entre conceitos APRENDER ? EDUCAR ? ENSINAR ? INSTRUIR ? TROCMÉ-FABRE, Héléne.J’apprends,done je suis(Aprendo, logo existo)Tradução:Mara Welperinger.Paris:Ed. d’ Organissation,2002. Neuropedagogia Neuropedagogia26 27 Atualmente, a “neuropedagogia” vem sendo substituída pelo conceito de “neuroeducação”. Porém algumas perguntas que vêm à mente precisam ser esclarecidas: Trata-se realmente de educar? O que colocamos sob o conceito de “educar”? O que leva os parceiros da situação educacional a preferirem “neuroeducação”, em vez de “neuropedagogia”? O verbo “educar” tomou um espaço enorme no panorama da aprendizagem, colocando um véu sobre quase todos os outros verbos envolvidos com o aprender, como por exemplo, o próprio verbo aprender, o verbo instruir, o verbo ensinar. A dificuldade talvez venha do fato de não sabermos exatamente o que colocar sob esses conceitos. Nós não somos capazes de definir com clarezaqual é o papel de cada um, quem é quem na história. Nós, os pais, queremos que nossos filhos sejam “educados”, queremos que eles sejam “instruídos”, queremos que eles sejam “ensinados”. E diante da organização da sociedade atual, por razões múltiplas, delegamos cada vez mais essa tarefa à Instituição Educacional. 1.5.2 Mas, educar é tarefa de quem afinal? Antigamente com frequência, mas ainda hoje ouvimos a expressão “a educação vem do berço”, no sentido de que educar era da incumbência dos pais. Estes deveriam “entregar” à sociedade um ser “já com as regras de bases”, ou seja, as regras de comportamento ético, do respeito aos outros, de respeito às coisas e do respeito de si mesmo. Valores que aprendemos independente de nosso grau de instrução, de nosso grau de ensino e de nossa condição social. Somente aos 7 anos ou até mesmo mais tarde para alguns países, as crianças iam para escola para serem instruídas. Atualmente, nós entregamos nossos filhos à sociedade cada vez mais cedo para serem ao mesmo tempo educados e instruídos. Será que quando deixamos a educação de nossos filhos nas mãos da Instituição, mesmo sendo uma Instituição Educacional, não cometemos um erro de apreciação, de percepção, de conceituação? Será que é o papel da Instituição e dos professores, educar nossos filhos? O sistema educacional da maneira como ele é organizado só poderá instruir e é o que ele faz se observarmos a etimologia de “instruir” = amontoar materiais, ajuntar. O aluno/aprendente vai amontoando conhecimentos, na maioria dos casos desconectados uns dos outros, com um único objetivo um diploma no final. O interessante nessa batalha de conceitos, é o lugar do verbo ensinar. O verbo ensinar tentou realizar a proeza de reunir “educar e instruir”. Porém, vemos por inúmeros exemplos que os resultados não foram alcançados, apesar de todos os esforços e de todos os investimentos. Os professores estão mais desencorajados. O verbo ensinar caiu em uma armadilha, ficando entre uma Instituição desastrosamente burocrática e cada vez mais exigente e uma educação com pais totalmente impotentes diante das imensas transformações do mundo atual. O conceito de “ensinar” ao longo do tempo foi se tornando um conceito “fora do solo” e tão flexível que acabou se adaptando a qualquer uso, perdendo seu verdadeiro sentido. Provavelmente, será preciso esclarecer o papel de cada um desses conceitos e reajustar a linguagem/língua para podermos encontrar soluções para pais desarmados, professores infelizes, alunos desamparados. Figura 4 - Onde se encontra o Professor Onde se encontra o professor? Neuropedagogia Neuropedagogia28 29 E o aprender? Educar, instruir, ensinar, se eles são pertinentes, eles nunca poderão ser outra coisa que uma faceta do verbo aprender. Logo, é para esse conceito que temos que voltar o nosso olhar. O Ministério da Educação ganharia muito e provavelmente encontraria o verdadeiro sentido se ele fosse chamado de Ministério do Aprender. Hélène Trocmé-Fabre estava pelo menos uns vinte anos à frente, quando ela preparou sua tese sobre a Neuropedagogia, onde seu maior centro de interesse era o aprender. Mas, como ela diz: “Em um sistema educacional sobrecarregado de certezas não é possível mudar as mentalidades de um dia para outro”19. Apesar de toda a sua pertinência o conceito de “neuropedagogia” ainda tem encontrado dificuldades para ser aceito, os interessados preferindo substituí-lo pelo conceito de “neuroeducação”. A preferência pelo termo “neuroeducação” vem, provavelmente, do fato desse termo entrar no molde já pré-estabelecido. Mudar é talvez correr o risco de perder o controle e o ser humano, como podemos constatar, sempre foi atraído pela vontade de controlar. Ele buscará infinitamente meios, palavras, conceitos que o levam nessa direção. Logo, “neuropedagogia?”ou “neuroeducação?” Somente o futuro determinará a prevalência. Resumindo: Nesta Unidade, compartilhamos uma reflexão em torno do conceito de Neurociências. Ressaltamos o impacto das pesquisas e descobertas que conduziu ao conceito de Neuropedagogia. Como pudemos observar as novas ciências que estudam o cérebro humano se tornaram atualmente imprescindíveis para a aprendizagem. Essa é uma das razões que nos levou a dar enfoque ao cérebro e a nossa capacidade inata que é a capacidade para aprender. O conhecimento desses dois conceitos, cérebro e aprender, nos deram a possibilidade de esclarecer ao mesmo tempo os conceitos de educar, instruir e ensinar. 18 Hélène Trocmé-Fabre, J’apprends, donc je suis (Aprendo, logo existo), Ed. d’Organisation, 2002. Nosso cérebro e o verbo aprender são dois elementos fundamentais que nos pertencem inteiramente. Por isso foi importante e urgente mostrar, respaldando-se nas Neurociências, como eles funcionam e como eles se articulam. É totalmente surpreendente saber que foi preciso três revoluções (quântica, biológica e informática) para tomarmos conhecimento desse fato. Portanto, nosso intuito foi convidar o leitor aluno/aprendente a conhecer essas descobertas e esse novo campo, tornando-se explorador de seu próprio questionamento, esperando que estando consciente dessa riqueza que nos pertence, desperte nele uma grande alegria e uma enorme sede para conhecer mais. REFERÊNCIAS ABI-RACHED ,Joelle; ROSE, Nikolas.Historiciser les neurosciences (Historiar as neurociências), 2014. BRUER,John T. Tout est-il joué avant 3 ans? (Tudo já está determinado antes dos 3 anos ?), Ed. Odile Jacob, 2002. CNRS, dossier d’actualité veille et analyses n° 80. Setembro, Neurosciences et éducation : la bataille des cerveaux (a batalha dos cérebros). CHAIGUEROVA, Ludmila; ZINCHENKO, Yure; YVON, Fréderic. « Vygotsky, une théorie du développement et de l’éducation (Vygotsky, uma teoria do desenvolvimento e da educação),MGU, 2011. http://www.unige.ch/fapse/leforcas/files/9214/2608/9943/Vygotsky_1-428.pdf DEHAENE, Stanisla. Le Code de la Conscience ( O Código da Consciência), Ed. Odile Jacob, 2014; DUBUC, Bruno. http://lecerveau.mcgill.ca/flash/i/i_07/i_07_cl/i_07_cl_tra/i_07_cl_ tra.html FOURNIER,Martine. Jean Piaget et l’intelligence de l’enfant (Jean Piaget e a inteligência da criança). Neuropedagogia 30 Objetivos: • Conhecer alguns elementos de base que compõem a dinâmica do funcionamento cerebral; • Identificar nossas capacidades, nossas possibilidades e nossas conexões para sermos capazes de desenvolvê-las melhor; e • Articular os elementos da dinâmica do cérebro e os recursos para uma aprendizagem eficiente. “Nossa mente não funciona como uma câmera ou uma máquina. Qualquer percepção é uma criação e toda a memória é uma re-criação”. Oliver Sacks, Um antropólogo em Marte, 2003. Fi gu ra 2 - N os so c ér eb ro n ão é u m a câ m er a ou u m a m áq ui na Figura 1 - Máquina NOSSO CÉREBRO HOJE UNIDADE IIhttp://lewebpedagogique.com/paumier/wp-content/blogs.dir/228/files/piaget.pdf GODAUX, Emile. Cent milliards de neurones, Ed. Labor, 1990 https://portail.umons.ac.be/FR/universite/facultes/fmp/services/neurosci/ Documents/Cent_milliards_de_neurones.pdf LURIA,Alexandre. L’homme dont le monde volait en éclats (O homem cujo o mundo se fragmentava), Ed. Seuil, 1995. ______________.Le Langage du Vivant (A Linguagem do Vivente), Ed. HDiffusion, 2013. _____________.Réinventer le métier d’apprendre (Reinventar o Ofício de Aprender), Ed. d’Organisation, 1999. SABBATINI, Renato M.E. Neurônios e sinapses (A história de sua descoberta), http://www.cerebromente.org.br/n17/history/neurons1_p.htm TOKUHAMA-ESPINOSA,Tracey. A Brief History of the science of learning: Part2 http://traceytokuhama.com/index.php?option=com_tz_ portfolio&view=article&id=226:a-brief-history-of-the-science-of-learning-part-2&catid=24&Itemid=336 TROCMÉ-FABRE, Hélène. J’apprends, donc je suis (Aprendo, logo existo), Ed. d’Organisation, 2002. UNIVERSITY OF WASHINGTON ,Society for neuroscience., citado por http:// braincanada.ca/files/Fiche_informations_FR.pdf https://scholar.harvard.edu/files/jabirached/files/abirached_rose_chap2_-_ moutaud_chamak.pdf VERGNAUD,Gérard. Lev Vygotski : pédagogue et penseur de notre temps (Lev Vygotski : pedagogo e pensador de nosso tempo), Ed. Hachette Education, 2000, Paris. Neuropedagogia Neuropedagogia32 33 20 https://www.todamateria.com.br/sistema-nervoso/ http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Corpo/sistemanervoso2.php http://lecerveau.mcgill.ca/flash/d/d_01/d_01_cr/d_01_cr_ana/d_01_cr_ana.html 21 O mundo, segundo Albert Jacquard (Conferência em Vanosc-Ardêche, Jean Dornac, Jun 2004). http://www.ethologie.info/revue/spip.php?article15 Nosso potencial e as características do funcionamento de nosso cérebro não podem mais ficar nas mãos, exclusivamente, dos especialistas, porque se trata da compreensão de nós mesmos e dos Outros. Conhecendo nossos recursos, seremos capazes de administrá-los e desenvolvê-los melhor. Este é o grande caminho para a Autonomia. Nós possuímos uma reserva ilimitada de possibilidades, de configurações, de conexões, de estados mentais. Essa realidade cerebral traduz a riqueza, a diversidade e a unicidade do cérebro humano (não existem dois cérebros iguais em toda a humanidade). Os avanços das neurociências e das novas tecnologias nos proporcionam hoje essa oportunidade. Precisamos agarrá-la com urgência, para que não permanecermos na superfície desse conhecimento. Não podemos mais ignorar o mais fantástico de todos os “maestros”, regendo essa extraordinária e extravagante sinfonia do nosso corpo se regulando, na sua relação com o meio ambiente, adaptando-se na sua relação com os Outros, evoluindo, na sua relação consigo mesmo, que é como diz Hélène Trocmé-Fabre, a mais justa definição do aprender. Para muitos o tema que segue parece evidente e conhecido. Mas nosso objetivo é partir daqueles que ainda não sabem. Serão apenas breves informações. Os interessados pelo assunto poderão encontrar milhares de outras informações, nos livros especializados e em vários sites na Internet. O que precisamos saber em primeiro lugar é que nosso organismo é um sistema, composto de vários outros sistemas (sanguíneo, digestivo, endócrino, linfático, muscular, respiratório... e o sistema nervoso...). Este último é composto de dois outros sistemas: O sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico. O sistema nervoso central é composto do encéfalo (cérebro, cerebelo e tronco cerebral) e da medula espinhal. O sistema nervoso periférico é constituído dos nervos cranianos e da coluna vertebral, partindo da medula espinhal. No que se refere a este e-Book, abordaremos somente o sistema nervoso central. O sistema nervoso central é o centro de processamento das “ informações”. É a sede dos nossos pensamentos, nossas emoções, nossa memória, nossa percepção etc. 2.1 O Cérebro um sistema de conexão2O o papel do corpo caloso Cem bilhões de neurônios quando um bebê humano vem ao mundo! Cem bilhões é muito! Mas, o mais impressionante é que essa quantidade não acaba nesse número. Uma vez que o bebê nasce ele vai fazer proliferar conexões entre seus neurônios e quando esse humano atinge a puberdade, ele chega com uma coleção de 10.000 conexões por neurônio. Logo, para esses cem bilhões isso fará um milhão de bilhões de conexões21. Esses cálculos efetuados por Albert Jacquard, matemático e geneticista francês mostra o potencial que temos a nossa disposição. Como ele diz é simplesmente fabuloso o que temos dentro de nosso cérebro. Se tivéssemos que contar somente nossos neurônios, cem bilhões?!!!... levaria muito tempo. E se tivéssemos que contar nossas conexões, um milhão de bilhões de conexões, é melhor nem começar, nunca chegaríamos ao final. Iríamos precisar viver muitas vidas, só contando. Neste e-Book, tentaremos abordar o funcionamento de nosso cérebro e mostrar alguns elementos que compõem essa dinâmica. Queremos deixar claro aqui que não somos especialistas do sistema nervoso, mas pensamos que precisamos ter um melhor conhecimento dos mecanismos cerebrais envolvidos no ato de aprender para podermos ser autor e ator de nossa história. Nosso cérebro é uma estrutura biológica complexa segundo Hélène Trocmé- Fabre, nosso sistema educacional tem a tendência de utilizar somente um de seus níveis que é o cortical (o intelectual). Ignorar a complexidade do cérebro é empobrecê-lo. Neuropedagogia Neuropedagogia34 35 O cérebro ocupa a maior parte do encéfalo e está no comando do sistema nervoso. Ele tem o controle de todos os órgãos do corpo, das funções motoras e cognitivas e da produção hormonal. Ele se divide em dois hemisférios (esquerdo e direito) e quatro lobos (frontal, parietal, temporal e ocipital). Ele é composto de células cerebrais, as células da glia e os neurônios que recebem e transmitem as informações. Figura 4 - Células da Glia 22 Oliver Sacks, L’Oeil de l’esprit (O Ôlho do Espírito), Ed. du Seuil, 2012. 23 http://lecerveau.mcgill.ca/flash/d/d_01/d_01_cr/d_01_cr_ana/d_01_cr_ana.html Oliver Sacks, neurologista britânico, diz que o cérebro é muito mais do que um conjunto de módulos autônomos onde cada um seria imprescindível para uma função mental específica. Cada uma dessas áreas funcionalmente especializadas deve interagir com dezenas ou centenas de outras, sua integração total cria uma espécie de orquestra da mais alta complexidade que reúne centenas de instrumentos diferentes, onde a partição e o repertório mudam continuamente22. Figura 3 - Corpo caloso Mas, o cérebro, embora tendo um papel fundamental, ele é uma parte de um todo, porque ele está continuamente em interação com o resto do corpo. Ele assegura, ao mesmo tempo, as funções vitais, controlando a frequência cardíaca, a temperatura corporal, a respiração etc., e as funções ditas “superiores”, como a linguagem, o raciocínio ou a consciência. Os principais componentes do tecido cerebral são as células gliais e os neurônios (células nervosas ). O neurônio é considerado como a unidade funcional de base do cérebro, por causa de sua importante interconectividade e sua especialização em termos de comunicação. Os neurônios estão organizados em redes funcionais localizadas em diferentes áreas do cérebro. O cérebro evolui e se desenvolve durante toda a vida. Esse desenvolvimento depende, ao mesmo tempo, da biologia e da experiência. As tendências genéticas interagem com a experiência para determinar a estrutura e o funcionamento do cérebro a cada momento. É essa interação constante que faz que cada cérebro seja único23. Reunindo os dois hemisférios cerebrais, encontramos o corpo caloso. O corpo caloso é um grande feixe de fibras nervosas através do qual, os dois hemisférios se comunicam. Milhões e milhões de axones (fibras nervosas, prolongamento do neurônio que conduz o sinal elétrico do corpo celular em direção das áreas Neuropedagogia Neuropedagogia36 37 24 H. Trocmé-Fabre, J’apprends, donc je suis (Aprendo, logo existo), p. 67, 2016. 25 A. LURIA (1973); Cf WABER (1982) e EPSTEIN (1978), citados por Trocmé-Fabre, Op.Cit. 2002. sinápticas) colocam em relação regiões semelhantes ou não semelhantes dos hemisférios cerebrais. As regiões conectadas por fibras calosas são chamadas áreas associativas. A rede de fibras é gigantesca. As áreas associativas representam 80% do córtex cerebral. Porém, o mais importante a ressaltar aqui é que nosso corpo caloso não é um feixe de fibras nervosas que separa os dois hemisférios cerebrais, mas um feixe de fibras nervosas que reúne os dois hemisférios cerebrais. Ele desempenhaum papel muito importante na coordenação dos movimentos dos membros. O corpo caloso é totalmente mielinizado por volta do décimo ano (a mielina é uma substância que serve para isolar e proteger as fibras nervosas). A mielinização começa na extremidade posterior do corpo caloso, na área visual e se propaga de trás para frente, em direção dos lobos frontais. Segundo Hélène Trocmé-Fabre é só quando o processo estiver bastante avançado para reunir os dois hemisférios em sua totalidade, que as tarefas complexas de abstração poderão ser realizadas24. O processo pode ser mais lento com certas crianças. A diferença entre uma criança considerada “retardada” e uma criança considerada “superdotada” (PAH = Portador de Altas Habilidades) consiste no tempo que ambas levarão para assimilar uma informação e adaptá-la. Esse tempo pode variar de três meses (para a criança superdotada) e um ano e meio e às vezes, até dois anos para a criança “retardada”. Por outro lado, na idade de onze anos, o crescimento cerebral não seria o mesmo para as meninas e os meninos. Esse impulso seria duas vezes mais forte nas meninas do que os rapazes. Aos quinze anos ocorreria o contrário25. Trata-se, portanto de adaptar os conteúdos dos programas e a pedagogia para que nenhuma categoria de aprendentes perca a confiança ou percam o interesse pelas atividades escolares que não correspondem às suas aptidões. Do mesmo modo, visto que o desenvolvimento cerebral não se faz de maneira regular, mas por impulsos seguidos de pausas, a pedagogia deveria se adaptar aos períodos de repouso para consolidar os conhecimentos, desenvolver uma aprendizagem experimental, um ensino por tutoria etc. Segundo Hélène Trocmé-Fabre, a linguagem do corpo caloso (4 milhões de mensagens por minuto !) não recebe a devida atenção do mundo médico- educacional. Essa forma de conexão parece ser utilizada preferencialmente pelos canhotos do que pelos destros. No mundo ocidental feito para destros é indispensável informar os interessados que ainda recebem uma etiqueta que os incomodam. O corpo caloso é o canal por onde passa uma informação que já foi processada. Os professores e os pais não devem esquecer que possuímos uma reserva ilimitada, de possibilidades, configurações, conexões, estados mentais, o que traduz a riqueza, a diversidade e a singularidade do cérebro humano. 2.2 Componentes de base 2.2.1 Os dois hemisférios, os neurônios, as sinapses, neurotransmissores, as células da glia, impulso nervoso etc (Ver os esquemas (A e B) Os dois hemisférios: o equilíbrio do poder (Contraria sunt complementa) Cada hemisfério cerebral cuida de um lado do corpo. O controle é cruzado. O hemisfério direito cuida do lado esquerdo e o hemisfério esquerdo cuida do lado direito. Eles estão sempre buscando o equilíbrio, embora de acordo com a situação, eles procedam de maneira diferente. O diálogo entre eles é feito através do corpo caloso. Quando há uma ruptura de simetria (usando aqui os termos de Nicolescu Basarab) nesse diálogo, um dos dois hemisférios toma o “controle”, inibindo a intervenção do outro, para poder dar uma resposta adaptada ao que está sendo solicitado. Apesar de serem complementares, eles não são simétricos. A linguagem, por exemplo, é tratada principalmente pelo hemisfério esquerdo, mas isso não é Neuropedagogia Neuropedagogia38 39 26 Roger Sperry e Michael Gazzaniga, citados por Justine Sergent, http://www.ipubli.inserm.fr/bitstre- am/handle/10608/3906/MS_1989_10_746.pdf?sequence=1 27 J. L. Juan de Mendoza, Deux hémisphères, un cerveau (Dois hemisférios, um cérebro), 1998. 28 H. Trocmé-Fabre, Op. cit. 2002. 28 H. Trocmé-Fabre, Op. cit. 2002. 29 Justine Sergent, pesquisadora da Universidade McGill em Montreal, citada por Trocmé-Fabre, 2002. sistemático porque o hemisfério direito pode intervir quando necessário. Roger Sperry e Michael Gazzaniga mostaram que os hémisférios separados por uma calosotomia podiam funcionar de maneira independente, obtendo raciocínios distintos a partir das informações que cada hemisfério tinha acesso26. Figura 7 - Os dois hemisférios vistos pelo hemisfério direito do autor Cada hemisfério tem sua especificidade. O hemisfério direito trata as informações visuais e espaciais que permitem a localização no espaço. Ele trabalha de maneira rápida, simultânea, sintética e global. Ele se apoia na experiência. Ele é intuitivo e parte da dedução. O hemisfério esquerdo encarrega-se das tarefas de compreensão e produção da linguagem. Ele trabalha de maneira lenta, precisa, analítica, detalhada, sequencial, lógica. Ele parte do detalhe rumo à complexidade27. As atividades de cálculo, a escrita, a fala, a categorização, a diferenciação, a seleção, a compreensão semântica etc., são em geral reconhecidas como sendo específicas do hemisfério esquerdo. Quando este é danificado aparecem os problemas de sintaxe, de denominação, de percepção das sequências. Já a linguagem estereotipada, os sons não verbais, as melodias, os ruídos, os ritmos, as relações espaciais, a compreensão intuitiva… são reconhecidos como características do hemisfério direito. Quando este hemisfério é danificado, observamos que os problemas de percepção periférica, de entonação, de orientação espacial, ou então, mudanças de humor28. Por muito tempo, o hemisfério direito foi considerado como passivo e inferior ao hemisfério esquerdo. Com as novas pesquisas, o hemisfério direito vem sendo reabilitado. Os dois hemisférios analisam. Ambos são capazes de perceber os conjuntos, tanto o hemisfério direito como o hemisfério esquerdo são capazes de reconhecer as fisionomias, o que a maioria das pesquisas passadas atribuía somente ao hemisfério direito. Logo, é importante levar em conta a influência das características dos estímulos e do método utilizado29. Segundo Trocmé-Fabre, não somente é confirmada a necessidade de ir do global para o analítico, do contexto para o detalhe, do geral para o particular, mas os formadores são solicitados a construírem um programa de plena ocupação do cérebro, sobre a base da cooperação dos dois hemisférios. Observe, a seguir, a Figura 7: Figura 5 Figura 6 Neuropedagogia 40 30 Hélène Trocmé-Fabre, J’apprends, donc je suis (Aprendo, logo existo), Ed. d’Organisation, 2002]. * O esquema A, mostrando alguns elementos da nossa vida cerebral foi elaborado por Mara Welfe- ringer. 31 http://lecerveau.mcgill.ca/flash/d/d_01/d_01_cl/d_01_cl_ana/d_01_cl_ana.html Esquema A Figura 8 - Exemplo de célula animal Neuropedagogia 41 Cada hemisfério contém o germe do outro. Eles são complementares e não opostos. Como no símbolo do Tai Chi, as áreas, clara e escura encontram em inter- relação dinâmica entre elas. O predomínio de um é equivalente à supressão da diferença e à negação da realidade. A representação acima da complementaridade de nossos dois hemisférios e dos aspectos de nossa gestão mental foi inspirada pelo livro de C. Hampden-Turner onde o autor faz um mapa histórico do psiquismo e da cognição30. Alguns elementos da nossa vida cerebral As células do nosso cérebro O sistema nervoso é composto de dois tipos de células: as células da glia e os neurônios. Os neurônios, como todas as células do nosso organismo possuem uma membrana cercando um citoplasma e um núcleo (o corpo celular) onde se encontram os genes. A atividade principal dos neurônios é transmitir a informação e para isso eles possuem dois tipos de prolongamentos que os distinguem de outras células. Esses prolongamentos são: os dendritos e os axônios. Os dendritos (vem do grego dendron = árvore) se dividem como ramos de uma árvore, captam a informação e a encaminham para o corpo da célula. O axônio em geral é bem comprido e único. Esse axônio encaminha a informação do corpo da célula para outros neurônioscom os quais ele faz conexões que são chamadas de sinapses. Os axônios podem também estimular outros tipos de células, como as dos músculos e das glândulas31. CÉLULAS DA GLIA CÉREBRO SINAPSES NEURÔNIO NEUROTRANSMISSORES IMPULSO NERVOSO Noyau Une cellule animale typlque Mebrane Cellularie Organites Cytoplasme Dendrites Un neurone Axone Neuropedagogia Dendritos Nucléolo Axônio Axônio Nòdolu de Ranvier Bainha de mielina Corpo celular Sinapse Célula de Schwenn Núcleo Figura 10 - Exemplo de uma rede de neurônios Neuropedagogia 4342 Terminaçôes do axônio Corpo celular Axônio DendritosDendritos Os neurônios organizam-se entre eles, constituindo uma fantástica rede. Essas células recebem e transmitem sinais de natureza eletroquímica. Os dendritos e os axônios asseguram a transmissão desses sinais. Os dendritos recebem os sinais e os axônios os transmitem. Todas as nossas sensações, nossos movimentos, nossos pensamentos e nossas emoções são o resultado da comunicação entre os neurônios. Essa comunicação é assegurada através de dois processos: a condução elétrica e a transmissão química. A condução elétrica permite ao impulso nervoso viajar rapidamente dentro do mesmo neurônio. Trata-se de uma breve variação elétrica que se propaga dos dendritos ao corpo celular até ao final do axônio. A transmissão química efetua-se ao nível da sinapse. Ela permite transmitir o impulso nervoso de um neurônio para outro. Essa transmissão é chamada de transmissão química. Trata-se da difusão de moléculas químicas entre os neurônios, permitindo ao impulso elétrico passar para o próximo neurônio. Figura 9 - Exemplo de neurônio Segundo Bruno Dubuc, biólogo e pesquisador canadense, não devemos confundir a condução elétrica do impulso nervoso dentro dos neurônios com as sinapses elétricas. Estas podem transmitir o sinal elétrico diretamente de um neurônio para o outro 32. 32 Bruno Dubuc, http://lecerveau.mcgill.ca/ Como funciona a comunicação dos neurônios? Os neurônios se comunicam entre eles graças a eletricidade e a química. Os neurônios se comunicam, usando a eletricidade quando se trata do mesmo neurônio e usando a química quando se trata de passar de um neurônio para o outro. Eles recebem as informações sob forma elétrica, nessa super arborescência, os dendritos, indo até o âmago/núcleo da célula neuronal, onde elas são processadas. O neurônio desencadeia então um novo sinal elétrico que vai se propagar a quase 400km/h, ao longo de filamento. No final desse filamento se encontra um fabuloso Neuropedagogia Neuropedagogia44 45 Figura 11 - Comunicação entre neurônios Figura 12 - Células da glia Axônio Axônio Capilar Astrócito Oligodendrócito Bainha de mielina conjunto de conexões orgânicas que são chamadas de sinapses. São pontos de contato entre dois neurônios, são espaços microscópicos Figura 8- Corpo caloso de comunicação, através dos quais cada neurônio vai poder comunicar com outros milhões de neurônios. Os neurocientistas falam de bilhões e bilhões de conexões em nosso cérebro, comparáveis à quantidade infinita de grãos de areia. Quando o sinal elétrico chega à sinapse, ele libera nesse espaço de um milionésimo de milímetro, milhares de moléculas químicas, chamadas neurotransmissores. Esse contato libera uma cascata de tempestades elétricas que se propagam de neurônio em neurônio, através das sinapses. Na realidade, essa operação sofisticada dura apenas um décimo de milhar de segundos e cada dia de nossa vida, esse fenômeno terá se reproduzido bilhões de vezes33. 33 E. Gaspar, Explose ton score au collège. Le cerveau et ses astuces… Réussir c’est facile ! Belin, 2015. As células da glia Ouvimos falar menos das células da glia porque o papel delas na comunicação celular é menos evidente. Segundo estudos recentes, é provável que a quantidade de células da glia seja igual à quantidade de neurônios, aproximadamente 100 bilhões. As células da glia são extremamente importantes porque sem elas os neurônios não poderiam funcionar corretamente. São elas que alimentam, dão apoio e protegem os neurônios. São elas que eliminam os resíduos deixados pela morte neuronal e aceleram a condução nervosa, agindo como um isolante de certos axônios. As sinapses A sinapse é o ponto de junção entre dois neurônios A palavra sinapse refere-se ao lugar onde o axônio se encontra com o dendrito. A palavra vem do grego “syn” (conjunto) e “haptein (unir, tocar). Os neurônios apresentam duas maneiras bem diferentes de se unirem: A sinapse elétrica onde as células se tocam e são conectadas, através de pequenos orifícios, que permite ao impulso nervoso passar diretamente de uma para outra; Neuropedagogia Neuropedagogia46 47 Figura 14- Neurotransmissores 34 Bruno Dubuc, http://lecerveau.mcgill.ca/ 35 http://lecerveau.mcgill.ca/flash/i/i_01/i_01_m/i_01_m_ana/i_01_m_ana.html Figura 13 - Sinapse axônio neurônio 1 recaptação neurotransmissores neurotransmissor A sinapse química onde as células não se tocam e onde o influxo (impulso) nervoso precisa de moléculas específicas para passar de uma célula para outra; A sinapse química é formada pelo botão terminal do axônio, contendo mensageiros químicos que serão lançados através da fenda sináptica, antes de atingir o dendrito do próximo neurônio; Essas moléculas são os neurotransmissores que são liberados pelo neurônio pré-sináptico e que vai se fixar nos receptores situados em apenas algumas dezenas de nanômetros de distância; As sinapses químicas são menos rápidas do que as sinapses elétricas, mas, elas são mais flexíveis e maleáveis, uma característica preciosa na base de toda aprendizagem; Em uma sinapse química, o influxo (impulso) nervoso só pode circular em um único sentido, ao contrário da sinapse elétrica onde o impulso circula nos dois sentidos. Além do mais, a transmissão nervosa em uma sinapse química leva 0,5 milisegundos, enquanto que com a sinapse elétrica esse tempo é quase inexistente. Cada neurônio pode fazer mais de mil sinapses com outros neurônios e como temos mais de cem bilhões de neurônios, isso significa que o cérebro humano contém aproximadamente 1.000.000.000.000.000 de sinapses. Cada milímetro cúbico de córtex contém meio bilhão!34 Os neurotransmissores Os neurotransmissores são moléculas que agem como « ferry » químicos, permitindo ao influxo/impulso nervoso passar de um neurônio para outro. Os neurotransmissores liberados na fenda sináptica podem ter dois efeitos opostos sobre o próximo neurônio. Alguns favorecem a propagação do influxo nervoso no interior do mesmo. Eles são excitadores. Outros diminuem a probabilidade do neurônio de enviar um impulso. Eles são chamados neurotransmissores inibidores. É a forma específica do neurotransmissor que vai permitir que ele se fixe no bom lugar para produzir seu efeito. O neurotransmissor é como uma chave buscando a boa fechadura. Se sua forma é a boa para o neurônio seguinte, ele vai produzir um efeito nesse neurônio 35. Neuropedagogia Neuropedagogia48 49 36 http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Histologia/epitelio29.php http://lecerveau.mcgill.ca/flash/a/a_01/a_01_cl/a_01_cl_fon/a_01_cl_fon.html Roland Lehoucq, La propagation de l’influx nerveux, Pour la Science, 2002. http://www.pourlascience.fr/ewb_pages/a/article-la-propagation-de-l-influx-nerveux-27713.php Extrait de « Neurophysologie » de G.BOURBONNAIS, Université de Laval, Canada, sur la communica- tion nerveuse; http://www.jpboseret.eu/biologie/index.php/systeme/systeme-nerveux/27-communication-nerveuse Exemplo de tipos de neurotransmissores:A acetilcolina é um neurotransmissor excitador bem disseminado, que provoca uma contração muscular e estimula a excreção de certos hormônios. No sistema nervoso central, ele influi, entre outros, no estado de alerta, na atenção, na raiva, na agressividade, na sexualidade, na sede. A dopamina que participa no controle do movimento e da postura. Ele modula também o humor e a dependência. O GABA (ácido gama-aminobutírico) é um neurotransmissor inibidor muito disseminado nos neurônios do córtex. Ele participa na coordenação motora, na visão e em várias outras funções corticais. Ele regula também a ansiedade. O glutamato é um neurotransmissor excitador super importante. Ele está associado à aprendizagem e a memória. O Influxo (impulso) nervoso36 O impulso nervoso é um fenômeno de natureza elétrica que ocorre no sistema nervoso, propagando-se ao longo dos neurônios. Porém, essa eletricidade em nosso cérebro não é produzida por elétrons como nos fios elétricos de nossas casas. É o movimento de moléculas carregadas eletricamente por meio da membrana do neurônio que causa esse fenômeno. Essa condução de natureza particular é chamada de condução eletroquímica, ou seja, eletricidade feita com moléculas químicas. A membrana dos neurônios como a de todas as células possuem pequenos orifícios chamados canais. É por meio desses canais que as moléculas carregadas eletricamente atravessam a membrana. Mas, ao contrário das outras células, os canais da membrana dos neurônios se especializaram de tal maneira que eles conseguem coordenar o movimento dessas cargas elétricas através da membrana para produzir a condução nervosa. Essa sequência de acontecimentos da condução nervosa pode ser resumida da seguinte forma: 1. Em repouso, os canais da membrana do neurônio criam uma distribuição desigual de cargas: mais cargas negativas dentro e mais cargas positivas fora; 2. O impulso nervoso, abrindo ou fechando certos canais reverterá o potencial elétrico de ambos os lados da membrana: durante um breve instante dentro se torna mais positivo que fora; e 3. O potencial de repouso é rapidamente restaurado pelo trabalho dos outros canais. Mas, já na região vizinha, o fenômeno se repete, propagando assim o impulso nervoso ao longo do axônio do neurônio. É importante notar que a condução nervosa seria inútil sem o outro componente da comunicação neuronal que é a transmissão sináptica que permite ao impulso nervoso passar de um neurônio para outro. Como os neurônios não se tocam ao nível de suas sinapses, eles precisam de mensageiros químicos chamados neurotransmissores para fazer passar o impulso nervoso de um neurônio para outro. Essa transmissão química do impulso nervoso leva o axônio e os dendritos a desenvolverem estruturas especializadas para facilitá- la. Os dendritos possuem assim milhares de “espinhos” que brotam em sua superfície. É no sentido desses espinhos que se situam os botões terminais dos axônios, espécie de protuberâncias onde os neurotransmissores são excretados. A dupla natureza química e elétrica da nossa vida cerebral, e consequentemente, dos nossos meios de comunicação é explicada por J. D. Vincent, com os seguintes termos: Neuropedagogia Neuropedagogia50 51 37 Hélène Trocmé-Fabre, J’apprends, donc je suis (Aprendo, logo existo), 2002. Figura 15 - Impulso nervosoPara que haja vida é necessário organização e para que haja organização é preciso que haja comunicação, ou seja, troca de informações entre as células, e, no centro de uma mesma célula entre os elementos que a compõem. Há nos seres organizados dois modos de comunicação: o nervoso e o hormonal...37 Na comunicação neuronal há um termo técnico para descrever o impulso nervoso chamado de potencial de ação. Trata-se de uma despolarização breve e reversível que se propaga ao longo do axônio. O potencial de ação que se estabelece na área da membrana estimulada perturba a área vizinha, levando à sua despolarização. O estímulo provoca, assim, uma onda de despolarizações e repolarizações que se propaga ao longo da membrana plasmática do neurônio. O exemplo mais citado para explicar o fenômeno do potencial de ação é o princípio da onda produzida pela torcida em um estádio. Algumas pessoas se levantam e se sentam em um mesmo movimento. Seus vizinhos fazem imediatamente a mesma coisa. Em seguida, os vizinhos dos vizinhos fazem também a mesma coisa, etc. Vemos então uma onda humana percorrer o estádio inteiro. O impulso nervoso que viaja nas fibras nervosas é um fenômeno semelhante. Quando a membrana de um neurônio é estimulada, ela se despolariza. Em seguida, numa fração de segundo, ele se repolariza. Imediatamente, quando o ponto estimulado está sendo repolarizado, o ponto vizinho sobre a membrana, por sua vez se despolariza. Em seguida se repolariza quando o ponto vizinho está se despolarizando etc. Uma onda de despolarização que se originou no ponto estimulado se propaga por toda a membrana do neurônio. O potencial de ação difere do potencial recepetor (potencial sináptico) em vários aspectos. Primeiro, porque esse potencial de ação não se propaga de maneira passiva, mas ativamente através dos canais iônicos especiais, sensíveis à voltagem, que possui o axônio e de um dispositivo específico que permite acelerar a propagação do potencial de ação. Segundo, esse processo também requer energia por parte do neurônio que dever garantir a manutenção da atividade das bombas iônicas que servem para reequilibrar as cargas elétricas de ambos os lados da membrana após a passagem do potencial de ação. Os potenciais de ação são de amplitude e de intensidade invariáveis. Sua formação funciona sob o modo do “ou tudo ou nada”. Ou seja, nada acontece se o estímulo não for suficientemente intenso para excitar o neurônio, desencadeando o potencial de ação. Abaixo do limite de excitação do neurônio, nada ocorre, porém, uma vez que a intensidade do estímulo desencadeador supera o limite de excitação, ele não faz nenhuma diferença entre um pouquinho acima do limite ou amplamente acima do limite. Um potencial de ação sempre se produzirá para uma determinada célula. Não existe potencial de ação mais forte ou mais fraco. Passou o limiar, ele é igual independente da intensidade do estímulo. Neuropedagogia Neuropedagogia52 53 Fi gu ra 1 6 - I m pu ls o ne rv os o Um neurônio só pode transmitir a informação variando a frequência dos seus potenciais de ação, ou seja, pelo número de potenciais de ação emitidos em um segundo. As alterações do potencial de membrana do neurônio. Exemplos de três situações possíveis na comunicação entre neurônios: 1 O neurônio recebe o potencial excitador que não alcança o limite de excitação, logo não será possível gerar um novo impulso nervoso; 2 O neurônio recebe dois potenciais excitadores cuja soma não permite alcançar o limite de excitação do neurônio e produzir um novo impulso nervoso; e 3 O neurônio recebe dois potenciais excitadores cuja soma permite alcançar o limite de excitação do neurônio e produzir um novo potencial de ação. O potencial de ação é uma inversão temporária do potencial elétrico da membrana do axônio que dura apenas alguns milissegundos. Após a passagem do potencial de ação, há um breve período refratário durante o qual a membrana não pode mais ser estimulada. Esse fenômeno impede o potencial de ação de voltar, obrigando-o a prosseguir, como a chama que percorre um fio de pólvora. Os potenciais de ação são mensageiros essenciais para a linguagem neuronal. O impulso nervoso se propaga em um único sentido na fibra nervosa. Os dendritos sempre conduzem o impulso em direção ao corpo celular. O axônio conduz o impulso em direção das extremidades, longe do corpo celular. Todas as nossas percepções, nossos pensamentos,