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NeuropsicopedagogiaNeuropsicopedagogia AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade Bem vindo(a)! Seja muito bem-vindo(a)! A neuropsicopedagogia é uma área nova, mas que surge com o entusiasmo de poder contribuir com a educação e saúde por mesclar conhecimentos, métodos e objetivos das neurociências, psicologia e pedagogia. Sendo uma área que promete muito conhecimento bem embasado e de ampla aplicação. Na Unidade I vamos conhecer como os conceitos básicos de neuropsicopedagogia, de sua integração de três grandes áreas. Veremos a relação entre cérebro e aprendizagem, como a conformação do cérebro impacta nos comportamentos e as características bioquímicas dos neurônios em seus potenciais de ação. Já na Unidade II você irá saber mais sobre o que é a neurociência cognitiva e diferenciá-la das outras neurociências, compreenderá as bases neurobiológicas da aprendizagem, a evolução do sistema nervoso durante o desenvolvimento e a importância do feedback para atingir os objetivos educacionais. Na sequência, na Unidade III aprofundaremos sobre aspectos do cérebro e o sistema nervoso, como as neurociências explicam o desenvolvimento da mente e do comportamento a partir das funções cerebrais, diferenciaremos os tipos de memórias, com suas funções e durações e falaremos de modo crítico sobre a tendência presente nas neurociências em reduzir a experiência humana ao biológico. Em nossa Unidade IV vamos �nalizar o conteúdo dessa disciplina com a evolução do estudo do cérebro, falando sobre as ondas cerebrais, os neurônios em rede que permitem a realização das funções cerebrais com perfeição, com suas sinapses e comunicações elétricas, conheceremos a muito importante característica do cérebro chamada de neuroplasticidade e falaremos de como a inteligência emocional permite atingir grandes objetivos. Aproveito para reforçar o convite a você, para junto conosco percorrer esta jornada de conhecimento e multiplicar os conhecimentos sobre tantos assuntos abordados em nosso material. Esperamos contribuir para seu crescimento pessoal e pro�ssional. Unidade 1 O cérebro e a aprendizagem AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade Introdução Conhecer o cérebro e sua relação com a aprendizagem é fundamental na neuropsicopedagogia. Diante de um contexto social em que o conhecimento é extremamente importante na vida pessoal e pro�ssional das pessoas, as di�culdades de aprendizagem podem afetar muitos aspectos negativamente, como na vida pro�ssional e até mesmo na autoestima. Muitas áreas do conhecimento buscam auxiliar para que haja melhores aprendizagens, principalmente quando, apesar de boas oportunidades e meios o desempenho, está abaixo do que o indivíduo pode proporcionar. Há atualmente um enorme esforço para que a neurociência voltada para a educação se alie ao conhecimento provindo da Psicologia Cognitiva, Psicopedagogia e Pedagogia, formando a neuropsicopedagogia. Esta é uma ciência nova, com arcabouço teórico forte e evidências de aplicação na prática educativa que permite otimismo. Um primeiro passo no percurso dessa unidade deve ser a compreensão do funcionamento e estrutura do sistema nervoso. A menor unidade do sistema nervoso, o neurônio, que produz e envia sinais elétricos. A comunicação entre os neurônios é fundamental para a organização e orientação do comportamento em um ambiente complexo e bastante mutável. As mudanças neuronais decorrentes das aprendizagens transformam a percepção de coisas muito simples e possibilitam enormes modi�cações de comportamentos comuns e também dos so�sticados. A estrutura dos neurônios é envolvida pela membrana que desempenha uma importante função na criação e propagação de sinais elétricos. A carga iônica positiva fora da célula nervosa e a negativa dentro constituem o contexto elétrico que é alterado por milésimos de segundos, com a abertura de canais iônicos dentro da membrana do neurônio, levando à despolarização deste e transmitindo impulsos nervosos pela rede neural. A circuitaria neural é impressionante e faz parte da base biológica da aprendizagem. Com muita animação, o(a) convido para essa jornada sobre o ser humano e sua fantástica capacidade de aprender! Introdução e conceitos AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade O diálogo entre neurociências e educação tem mostrado enorme potencial. Várias dúvidas sobre as questões de aprendizagem rondam a cabeça de professores e outros pro�ssionais voltados ao campo educacional. Muitas ciências já foram conclamadas a participar da vida escolar, levando seu olhar sobre os processos de ensino-aprendizagem. Os conhecimentos da neurociência se aglutinam com os provindos da Pedagogia e da Psicologia, dando origem a esta nova ciência chamada neuropsicopedagogia. É corrente o pressuposto de que quanto mais se conhecer o aluno, melhor se poderá ensiná-lo. Há ainda muito a conhecer sobre os aspectos do neurodesenvolvimento e como in�uenciá-lo positivamente, revelando a necessidade de constante atualização sobre as interações entre o sistema nervoso e o organismo humano. Pensava-se que conhecíamos o cérebro, contudo descobertas recentes des�zeram noções que tomávamos como verdades. Sabemos que as células do sistema nervoso, os neurônios, mantêm certa capacidade de reprodução ao longo de toda a vida, o que muda nosso entendimento de plasticidade cerebral. A velha e enaltecida ideia de que a humanidade só usa menos de 30% do seu potencial também caiu por terra com o aprimoramento da tecnologia para observar o cérebro em ação. Descrições do cérebro como sendo dois hemisférios sem muita comunicação se mostraram falhas e compreendemos agora que hemisférios esquerdo e direito interagem contínua e fortemente para sermos os seres integrados e harmônicos que podemos ser. Embora a Psicologia já amparasse a Pedagogia com conhecimentos sobre o desenvolvimento humano, o aparecimento da neuropsicopedagogia tem proporcionado maior entendimento de como a emoção é fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Antes de abordar aspectos do cérebro e a aprendizagem, devemos ter claro o que é aprendizagem. Paula et al. (2006, p. 225, grifo nosso) respondem a essa aparentemente simples interrogação: Às vezes, os termos aprendizagem e conhecimento são utilizados como sinônimos, porém, é por meio do processo de aprendizagem que se adquire conhecimento, no entanto, o conhecimento resultante do processo não pode ser confundido com aprendizagem. (PAULA et al., 2006, p. 225, grifo nosso). Para que haja aprendizagem é necessário um certo nível de ativação, atenção, vigilância e seleção das informações. Caso não exista uma organização cerebral integrada, não há aprendizagem adequada. A aprendizagem: “[...] inicia com um estímulo de natureza físico-química advindo do ambiente que é transformado em impulso nervoso pelos órgãos dos sentidos” (PAULA et al., 2006, p. 226). Após introduzir o conceito de aprendizagem de modo cientí�co para evitar ambiguidade, alguns outros termos devem ser esclarecidos para que possamos prosseguir. Portanto, cabe citar o conceito de neurociências de Lent (2008, p. 2): “[...] um conjunto de disciplinas que tratam do sistema nervoso, nasceu da busca das bases cerebrais da mente humana”. A atual geração de educadores e pessoas que lidam com a educação precisará, de acordo com Zaro et al. (2010), considerar os conhecimentos gerados por pesquisas em neurociência. Um dos maiores intelectuais e pesquisadores que defendem a neuroeducação, Howard Gardner, apontou a falta de um elo entre a neurologia, a Psicologia e a educação para formar o que seriam “neuro-educadores” (ZARO et al., 2010). A neuroeducação é uma das áreas que compõem o conhecimento da neuropsicopedagogia e, às vezes, um termo com o qual se descreve a neuropsicopedagogia, pois esta ainda é uma área de conhecimento muito nova, recebendo várias designações. Uma amostra da possível utilização dos conhecimentos alinhados do campo da educação, Psicologia cognitiva e neurociências é explicado por Zaro et al. (2010,p. 204): A pesquisa de base neuro-educacional comportaria um vasto campo de investigação – de naturezas quantitativas, qualitativas, empíricas e inclusive etnográ�cas – incluindo temas como, por exemplo, as diferenças de aprendizado entre crianças, jovens, adultos, idosos, tanto quanto entre alunos de diferentes áreas do conhecimento, e o impacto das diferentes tecnologias audiovisuais sobre cada uma delas (Ribeiro et al., 2005). Ou, ainda, as diferenças de ensino-aprendizagem envolvidas na constatação de que existem diferentes tipos de conhecimento teórico, prático, técnico, aplicável, memorizável, etc., cada um deles adequando-se, talvez, a um tipo ou outro de solução tecnológica (quando e por que se deve escolher um vídeo, um game, um acervo dinâmico de pesquisa ou uma simulação, por exemplo?). (ZARO et al., 2010, p. 204). Além das neurociências, outra área contribui para a neuropsicopedagogia, é a já bem conhecida, a neuropsicologia, que, para Paula et al. (2006, p. 225), é: [...] a ciência que tem por objeto o estudo das relações entre as funções do sistema nervoso e o comportamento humano. [...] A neuropsicologia pretende inter-relacionar os conhecimentos da psicologia cognitiva com as neurociências, desvendar a �siopatologia do transtorno e, sobre esta base, encarar racionalmente a estratégia de tratamento. (PAULA et al., 2006, p. 225). Em meio a tantas novas áreas do conhecimento, surge a neuropsicopedagogia. Mas, o que é mesmo neuropsicopedagogia? Para a Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia – SBNPp (apud PEREIRA, 2019), é uma ciência transdisciplinar embasada nos conhecimentos da neurociência aplicada à educação e tem como objetivo formal de estudo relacionar o funcionamento do sistema nervoso e a aprendizagem humana numa perspectiva de reintegração pessoal, social e educacional. A neuropsicopedagogia é uma ciência que estuda o sistema nervoso e sua atuação no comportamento, com enfoque na aprendizagem. Essa ciência nova usa de conhecimentos da Psicologia Cognitiva, ramo da Psicologia; da Psicopedagogia utiliza as noções sobre as características da aprendizagem humana, também os processos de ensino e a origem das alterações na aprendizagem. A intervenção neuropsicopedagógica, segundo Oliveira et al. (2018), busca ser diferenciada para cada ser, valorizando a personalidade do indivíduo. O trabalho do neuropsicopedagogo favorece as particularidades de cada ser humano. A neuropsicopedagogia tem como foco o conhecimento das habilidades do cérebro, assim sendo, conhecer os instrumentos que estimulam as funções cerebrais é importante para o desenvolvimento e�caz da aprendizagem. O pro�ssional neuropsicopedagogo estuda as estruturas do cérebro e tem a consciência de como ele funciona, ele compreende o sujeito que aprende e como a aprendizagem humana é implicada em cada um deles, seu trabalho deve focar nas potencialidades, temos que ver o que há de melhor em cada sujeito, pois certas di�culdades podem ser de caráter transitório se forem estimuladas positivamente (OLIVEIRA et al., 2018, p. 58). A ideia central da neuropsicopedagogia é tratar o indivíduo como possuindo um modo único de interagir e aprender. “A grande tarefa do neuropsicopedagogo é proporcionar uma avaliação individual, observando os comportamentos dos sujeitos e identi�cando os possíveis fatores que venham a in�uenciar a aprendizagem [...]” (OLIVEIRA et al., 2018, p. 58). De acordo com a resolução nº 03/2014 da Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia-SBNPP, o neuropsicopedagogo deve: [...] considerar tanto possibilidades quanto limitações físicas, mentais e emocionais do cliente, desenvolvendo objetivos apropriados para o atendimento das suas necessidades e avaliar constantemente o desenvolvimento do processo neuropsicopedagógico (OLIVEIRA et al., 2018, p. 58). Devido a maioria das incapacidades da aprendizagem escolar, social e emocional terem como uma das causas problemas no desenvolvimento neurológico o estudo teórico deve procurar na neuropsicopedagogia a fundamentação principal e entendimento dos processos de disfunção do sistema nervoso central. Agora, falaremos mais sobre a complexidade do cérebro humano, que permite inúmeras aprendizagens. Cérebro e aprendizagem AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade Para compreendermos o cérebro e como ele atua, é preciso antes entender que ele faz parte do sistema nervoso, que é dividido em sistema nervoso central (que reúne as estruturas dentro do crânio e da coluna vertebral) e o sistema nervoso periférico (que engloba as estruturas distribuídas pelo organismo). A superioridade cognitiva dos seres humanos, quando comparados a outros seres, é explicada por possuirmos um so�sticado arranjo de receptores sensoriais conectados a uma espécie de maquinaria neural �exível. Há um �uxo contínuo de informações que são organizados pelo encéfalo (é o conjunto do tronco cerebral, cerebelo e cérebro que controlam o organismo) e se tornam respostas comportamentais. Figura 1 - Três cérebros em um Fonte: acesse o link Disponível aqui Vamos enfocar as células nervosas individuais, os neurônios, que produzem e enviam sinais que garantem toda a manutenção da vida e orientação de cada organismo no ambiente. As células nervosas individuais, unidades básicas do encéfalo, têm uma morfologia relativamente simples. Apesar de o encéfalo humano conter um número extraordinário dessas células da ordem de 10¹¹ neurônios), que podem ser classi�cadas em pelo menos mil tipos diferentes, todas as células nervosas compartilham a mesma arquitetura básica. A complexidade do comportamento humano depende menos da especialização de células nervosas individuais e mais do fato de muitas dessas células formam circuitos anatômicos precisos. Um dos princípios-chave da organização do encéfalo, portanto, é que células nervosas com propriedades basicamente similares podem produzir ações muito diferentes por causa do modo como estão conectadas umas às outras e aos receptores sensoriais e músculos (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 19). Os neurônios são organizados em grupos funcionais, trabalham conectados uns aos outros de modo preciso (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Vários comportamentos são produzidos por neurônios de diferentes regiões do encéfalo interconectadas por vias neurais especí�cas. Um dos princípios organizacionais do cérebro, isto é, sua forma de agir, é conhecido como processamento distributivo paralelo, em que muitas funções sensoriais, motoras e cognitivas utilizam mais de uma via neural. Essa característica permite que quando uma região funcional é dani�cada, outras possam compensar parcialmente a perda. Funções motoras e perceptivas básicas mais simples estão localizadas em áreas isoladas do córtex. Já as funções mais so�sticadas (como a linguagem) resultam de interconexões de várias regiões funcionais. As operações neurais responsáveis pelas habilidades cognitivas ocorrem principalmente no córtex cerebral. O córtex é a matéria cinzenta cheia de sulcos que cobre os hemisférios cerebrais e, segundo Cosenza e Guerra (2011), é a porção externa do cérebro, constituída por substância cinzenta, contendo bilhões de neurônios em circuitos complexos que se encarregam de funções como memória, planejamento e linguagem. O córtex é dividido em quatro lobos, que possuem funções especializadas: O lobo frontal está amplamente relacionado com o planejamento de ações futuras e com o controle do movimento; o lobo parietal, com a sensação somática, a formação da imagem do corpo e a relação da imagem do corpo com o espaço extrapessoal; o lobo occipital, com a visão; o lobo temporal, com a audição e, por meio de suas estruturas mais profundas - o hipocampo e o núcleo amigdalóide - com aspectos de aprendizagem, memória e emoção. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 9, grifo nosso). Para entendermos um pouco sobre como o córtex é ativado e como atua diante da estimulação, como uma estimulação na pele, recorremos a Cosenza e Guerra (2011, p. 8): [...] a regiãoque recebe as informações táteis, por exemplo, localiza-se no lobo parietal. [...] É por intermédio do córtex cerebral que percebemos uma determinada sensação. Em outras palavras, sabemos que houve uma estimulação tátil em nosso dedo quando essa informação, trazida através da cadeia neuronal mencionada, excita neurônios do córtex cerebral, levando a um processamento que ativa a consciência. Na região que se encarrega das informações táteis, existe um mapa corporal em que um ponto do córtex em que estão representadas as diversas partes do corpo. Ou seja, uma estimulação da pele do rosto chega em um ponto do córtex, enquanto a estimulação do braço atinge uma área um pouco diferente, e assim sucessivamente. Dessa forma, o cérebro ‘sabe’ que região do corpo está sendo estimulada. Figura 2 - Divisão anatômica do hemisfério cerebral direito Fonte: acesse o link Disponível aqui O cérebro é uma estrutura muito complexa, e tem sido melhor investigado conforme avança a tecnologia para o observar em ação. Quanto mais se aprende sobre ele, mais se pode intervir para melhores condições de vida e aprendizagem. Tudo que aprendemos deixa marcas no cérebro e mudanças no cérebro são a base para o aprendizado. A neurociência, segundo Herculano-Houzel (2011), explica que a aquisição do comportamento consiste na modi�cação das conexões entre neurônios no cérebro. O aprendizado é um dos maiores prazeres do cérebro, porque é um estímulo poderoso para o sistema de recompensa cerebral, que leva a sensações de satisfação e até de euforia. Aprender é mudar o cérebro conforme se vivem experiências. As conexões entre neurônios podem se fortalecer ou se tornar mais fracas dependendo do uso, ou seja, certas atividades feitas frequentemente fortalecerão determinadas conexões nervosas, enquanto a interrupção de uma atividade por muitos anos pode enfraquecer a conexão entre células nervosas e tornar um comportamento previamente aprendido mais difícil de realizar do que um que executamos constantemente. Avançamos mais um pouco em nossa caminhada e trataremos um pouco mais sobre como os neurônios se relacionam. Alicerce para o aprendizado AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade A mediação do comportamento depende de como o cérebro é construído, da sua citologia, da biofísica e bioquímica. O bloco de construção básico de todos os organismos é a célula. Existem vários tipos de neurônios cujo plano celular básico é semelhante, o que nos permite conhecer o modo como as células nervosas agem (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Falaremos das unidades fundamentais a partir das quais os módulos do sistema nervoso são compostos, pois: “O fenômeno da aprendizagem inicia-se em nível neuronal e desencadeia mudanças visíveis na percepção e no comportamento” (CASTRO; OLIVEIRA, 2018, p. 70). O plano celular básico dos neurônios permite a capacidade exclusiva das células nervosas de se comunicarem entre si, de modo rápido e por longas distâncias. “Os principais compartimentos funcionais dos neurônios - o corpo celular, os dendritos, os axônios e os terminais - estão geralmente separados por distâncias consideráveis” (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 65). Quanto a estrutura e o funcionamento do neurônio: Primeiro, o neurônio é polarizado, possuindo dendritos receptores numa extremidade e axônios com terminais sinápticos na outra. Essa polarização das propriedades funcionais é comumente utilizada para restringir o �uxo de impulsos numa direção. Segundo, o neurônio é elétrica e quimicamente excitável. Sua membrana externa contém proteínas especializadas - canais iônicos e receptores - que permitem o in�uxo e o e�uxo de íons inorgânicos especí�cos e, em consequência, criam correntes elétricas (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 65). Figura 3 - Neurônio Fonte: acesse o link Disponível aqui Os dendritos são muito rami�cados e modelados para receber comunicação sináptica de outros neurônios. Geralmente há um único axônio em cada neurônio, que propagam os impulsos elétricos aos terminais sinápticos. Um dos fatores que também diferencia o neurônio de outras células do corpo é que: Os neurônios também diferem da maioria das outras células pelo fato de serem excitáveis. Mudanças rápidas no potencial elétrico são possíveis graças a estruturas protéicas especializadas (canais iônicos e bombas) na membrana celular que controlam o �uxo instantâneo de íons para dentro e para fora das células (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 65). Os neurônios apresentam especi�cidades importantes para a troca de informações entre eles e outras células do corpo. Trataremos a seguir das características da membrana celular do neurônio para compreender o modo como se dá a transmissão de informação. Potencial de Membrana e ação AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade De modo breve, Lent (2001) nos explica que o neurônio é uma unidade sinalizadora do sistema nervoso, sua forma é adaptada para transmissão e processamento de sinais. Sua morfologia é caracterizada por muitos prolongamentos próximos ao corpo celular (dendritos), que funcionam como antenas para os sinais de outros neurônios, possui também um prolongamento que leva as mensagens do neurônio para lugares distantes. Os neurônios são células excitáveis capazes de produzir potenciais de ação. Os potenciais de ação são as unidades de informação dos neurônios. As alterações temporárias da corrente que entra e sai das células geram sinais elétricos – potenciais do receptor, potenciais sinápticos e potenciais de ação. Os sinais elétricos alteram o potencial de repouso da membrana celular. Pode-se ler na explicação a seguir sobre a corrente controlada por canais iônicos na membrana celular: Os canais de repouso estão normalmente abertos e não são signi�cativamente in�uenciados por fatores externos, como o potencial através da membrana. Sua importância primária é a manutenção do potencial de membrana na ausência de sinalização. Em contraposição, durante o repouso, a maioria dos canais controlados estão fechados (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 125). Assim, podemos compreender que o potencial de membrana é indispensável para que o neurônio volte ao seu estado anterior após a despolarização quando dispara uma informação. Os canais de repouso na membrana mantêm o potencial de repouso. Quando o potencial de repouso é alterado dá origem a sinais elétricos que transitam, como o potencial de ação. Os canais de sódio, potássio e cálcio na membrana dependem da voltagem para gerar o potencial de ação. Para podermos delinear o que é o potencial de membrana mais especi�camente, precisamos falar sobre as cargas de íons positivos e negativos, em nível atômico, que caracterizam a membrana plasmática do neurônio. Todo neurônio apresenta uma separação de cargas através de sua membrana celular, que consiste em uma delgada camada de íons positivos e negativos distribuídos ao longo das superfícies interna e externa da membrana celular. No repouso, uma célula nervosa tem um excesso de cargas negativas no lado interno. Essa separação de cargas é mantida porque a bicamada lipídica da membrana bloqueia a difusão de íons. A separação de cargas origina o aparecimento de uma diferença de potencial elétrico, ou voltagem, através da membrana que é denominada potencial de membrana (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 126). Cabe um maior detalhamento sobre o potencial de membrana: Quando a célula está em repouso, os �uxos iônicos passivos para dentro e fora da célula são contrabalanceados, de modo que a separação de cargas através da membrana permaneça constante e o potencial de membrana permaneça no seu valor de repouso. Nas células nervosas, o valor do potencial de repouso da membrana é determinado primariamente pelos canais de repouso seletivos ao K+, Cl-, Na+.(...) Em condições �siológicas, as concentrações intra e extracelulares do Na+, K+ e Cl- são constantes. Durante a sinalização, as alterações do potencial de membrana (potencial de ação, potenciais sináptico e do receptor)são causadas por mudanças substanciais nas permeabilidades relativas da membrana a esses três íons (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003, p. 138). (Há o link de um vídeo que explica de modo breve a polarização e despolarização do neurônio e as diferenças de cargas positivas e negativas na membrana celular). Para recapitular, são três as etapas do potencial de ação: 1ª - repouso: no potencial de repouso a membrana está polarizada devido ao grande potencial negativo da membrana; 2ª - despolarização: a membrana �ca permeável aos íons de sódio, que entram para o interior da célula. O potencial de repouso varia muito rapidamente na direção da positividade; 3ª - repolarização: em poucos décimos de milésimos de segundos os canais de sódio começam a se fechar enquanto os canais de potássio se abrem mais, permitindo a rápida saída de íons de potássio para fora da célula. Ao mesmo tempo as bombas de sódio e potássio se ativam, restabelecendo o potencial negativo de repouso da membrana. Uma outra forma de comunicação dos neurônios ocorre através de estruturas chamadas sinapses, que são áreas de contato entre dois neurônios ou entre um neurônio e uma célula muscular. Na sinapse ocorre um verdadeiro processamento de informação. O impulso nervoso é o principal sinal de comunicação do neurônio, um pulso elétrico gerado pela membrana, rápido e invariável, que se propaga com enorme velocidade ao longo do axônio. Ao chegar na extremidade do axônio, o impulso nervoso provoca a emissão de uma mensagem química que leva a informação - intacta ou modi�cada - para a célula seguinte (LENT, 2001, p. 2). No citoplasma neuronal, na parte interna do neurônio, �utuam várias organelas com funções e formas diferentes. Cada neurônio busca manter uma diferença de potencial elétrico entre a parte interna e face externa de sua membrana. Essa capacidade depende de canais iônicos abertos que �cam na membrana permitindo ou bloqueando certos elementos de entrarem ou saírem da célula. O sódio e o cloro vazam para dentro continuamente, enquanto o potássio vaza para fora da célula. Existe uma bomba de sódio e de potássio que mantém o potencial de repouso do neurônio. As membranas dos neurônios apresentam oscilação da voltagem, tornando um ponto da membrana menos polarizada (despolarizada), então, a face interna da membrana �ca menos negativa que a face externa, abrem-se os canais de sódio, com íons de sódio entrando na célula, aumentando a despolarização, que cria um potencial que se espalha pela membrana e pode alcançar a região do axônio. Em consequência: “O movimento de íons Na+ para dentro do neurônio se acentua, e isso leva a um pico de despolarização que acaba por inverter a polaridade da membrana: a face interna �ca então positiva em relação a face externa” (LENT, 2008, p. 68). Após a despolarização da membrana do neurônio, há o retorno da polarização. Despolarização e polarização duram cerca de um milissegundo. Para compreender o potencial de ação da membrana dos neurônios, recorremos novamente a Lent (2008, p. 69), que explica haver características importantes: Figura 4 - Imagem das bombas de sódio e potássio na membrana plasmática do neurônio Fonte: acesse o link Disponível aqui [...] a primeira é que ocorre sempre do mesmo modo para cada tipo de neurônio, o que signi�ca que a sua forma grá�ca é invariante. Conhece-se essa propriedade como lei do tudo-ou-nada, que expressa a ideia de que o impulso nervoso ou ocorre ou não ocorre, e quando ocorre é sempre igual em amplitude, duração e forma de onda. A segunda característica do potencial de ação é que ele torna inexcitável o local da membrana em que ele aparece. Isso porque, embora a membrana seja rapidamente repolarizada pela saída de K+, as concentrações iônicas �cam invertidas durante um certo tempo, até que a bomba de Na+/K+ possa restabelecer as condições iônicas da face citoplasmática e da face extracelular da membrana. Esta segunda característica do potencial de ação, ou seja, a existência do período refratário, impõe um limite para o aparecimento de um outro impulso no mesmo local, de�nindo assim o mínimo intervalo de tempo entre dois impulsos (apenas alguns milissegundos). Sendo assim, �ca de�nida também a máxima frequência de impulsos possível para cada neurônio, um aspecto importante para a codi�cação de informação. A terceira característica do potencial de ação é a condução ao longo do axônio: Intuitivamente poderíamos pensar que o impulso nervoso, uma vez gerado na zona de disparo do axônio, simplesmente se deslocaria ao longo da �bra até os ramos terminais. Não é bem isso que acontece: se fosse assim, o impulso se dissiparia gradativamente, perdendo energia ao longo do caminho, e no entanto ele permanece íntegro, com a mesma amplitude, duração e forma de onda do ponto de início. Essa capacidade de manutenção da integridade do potencial de ação ao longo do axônio se deve ao fato de que na verdade ele é gerado novamente a cada ponto da membrana, provocando uma ‘impressão’ de deslocamento. É como as luzes de um anúncio luminoso, que acendem em sequência, dando a impressão de deslocamento (LENT, 2008, p. 69). Sobre a despolarização: No ponto de origem, a despolarização da membrana gera correntes locais nas duas faces da membrana, pois as regiões vizinhas não estão despolarizadas. Do lado do soma neuronal, há poucos canais de Na+ dependentes de voltagem, e o potencial resultante acaba se dissipando. Mas, do lado do axônio propriamente dito, a concentração desses canais é alta, e as correntes locais acabam por despolarizar a vizinhança o su�ciente para atingir o limiar e disparar os fenômenos ‘explosivos’ do potencial de ação (LENT, 2008, p. 69). O potencial de ação gerado na zona de disparo chega em iguais condições a todos os ramos terminais que formam as arborizações entre axônios. O potencial de ação permite a comunicação entre os neurônios em rede, distribuindo a informação para todos os neurônios com os quais faz contato. O potencial de ação atua favorecendo a transmissão química entre neurônios, a sinapse. A transmissão sináptica ocorre quando um potencial de ação chega ao terminal pré-sináptico, despolarizando-o. Existe o potencial de ação pré-sináptico e o pós-sináptico, indicando quando a comunicação dentro do cérebro é relacionada ao potencial de ação. Figura 5 - Sinapse ocorrendo na fenda sináptica entre neurônios Fonte: Freepik. SAIBA MAIS Podemos dizer que o cérebro é o computador central do nosso corpo, localizado dentro da caixa craniana, e faz parte do sistema nervoso, para onde convergem as informações que recebemos. Ao contrário dos demais órgãos, ele é o único que pode melhorar seu desempenho com o passar do tempo; quanto mais for utilizado, melhor seu desempenho. Ele deve ser constantemente exigido, treinado e desa�ado, ampliando as conexões neuronais independentemente da idade da pessoa. O cérebro representa apenas 2% da nossa massa corporal, porém consome mais de 20% do nosso oxigênio comandando atividades como o controle das ações motoras, integração de estímulos sensoriais e as atividades neurológicas como a memória e a fala. Podemos dizer ainda que a ginástica cerebral é um método de ativação simultânea dos dois hemisférios cerebrais baseado na educação cinestésica e utilizado para melhorar a capacidade de aprendizagem. Fonte: Pereira (2019). REFLITA “Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio - e eis que a verdade se me revela” (Albert Einstein). A educação tem recebido contribuições das neurociências para atuar baseado no conhecimento de como o cérebro funciona. O campo da educação sempre foi alvo de diversas e salutares in�uências, algo muito bom, contudo muitas das abordagens usadas na educação propunham modos de agir sem base em evidências, algo que pode ter atrasado modos mais adequados de ensinar. A emergência da neuropsicopedagogia demonstra que a preferência por conhecimento cientí�co é um caminho necessário para lidar com problemasde ordem institucional e/ou clínico que atrapalham o desenvolvimento e aprendizagem dos sujeitos em qualquer fase da vida. Para a compreensão adequada e profunda de como se dão as aprendizagens, mergulhamos no mundo atômico que permeia as comunicações entre neurônios dentro do cérebro. As diferentes cargas elétricas do meio extracelular e intracelular dos neurônios desempenham relevante papel para que haja a sinergia entre diferentes neurônios. Os sinais elétricos que alteram temporariamente o potencial de repouso da membrana celular permitem a despolarização da membrana plasmática e posterior repolarização. A excitabilidade do neurônio o diferencia da maioria das células do organismo. Como cada cérebro é único, as interações com o meio auxiliam na formação de novas conexões ou reforçam antigas, moldando o organismo a cada experiência que se repete ou que se pratica. As neurociências trazem muitos conhecimentos novos que são integrados às áreas da Psicologia cognitiva, educação e saúde. Os avanços rápidos das neurociências forçam os pro�ssionais que dela se utilizam a se atualizarem constantemente, pois antigas “verdades” sobre o funcionamento cerebral têm sido desfeitas e novas descobertas reforçam o grande valor do conhecimento da integração de saberes da neuropsicopedagogia. Conclusão - Unidade 1 Leitura complementar Quando o cérebro não esquece um membro perdido Antes da descoberta dos antibióticos, quando uma ferida nos braços ou nas pernas de um paciente necrosava, o único tratamento e�ciente para evitar a morte era a amputação. Só que, muitas vezes, o fantasma do membro amputado continuava assombrando o paciente – literalmente. Ele “sentia” o membro amputado, ou, pior, tinha dor no braço que não possuía mais. Seria alucinação? Delírio dos pacientes, incapazes de aceitar sua nova condição? E quando a dor era muita, onde aplicar o analgésico? Até o século XIX, casos de membros fantasmas foram descritos apenas ocasionalmente. Um dos primeiros foi apresentado pelo francês Ambroise Paré (1510- 1590), pioneiro da cirurgia. O �lósofo e cientista René Descartes (1596-1650) e, 200 anos depois, o �siologista François Magendie (1783-1855) também descreveram casos de membros fantasmas. Mas analisando casos isolados era difícil encontrar algum indício de uma explicação �siológica para essa estranha sensação. Se é que os “fantasmas” existiam mesmo, e não eram só produtos da imaginação dos pacientes traumatizados – como nas histórias de fantasmas, quem quisesse que acreditasse... Até que uma guerra produziu dezenas de casos para um só cirurgião, o americano Silas Weir Mitchell (1829-1914), que servia na Filadél�a durante a guerra civil norte- americana (1861-1865). Os hospitais enchiam-se de soldados feridos; Mitchell chegou a examinar 90 pacientes amputados. Desses, 86 logo passaram a sentir o fantasma do membro removido – só quatro o “esqueceram”. Mitchell observou que as histórias de membros fantasmas eram coerentes. Por exemplo, várias vezes eles pareciam incompletos ou mais curtos do que o membro restante. Além do mais, eram muito dolorosos e podiam ser sentidos por toques no rosto, por um bocejo, ou por mudanças no vento. [...] Somente no século XX, com as técnicas de registro eletro�siológico da atividade cortical, foi possível identi�car uma origem para as sensações fantasmas. Dois grupos independentes descobriram que a porção de córtex somestésico desaferentada pela remoção de um membro é invadida por aferentes das áreas corticais vizinhas, representando o tronco e o rosto. A consequência é que a porção desaferentada pela amputação torna-se ativada por estímulos a essas regiões vizinhas. Só que, em vez de provocar sensações correspondentes a elas, o córtex mantém a “memória” da representação original – e o fantasma do membro aparece. [...] Os fantasmas, portanto, não são pura imaginação, mas sim produtos de um cérebro que muda com a nova realidade, mas não esquece suas imagens passadas. Fonte: Lent (2001, p. 148). Livro Filme Acesse o link Web Acesse o link https://www.youtube.com/watch?v=ym8OxAeIm0s https://www.youtube.com/watch?v=s8_nSoO4CJA Referências CASTRO, D. C.; OLIVEIRA, C. P. R.. Neurociência cognitiva e educação: os efeitos do "Yoga na Educação" (R.Y.E.) nos processos de aprendizagem. Paideia, ano 13, n. 20, p. 69-87, 2018. COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011. HERCULANO-HOUZEL, S. Neurociências na educação. Belo Horizonte: Cedic, 2011. KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Princípios da neurociência. 4. ed. Barueri: Manole, 2003. LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociências. São Paulo: Atheneu, 2001. LENT, R. Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. OLIVEIRA, G. M. et ai. Inteligências múltiplas e intervenção neuropsicopedagógica. Revista Educação em Foco, n. 10, 2018. PAULA, G. R. et ai . Neuropsicologia da aprendizagem. Revista psicopedagogia, São Paulo, v. 23, n. 72, p. 224-231, 2006. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? scri pt=sci_a rttext&pid =S0103-84862006000300006&I ng=pt&n rm=iso. Acesso em: 23 fev. 2020. PEREIRA, N. C. B. Os benefícios da ginástica cerebral no processo ensino aprendizagem. FIGUEIREDO, A. V.; DUARTE, 1. M. B. N. (Orgs.). ln: Diálogos em neuropsicopedagogia na educação e saúde. Rio de Janeiro: Autografia, 2019. RESOLUÇÃO SBNPP nº 03/2014. Disponível em: http://www.sbnpp.com.br/wpcontent/uploads/2016/05/C%C3%B3digo-de-%C3%89tica e-T%C3%A9cnico-Profissional-daNeuropsicopedagogia-SBNPp.pdf: Resolução SBNPp nº 03/2014. Acesso em: 06 fev. 2020. ZARO, M. A. et ai. Emergência da Neuroeducação: a hora e a vez da neurociência para agregar valor à pesquisa educacional. Ciênc. cogn., Rio de Janeiro, v. 15, n. l, p. 199-210, abr. 2010. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? script=sci_arttext&pid=Sl806-58212010000100016&Ing=es&nrm=iso. Acesso em: 23 fev. 2020. Unidade 2 Aprendizagem: Dimensão interna do desenvolvimento humano neurológico AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade Introdução Não existe apenas uma neurociência, mas várias neurociências que estudam o cérebro humano em diferentes níveis, desde o nível molecular até as interações e adaptações do organismo com o ambiente. Na presente unidade discutiremos as neurociências cognitivas, que estudam os mecanismos neurais de capacidades especí�cas humanas, como consciência, linguagem, planejamento e imaginação. Serão tratadas as bases neurológicas que permitem a vida e a aprendizagem, principalmente os aspectos emocionais e funções executivas. Os aspectos emocionais das vivências humanas têm sido considerados algo desagradável e desestruturador do pensamento racional, porém o entendimento mais avançado é de que o ser humano só sobrevive devido a capacidade de se emocionar e emocionar ao outro. A falsa divisão entre razão e emoção deixa de ser considerada útil e verdadeira pelos conhecimentos das neurociências. Outro aspecto humano que permite à nossa espécie uma interação muito especial com o ambiente físico e social são as funções executivas, que possibilitam que organizemos nosso comportamento na execução de ações com metas e supervisionar cada etapa do processo, garantindo maior sucesso em várias áreas. As funções executivas apresentam evolução lenta e não linear durante a infância e adolescência, completando-se somente quando o cérebro está maduro, no início da fase adulta. As diferenças anatômicas e funcionais do cérebro humano ao longo do desenvolvimento vital é um fator intrigante e que impõe a necessidade de os conhecermos e sabermos lidar com as especi�cidades de cada fase. O conhecimento do cérebro adolescente, por exemplo, permite que entendamos o porquê de tantos comportamentos de risco e o pensamento mágico de que tudo o que ele �zer dará certo. O lado do contato humano face a face, com relações transparentes para que haja crescimentomútuo, também será enfocado, tratando de técnicas de feedback que aperfeiçoam a comunicação. Neurociência Cognitiva AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade As neurociências apresentam diferentes níveis de análise, porque, devido à complexidade de entender o encéfalo, fragmentá-lo em pedaços menores permite uma análise mais sistemática. Os níveis de análise partem da menor complexidade para a maior, sendo os níveis: molecular, celular, de sistemas, comportamental e cognitivo. O estudo no encéfalo em seu nível mais elementar é chamado de Neurociências Moleculares, que estuda como diferentes moléculas apresentam diferentes papéis. Temos também as Neurociências Celulares, que enfocam como as moléculas interagem para que os neurônios tenham suas propriedades particulares. Existem as Neurociências de Sistemas, em que os neurocientistas investigam como diferentes circuitos neurais analisam informações sensoriais, formam percepções, executam movimentos e tomam decisões. As Neurociências Comportamentais estudam a regulação do humor e do comportamento. En�m, chegamos as Neurociências Cognitivas, que avaliam como os mecanismos neurais agem nas chamadas atividades mentais superiores, como consciência, linguagem, planejamento e imaginação. As Neurociências cognitivas recebem várias de�nições. Lent (2001, p. 4) descreve a neurociência cognitiva como aquela que: “[...] trata das capacidades mentais mais complexas, geralmente típicas do homem, como a linguagem, a autoconsciência, a memória etc. Pode ser também chamada de neuropsicologia”. Para entendermos um pouco mais de como as neurociências são amplas, veja o quadro a seguir com descrições dos tipos de neurocientistas. Cognição é um termo frequentemente usado na área da educação e nas neurociências. Porém, será que temos clara noção do que signi�ca? Alguns confundem cognição com pensamento, que são coisas diferentes. Comecemos com a explicação sobre o que é pensamento, recorrendo ao �lósofo Aristóteles: “Desde Aristóteles, os elementos propriamente intelectivos do pensamento dividem-se em três operações básicas: os conceitos, os juízos e o raciocínio” (DALGALARRONDO, 2008, p. 193). Falaremos, então, dos conceitos, posto que: Quadro 1 - Tipos de neurocientistas experimentais TIPO DESCRIÇÃO Neurocientista computacional Usa a matemática e computadores para construir modelos de funções cerebrais. Neurobiólogo do desenvolvimento Analisa o desenvolvimento e a maturação do encéfalo. Neurobiólogo molecular Usa o material genético dos neurônios para compreender a estrutura e a função das moléculas cerebrais. Neuroanatomista Estuda a estrutura do sistema nervoso. Neuroquímico Estuda a química do sistema nervoso. Neuroetólogo Estuda as bases neurais de comportamentos animais especí�cos de cada espécie no seu habitat natural. Neurofarmacologista Examina os efeitos das drogas sobre o sistemanervoso. Neuro�siologista Mede a atividade elétrica do sistema nervoso. Psicólogo �siológico Estuda as bases biológicas do comportamento. Psicofísico Mede quantitativamente as capacidades depercepção. Fonte: adaptado de Bear, Connors e Paradiso (2008, p. 15). Os conceitos se formam a partir das representações. Ao contrário das percepções o conceito não apresenta elementos de sensorialidade, não sendo possível contemplá-lo, nem imaginá-lo. Trata-se de um elemento puramente cognitivo, intelectivo, não tendo qualquer resquício sensorial. Não é possível visualizar um conceito, ouvi-lo ou senti-lo. [...] Por exemplo, quando se representa uma cadeira, ela ainda é visualizada mentalmente, imagina-se uma cadeira preta, de madeira, bonita ou feia, etc. Essa representação de cadeira ainda tem forte aspecto sensorial. (...) Quando, por exemplo, se pensa em cadeira como conceito, tal conceito é válido para qualquer tipo de cadeira (DALGALARRONDO, 2008, p. 193-194). A importância de “conceito” é destacada por Dalgalarrondo (2008, p. 194): “O conceito é o elemento estrutural básico do pensamento, nele se exprimem os caracteres essenciais dos objetos e fenômenos da natureza.”. Relacionando o entendimento �losó�co sobre os conceitos que formam os pensamentos com os achados da neurociência, encontramos que: Há um debate na psicologia moderna se as representações são de fato ‘imagens’, tais como ‘fotogra�as’ armazenadas na mente humana, ou se são ‘representações proposicionais’. [...] Assim, ao evocar a representação visual de uma mesa, não viria à mente uma massa visual neutra, sem sentido utilitário, mas um objeto que, tendo quase sempre uma tampa plana, quatro ou três pés de sustentação, de madeira ou plástico, requisita algo que é construído culturalmente e com signi�cado linguístico. Estudos cognitivos e de neuroimagem têm reforçado a ideia de que, em diferentes contextos e para objetos distintos, ambos os modos de constituir representações ocorrem na mente humana (DALGALARRONDO, 2008, p. 194). Além de conceito, temos a noção de juízo, que estabelece relação entre dois conceitos, como “cadeira” e “utilidade”, formando o juízo de que “a cadeira é útil”. O raciocínio permite o encadeamento de conhecimentos, ligando conceitos e sequências de juízos. Outro aspecto fundamental para entendimento do pensamento é sobre os processos do pensar, porque o pensamento possui forma e conteúdo. Após esclarecimentos sobre o que é pensamento, podemos nos deter no que é cognição. A di�culdade de delimitar o termo “cognição” é esboçada por Schenkman (2016, p. 559): “Nem sempre existe uma distinção nitidamente delineada entre a cognição e outros aspectos do processamento cortical superior relacionado à emoção e à memória”. A cognição é sistêmica, emerge do cérebro como o resultado da contribuição, interação e coesão do conjunto de funções mentais, como a atenção; percepção; processamento (simultâneo e sucessivo); memória (curto termo, longo termo e de trabalho); raciocínio, visualização, plani�cação, resolução de problemas, execução e expressão de informação (FONSECA, 2014). Schenkman (2016, p. 564) contribui para entendermos a relação das áreas corticais para que haja a cognição. O lobo frontal abrange o substrato neural de processos cognitivos complexos, como a capacidade de planejamento, previsão, discernimento, empatia, altruísmo, abstração, autoconsciência e controle emocional. Sendo assim, esse lobo não tem um propósito único claramente de�nido. (SCHENKMAN, 2016, p. 564). A ideia de que as capacidades cognitivas complexas estão localizadas em áreas especí�cas do encéfalo foi con�rmada, pela primeira vez, por neurologistas clínicos, próximo de 1800. Essas capacidades cognitivas (como a linguagem, julgamento, previsão, planejamento e memória) dependem da atividade nos córtices de associação dos hemisférios cerebrais. Entre essas capacidades cognitivas, o processo criativo é o que está mais distante da neurociência moderna de explicar por completo. (SCHENKMAN, 2016). Outros detalhamentos de processos que permitem a aprendizagem já foram melhor explicados pelas neurociências. Atemo-nos às bases neurológicas relacionadas à aprendizagem. Bases Neurológicas e Aprendizagem AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade As redes neurais são essenciais para que ocorra a aprendizagem (como já visto na Unidade I). O neurônio é a base de tudo que sabemos e fazemos. A relevância do neurônio para todo tipo de aprendizagem é explanada por Fonseca (2014, p. 237), Efetivamente, em termos neuropsicopedagógicos, os neurônios podem ser considerados as células da aprendizagem, pois são elas em si, mais a interação que recriam com as células denominadas glias, que sustentam e consolidam, somaticamente, qualquer tipo de aprendizagem. (FONSECA, 2014, p. 237). Portanto, trataremos de um assunto que envolve a complexa interação entre neurônios especializados de várias partes do cérebro em sua rica interação para que o ser humano consiga organizar suas ações diante das adaptações que o meio lhe impõe. Ao explicar a evolução do cérebro primitivo dos répteis parao cérebro dos mamíferos, Relvas (2015) comenta que no humano é formado por um tipo novo de córtex (neocórtex) e grupos neuronais subcorticais. Nos mamíferos há uma região constituída por células cinzentas (neurônios), formando o lobo límbico e a borda ao redor do tronco encefálico. Diferentemente do cérebro reptiliano, nos mamíferos há a capacidade de emoção, como a emoção de fúria, que é gerenciada pelo sistema límbico e que é “[...] praticamente iguais ao gato, a um cão e a um ser humano submetido a uma situação quando estressado” (RELVAS, 2015, p. 27). A amígdala cerebral é muito relevante nas reações de agressividade, medo e identi�cação de reações de medo. É também a responsável pelo comportamento altruísta, amor e cuidado com a prole. No ser humano, lesões na amígdala cerebral podem levar a perda de sentido afetivo da percepção de informação externa, como reconhecer se gosta de alguém familiar ao vê-lo. Atuando juntamente com o hipotálamo, ela tem a função de identi�car situações de perigo e preparar o indivíduo para lutar ou fugir. O hipotálamo é a região do sistema límbico mais importante, pois controla o comportamento emocional (RELVAS, 2015). Sobre a área cerebral responsável pelo raciocínio, Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2017, p. 98) esclarecem que: [...] o córtex pré-frontal [...] ocupa cerca de 30% do cérebro nos humanos [...]. Partes do córtex-pré-frontal são responsáveis pelo direcionamento e manutenção da atenção, manutenção das ideias na mente enquanto as distrações bombardeiam as pessoas a partir do meio exterior, e desenvolvimento e execução de planos. Todo o córtex pré-frontal é indispensável para a atividade racional, sendo também especialmente importante para muitos aspectos da vida social humana, como a compreensão daquilo que as pessoas estão pensando, se comportar de acordo com as normas culturais a própria existência. (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2017, p. 98). As funções nervosas superiores são desempenhadas pelo córtex cerebral, que é dividido em lobo frontal, temporal parietal e occipital. O lobo frontal recebe impulsos nervosos dos lobos parietais e temporais por longos feixes de �bras. Lesões bilaterais na área pré-frontal causam perda da concentração, diminuição da habilidade intelectual e dé�cit de memória e julgamento. O lobo temporal, em sua parte posterior, está relacionado com a recepção e a decodi�cação de estímulos auditivos, que se relacionam com impulsos visuais. A parte anterior está relacionada com a atividade motora visceral, mais especi�camente, olfação e gustação, e com alguns comportamentos instintivos (RELVAS, 2015). O lobo parietal interpreta e integra informações visuais provenientes do lobo occipital. Também está relacionado às informações somatossensitivas, principalmente o tato. Quando há lesões no lobo parietal há perda do conhecimento geral, falta de interpretação das relações espaciais e motoras. Já o lobo occipital realiza a integração visual (RELVAS, 2015). Figura 1 - Divisão dos lobos cerebrais. Fonte: Shutterstock. Abordaremos, então, a conação e as funções executivas, que são essenciais para a sobrevivência e aprendizado, pois as habilidades executivas e conativas são fundamentais para a compreensão das bases neurológicas da aprendizagem. Quadro 2 - Relação das funções desempenhadas por diferentes regiões corticais ÁREA CORTICAL FUNÇÕES Córtex motor primário (giro pré-central) Inicia o comportamento motor voluntário Córtex sensitivo primário (giro pós-central) Recebe informações sensitivas do corpo Córtex visual primário Detecta estímulos visuais Córtex auditivo primário Detecta estímulos auditivos Córtex de associação motora (área pré-motora) Coordena movimentos complexos Centro da fala (área de Broca) Produção da fala articulada Córtex de associação somestésica Base do esquema corporal Área de associação visual Processa a visão complexa Área de associação auditiva Processa a audição complexa Área de Wernicke Compreensão da fala Área pré-frontal Planejamento, emoção, julgamento Área temporal e parietal Percepção espacial Fonte: adaptado de Relvas (2015, p. 37-38). Para Fonseca (2014), há funções no cérebro que contribuem para que haja a aprendizagem, uma é a conativa (relativas às emoções, motivações e temperamento) e a outra é chamada de funções executivas (que permitem organizar informações e cognições). A cognição, a conação e a execução que fazem parte da plenitude das faculdades mais sutis e superiores do ser humano, emanam, portanto, da coatividade de milhões de neurônios, resulta, consequentemente, de mecanismos biológicos e substratos neurológicos do cérebro, demonstrando a impossibilidade de separar a função do sistema nervoso de qualquer forma de aprendizagem, seja da mais natural, simples e não-verbal, seja a mais cultural, complexa e verbal (FONSECA, 2014, p. 238). Falaremos das funções conativas ou, como cotidianamente dizemos, a emoção. Cosenza e Guerra (2011, p. 44) explicam que as emoções: “[...] se manifestam por meio de alterações na sua �siologia e nos seus processos mentais e mobilizam os recursos cognitivos existentes, como a atenção e a percepção”. As emoções preparam os organismos para ações de luta e/ou fuga, visando aproximações, confronto e afastamentos de situações e pessoas. As emoções atuam como um sinalizador interno de que algo importante está ocorrendo, e são, também, um e�ciente mecanismo de sinalização intragrupal, já que podemos reconhecer as emoções uns dos outros e, por meio delas, comunicar situações e decisões relevantes aos demais indivíduos ao nosso redor (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 44). O fenômeno emocional tem raízes biológicas muito antigas e se mantém por seu valor para a sobrevivência das espécies e indivíduos. A relação entre processos conativos (emocionais) e processos cognitivos (como os presentes nas funções executivas) não são opostos, são complementares, como a�rmam Cosenza e Guerra (2011, p. 44): Na verdade, as neurociências têm mostrado que os processos cognitivos e emocionais estão profundamente entrelaçados no funcionamento do cérebro e têm tornado evidente que as emoções são importantes para que o comportamento mais adequado à sobrevivência seja selecionado em momentos importantes da vida dos indivíduos. A ausência das emoções nos tornaria como inexpressivos robôs androides. (CONSENZA; GUERRA, 2011, p. 44). Após destacar que emoção e cognição trabalham juntas na adaptação e sobrevivência, podemos passar para as funções executivas, que são: Conjunto de habilidades e capacidades que nos permitem executar as ações necessárias para atingir um objetivo. Nelas incluem a identi�cação de metas, o planejamento de comportamentos e sua execução, além do monitoramento do próprio desempenho, até que o objetivo seja consumado (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 52, grifo nosso). A grande relevância das funções executivas está em permitir organizar nosso pensamento, estabelecer estratégias comportamentais e dirigir as próprias ações de modo objetivo e �exível. É por meio das funções executivas que se pode supervisionar todo o processo. Vemos a relevância da ação das funções executivas em qualquer comportamento complexo, como escolher uma roupa, pois exige uma estratégia comportamental global, dividida em subtarefas que devem ser distribuídas no tempo de forma ordenada e mantida na memória operacional até que o objetivo seja plenamente atingido. O uso das funções executivas deve ser amparado pelos educadores, para que o aluno aprenda a gerenciar o comportamento de lidar com frustrações diante das di�culdades e de repetições necessárias para a formação de rotas neurais, como quando o aluno precisa repetir várias vezes a escrita e leitura de uma palavra para formar a rota lexical e fonológica desta. A educadora Relvas (2015) acentua que os estudos da biologia cerebral contribuem para a práxis em sala de aula, pois contribuem para compreensão das dimensões cognitivas, motoras, afetivas e sociais. Possibilitando ao educador redimensionarquem é o aluno, suas potencialidades e vendo novas formas de interferir nos ambientes pelos quais se educam. No ambiente escolar, o bom uso das funções executivas é fundamental para que um estudante tenha sucesso. As funções executivas se desenvolvem lentamente e só estão plenas com o amadurecimento do cérebro, por volta dos 20 anos. Como é complexo o processo de amadurecimento do cérebro! Partiremos agora à discussão sobre a dimensão interna do desenvolvimento humano. Dimensão interna do desenvolvimento AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade Desde o nascimento até o primeiro ano de vida, a capacidade de regular o próprio comportamento em resposta às contingências ambientais e a capacidade de estabelecer metas e de executar comportamentos voluntários com o intuito de alcançar as metas são observados. Os primeiros sinais de controle inibitório surgem entre 7 e 8 meses de idade. Outro marcador importante do desenvolvimento são os precursores da teoria da mente (que é a capacidade de supor que cada pessoa tem uma perspectiva e sensações diferentes das suas) surgem aos seis meses, praticamente junto com a capacidade de distinguir objetos inanimados e animados. Outro ponto importante da primeira infância é que, em torno de 12 e 18 meses, as crianças começam a representar a percepção de um objeto compartilhado e a acompanhar ativamente o olhar de uma pessoa para um objeto, isso quando apresentam desenvolvimento neurológico típico. Outro ponto é destacado por Uehara et al.(2016): o desenvolvimento do córtex pré- frontal entre os 3 e os 6 anos indica que a idade pré-escolar é um período crucial para a aquisição de habilidades importantes para o funcionamento adequado da criança no ambiente escolar. No ambiente de sala de aula, as crianças precisam manter-se conscientes do que elas estão fazendo enquanto executam alguma atividade. Os alunos precisam escolher e prestar atenção a informações enquanto realizam uma tarefa. O controle cognitivo, que faz parte das funções executivas, é extremamente pertinente para várias atividades realizadas na escola, como socializar com crianças de idades diferentes, atender aos pedidos de adultos e realizar tarefas escolares. Sobre o controle cognitivo, Uehara et al. (2016, p. 27) a�rmam que: [...] medidas de controle cognitivo relatadas entre os 3 e os 11 anos de idade foram preditoras de saúde física, dependência de substâncias, status socioeconômico e probabilidade de condenação penal em adultos com 32 anos de idade. Dessa forma, a identi�cação de dé�cits executivos ainda na idade pré-escolar é útil para a estruturação de programas de intervenção dessas funções. (UEHARA et al., 2016, p. 27). As diferentes habilidades executivas e suas respectivas trajetórias de desenvolvimento têm seu início na infância e continuam na adolescência, chegando até a idade adulta. Passaremos, então, a nos deter na fase da adolescência e seu respectivo desenvolvimento interno. Tanto do ponto de vista da cognição quanto do comportamento, os adolescentes são caracterizados como impulsivos e assumem riscos de modo pouco re�etido. Uma possível explicação para o excesso de riscos está no baixo controle inibitório frequente nessa fase. [...] adultos e adolescentes acima dos 16 anos compartilham a mesma competência de raciocínio lógico, mas fatores como suscetibilidade à in�uência dos pares e controle inibitório levam a diferenças na tomada de decisão dos adolescentes (MUSZKAT; MIRANDA; MUSZKAT, 2015, p. 190). Casey, Getz, e Galvan (2008) compilaram uma série de estudos, os quais mostram associação positiva entre a atividade do nucleus accumbens e a probabilidade de se envolver em comportamentos de risco durante o desenvolvimento, mas essa atividade varia em função da avaliação de consequências positivas ou negativas previstas. Para esses autores, durante a adolescência, alguns indivíduos podem ser mais propensos a se envolver em comportamentos de risco. Mais do que simples alterações na impulsividade, isso se deve também às mudanças de desenvolvimento, em conjunto com a variabilidade na predisposição individual a se envolver em tais comportamentos de risco. Os autores ressaltam a relevância de se considerar a variabilidade individual ao examinar as relações cérebro- comportamento relacionadas a assumir riscos e ao processo de recompensa, o que pode, ainda, explicar a vulnerabilidade de alguns jovens a determinados comportamentos de risco, como abuso de drogas. O cérebro do adolescente difere tanto do infantil como do adulto em relação à morfologia e aos aspectos funcionais associados ao papel diferente de circuitos, regiões neocorticais, velocidade de maturação das substâncias branca e cinzenta, conectividade estrutural e neurotransmissão (CASEY; GETZ; GALVAN, 2008). Observam-se essas mudanças em áreas bastante diversas do conhecimento, desde a delimitação de diferentes respostas do cérebro adolescente até intervenções farmacológicas, mudanças nos ciclos circadianos de sono e vigília, padrões de receptividade e de conectividade de áreas relacionadas à motivação e reatividade ao estresse. Todos esses aspectos tornam o período da adolescência um dos mais dramáticos e importantes no que se refere a mudanças neurobiológicas, nos domínios neuropsicológico e neurocognitivo, e nos aspectos que envolvem a atribuição jurídica a comportamentos de risco e seleção de estratégias clínicas e de reabilitação nos casos considerados disfuncionais. Durante a adolescência, a maturação cerebral continua principalmente nas áreas pré-frontais, as quais se reconhece serem essenciais para a tomada de decisão em bases racionais, para o planejamento executivo e para a modulação de comportamentos ligados à emoção. Há um declínio da substância cinzenta nas áreas pré-frontais e aumento da substância branca nessas regiões, o que se relaciona a um aumento da mielinização das podas sinápticas, com um pico em torno dos 11 anos de idade em meninos e um pouco mais precoce em meninas. Ainda que o tamanho total do cérebro da criança de 6 anos tenha em torno de 90% do tamanho do cérebro do adulto, as substâncias cinzenta e branca continuam a passar por mudanças contínuas durante a adolescência. (CASEY; GETZ; GALVAN, 2008, p. 191). O aumento de comportamentos de risco na adolescência está associado aos sistemas subcorticais, cujo funcionamento é exagerado nos adolescentes, re�etindo que trajetórias do sistema de recompensa envolvido em escolhas de risco, desenvolvem-se mais do que o sistema pré-frontal. Tal processo é que determina escolhas mais impulsivas do que as mediadas por sistemas que envolvem regras e objetivos mais de�nidos, como o córtex pré-frontal dorsolateral, responsável pela mediação cognitiva e planejada das escolhas (CASEY; GETZ; GALVAN, 2008). Iniciemos a discussão sobre a terceira idade. A literatura cientí�ca tem se debruçado mais sobre a terceira idade nas últimas décadas. Muitos dos entendimentos que se possuía sobre o envelhecer se mostraram falhos, como atribuir o isolamento e perda de interesse em atividades prazerosas ao mero passar dos anos. Silva e Yassuda (2013) apontam alguns fatores já de�nidos como importantes na manutenção do nível cognitivo em idosos. Os autores citam a teoria do desuso, que a�rma que idosos expostos a ambientes com menor estimulação reduziram o uso de habilidades cognitivas. Barnes e colaboradores (2004), baseando-se no número de contatos estabelecidos com amigos, familiares e �lhos no último mês e no número de atividades sociais, comunitárias e produtivas desempenhadas por idosos americanos (...) observaram que rede social ampla e participação nas atividades examinadas apresentaram elevada associação com o desempenho cognitivo nos dados iniciais e com menor incidência de declínio cognitivo (SILVA; YASSUDA, 2013, p. 430). Há estudos epidemiológicos, a�rmam Silva e Yassuda (2013), que sugerem forte relação entre pessoas mais envolvidas em atividades sociais e menor risco de problemas cognitivos na fase idosa. Relevante esclarecer quecontatos sociais incluem a rede social, a frequência de contato com familiares e amigos e a percepção de suporte social recebido. Figura 2 - In�uências normativas associadas com a idade e a história e in�uências não normativas Influências não-normativas VelhiceIdade adultaAdolescênciaInfância Fr ac a M ag ne tu de d a in flu ên ci a Fo rt e Influências normativas relacionadas com a idade Influências normativas relacionadas com a história Fonte: Palácios (2007, p. 373). Como vimos na Figura 2, as in�uências normativas relacionadas com a idade (aquelas de origem interna como os genes herdados dos ascendentes e comuns da espécie são mais impactantes nos primeiros anos de vida) diminuem sua in�uência no �nal da infância, apresentam pouca in�uência na adolescência e na vida adulta. Voltando a interferir mais signi�cativamente na velhice, mostrando haver moderada in�uência genética no modo como se vive a velhice. Outros aspectos sociais e de interação com os pares repercutem no desenvolvimento da vida social, pro�ssional e acadêmica ao longo de toda a vida. Estes ocorrem na relação um para um, nos relacionamentos interpessoais íntimos que nos apontam se o caminho que tomamos tem sido efetivo ou não, falamos sobre o oferecimento de feedback para a construção de comportamentos mais adequados e saudáveis e que devem ser observados na educação. Feedback e Aprendizagem AUTORIA Carolina dos Santos Jesuino da Natividade Dentro dos aspectos psicopedagógicos, para auxiliar na aprendizagem estão as técnicas de feedback que possibilitam explorar e proporcionar melhores interações enquanto o organismo se modi�ca internamente (neurologicamente) e externamente (comportamentalmente). Aspectos neurológicos, psicológicos e pedagógicos se intercruzam na experiência diária de ensino-aprendizagem. Muito do nosso comportamento aprendido ocorre nas interações com outras pessoas, mesmo a interação com o ambiente físico (como brincar com o móbile) é disposta pela cultura, ou seja, um ser humano determinou ou facilitou a interação com determinada parte do ambiente e não com outras. A aprendizagem costuma ser observada por meio da mudança de comportamento. Segundo Williams (2005), na nossa cultura os métodos tradicionais para promover a mudança de comportamento são: imposição, persuasão e ameaça. O autor nos fala que as ações de impor, persuadir e ameaçar não são e�cazes, pois só costumam ter efeitas enquanto o agente controlador está presente, porque quando o ele vira de costas a obediência cessa. Fazer perguntas orientadas é uma técnica mais efetiva que imposição e ameaça. Williams (2005) apresenta sugestões de como dar explicações claras e diretas para mudar um comportamento. 1º, descrever um comportamento especí�co; 2º, descrever as consequências do comportamento; 3º, descrever como você se sente em relação ao comportamento; 4º, descrever por que você se sente dessa forma; 5º, descrever o que precisa ser mudado. Se você precisa que seu �lho passe a manter organizado e arrumado o próprio quarto, uma proposta usando esses passos seria: “Filho, por muitos anos você não tem dado a mínima para o seu quarto (descrição do comportamento especí�co). O lugar está cheio de roupas sujas, sem falar das embalagens com restos de comida espalhadas pelo chão. Você tem convivido com o lixo e a bagunça por muito tempo (as consequências do comportamento). Eu tenho medo de que isso já tenha se tornado um estilo de vida (descrição de como se sente em relação ao problema). Preciso que cuide mais do seu quarto (o que precisa ser mudado)”. Outra situação para melhor elucidar a aplicação da técnica de perguntas orientadas será descrita a seguir, em que pai e �lho conversam sobre o caminho pro�ssional do �lho: -Que bom que você veio comer uma pizza comigo. Tem uma coisa importante sobre a qual precisamos conversar. Estou preocupado com o que parece ser uma falta de direcionamento em sua vida. Você já está com 17 anos e, em alguns meses, estará terminando o ensino médio. O que gostaria de estar fazendo daqui a um ano?- Ah, tipo assim... sei lá. - acho que você sabe sim. Sei que gosta de estar com seus amigos, de passar horas no computador e jogar video games. Você sabe do que gosta e do que não gosta. Então, provavelmente, já re�etiu sobre o ano que vem. Respeito você e vou respeitar sua resposta. Então, o que gostaria de estar fazendo daqui a um ano? - Acho que gostaria de estar na faculdade. - Ótima resposta. O que gostaria de estar fazendo em cinco anos? - Cinco anos depois de começar a faculdade, provavelmente já estarei formado. -Não foi isso que perguntei (WILLIAMS, 2005, p. 108, adaptado). Até esta parte da interação o jovem não se posicionou seriamente na conversa. Então, o pai reenquadra a situação e prossegue: O que gostaria de estar fazendo em cinco anos? -Alguns amigos sabem exatamente o que querem fazer, mas eu não tenho certeza. Provavelmente alguma coisa relacionada a computadores. - Então, alguns de seus amigos já têm uma direção em mente. Como se sente ao perceber que eles já sabem o que querem enquanto você continua indeciso? - Fico bolado. - Parece que você algo �ca incomodado pelo fato não saber, mas, se tivesse que escolher uma pro�ssão hoje, seria relacionado a computadores. - Isso mesmo. - Algumas pessoas �cam confusas quando têm que resolver um problema porque não conseguem enxergar todos os detalhes da solução. É possível que sua di�culdade em tomar uma decisão deva-se à complexidade e abrangência da área de informática. Estou falando besteira? - Bem, não tenho certeza se quero trabalhar em sistemas, redes, programação, ou sei lá o quê. Não sei mesmo. - É exatamente isso que estou dizendo. Eu �caria confuso também (WILLIAMS, 2005, p. 108-109, adaptado). Já imaginou se esse jovem com tanto potencial se sentisse inútil e perdido e pensasse de si mesmo que não tem talento nem jeito? Que desperdício. Quantos alunos com diversos tipos de di�culdades passam por isso? Seja na hora de escolher uma pro�ssão, seja na resolução de questões lançadas em aula. O feedback de uma pessoa mais madura pode ajudá-lo. Os feedbacks de pessoas próximas ou que nos conhecem fornecem boas informações sobre comportamentos que estão fazendo mal a nós mesmos e/ou a outras pessoas sem que tenhamos percebido, são os pontos cegos. Stone e Heen (2016, p. 111) explicam o que são os tais pontos cegos comportamentais, isto é, comportamentos de que não há consciência sobre ele, pois: “Ponto cego é algo que não vemos sobre nós mesmos, mas que os outros veem. Cada um de nós têm suas próprias particularidades nesse quesito, mas existem alguns pontos cegos que todos nós temos”. É na interação social adequada que o ser humano pode melhorar. A educação visa proporcionar boas aprendizagens, com as aprendizagens surge a reorganização do cérebro: Se o ser humano falhar na aprendizagem, a sua interação com os outros falhará também e, como consequência, o seu cérebro falhará no crescimento e na maturação. O estudo da evolução dos hominídeos pressupõe que os sucessivos processos de aprendizagem cultural tiveram impacto signi�cativo na reorganização neurofuncional do cérebro (FONSECA, 2010, p. 22-23, grifo do autor). Sobre a educação, Muszkat, Miranda e Muszkat (2015) expõem que é um processo multideterminado, porém o que é feito em sala de aula é intervenção que leva a modi�cações comportamentais, cognitivas e cerebrais nos alunos. Traduzir os dados de investigação das neurociências para a educação, com o objetivo principal de melhorar a aprendizagem dos alunos e o ensino dos professores, é um dos grandes desa�os do século XXI, por essa razão, pensamos que a neuropsicopedagogia (neurociência educacional) não pode continuar a ser negligenciada pelas Ciências de Educação. Em síntese, a neuropsicopedagogia procura reunir e integrar os estudos do desenvolvimento, das estruturas, das funções e das disfunções do cérebro, ao mesmo tempo que estuda os processos psicocognitivos responsáveis pela aprendizagem e os processospsicopedagógicos responsáveis pelo ensino (FONSECA, 2014, p. 263, grifo nosso). Como apontado por Fonseca (2014), como os conhecimentos da neurociência serão utilizados na educação é algo que se está construindo. Contudo, sobre a relação entre as neurociências, a educação e o feedback, Vieira (2017, p. 24) nos revela que: A Neurociência aponta que o cérebro não distingue o que é real do que é imaginado. Toda imagem mental, positiva ou não, que é vista repetidamente e/ou sob forte impacto emocional torna-se uma verdade sináptica, ou seja, uma programação mental. Isso quer dizer que os registros neurais produzidos com o ensaio mental gerarão mudanças concretas dentro e fora de você. (VIEIRA, 2017, p. 24). Se um aluno tem uma imagem mental de si como fracassado, provavelmente ele irá fracassar. Uma frase atribuída a Henry Ford é muito ilustrativa ao que hoje se chama de mindset: “Se você pensa que pode ou se pensa que não pode, de qualquer forma você está certo”. Essa explicação sobre as “verdades” que contamos a nós mesmos pode nos impedir de atingir os objetivos ou nos impelir ao sucesso. Se os educadores dominarem a técnica de feedback, podem ajudar a impulsionar muitas alunos que estão descrentes de si e desistindo de lutar, porque acreditam que nunca serão bons. Eis a utilidade da neuropsicopedagogia, aliar saberes da neurociência com a realidade educacional para auxiliá-la. SAIBA MAIS Exemplos de dé�cit de cognição espacial Incapacidade de localizar objetos no espaço, de modo que há dé�cits de alcance e de indicação de alvos visuais. Dé�cits de aprendizado ou de lembrança de rotas, o indivíduo não consegue traçar a rota de um determinado local a outro. Incapacidade de relacionar objetos espacialmente separados, incapacidade de descrever a ação retratada em uma foto, embora consiga descrever os itens individuais que a compõem. Di�culdade que envolve a capacidade de construção visual, não conseguir reproduzir o desenho de um bloco tridimensional. Incapacidade de soletrar o início das palavras ou de ler com coerência uma passagem longa, pulando linhas inteiras e começando a leitura no meio de outra linha. (Tarefas como ler, contar e soletrar dependem da percepção espacial-temporal acurada de uma sequência de estímulos.) O indivíduo pode não conseguir lembrar a disposição dos móveis de uma sala ou a planta dos quartos de sua própria casa. Fonte: Schenkman (2016, p. 563). REFLITA “A arte de interrogar não é tão fácil como se pensa. É mais uma arte de mestres do que de discípulos; é preciso ter aprendido muitas coisas para saber perguntar o que não se sabe” (Jean-Jacques Rousseau). https://www.pensador.com/autor/jean_jacques_rousseau/ Nesse nosso percurso sobre a aprendizagem, mais especi�camente sobre a dimensão interna do desenvolvimento neurológico, vimos de perto conceitos muito mencionados, como cognição e pensamento. Cognição é o processo pelo qual o indivíduo chega a soluções novas e criativas, o pensamento já era investigado desde a antiguidade grega e é dividido em conceitos, juízos e raciocínios. O próprio vocabulário da neurociência faz com que seja necessário entendermos os termos que já usamos para que possamos compreender os novos conceitos que a neuropsicopedagogia nos impõe. Vimos aspectos do funcionamento humano que são chamados de funções executivas e funções conativas. Funções executivas permitem que organizemos nosso próprio comportamento diante de di�culdades do meio. As funções conativas são permeadas pela emoção e por sentimentos. Muito da sobrevivência humana só foi e é possível graças aos sistemas cerebrais que nos energizam de modo rápido para emissão de reações de luta e fuga. Quanto mais se olha para o cérebro, em suas relações com as pessoas e ambientes, mas se vê o universo único e fantástico que se rege a partir de leis que nós, humanidades, ainda estamos na iminência de entender. Após nos debruçarmos sobre aspectos internos do cérebro, cabe citar as potencialidades que cada pessoa pode alcançar quando é educada para compreender o efeito de seu comportamento sobre o dos demais, com a construção da capacidade de feedback. As técnicas de feedback para ajudar os jovens a encontrarem seu caminho se somam ao autoconhecimento como modo de propiciar um estilo de vida saudável e harmônico. É interessante lembrar que, por mais fantástico que seja, o órgão humano do cérebro, o pleno potencial humano exige ações como de busca de harmonia. Conclusão - Unidade 2 Leitura complementar Phineas Gage Uma lesão encefálica pode, às vezes, apresentar uma profunda in�uência sobre a expressão emocional de uma pessoa, com poucos efeitos adicionais. Um dos mais famosos exemplos é o caso de Phineas Gage. No dia 13 de setembro de 1848, enquanto socava pólvora em um buraco, preparando uma explosão no local de construção de uma ferrovia, em Vermont, ele cometeu o erro de não olhar, por um instante, para o que estava fazendo. O ferro que era utilizado para socar atingiu uma rocha, e a pólvora explodiu. As consequências desse ato são descritas pelo Dr. John Harlow em um artigo de 1848, intitulado: “Passagem de uma barra de ferro através da cabeça”. Quando a carga explodiu, a barra de ferro de um metro de comprimento e de 6 kg foi projetada em direção à cabeça de Gage, logo abaixo de seu olho esquerdo. Após atravessar seu lobo frontal esquerdo, a haste saiu pela parte superior do crânio de Gage. Inacreditavelmente, após ser carregado até um carro de bois, Gage manteve-se sentado ereto até chegar em um hotel próximo, conseguiu subir um longo lance de escadas para entrar. Quando Harlow viu Gage pela primeira vez no hotel, ele comentou “o quadro que se apresentava era, para alguém não acostumado a cirurgias militares, verdadeiramente impressionante” (p.390). Como o leitor pode imaginar, o projétil destruíra uma porção considerável do crânio e do lobo frontal esquerdo, e Gage havia perdido bastante sangue. O buraco que atravessou sua cabeça tinha mais de 9 cm de diâmetro. Harlow foi capaz de colocar toda a extensão do seu dedo indicador dentro do orifício no topo da cabeça de Gage, e também para cima, a partir do buraco em seu rosto. Harlow cuidou do ferimento tão bem quanto pode. Ao longo das semanas seguintes, desenvolveu-se uma considerável infecção. Ninguém teria �cado surpreso se o homem morresse. Cerca de um mês após o acidente, no entanto, ele estava fora da cama e caminhando pela cidade! Harlow correspondeu-se com a família de Gage durante muitos anos e, em 1868, publicou um segundo artigo, “Recuperação da passagem de uma barra de ferro através da cabeça.”, descrevendo a vida de Gage após o acidente. Após ter-se recuperado de seus ferimentos, Gage estava aparentemente normal, exceto por uma coisa: sua personalidade havia sido dramática e permanentemente alterada. Quando tentou voltar ao seu emprego como contra-mestre de construção, a companhia notou que ele havia mudado muito, e para pior, de modo que não o empregaram novamente. De acordo com Harlow, antes do acidente Gage era considerado “o contra-mestre mais capaz e e�ciente... Ele tinha uma mente bem equilibrada e era considerado, por aqueles que o conheciam, como um negociante perspicaz e inteligente, muito persistente na execução de todos os seus planos de operação” (p. 339-340). Após o acidente, Harlow o descreveu como segue: Ele é indeciso, irreverente, permitindo-se, às vezes, as mais grosseiras irreverências (o que não era seu costume anteriormente), apresentando pouca deferência para com seus amigos, impaciente em relação a obstáculos ou conselhos que entrem em con�ito com seus desejos; às vezes, de uma obstinação pertinaz, e ainda assim caprichoso e vacilante, imaginava muitos planos para operações futuras, os quais logo que arranjados eram abandonados em troca de outros que lhe parecessem mais exeqüíveis... Sua mente mudou radicalmente, tão decididamente
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