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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL JÉSSICA DANIELA FERREIRA DA SILVA MULHERES PORTADORAS DE CÂNCER DE MAMA E A DIFÍCIL TRAJETÓRIA: da descoberta ao tratamento no âmbito do Sistema Único de Saúde. JOÃO PESSOA – PB 2015 JÉSSICA DANIELA FERREIRA DA SILVA MULHERES PORTADORAS DE CÂNCER DE MAMA E A DIFÍCIL TRAJETÓRIA: da descoberta ao tratamento no âmbito do Sistema Único de Saúde. Relatório Final apresentado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba – CEP/CCS. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Edna Tania Ferreira da Silva. JOÃO PESSOA – PB 2015 JÉSSICA DANIELA FERREIRA DA SILVA MULHERES PORTADORAS DE CÂNCER DE MAMA E A DIFICIL TRAJETÓRIA: da descoberta ao tratamento no âmbito do Sistema Único de Saúde. Aprovada em:________ de ______________________ de 2015. BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________ Profª. Drª. Edna Tania Ferreira da Silva. Orientadora _______________________________________________________ Profª. Drª. Maria de Fátima Melo do Nascimento. Banca Examinadora (UFPB) _______________________________________________________ Msª. Claudenizia de Oliveira Pereira Banca Examinadora (UFPB) JOÃO PESSOA-PB 2015 Dedico ao meu pai (in memoriam), que antes de partir me ensinou a ser forte e nunca desistir dos meus sonhos. A este grande homem minha eterna admiração, gratidão e amor. AGRADECIMENTOS Agradeço à Deus pela força, proteção e por ter concedido mais uma vitória em minha vida. A meu pai (in memoriam) que sempre foi minha referência como pessoa e mesmo tendo ido embora cedo demais me deixou condições para a construção dessa etapa. A minha mãe guerreira, que admiro muito como pessoa, obrigada por seu imenso amor e dedicação. A minha orientadora Profª. Drª. Edna Tania Ferreira da Silva pela competência e paciência durante a construção desse trabalho. E a todos os professores que contribuíram para o meu crescimento intelectual nessa trajetória acadêmica. A todas as Assistentes Sociais do Hospital Napoleão Laureano, Christianne, Claudenizia, Nelzilene, Klimene, Fabíola e Veruska, profissionais que atualmente são minhas referências de como fazer a diferença no meio profissional, obrigada pelo acolhimento, paciência e dedicação no período de estágio no hospital. Aos meus irmãos Clarice e Rodrigo pela torcida, amo vocês. A minha tia Gilvânia, pelo incentivo e cuidados. A meu namorado Neto Pimentel por seu companheirismo, incentivo e amor. Agradeço também aos meu futuros sogros Claudia Melo e Ernesto Amaral pelo apoio e conselhos nos momento mais difíceis. A Dona Aureanita pela amizade. Aos meus amigos que foram fundamentais para a construção dessa etapa em minha vida, Lilian Medeiros, Vaneide Alves, Cynthia Fernandes, Rafael Silva, Hellen de Cássia, Ivanildo Felix, Dayane Monalise, Mayara Thaygra, Fagner Lucas, Rafaela Alves, Laudiane, Danilo Pontes e Jéssyca Thamires, obrigada pelo acolhimento, dúvidas tiradas, companheirismo, paciência e momentos de descontração. Agradeço as amigas que encontrei nessa trajetória acadêmica: Ana Carla, Thaíres Lima, Kelly, Fernanda e Odilma, obrigada pelo acolhimento na turma de vocês quando fiz a mudança de turno, obrigada pelo companheirismo e amizade. Agradeço a Anne Carolinny companheira de estágio pela amizade, cumplicidade e força, essa é uma amizade que irei levar para o resto da vida. Aos profissionais responsáveis pelo Hospital Napoleão Laureano por terem permitido a realização da pesquisa na instituição, assim como a todas as mulheres que a partir de suas histórias de vida, no vivenciar do câncer de mama me deram a oportunidade de usar suas vivências, dores e sofrimentos para a construção desse trabalho. Enfim, agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desse sonho. “A saúde pública brasileira está na UTI” Sebastião Wanderley “A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê.” Arthur Schopenhauer RESUMO Este estudo investigativo analisa as condições de acesso aos programas, serviços e ações de saúde pelas mulheres portadoras do câncer de mama em tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente no que se refere à capacidade de prover efetivamente o atendimento e garantir direitos. Configura-se como uma pesquisa de campo que buscou conhecer como as mulheres portadoras do câncer de mama vivenciam o processo de tratamento da sua saúde que se inicia na prevenção, no diagnóstico e no tratamento do câncer, com o propósito de identificar os aspectos e as dificuldades que enfrentam nessa trajetória para a efetivação do direito. O trabalho destaca a questão da assistência à saúde como mecanismo de proteção social e do direito de cidadania no âmbito da seguridade social brasileira, ressaltando o papel do Estado como fundamental para a implementação da política de saúde. O recorte teórico permitiu uma análise histórico-crítica da política da saúde no sistema de seguridade social brasileiro, enfatizando, as desigualdades sociais como geradoras de contradições, dentre elas, as expressões da questão social em que o acesso à saúde se insere. Metodologicamente, diz respeito a uma pesquisa analítica de abordagem quanti-qualitativa no processo de análise e descrição dos dados obtidos através de entrevistas realizadas com mulheres portadoras do câncer de mama em tratamento no Hospital Napoleão Laureano em João Pessoa- PB. A discussão e análise dos dados firmam a hipótese da pesquisa ao identificar a contradição entre determinadas formas de acesso e a persistente desproteção que as mulheres portadoras dessa neoplasia vivenciam. Igualmente evidencia o paradoxo entre a legalidade e a efetividade no acesso aos serviços de saúde. Esses ainda são perpassados por critérios que excluem do acesso integral a população de baixa renda, em se tratando de uma política e de um sistema que deveria se pautar nos princípios da universalidade, integralidade, equidade, regionalização, hierarquização no trato da política pública de Saúde no Brasil. Palavras- chaves: Câncer de mama, proteção social, Política de Saúde. ABSTRACT This investigative study analyzes the conditions of access to programs, services and health actions by women with breast cancer undergoing treatment at the Unified Health System (SUS), especially with regard to the ability to effectively provide care and ensure rights. Set up as a field research that sought to know how women with breast cancer undergo the treatment process of your health that begins on prevention, in the diagnosis and treatment of cancer, in order to identify issues and difficulties facing this trajectory for the realization of the right. The work shows the issue of health care as a social protectionmechanism and citizens' rights under the Brazilian social security, shows the role of the state as critical to the implementation of health policy. The theoretical framework allowed a historical-critical health policy analysis in the Brazilian social security system, emphasizing social inequalities as generating contradictions, among them, the terms of the social question in that access to health is a part. Methodologically, concerns an analytical research of quantitative and qualitative approach in the process of analysis and description of data obtained through interviews with women living with breast cancer undergoing treatment at the Hospital Napoleão Laureano in João Pessoa-PB. The discussion and analysis of data have signed the hypothesis of the research to identify the contradiction between certain forms of access and the persistent lack of protection that women with breast cancer experience. It also shows the paradox between legality and effectiveness in access to health services. These still go through criteria that exclude the full access to low-income population, in the case of a policy and a system should be based on the principles of universality, integrality, equity, regionalization, hierarchy in dealing Health public policy in Brazil. Key words: Breast cancer, social protection, health policy. LISTA DE SIGLAS AMI Assistência Médica Internacional. ASSEFAZ Fundação Assistencial dos Servidores do Ministério da Fazenda BI-RADS Breat Image Reporting and Data System BRIC Brasil, Índia, China e Rússia. CACON Categoria de Alta Complexidade em Oncologia CAMED Centro de Assistência Médica Diagnóstico Especializado. CAP’s Caixas de Aposentadoria e Pensões. CASSI Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil.4 CFESS Conselho Federal de Serviço Social. CLT Consolidação das Leis Trabalhistas. COMSEDER Cooperativa Médica dos Servidores da Suplan e DER Ltda. CONAB Companhia Nacional de Abastecimento. CONASS Conselho Nacional de Secretários de Saúde. CRM-PB Conselho Regional de Medicina da Paraíba. DETRAN Departamento de Trânsito. EBSERH Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. FAMENE Faculdade de Medicina Nova Esperança. FASSINCRA Fundação Assistencial dos Servidores do Incra. FAZER Faculdade Santa Emília de Rodat. FCM Faculdade de Ciências Médicas. FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. FUNASA Fundação Nacional de Saúde. FUNCEF Fundação do Economiários Federais FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural GEAP Fundação de Seguridade Social. HNL Hospital Napoleão Laureano. IAP’s Instituto de Aposentadoria e Pensões. IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. INPS Instituto Nacional da Previdência Social. IOF Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro. IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. IPI Imposto sobre Produtos Industrializados. IPVA Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores. LOAS Lei Orgânica da Assistência Social. LOS Lei Orgânica da Saúde. NOB Norma Operacional Básica. OAB Ordem dos Advogados do Brasil. OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. OIT Organização Internacional do Trabalho. OMS Organização Mundial de Saúde. ONU Organização das Nações Unidas. OXFAM Comitê de Oxford de Combate à Fome. PAAF Punção Aspirativa por Agulha Fina. PAISM Programa de Atenção Integrada à Saúde da Mulher PASEP Patrimônio do Servidor Público. PIS Programa de Integração Social. PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. PNAO Política Nacional de Atenção Oncológica. PPI Programação Pactuada e Integrada. Pro-Onco Programa de Oncologia. SAI Sistema de Informação Ambulatorial. SES Secretária Estadual de Saúde. SISMAMA Sistema de Informação do Câncer de Mama SMS Secretaria Municipal de Saúde. SNC Serviço Nacional do Câncer. SUCAM Superintendência de Campanhas da Saúde Pública. SUS Sistema Único de Saúde. UFPB Universidade Federal da Paraíba. UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UGT União Geral do Trabalho. UNIMED Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico. LISTA DE TABELAS Tabela I - Idade das mulheres portadoras de câncer de mama, João Pessoa- PB, 2014. Tabela II - Cidade na qual as mulheres portadoras de câncer de mama entrevistadas moram atualmente. João Pessoa- PB, 2014. Tabela III - Ocupação das mulheres portadoras de câncer de mama, João Pessoa- PB, 2014. Tabela IV - Renda das mulheres portadoras de câncer de mama, João Pessoa- PB, 2014. Tabela V - Período de espera para receber o exame diagnóstico de câncer de mama, João Pessoa-PB, 2014. Tabela VI - Período vivenciado pelas mulheres portadoras de câncer de mama entre o diagnóstico e o início do tratamento, João Pessoa- PB, 2014. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico I - Maternidade das mulheres portadoras de câncer de mama, João Pessoa- PB, 2014. Gráfico II - Estado civil das mulheres portadoras de câncer de mama, João Pessoa- PB, 2014. Gráfico III - Escolaridade das mulheres portadoras de câncer de mama, João Pessoa-PB, 2014. Gráfico IV - Dados referentes à esfera onde foi realizada a mamografia, João Pessoa- PB, 2014. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17 CAPITULO 1- POLITÍCA SOCIAL E POLITÍCA DA SAÚDE: desenvolvimento histórico e tendências recentes. ............................................................................ 22 1.1.Os Direitos e a Política Social: a cidadania no Brasil. ................................... 22 1.2. A Seguridade Social brasileira ........................................................................ 38 1.3. O Sistema Único de Saúde .............................................................................. 42 CAPITULO 2 – A POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO ONCOLÓGICA ............... 53 2.1. A Política Nacional de Atenção Oncológica (PNAO) ..................................... 53 2.2. O Câncer de mama. .......................................................................................... 54 2.3. Programa Nacional de Controle do Câncer de Mama ................................... 56 2.4. Rastreamento do Câncer de Mama. ................................................................ 59 2.5. SISMAMA - Sistema De Informação do Câncer de Mama ............................. 61 2.6. Direitos das mulheres portadoras do câncer de mama. ............................... 63CAPITULO 3 - As expressões atuais do Sistema Único de Saúde e o direito das mulheres ao tratamento do câncer de mama, entre a proteção e a desproteção social. ....................................................................................................................... 67 3.1. A instituição onde se desenvolveu a pesquisa: o Hospital Napoleão Laureano. ................................................................................................................. 69 3.2. As mulheres portadoras do câncer de mama usuárias das instituições de atenção à saúde: traços que se aproximam da desproteção social. .................. 72 3.3. As dificuldades que as pacientes encontraram durante o tratamento no âmbito do SUS. ........................................................................................................ 93 3.4. As mudanças que o câncer de mama causou na vida dessas mulheres. ... 95 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 99 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 103 APÊNDICE A- FORMULÁRIO DE ENTREVISTA .................................................. 114 ANEXO A- PARECER DA COMISSÃO DE ÉTICA MÉDICA DO HOSPITAL NAPOLEÃO LAUREANO ....................................................................................... 116 ANEXO B- CERTIDÃO DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA- CEP/CCS .............................................................................................. 117 17 INTRODUÇÃO O presente estudo é fruto da experiência vivenciada na disciplina Estágio Supervisionado II, do curso de Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal da Paraíba, realizado no Hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa-PB, no período de um semestre letivo. A referida experiência oportunizou o contato com mulheres portadoras do câncer de mama, que relatavam as suas necessidades para ter acesso efetivamente ao tratamento no âmbito do Sistema Único de Saúde, percorrendo uma árdua trajetória que as submetiam a enfrentar muitas dificuldades subjetivas e objetivas que envolvem a doença. Trata-se de um estudo analítico-crítico sobre mulheres portadoras de câncer de mama e a difícil trajetória, da descoberta ao tratamento no âmbito do Sistema Único de Saúde. Na atualidade, essa temática é bastante significativa considerando os altos índices de mortalidade que permeiam as estatísticas no Brasil e no mundo sobre o câncer de mama. Ademais, por se tratar de uma questão que adquire centralidade nas análises cientificas. Igualmente, é objeto de investimento no campo da saúde pública, tornando-se uma expressão da questão social diante da fragmentação e fragilidades das políticas sociais que comprometem os direitos sociais. O estudo foi desenvolvido através da realização de entrevistas com 12 mulheres portadoras de câncer de mama em tratamento no Hospital Napoleão Laureano, escolheu-se uma amostragem simples e aleatória devido ao tempo para a realização da pesquisa, que foi mínimo. Desta forma, elegeu-se um critério qualitativo para a escolha das entrevistadas, qual seja: mulheres que se encontravam em estágio avançado no tratamento, de preferência aquelas que já tinham passado pelo processo da mastectomia, facilitando assim, a identificação das principais questões discutidas. A pesquisa foi realizada durante o mês de novembro do ano de 2014. O instrumento utilizado foi o formulário (Apêndice A) contendo 14 questões fechadas e abertas. Não foi calculado o tempo gasto para a realização de cada entrevista, pois algumas entrevistadas foram bastante objetivas enquanto outras detalharam a sua luta contra o câncer de mama. 18 O estudo cumpriu, as “Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos” (466/2012), editados pelo Conselho Nacional de Saúde. Para que essa pesquisa fosse realizada o projeto de estudo foi submetido a Comissão de Ética Médica do Hospital Napoleão Laureano, a fim de obter autorização para a coleta de dados na instituição, a Comissão Médica emitiu o parecer favorável em 30/09/2014. A partir da autorização do hospital o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba – CEP/CCS conforme preconizado pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Como referido, a proposta investigativa acerca do tema surgiu das inquietações e indagações levantadas acerca da alta incidência e mortalidade por câncer de mama no Brasil. Apesar de existir no país políticas públicas atuantes na área de oncologia, especialmente para este tipo de câncer, ocupando assim um lugar privilegiado na agenda do Ministério da Saúde, a mortalidade por câncer de mama vem aumentando a cada ano. Muitas dificuldades são relatadas pelas mulheres no acesso ao exame diagnóstico e para poder iniciar o tratamento caso haja diagnóstico positivo. O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres (excetuando-se os casos de câncer de pele não melanoma), respondendo por 22% dos casos novos a cada ano. Em geral é a quinta causa de morte por câncer e a primeira na população feminina brasileira (INCA 1996-2014). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE (2013) houve um aumento relevante na mortalidade por este tipo de câncer entre as mulheres brasileiras de 30 aos 69 anos que passou de 17,4 por 100 mil mulheres em 1990 para 20,4 em 2010, o que representa um aumento de 16,7% de mortes por essa neoplasia, mesmo esse câncer sendo mais comum entre mulheres com idade de 40 a 69 anos. Ainda o INCA (2014), estima que no biênio 2014-2015, 57.120 pessoas serão acometidas pelo câncer de mama. O que diz respeito ao Estado da Paraíba, onde foi realizada a pesquisa, o mesmo apresenta uma taxa de 37,62 para cada 100 mil mulheres. Em João Pessoa, estima-se 260 casos novos, com um risco estimado de 66,48 em cada 100 mil 19 mulheres. Conforme a base de dados do Datasus, no ano de 2013, 212 mulheres morreram na Paraíba vítimas de câncer de mama, e até agosto de 2014 foram registrados 130 óbitos (pbagora, 2014). É importante ressaltar que esse tipo de câncer é o mais frequente nas mulheres das regiões Sudeste (71,18/ 100 mil) e Sul (70,98/ 100 mil). A alta incidência e mortalidade provocou a priorização do controle dessa neoplasia reafirmada no lançamento do Plano Nacional de Fortalecimento da Rede de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer pela presidenta da República, em março de 2011 (INCA, 2011). Na prática a prioridade que o governo oferece no diagnóstico e tratamento do câncer de mama não condiz com a realidade vivenciada pela maioria dos cidadãos brasileiros dependentes do Sistema Único de Saúde-SUS. Diante disso questiona-se as barreiras que as mulheres portadoras de câncer de mama enfrentam no acesso ao tratamento no âmbito do SUS. Oliveira (2011) aponta um fator importante que influência esse crescimento de incidência e morte por câncer de mama, que é a escassez na oferta do tratamento a essa neoplasia, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS. Faltam leitos, medicamentos específicos, materiais, médicos. Poucos exames diagnósticos são disponibilizados. E a falta de assistência nas cidades pequenas ainda se configura em um problema. A oferta do tratamento oncológico é um problema,pois o mesmo é ofertado de forma desigual no Brasil, ou seja, metade dos atendimentos no país ocorrem em algumas capitais, com maior disponibilidade nos grandes centros urbanos em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo, que são referências no tratamento. A mulher portadora de câncer de mama, que depende do Sistema Único de Saúde- SUS submete-se a uma longa espera para acessar o serviço além da dificuldade de locomoção porque o serviço é ofertado distante do local da sua residência, agravando dessa forma essa neoplasia e diminuindo sua possibilidade de cura. Diante dos dados analisados identificou-se a existência de questões e problemas de acesso da população ao tratamento oncológico pelo SUS, as desigualdades de oferta de serviços existem e há fragilidades na estrutura da rede 20 assistencial, como locomoção, estadia no local de tratamento, acesso aos exames entre outros. Portanto, o presente estudo que discute estas questões está estruturado em três capítulos: No primeiro capitulo discute-se o desenvolvimento histórico e tendências recentes da política social e da política de saúde, dando ênfase à seguridade social brasileira e ao Sistema Único de Saúde-SUS. É abordada a questão do exercício do direito e da cidadania no sistema de proteção social, de forma a analisar o porquê das fragilidades na rede assistencial e de saúde no Brasil. No segundo capitulo foi dado enfoque ao trajeto histórico da Política Nacional de Atenção Oncológica - PNAO como também o Programa Nacional de Controle do Câncer de Mama dando ênfase ao Rastreamento e o Sistema de Informação do Câncer de Mama- SISMAMA. Centra-se também no enfoque teórico sobre essa neoplasia destacando os fatores de risco e estimativas de incidência e mortalidade. No terceiro capítulo procede-se a análise do tema investigado. Foram discutidos os dados da pesquisa realizada no Hospital Napoleão Laureano, em articulação com a pesquisa bibliográfica realizada em livros, jornais revistas, sites, dentre outros. Os dados são apresentados através de tabelas, gráficos e análise descritiva. As análises realizadas revelam a relação contraditória que permeia a política de saúde entre o processo de proteção e a desproteção das mulheres no âmbito do tratamento do câncer de mama. Revelam, sobretudo, a necessidade de avanços no SUS. Em face desta constatação, afirma-se a hipótese formulada nessa pesquisa, que diz respeito à existência de muitas dificuldades e necessidades de assistência à saúde, que as mulheres atravessam ao longo do tratamento. Estas necessidades nos permitem afirmar um processo de desproteção social maior do que a proteção que acessam. O presente estudo trará contribuições para o universo acadêmico e institucional, como também para os gestores municipais da política de saúde, com o material de pesquisa analisado, ao sistematizar o conhecimento das dificuldades que mulheres enfrentam em busca de tratamento na saúde pública, principalmente 21 porque essas dificuldades foram relatadas sob a ótica das mulheres portadoras do câncer de mama que dependem do Sistema Único de Saúde-SUS. Seguem as considerações finais, as referências, apêndices e os anexos. 22 CAPITULO 1- POLITÍCA SOCIAL E POLITÍCA DA SAÚDE: desenvolvimento histórico e tendências recentes. 1.1. Os Direitos e a Política Social: a cidadania no Brasil. Estamos diante de um tema histórico, cujas configurações que cercam o seu entendimento e processo requisitam, em primeira dimensão, a compreensão de que O Estado é a única instância da esfera social capaz de garantir direitos na forma de políticas sociais, e, desse modo, universalização da proteção social, a partir de ações desencadeadas pelas classes sociais. Assim, Falar sobre direitos e sua relação com a totalidade da vida social pressupões considerar os indivíduos em sua vida cotidiana, espaço- tempo em que as expressões da questão social se efetivam, sobretudo, como violação dos direitos. A vida humana não a mera reposição aleatória dos indivíduos ou explicitação de uma essência natural, mas expressa, além das respostas as demandas imediatas, vínculos com a produção da vida genérica, vida essa que se caracteriza pelo fato de os indivíduos serem relacionais, diversos independentes (BEHRING e SANTOS, 2009, p. 276). Segundo Behring e Santos (2009), estabelecer relações entre questão social e direitos implica reconhecer o indivíduo social com sua capacidade de resistência e de conformismo frente às situações de opressão e de exploração vivenciadas nas suas lutas cotidianas, individuais e coletivas, para enfrentar as dificuldades de sobrevivência. Assim, ainda que existam componentes de resistências, cotidianamente depara-se com as sequelas decorrentes do processo de constituição da questão social e, segundo Behring e Santos (2009), são conhecidas as “[...] muitas faces da questão social no Brasil, das quais as mais perversas é a desigualdade econômica, política, social e cultural a que estão submetidas milhões de pessoas [...]” (p.275), dentre estas a que se destaca neste estudo, o direito a saúde, identificando os processos que dificultam a garantia de serviços para a população em situação de pobreza. Nessa condição, apresenta-se o caráter contraditório do Estado, enquanto esfera pública, que tem implicações direta na extensão, cobertura e qualidade dos serviços que são oferecidos à população e sua capacidade de garantir direitos 23 universais, uma vez que, diz respeito à instância de decisão que regulamenta e pactua direitos. Contudo, os direitos que são garantidos, carecem de efetivação para que seja do acesso a todos os indivíduos sociais. Portanto, necessitam que ultrapassem o campo do direito positivo para se realizarem no âmbito da vida social. Para Vieira (2009), não é possível a existência de direitos sem sua realização e sem suas mediações. “Do contrário, os direitos e a política social continuarão presa da letra da lei irrealizada, do direito natural, histórico ou não, do apriorismo dos princípios e das leis, que estão sempre onde não são esperados”. (p. 61). Trata-se, portanto, de pensarmos os direitos nas relações que se dão na sociedade, cujos fundamentos encontram-se no conjunto das relações sociais historicamente determinadas. “É, pois, a ação humana envolvida e determinada pelo pertencimento de classes sociais em disputa que ergue, aniquila, reconstrói, possibilita e inviabiliza a produção e reprodução da vida sob dadas condições materiais” (BEHRING e SANTOS, p 276). Para Behring e Santos (2009), no desenvolvimento da sociabilidade, as contradições e antagonismos que se põem entre as necessidades do capital e as do trabalho inviabilizam amplamente as promessas de liberdade e igualdade. “Podemos, assim, afirmar que no tempo presente, os segmentos do trabalho, ao invés de sujeitos de direitos, são sujeitos de desigualdades, que convivem nos cenários de violência endêmica e de barbárie [...]” (p. 277). Nessa perspectiva prevalece nosso entendimento de que, Ao conceder tratamento igual aos desiguais, o direito, na sociedade capitalista, torna iguais todos os agentes da produção, reconhecendo-os na condição de sujeitos individuais e de direitos. Assim os proprietários dos meios de produção e o produtor direto são abstratamente dotados de vontade subjetiva e considerados, capazes de praticar os mesmos atos. [...] O Direito assume, portanto, na formação social capitalista, uma função ideológica de alta complexidadecom conseqüências sócio-politicas. Isso porque quando reconhece os agentes da produção como sujeitos iguais, na verdade, efetiva-se ai um modo particular de ordenar e disciplinar os conflitos sociais. Entram em cena dispositivos normativos e ideológicos que servem ao processo de naturalização das relações econômicas e de classes, na medida em que os indivíduos são tratados de modo genérico, destituídos das relações reais e históricas que vivenciam. (BEHRING e SANTOS, 2009, p. 278). 24 Essa análise apresentada contrapõe a que se concebe na sociedade burguesa, contrapõe ao direito positivo nas formas das leis, a concepção abstrata de que o direito é um conjunto de normas jurídicas vigentes em um país, é aquilo que é reto, para todos os indivíduos, justo e conforme a lei. É uma organização de uma dada sociedade, porque indica a recepção de valores e aponta para a dignidade do ser humano. Trata-se, portanto, essa concepção amplamente difundida na sociedade burguesa do ocultamento da dominação econômica e política que constitui uma das particularidades fundamentais do direito e funciona como aparência, “O modo de ser do Estado na sociedade capitalista” (BEHRING e SANTOS, 2009, p. 278). A análise sobre os direitos sociais e as políticas sociais aqui entendidos, de acordo com Behring e Boschetti (2006), se dá a partir de [...] um patamar de observação radicalmente crítico, e que não reconhece no mundo do capital nenhuma possibilidade de conjugação positiva entre a sua acumulação e o princípio da igualdade. Portanto se a política social é uma conquista civilizatória e a luta em sua defesa permanece fundamental, podendo ganhar em países como o Brasil uma radicalidade interessante, ela não é a via de solução da desigualdade que é intrínseca a este mundo, baseado na exploração do capital sobre o trabalho, no fetichismo da mercadoria, na escassez e na miséria em meio à abundância (p. 46). Contudo, sob o foco de análise dos direitos como processos contraditórios, abordam-se os seus fundamentos sócios históricos na sociedade, com ênfase no capitalismo, considerando a ação do Estado no desenvolvimento e na efetivação de direitos positivos. “E, nesse sentido, trata-se de apreender a assertiva de que a essência humana encontra-se no conjunto das relações sociais historicamente determinadas” (BEHRING e SANTOS, 2009, p. 278). Schons (1999), analisando o pensamento de Bobbio (1992) destaca três fases na história da formação das declarações dos direitos: A primeira fase são obras dos filósofos que acreditavam que os direitos eram naturais aos homens. Nesse raciocínio acredita-se que “os homens são livres e iguais por natureza [...] são universais em relação ao conteúdo, na medida em que se dirigem a um homem racional fora do espaço e do tempo” (BOBBIO apud SCHONS, 1999 p. 56) 25 A segunda fase se dá quando a Declaração dos Direitos dos Estados Americanos e da Revolução Francesa acolhem as premissas dos então filósofos. Neste momento os cidadãos são reconhecidos como portadores de direitos apenas em seus Estados, ou seja, “São agora direitos do homem somente enquanto são direitos do cidadão deste ou daquele Estado particular” (SCHONS, 1999 p. 56). A terceira fase se inicia com a Declaração dos Direitos do Homem em 1948 onde tem-se o conceito de direito universal e positivo, pois agora os direitos são direcionados à todos os homens e não apenas à um Estado em particular. Positivo porque passam a ser protegidos de todos que o violarem até mesmo o próprio Estado. Diante do exposto pode-se considerar que os direitos nascem em períodos distintos das sociedades humanas, sendo processos históricos, se dão em certas circunstâncias e podem parar de existir em outras. Pois historicamente os direitos eram vistos primeiramente como naturais ao homem em seguida como particulares para finalmente serem considerados universais aos indivíduos sociais. Por isso nenhum direito pode ser considerado como definitivo. De acordo com Bobbio, Os direitos nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem [...] ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitação de poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor. (BOBBIO apud SCHONS, 1999 p. 57). Portanto, os direitos não podem ser considerados absolutos, pois dependem do processo histórico, político, econômico e cultural de uma dada sociedade e nascem de acordo com as necessidades da mesma. Assim também se configuram os direitos no que se refere a sua constituição em políticas sociais. De acordo com Vieira (2009), a grande questão, a saber, é se as políticas sociais envolvem direitos ou não envolvem direitos, considerando que as políticas têm sido historicamente ligadas ao funcionamento do mercado, à capacidade de compensar as falhas deste, à ação e aos projetos do governo, aos problemas sociais, à reprodução das relações sociais, à transformação dos trabalhadores não assalariados em assalariados, ao abrandamento dos conflitos de classes, entre outros. Trata-se, segundo Vieira (2009), de saber se, 26 As políticas sociais contêm direitos e elementos de justiça, ou não contêm nenhum deles [...]. Afinal, abandonada a totalidade do humano, desvinculando-os o singular, o particular e o universal, tanto os direitos quanto os elementos de justiça se equivalem, se tornam relativos. Não há direitos e justiças superiores, porque possuem os mesmos valores. (p. 13). De acordo com Bobbio (1992), ao discutir essa questão na “Era dos Direitos”, afirma, que o problema grave do nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é a busca por fundamentá-los, mas essencialmente a necessidade de protegê- los, para impedir que mesmo diante de solenes declarações, sejam continuamente violados. [...] Pode-se dizer que o problema do fundamento dos direitos Humanos teve sua solução atual na Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. A Declaração Universal dos Direitos do Homem representa a manifestação da única prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e essa prova é o consenso geral a cerca da sua validade. [...] Trata-se, certamente, de um fundamento histórico e, - como tal, não absoluto: mas esse fundamento histórico do consenso é o único que pode ser factualmente provado (BOBBIO, 1992, p. 26 e 27). Contudo, para Bobbio, a Declaração Universal significa a consciência positiva na história de que a “[...] humanidade tem dos seus próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre” (1992, p. 34). De acordo com Vieira (2009), Bobbio não afirmou ser absoluto os “Direitos do Homem”, mas afirmou que ele os universalizou por meio do “Fundamento Histórico do consenso, é o único que pode ser factualmente comprovado” (p. 15). De acordo com Vieira (2009), Bobbio afirma em sua análise que os direitos naturais são direitos históricos; nascem no início da era moderna; juntamente com a concepção individualista da sociedade; tornam-se um dos principais indicadores do progresso histórico na definição e afirmação desses direitos. No entanto Bobbio (1992), afirma também que esses direitos precisam ser protegidos, Para ele, “[...] uma coisa é proclamar esse direito. Outra é desfrutá-lo efetivamente” (1992, p. 9 e 10). 27Segundo Telles (2006), analisando o pensamento da autora Hannah Arendt afirma que ter direitos significa “ter direitos a ter diretos”, ou seja, para ela é necessário que se tenha um espaço público, onde os indivíduos possam ter a liberdade de se organizarem politicamente para expressar suas opiniões e diferenças, visando uma negociação possível para se alcançar o bem público como coisa pública, isto quer dizer que: “o direto só pode existir no exercício efetivo dos direitos” (ARENDT apud TELLES, 2006 p. 59). A elaboração do conjunto de direitos que conduzem a sociedade deve ser pautada na dinâmica cultural e na interpretação das diferenças presentes na sociedade para discernir o que é justo e injusto, é através dos direitos que a defesa de interesses é percebida na vida social pública. Isso quer dizer que os direitos, Determinam-se nesse ponto de intersecção entre a legalidade e a cultura, a norma e as tradições, a experiência e o imaginário, circunscrevendo o modo como os dramas da existência são apreendidos, problematizados e julgados nas suas exigências de equidade e justiça (TELLES, 2006 p. 69). Portanto para que o direito ganhe inscrição jurídica faz-se necessário, além da ação do Estado, a participação da sociedade ou uma grande parte dela, ou seja, é preciso que esse direito ganhe o espaço público. Como já foi dito no início dessa discussão sobre os direitos e as políticas sociais, a única instância capaz de garantir que a população tenha acesso aos direitos é o Estado, pois o mesmo representa a possibilidade de ser permeado pelas forças organizadas da sociedade constituindo-se em um espaço de decisão que firma e regulamenta direitos e onde há uma correlação de forças na luta pelos direitos sociais. De acordo com Behring e Santos (2009), a preocupação mais direta com a luta pela realização dos direitos se ergue historicamente com toda a força com a constituição dos Estados Sociais, a partir do término da crise mundial de 1929. O Estado enquanto instituição garantidora de direitos se ampliou após a Segunda Guerra Mundial, onde o seu papel intervencionista se intensificou na economia e desempenhou um papel importante na multiplicação de políticas sociais em todo o mundo, é o chamado Estado de Bem-Estar Social (Welfare State). Neste 28 momento houve uma extensão dos direitos sociais e da oferta de serviços sociais de forma universal, principalmente nos países centrais, garantindo padrões mínimos de atenção às necessidades básicas da população. Esse modelo ganhou mais força quando incluiu o conceito de cidadania em suas pautas associando a ideia de que os indivíduos são dotados de direitos sociais, essa concepção ocorreu com o fim dos governos totalitário da Europa Ocidental (Nazismo, fascismo etc.). Segundo Behring e Santos (2009), essa luta se ergue também, [...] e mais adiante, a partir da década de 60, com as ditaduras militares na América Latina, período em que os movimentos sociais e diferentes sujeitos coletivos passam a defender e consolidar, em sua agenda política, a cultura de defesa dos direitos. [...] questões essas fundamentais para a efetivação da vida com liberdade, bem como para a valorização da diversidade humana e, portanto, para o desenvolvimento do gênero humano, fundado num projeto de emancipação humana. O problemático é que isso tudo aconteceu no espaço tempo de efervescência pela ruptura com os referenciais críticos a ordem burguesa. E a lutas empreendidas, apesar da relevância que tiveram, considerando a organização dos sujeitos; a identificação de novas questões indutoras de formas de opressão; a possibilidade da incorporação crítica de valores e princípios éticos na luta política, não possibilitaram aos sujeitos coletivos do trabalho que se tornassem capazes de apreender em profundidade as determinações e as relações complexas entre a violação de direitos e a sociabilidade vigente (p. 279). No Brasil um modelo determinado de Estado Social se origina no governo Vargas na década de 30 com a criação do Ministério do Trabalho que mantinha uma relação harmônica entre trabalhador e empregador. Este governo configurou-se em políticas voltadas ao atendimento às demandas do trabalhador urbano- industrial por meio da legislação e sindicalização. A Constituição de 1934 definiu o campo dos direitos que passaram a ser assegurados ao povo brasileiro, destacando: A legislação trabalhista, a regulamentação do trabalho feminino e dos menores no âmbito industrial, o salário mínimo, o repouso remunerado, a fixação da jornada de trabalho de oito horas, férias anuais remuneradas, regulamentação especial para o trabalho agrícola, amparo aos desvalidos, amparo à maternidade e à infância, direito à educação primária integral e gratuita. (Souza, 2005. p. 02) A fim de dar maior visibilidade à sua política o então presidente organizou também os benefícios da previdência, estimulando primeiramente a expansão das Caixas de Aposentadoria e Pensões- CAP’s e em 1933 substituindo as mesmas 29 pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAP’s onde agora os trabalhadores eram organizados por profissões e não mais por empresas, os benefícios assegurados aos associados eram: pensão por morte para seus dependentes, aposentadoria e assistência médica e hospitalar e a compra de medicamentos por baixos preços. Ainda na era Vargas em 1939 foi consolidada a Justiça do Trabalho e elaborada a CLT (Consolidação das Leis trabalhistas). Esse governo aprimorou também a ação estatal no âmbito da saúde pública, a mesma foi institucionalizada com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública onde a área sanitária passou a integrar a área educacional. Com a formação desse Ministério ocorreu uma grande reformulação dos serviços sanitários no país. Desta forma o governo mostrou-se comprometido em garantir bem-estar sanitário a população. A atuação de Vargas nesse setor representou um avanço, onde a população obteve mais atenção à saúde garantida pela legislação vigente que possibilitava a assistência médica a muitos indivíduos. O que se destacou nesse contexto foi a criação de serviços especiais para educação em saúde. A política adotada por Vargas possibilitou uma maior atenção médica aos trabalhadores e seus dependentes passando a estruturar a área previdenciária que durante esse governo foi o principal eixo de assistência médica dos trabalhadores urbanos com a Previdência Social e Saúde ocupacional institucionalizada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. O governo Vargas possuía um caráter populista e desenvolvimentista e teve papel importante no desenvolvimento dos direitos sociais no país onde priorizou o campo trabalhista criando uma legislação imensa, constituindo-se uma das maiores conquistas do período, mesmo que se tenha dado por um viés controlador e paternalista. Porém, o pré-requisito para acessar aos direitos era estar inserido no mercado de trabalho formal, e as políticas sociais se deram com o objetivo de controlar as massas trabalhadoras para haver uma relação harmônica entre proletário e capitalista. Sem contar que a saúde tinha como objetivo principal de regular a saúde do trabalhador em prol a indústria. O Estado de Bem-Estar Social teve uma expansão considerável no momento da Ditadura Militar, esse regime formulou políticas sociais estendendo direitos aos 30 segmentos antes excluídos, a fim de ganhar legitimidade do governo perante a população e com o intuito de controlar a mesma. Em 1966 foi criado o Instituto Nacional da Previdência Social- INPS em substituição dos IAP’s que cobriam apenas algumas categorias profissionais que eram mais organizadaspolítica e economicamente. Com o INPS todo trabalhador urbano com carteira assinada e seus dependentes passam a ser beneficiados pela Previdência Social. Em 1972 foram incluídos na previdência os empregados domésticos em 1973 os trabalhadores por conta própria e em 1974 os trabalhadores temporários em empresas. Foi incluído também o trabalhador rural com a criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural- FUNRURAL, porém este era separado do INPS, pois os recursos desse benefício eram provenientes de produtos rurais e de um imposto sobre a folha de pagamento de empresas urbanas. O regime também criou a renda mensal vitalícia para pessoas incapacitadas de prover seu sustento e que tivessem contribuído no mínimo 1 ano pra Previdência Social, como deficientes e pessoas maiores de 70 anos. E em consonância com tais medidas foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social. Nesse governo houve a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço- FGTS um tipo de seguro-desemprego a fim de compensar a flexibilidade da legislação trabalhista. A saúde também foi beneficiada, mesmo o então regime ter privilegiado o setor privado já que a saúde era vinculada à Previdência Social. Em 1967 houve a promulgação do Decreto Lei 200 que atribuía as funções do Ministério da Saúde, em 1970 foi criada a Superintendência de Campanhas da Saúde Pública- SUCAM, com objetivo de erradicar e controlar endemias, em 1975 foi instituído no papel o Sistema Nacional de Saúde que estabelecia as ações na área da saúde dos setores públicos e privados. E em 1978 fundou os Institutos de Assistência Médica da Previdência Social, o qual, o acesso era via contribuição. No Regime Militar ocorreu a ampliação dos direitos, porém houve uma maior seletividade na oferta dos serviços com a “pulverização das ações e segmentação do usuário por faixas etárias, necessidades e problemas” (SOUSA apud BENEVIDES, 2011, p. 64). A proteção social era para todos, ao menos em teoria, 31 pois o sistema público oferecia seus serviços de forma precária fortalecendo desta forma o setor privado que atraia a população que podia pagar por seus serviços acentuando desta forma a desigualdade em nosso país e fortalecendo a ideia de serviços públicos para pobres. Contudo, é somente na Constituição de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, que a concepção de direito da cidadania é incorporada efetivamente, configurando-se assim em um Estado de proteção social com a regulamentação da Seguridade Social. Até então o sistema de proteção social se dava de forma fragmentada e pontual resistindo à perspectiva de que essa proteção deveria ser garantida pelo Estado ao cidadão. Nesse momento há avanços na luta pelas políticas sociais e uma maior participação popular, que se traduz em incorporação dos direitos dos cidadãos à proteção social na Constituição Federal incluindo a garantia de direitos à saúde, assistência social e previdência, concebendo essas políticas como questão pública de responsabilidade do Estado (Benevides, 2011), reforçando assim direitos mais amplos. Esse é um marco para os direitos sociais no Brasil, pois ocorre a ampliação do sistema de proteção social e instituição de princípios de universalização, ancorada na noção de direito social, acompanhado de um esforço governamental, principalmente nos últimos anos, em ampliar o atendimento nas três dimensões da seguridade social. O direito social foi visto como o fundamento da política, com um comprometimento do governo com o sistema de proteção, projetando um acentuado grau de provisão do Estado, cabendo ao setor privado um papel complementar. (DRAIBE apud BENEVIDE, 2011. p. 65). Destaca-se nessa nova Constituição a criação do Sistema Único de Saúde- SUS que incorpora os princípios de universalidade, integralidade, equidade, hierarquização, participação popular e descentralização; a criação do seguro- desemprego; um piso mínimo para os benefícios; e a extensão da previdência rural estendendo os benefícios às mulheres não estando mais atrelado à unidade familiar, além de ter a idade de aposentadoria reduzida aos 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres. É certo que essa nova Constituição trouxe avanços quanto à ampliação de direitos sociais incorporando o direito de cidadania em seus objetivos gerando uma 32 pauta de direitos e deveres, porém desde o início do Estado Social brasileiro na era Vargas (1930) o alcance dessas políticas se deram de forma muito insatisfatória e conservadora de cunho compensatório com cobertura insuficiente e baixa qualidade dos serviços prestados, com isso houve e há uma acentuada manutenção da desigualdade social elevando desta forma a pobreza no país, onde uma grande parcela da população economicamente ativa está fora do mercado formal de trabalho. A desigualdade no Brasil é tão acentuada que alguns autores questionam se realmente houve um Estado Social no país. Furtado (2013. p.19) fazendo referência a concepção gramsciana referente ao Estado ampliado, deixa claro que o Estado é contraditório, pois possui duas esferas distintas pela função que exercem na organização da vida social: a “sociedade política” e a “sociedade civil”, de um lado ele responde às classes dominantes e por outro a população onde o atendimento a essa demanda se dá através das políticas sociais, fruto de reinvindicações e lutas das mesmas, porém a oferta dessa política social se dá de forma contraditória pois ao mesmo tempo que acolhe as necessidades da população serve para mantê-la controlada, gerando assim condições para reprodução da força de trabalho necessária à reprodução do capital. Vivemos em um Estado contraditório, a posição de hierarquia entre classes faz com que o princípio de universalidade e igualdade do direito não se efetive, onde reina o individualismo e o outro já não é visto como um sujeito de valores e seus direitos são desrespeitados a menos que ele pertença a uma classe social determinada. Para a classe pobre fica reservado a seletividade das políticas e sua cobertura insuficiente. É o chamado Estado paternalista onde os serviços que o mesmo oferta ainda são vistos como favor e não como direitos, sendo um poderoso mecanismo de manutenção da tutela dos pobres e reprodução da pobreza. De acordo com Telles (2006, p.88) esse contexto atual do direito: É uma figuração que corresponde ao modo como as relações sociais se estruturam sem outra medida além do poder dos interesses privados, de tal modo que o problema do justo e do injusto não se coloca e nem tem como se colocar, pois a vontade privada- e a defesa de privilégios- é tomada como a medida de todas as coisas. A cidadania no Brasil só pode ser exercida se o indivíduo tiver um vínculo profissional formal, ou seja, somente aqueles que estão inseridos no mercado de 33 trabalho formal são qualificados para exercer seus direitos, deste modo é através do sindicato que o cidadão pode ter acesso aos benefícios sociais garantidos pelo Estado. Assim, os que estão inseridos no mercado de trabalho informal ou desempregados são considerados de acordo com Telles (2006) “pré- cidadãos” que ficam à mercê da assistência social precária e mínima que predomina com seus benefícios eventuais e que tem como principal objetivo atenuar a miséria, ou seja, ajudar a sobreviver na miséria, portanto este mesmo Estado garantidor de direitos acaba reproduzindo e escancarando as desigualdades sociais presentes na sociedade. Dessa forma tem-se historicamente no Brasil que os direitos foram pautados a partir de práticas em que, “a justiça se transforma em caridade e os direitos emajuda, a que o indivíduo tem acesso não por sua condição de cidadania, mas pela prova de que dela está excluído” (TELLES, 2006. p.95). Assim, para que o indivíduo tenha acesso a algum benefício assistencial, é obrigado muitas vezes submeter-se a um processo cruel para atestar sua miséria, e por isso precisa da “ajuda” estatal, isso demonstra a hierarquização da oferta de políticas sociais que definitivamente não englobam a perspectiva de direito universal e igualitário e sim políticas para os pobres e políticas para os que contribuem mensalmente através do trabalho. Nessa perspectiva analisa-se o direito pelo ângulo de sua concretude e materialidade, compreendendo o direito a partir do conflito de classes, avançando sobre a mera aparência, focando-o pela perspectiva do poder e da classe dominante que o positivam. No atual sistema de regulação neoliberal de orientação para o mercado privilegia-se o capital privado enfraquecendo assim as políticas sociais, defende dessa forma um Estado mínimo que além da privatização almeja-se que ocorra uma maior flexibilização dos direitos sociais. É evidente que nem todos gozam da cidadania plena. Portanto, o conteúdo do direito se expressa nas relações entre classes sociais, ao longo do tempo histórico muitas lutas sociais obtiveram êxito e uma grande parte dos direitos efetivados foram conquistados através da pressão popular como o Estado Social que é fruto das reinvindicações dos trabalhadores por 34 melhores condições de trabalho e de vida. Daí o direito ser entendido na esfera das correlações de forças sociais, de conquistas sociais, na medida em que novas leis podem ser criadas e outras executadas na realidade do dia a dia. Para Behring e Santos (2009) a conjuntura dos anos de 1990 aos dias atuais tem sido demarcado processos constantes de violações dos direitos humanos, processos de guerra que foram desencadeados para garantir a expansão do capital. Assim, As duas últimas décadas foram de retração de direitos face a universalização das relações mercantis, em que não parece escapar a força, ao controle e direção do sistema do capital que submete todas as dimensões da vida social ao valor de troca, agudizando as expressões da questão social. Em tempos difíceis assim, há uma tendência contraditória para a reação, que pode se expressar na forma de imobilismo; na adesão passiva a ordem; ou na resistência, que assume direção política variada a depender do nível de organização e da capacidade crítica protagonizada pelos sujeitos coletivos. (p. 279) Portanto, para as autoras citadas anteriormente, apesar de a política e o direito constituírem dimensões relevantes na institucionalização e no modo de ser das sociedades, mesmo assim, não é possível alcançar o núcleo da sociabilidade e da individualidade. Nesse sentido quando os direitos são conquistados e regulados na forma da lei, isso não significa a superação nem da desigualdade social nem das formas de opressão vigentes na vida cotidiana. As lutas por direitos nutrem de possibilidades o processo de socialização da política, ao tempo em que explicitam seu limite, quando se constitui um tipo de universalidade abstrata no reconhecimento de sujeitos de direitos universais, uma forma particular de a burguesia reivindicar para si o domínio ideológico da sociedade. Nesse sentido o destino das lutas por direitos está determinado na dinâmica da luta de classes, num complexo jogo que envolve disputas ideológicas quanto à concepção de sociedade e do projeto societário que se deseja afirmar (BEHRING e SANTOS, 2009, p. 280). Contudo, é necessário entender que, Apesar dos avanços democráticos e da organização de inúmeros sujeitos coletivos e suas lutas reivindicando direitos, temos que considerar a relação de determinação posta pela totalidade da vida social. As respostas dadas aos sujeitos em suas lutas são 35 permeados por interesses de classes. Em cada conjuntura, as conquistas e/ou regressões de direitos resultam de embates políticos e, nesse front, os interesses do capital têm prevalecido (BEHRING e SANTOS, 2009, p. 280). Para Vieira (2009), talvez seja o caso de reconhecer, para além da afirmação de Bobbio, que a grande questão do tempo presente é que nele “é, imprescindível fundamentar, proclamar e proteger os direitos do homem” (p. 19). Para ele desde o final do século XX o que se observa são violações dos direitos humanos, sem obedecer a qualquer princípio ligado aos interesses universais. A verdade é que se trocou [...] a participação na política pela participação no mercado, porque eleições periódicas e partidos variados não geram automaticamente cidadania política e a luta não se trava entre populismo e tecnocracia. Com efeito, a luta não se trava unicamente entre populismo e tecnocracia, como auguram os bondosos donos da terra, trava-se por muito mais do que imagina a vã filosofia. (VIEIRA, 2009, p. 20) Em tais circunstâncias históricas, percebemos que de acordo com Behring e Boschetti (2006), O último período da história da humanidade tratou de desfazer a ilusão de Marshall (1967), para quem as conquistas da cidadania poderiam se sobrepor à desigualdade. O neoliberalismo e sua atual saída belicista mostra que houve uma espécie de revanche da desigualdade sobre a cidadania. O que paradoxalmente atribui uma radicalidade inusitada à luta em defesa da cidadania na qual se incluem os direitos sociais e humanos (p. 40) Nesse sentido, ainda hoje é fundamental defender os direitos humanos e sociais, sobretudo porque permanecem constantemente violados. Para demonstrar essa perspectiva basta situar a realidade em que uma boa parcela da humanidade está excluída do acesso as condições dignas de vida. Além disso, já sabemos que dos anos 90 em diante a configuração dos padrões universalistas e redistributivos que marcam o modelo de políticas sociais foi fortemente atravessada pelas estratégias do capital em crise, reestruturando as funções do Estado, sob a perspectiva de uma reforma que restringiu e reduziu os direitos sociais e as políticas sociais. 36 O Relatório Anual do Banco Mundial de 2013 indicou que mais de 1 bilhão de pessoas estão vivendo abaixo da linha da pobreza no mundo, o mesmo relatório informa que a desigualdade e a exclusão social estão aumentando em muitos países. No Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –IPEA, em 2013 a pobreza extrema cresceu, passou de 10.081.225 em 2012 para 10.452.383 pessoas que vivem com menos de R$ 77 per capita por mês, ou seja, o número de pobres subiu para 5,50% primeira alta desde 2003. Enquanto isso o número de bilionários cresceu, de acordo com o relatório “Equilibre o Jogo” (2014) elaborado pelo grupo Oxfam, atualmente existem 85 pessoas mais ricas do mundo que possuem o equivalente à metade mais pobre da humanidade e a cada dia que passa essas pessoas acumulam mais riquezas, segundo o mesmo relatório, essas 85 pessoas ficaram US$ 668 milhões mais ricas a cada dia. Enquanto 1 bilhão de pessoas vivem com menos de US$ 1,25 por dia em todo o mundo. Segundo Vieira (2009) isso é uma das faces ocultas da globalização responsável pelo aumento das desigualdades na distribuição mundial de riqueza. No Brasil, segundo a “Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico- OCDE publicou no Relatório Territorial Brasil 2013” (CORRÊA, 2013, p.1) que o país tem a segunda pior distribuição de renda, ou seja, é o segundo país mais desigual do mundo. Segundo o relatório de “Tendências Mundiais do Emprego 2014” indicam que em 2013 a taxa de desemprego atingiu 6% da população mundial economicamente ativa. No Brasil, de acordo com aOrganização Internacional do Trabalho- OIT a taxa de desemprego atingiu 6,5% em 2013, sendo considerado o único país entre os integrantes do Bric (Brasil, Índia, China e Rússia) que teve uma taxa de desemprego maior que a média mundial e segundo estimativas da mesma organização essa taxa continuará assim até 2016 (FERNANDES, 2014). Também cresceu o número de pessoas que saem de seus países de origem em busca de uma vida melhor, refugiados da guerra ou por diversos outros motivos. Segundo a ONU o número de imigrantes em 2013 aumentou, totalizando um número de 230 milhões de pessoas que deixaram seus países de origem. Os países mais procurando por esses imigrantes são os desenvolvidos como Estados Unidos que acolheu cerca de 46 milhões em 2013 (UOL,2013). 37 “Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE 2010 há cerca de 286.468 imigrantes vivendo no Brasil” (R7, 2012, p.1). Esses imigrantes muitas vezes vêm ao país em busca de emprego e de condições mais seguras que tem em seus países. Porém ao chegar se deparam com inúmeras dificuldades como o caso dos africanos que sofrem racismo e xenofobia, sem contar que muito deles vão morar nas periferias das grandes cidades ou em prédios invadidos em condições insalubres. E estão mais vulneráveis ao trabalho escravo, principalmente aqueles que não são qualificados para o mercado e os que estão no país ilegalmente. O trabalho escravo ainda consiste em um problema, de acordo com dados divulgados pela Folha de S. Paulo em 2013 cerca de 30 milhões de pessoas em todo o mundo vivem sob condições de escravidão moderna, principalmente no oeste africano onde persiste a pratica de venda, compra e aluguel de pessoas envolvendo principalmente mulheres para trabalhos domésticos. No Brasil estudos apontam que um a cada mil brasileiros trabalham sob condições de escravidão no país: na agricultura, construção civil, trabalho doméstico, onde migrantes do nordeste se submetem por um prato de comida e etc. Diante do exposto observa-se que os direitos humanos estão sendo constantemente violados, os direitos existem mais nem todos podem acessa-los por que de acordo com Vieira (2009, p.20) “se trocou a soberania do cidadão pela soberania do consumidor”. Segundo Behring e Boschetti (2006, p. 184) As políticas sociais brasileiras, profundamente conectadas à política econômica monetarista e de duro ajuste fiscal, enveredou pelos caminhos da privatização para os que podem pagar, da focalização/ seletividade e políticas pobres para os pobres, e da descentralização, vista como desconcentração e desresponsabilização do Estado, apesar das inovações de 1988. Essa escolha da política econômica, conjugada àquele perfil da política social, teve impactos deletérios na sociedade brasileira, radicalizando e dramatizando as expressões objetivas da questão social. Na sociedade atual só tem direito quem tem dinheiro para comprar saúde, educação, moradia digna, proteção, pois o Estado em prol do sistema de produção capitalista oferece serviços públicos precários e muitas vezes desumanos 38 contradizendo o artigo 6º da Constituição Federal que designa como direito de todo e qualquer cidadão a saúde, moradia, educação, previdência social, trabalho, proteção à infância e maternidade, assistência social, segurança e lazer. 1.2. A Seguridade Social brasileira Após a segunda guerra mundial se consolidou em diversos países capitalistas o Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), como discutido anteriormente, que está relacionado com o processo econômico mundial e os problemas sociais gerados a partir dele. Este modelo de Estado passa a subsidiar padrões de saúde, educação, habitação e renda. O Wefare State é considerado como a forma mais generalizada de proteção social realizada pelo Estado, adquirindo um caráter de proteção social pública. Desse modo possibilitou a extensão da política social nos países centrais, e nesse sentido à ampliação da cidadania. Contudo nesse processo ocorreu a ampliação da Seguridade Social em cada país de acordo com o grau de desenvolvimento do capitalismo e de questões conjunturais, como a organização da classe trabalhadora. Segundo Boschetti (2003), essa ampliação foi determinante na regulação das relações econômicas e sociais sob o padrão keynesiano-fordista, nos quais as ações do Estado deveriam aumentar a renda, promover maior igualdade por meio da instituição de serviços públicos, dentre elas políticas sociais tornando-se o núcleo do Estado de Bem- Estar Social. No Brasil a consolidação de um sistema de proteção social, sob a perspectiva do direito, tem como marco principal a Constituição de 1988, que regulamentou a Seguridade Social e representou um dos maiores avanços da sociedade brasileira no que se refere à proteção social e no atendimento ás históricas reivindicações dos trabalhadores. Representa a promessa de afirmação e extensão de direitos sociais em nosso país, e é composta pela política de saúde, assistência social e previdência, as quais são consideradas necessidades básicas de uma sociedade. A saúde é garantida pela Carta Magna como direito de todos e dever do Estado. E deve garantir serviços à população de forma universal e igualitária, ou seja, toda a sociedade deve ter acesso a Política de Saúde sem restrições. Essa 39 política se dá através do Sistema Único de Saúde (SUS) e tem como princípios a universalidade, a equidade, integralidade nos serviços e ações de saúde e é regido também por princípios organizacionais que são a hierarquização da rede, a participação social, a descentralização, e a regionalização. A Política de Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado é política de Seguridade Social não contributiva e que provê mínimos sociais, por sua vez, vem garantir meios de subsistência à população de baixa renda, principalmente crianças, idosos e deficientes, por isso tem um caráter focalista quanto a oferta de serviços. A regulamentação da Assistência Social através da LOAS- Lei Orgânica da Assistência Social (lei nº 8.742/93) rompe com a visão assistencial e filantrópica, aumentando a perspectiva de direitos aos segmentos mais necessitados, adotando a estratégia de “combate à pobreza” e “vulnerabilidade social” A Previdência Social, política de Seguridade Social contributiva, tem por objetivo assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis à manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família ou morte daquele o qual a família dependia economicamente. Um dos princípios dessa política é a universalidade de participação nos planos previdenciários para os contribuintes, seletividade e distributividade dos benefícios e serviços. Destacam-se como significativo na concepção de Seguridade Social: a universalização; a concepção de direito social; a definição de fontes de financiamento e novas modalidades de gestão democrática e descentralizada que permite a participação da sociedade civil. A Seguridade Social sustenta um modelo que inclui todos os avanços previstos no artigo 6º da Constituição Federal (educação, saúde, trabalho, moradia, segurança, previdência e assistência social), de modo a conformar um amplo sistema de proteção, mais consoante às condições gerais dos cidadãos brasileiros (BOCHETTI, 2007 apud CFESS, 2010) De acordo com o artigo 195 da Constituição Federal a seguridade é financiada: Por toda sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes do orçamento da União, dos 40 Estados, do Distrito Federal edos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I) do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salários, o lucro, a receita ou faturamento; II) do trabalhador e dos demais segurados da previdência social; III) sobre a receita de concursos de prognóstico; IV) do importador de bens e serviços do exterior. São também fonte de recursos da previdência as receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, constantes nos respectivos orçamentos. (BOSCHETTI, 2006 pg. 53) A Seguridade Social brasileira é considerada hibrida, pois ela se orienta tanto pelo modelo bismackiano que é visto como um seguro social por que beneficia quase que exclusivamente aqueles que estão inseridos no mercado de trabalho formal, o acesso é condicionado a uma contribuição direta anterior e o montante das prestações é proporcional à contribuição efetuada, predominando assim esse modelo na Política de Previdência Social. E o modelo beveridgiano onde os direitos têm caráter universal, destinados a todos os cidadãos incondicionalmente ou submetidos a condições de recursos, mas garantindo mínimos sociais a todos em condições de necessidade. Desta forma orienta a Política de Saúde e Assistência Social. (BOSCHETTI, 2003) Contudo a saúde e a assistência revolucionaram o padrão convencional de proteção pública no Brasil, com a Constituição de 1988, pois para se ter acesso as mesmas não é necessária uma contribuição prévia, desvinculando desta forma essas políticas da lógica do trabalho. Porém, com o capitalismo, a saúde ainda é grande alvo de investidas do setor privado sendo mercantilizada, fragmentando desta forma a Política de Saúde. Esta Política de Seguridade Social se encontra associada ao trabalho porque é fruto das reinvindicações dos trabalhadores e desde a sua origem visa atender as necessidades do trabalho, como também é financiada em grande parte através deste. Por isso se torna alvo de investidas do capital, que sempre está adaptando a mesma aos seus interesses. “Historicamente, o acesso ao trabalho sempre foi condição para garantir o acesso à Seguridade Social” (BOSCHETTI, 2003 pg. 02). No Brasil essa lógica do seguro predomina desde 1923 com a lei de Elóy Chaves, através desta, foi instituída as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP’s), dos ferroviários, que eram constituídas por empresa, de caráter puramente assistencialista, geridas através de representação direta de empregados e 41 empregadores e financiado pelo trabalhador, empregador e União. O Estado normatiza e financia em parte essa modalidade, mas não participa diretamente de seu gerenciamento. Em 1930, em substituição às CAP’s, formam-se os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP’s) onde os serviços eram organizados através de categoria profissional, e geridos pelo Estado, continuando contar com recursos tripartite. A diferença é que agora a contribuição do empregador é calculada, como dos empregados, sobre o salário pago. De acordo com COHN, et. al. (2010 pg. 15) no momento em que as CAP’s foram criadas originou no Brasil a saúde como assistência médica relacionada a esfera privada e não pública, característica essa “crucial na saúde do nosso país”: [...]Não se constitui, portanto, saúde como direito do cidadão e muito menos dever do Estado, mas sim a assistência médica como um serviço a qual se tem acesso a partir da clivagem inicial da inserção no mercado de trabalho formal e para a qual se tem que contribuir com um percentual do salário, sempre por meio do contrato compulsório A saúde representada pelo SUS tem como um de seus princípios a universalidade, porém com a mercantilização, acentuada pelo neoliberalismo e o consequente sucateamento da saúde, esse caráter vem tomando outros rumos, hoje se tem a ideia de que a saúde privada é melhor. “Isso remete ao fenômeno da universalização excludente que incorpora os segmentos mais carentes, caracterizando o SUS para pobres” (VIANA, LIMA & OLIVEIRA, 2002). Como analisa Mota (2006) A partir dos anos 90 com as investidas do neoliberalismo há um processo de fragmentação da seguridade social, onde o cidadão é visto como “cidadão- consumidor”, pois agora ele vai comprar saúde, previdência e ser excluído da assistência, com a ideia de que os bens e serviços ofertados pelo setor privado é a melhor opção. Contudo observa-se que a saúde pública está tomando o caráter focalista, pois a mercantilização da saúde está destituindo a ideia de saúde como direito de todo e qualquer cidadão. Esta condição faz com que o princípio da universalidade não se efetue, pois os serviços da Seguridade Social são conduzidos pela lógica do mercado. Segundo Boschetti (2003), seria necessário que todo cidadão tivesse acesso ao trabalho e 42 assim poderia ter acesso aos serviços, mas como o nosso país não oferece o pleno emprego é inevitável que uma grande parcela da população, economicamente ativa, continue excluída da Seguridade Social. Contudo, observa-se que a Seguridade Social é uma arena de conflitos, mesmo sendo uma grande conquista dos trabalhadores no que diz respeito à ampliação dos direitos sociais, ainda existem desafios a serem superados para que a universalidade se efetive e que na seguridade predomine a lógica social para combater as desigualdades. 1.3. O Sistema Único de Saúde O Sistema Único de Saúde - SUS é fruto, sobretudo, das reivindicações apresentadas pelo movimento da Reforma Sanitária que foram catalisadas na 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986, tendo a participação efetiva de instituições da área da saúde bem como dos representantes da sociedade civil, de categorias profissionais e de partidos políticos. Nessa Conferência foram debatidos os seguintes temas: Saúde como direito de todo e qualquer cidadão independente do trabalho, status social e etc.; reformulação do Sistema Nacional de Saúde, visando separar a saúde da previdência ofertando os serviços universalmente; e Financiamento Setorial, que objetivou a criação de um orçamento social com recursos destinados às políticas sociais e o mesmo ser repartido por setor formando, desta forma, o Fundo Único Federal de Saúde. (FAGUNDES et. al 1986) as resoluções dessa Conferência deram os parâmetros que mais tarde viriam a ser inscritos na Constituição de 1988. O SUS é considerado um dos maiores avanços dessa Constituição, pois incorpora as reinvindicações da Reforma Sanitária. Seus princípios apontam para a democratização nas ações e nos serviços de saúde que passam a ser universais e decentralizados com participação da sociedade civil. A partir daí o sistema de saúde brasileiro passa a se basear no princípio do direito universal que foi um dos temas discutidos na 8ª Conferência Nacional de Saúde e está contido na Constituinte de 1988. No capítulo VIII da Ordem social na seção II que define no artigo 196 afirma que: 43 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Antes disso existia um “duplo comando” na área da saúde, pois o Ministério da Saúde cuidava das ações preventivas e o Ministério da Previdência Social incumbia-se pela prestação dos serviços médicos curativos. Esses serviços até então não eram direito de todos, mas somente para os que contribuíam para o sistema previdenciário de então, que era ligado ao Ministério da Previdência Social, ou seja, apenas os trabalhadores inseridos no mercado de trabalho formal
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