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01 0. • • ..;;c ) \ ' ~.", ------------ ~ ., .~..,/". o ' •. < o---~::~"~~~ ,o':-:~I:"~;&?i~~lL~":;íJ{{;'"~: /(;~-i-~~ '~"'R>~~I~C~:;f'~A~~R-'--<D~'"O. I R....ODU~'LF" OA. ,",,' .' J. .,:"~ :,',:~.i1iof< '~,;I\ (7) ,{. .: ••l:' .. ,~ ''''-'.' - ''r \ . ~" - o • . .'. . i, t1 ' ~ / ,O brincar e o significante -'U~estudo psica- ,:" 'i ~~,' r. nalítico sobre a constituição precoce "',) ..~9"-----lO BRINCAR E Este livro fornece ao público um pensador ori. f ..1 '1 r;~~~b;~~l~~~~~~d~~;:n~~~':~~~~:'~:~~ .. '. t ....í.i.;..~: f ' O SIGNIFIC~NTE das patologias, sobre o trabalho humano e so- 'i :\~;II\(~': umestudopsjca"aliticosobreacon~tltujc:ãoprecoc. " bre a topologia ê suas aplicações ao conheci~ .' i, I( ~ ~. :- '\"- mento psicanalítico, estabelecendo inter-telà~ o ~' ~ l- ,?o,' I ' ções entre estas áreas, com idéias às .vezes sur- :> i,' I." . r,' ~:o , o -r... preendentes por sua profundidade e simplici- .~ t (; -.....:...._--1. . dade. ! I . .~ .. - . ~ .. - ..•" .- :, :'-Com sua visão particularsobreatêoria do sígni~.. 00";0 ficante, estabelecendo conceitos como o do sig~ ..( 'nificante dõ Superego, obtém uma fetfarnep.t~ - '.0 ',- . valiosa para a _ter~pêutica e pàra a crítiéà::do- ' \ campo psicana~ítico atual, propqildó a livr~:,in--o • vestigação, em substituição ao reconhecimento " mútuo de certezas. '" ... _ ~icardQ."~o~~!ç,, b::a~alhana'díni[f,ps~~aria.~ o . ~ittica. hã 'ceréa de 25,'anoso e desd~~ ~6 e~pl?. wssor Titular de Clínica de Criãnças e Adol~J-' ~entes na-Fac.uldade' de Psicologia da.Uniye,r- >sidadede Buenos Aires. , . ',- ,> ~~< o '. . , .' ,j'1' ,~: -', , ~~ i'~~' ..~. 0:." 1. ~ ,~' , .'. .t. o BRINCAR E O SIGNIFICANTEi'..' I. I ) 'I I .; ~: •.~.:: !;;;",'. ~;-'-~~"<I,.."'.,~~.'iZ'. o" .- ~;"'';/.t,;._ ". ,!j";~ B Bdõ"iicA ARTES MÉDICAS ~' ldúÍáUse. Psicologia. PsJC9Pe;fdagogla. Psiquiatria~.-....•. - '':'LOS EDITADOS , ..;,.> ~di;,:;'tury. Ao,Adolesc~ncld j,:,ó,Atie'aslUry. Ao,I'5ICA11á1isedA Cria"... - Teoria e Tkn/c.a :I!i'''AIle,astury. A"APercePÇoÍoda Morte". CridllÇle Outros Escritos :l!'"fJ>é',aslUry &. Knobel, Adolescência Nonndi " l AJ;e,aslUry &. Solas, A Patemldade - Um Enfoque I'5lcdl1dlftico ;Ackénnan, N.' D/dgnóstlco e rrdtdmento das Re/dç6es Foml/ldres 'o ;'AImdl'd.Paule, A UnlJuosem da Cridnça " o 'AjurlalJUerra&.MarceHhManual de I'5/cop.!toIOIJIa InfanrJI • "JurialJuerra. J" A DIs/exJa "'" Questio • o' AJurialJUerra.J,'A Escri'" Infantil- EvoluçAo e Dificuldade o Al>uque'que, T. Uns, l'5icololJ/a &. Educação':~~~e~~:~~~~~~Ic=~ ·:.:!~~~~~a~o,::t.;,m:.~~ :,}:t;'.,aMáscMa Fomllld, - Um novo , Enfoque em re'apld Famnlar • ~ndolA &. Angelo, rempo e Mito em I's/cote,apld FomDIar " o Anzleu, Dldl•• ,A Auto-AnálI ••• de Freud e a o.scobertd da 1'5Ica. náII ••• : • Aucouturler e colaboradores: Ao PrátiCd Pslcomotora f : =~~~~~&';:'kioB:tan~;r::::Otr1cldade e Terdpid • Barang••. W., 'lOSlçãO e Objeto na Ob,a de Meldn/e Klein o Barblz", &. Dulzaoo. NeuropslcololJla o Bellak&. Small, I'5/cote,apld de lm"'lJêncla &. I'5le0te,apld 8""", B"geret, I'ersondildade Normal e l'atol6!J1ca o Bé'gés &. lA!zlne,reste de Imltdç.lo de GestoS • Belte/helm &. Zela"',l'5icanálise da Alfabetização • Beltelhelm, Bruno,5obrevi~ncld ; ,o Blancl<,G. &. ~ Ps1cololJlado ElJo - Teoria e Pritic.a •' Blege" José, PslcololJld da Condu •• , • o Bleger, José, Pslco-HllJlene e I'5lco/O8Ia Instituclondi : :::~::::;: ~~~:~::"~~JmEsC'..:'d~~o~~/Jc~rIa • 8Jelchmar. Hugo: Introduç.áo ao £Studo das PerversôeJ • Blelchmar. Hugo: NiUCisismo • Blelchmar. Hugo: Ansúsdd ~ Fantasma . Blum, H., I'5lcololJld Feminina Bossuet, Gérard, O Computador ". Escola - O Sistema Logo • Bowtby, John, Uma Base SelJura o Brazelton, A Dlnãmlea do Bebi! • Brazelton, T.: O DesenvoMmento do A~so • Brunnet. L~zlneDesenvolvimento Psicológico da J :'nfJncld o Bryanl &. B,adle}'; Problemas de Leitura na Criança • o :;'ab~o\:nza &. TeJe,a - Educ.ar Vlvrndo - O Corpo e o Grupo o Calklns, Lucy.AArte de Ensinar a Escrevrr • Chasseguet.Sml'gel,l. &. Cols, Sexualidade FeminIna • Chasseguet.Sml'gel, J., As Duas Árvores do 'ardIm o Castorina e Cols., I'5lcololJla Gen~tic.a o Chess &. Hasslb" Princlplos e Pritlea da l'5!qulatria InfanrJI • C&awson. Ã: Bender Infantil • Cond"",arin, Mabe/, Dislexld - Manual de Leitura Corretiva o Cond"",arin, Mabe/, A Escrita Criativa e Formal o Candemarln, Chadwlck &. Mlllclc,Maturidade Escolar • Cunha. Freitas &. RaImundo, I'5/codldlJnóstico • Curtlss, Sandra: A Alegria do Movimento noi Pré.£Scola o Debray, Roslne, Bebl!slMães "'" Revolta ( o Decherf, Gé,ard, ldlpo em Grupo, 1'5/c.an.f.lisee Grupos de Cridn. Ç&S I"o Detours, c., O Corpo entre a BloIolJIae a Pslc.anállse• Dewald, Pau" I'5lcoterapla - Uma Abordosem Dlnhn1ca: g~~:';:'F:~~r::eÁ"f:gc~~::f:~r;"~~antil o Duarte, Bornholdl &. Castro, A I'rãtica da I'5lcoterapla Infantil .0 EIlJUer,Albert<>.Um DivA para a FamRIa • • Elkaim.Mony &. CoIs.' Fonnações e Pr.f.ttc.asem Terapia F.mDlar [OOerte, Cannen, I'5lc00oIJIada Adolescéncld io Enderie. Cannen, I'5le00oIJIa do Desenvolvimentoo [tchego}"'n, Horácio, Fundomentos da r~cnlc.a 1'51cand1It1caFerreiro &. Palado, Novas Perspectivas Sobre os Processos deLeitura e Escrita:~~~::'t~~~~;s~~~~~~7u~i~:a LínlJua Escrita o Ganna, Angel: A pslc.an.f.nse- reorla, Ofnic.a e T~cnlca d •Glbello. Bernard, A Criança com DIstúrbios de IntelllJéncla -I . Glovacchlnl, P.' Roteiro A Leitura de Freud I o ~A'Ii;:;e~~:ro' A Evolução I's/collnlJüfstlca e Suas Implicações • Goodrlch el. aL, rerapla F"",lnlsra da Famnla ~. ~~~~R~~~~ g'~o"::~~o';'~C;::U:iMenral : ~~rr~n &.. H~rren:A Estimulação Psicomotora. Precoce orns~~ln.L: Cura PsiCcuMlítica e Sublimação -""...-- -.~., ,.- índices Alfabéticos para o Catálogo Sistemático um.estudo psicanalítico sobre a constituição precoce PORTO ALEGRE /1990 Tradução: FRANCISCO FRANKE SETIINERI Psicólogo clínico o BRINCAR E O SIGNIFICANTE RICARDO RODULFO 1 j .A 159.964.2:053.2 615.851.1-053.2 l.Psicanálise Infantil 2. Significante, Teoria do I.Settineri, Francisco Franke. II.Título. C.O.O. 618.928917 616.8917 C.O.U. 159.964.2-053.2 615.851.1-053.2 (Blibliotecária responsável: Sonia H. Vieira - CRB-10/526) R696b Rodulfo, Ricardo O brincar e o significante : um estudo piscanalítico sobre a . constituição precoce / Ricardo Rodulfo ; trad. de Francisco Franke Settineri. - Porto Alegre : Artes Médicas, 1990. 179p. ; 23cm. Psicanálise Infantil Psicanálise como Terapia: Crianças Obra originalmente publicada em espanhol sob o título EI Nino y el Significante - Un estudio sobre las funciones deI jugar en la constituci6n temprana @ de Editorial Paidós, Buenos Aires, Argentina Capa: Mário Rõhnelt Supervisão editorial: Leda Kiperman' Composição e arte: AGE - Assessoria Gráfica e Editorial Ltda. A Mansa j !). 9. 9bLI. r~._ o•....') /, /" . J...I ./~ R 690 6 "I SABj2 CHAM- 159.964.2-053 11 . REG - 114999 LOC - CSR OBRA- IJ000186940.....- ~ . O':. 5~I.\JJ -1:> -.- lo.o)-.o,i Reservados todos os direitos de publicação em Ifngua portuguesa â EDITORA ARTES MÉDICAS SUL LIDA. Av. Jerônimo de ameias, 670 - Fones 30-3444e 30-2378 90040Porto Alegre, RS, BRASIL LOJA-CENTRO Rua General Vitorino, 277 - Fone 25.8143 90020Porto Alegre, RS, Brasil IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL ltr....,.".'.'. . .~-.•.. "-. .. r ;~ !l 1 I I 'I 'i ~I Agradecimentos Pode-se oscilar entre uma variante clássica e uma mais contemporânea, quanto aos "agradecimentos": a segunda os compreende como um "umbigo" que se dispersa no desconhecido; a primeira aconselha sensatamente a limitá- los um pouco. Nestas condições, e apoiando-se em fragmentos incertos de frases e lugares, móveis e repetitivos ao mesmo tempo, assim como em outros que foram e sãopossibilitações, é iniludível uma dívida cálida para com minha esposa Marisa Rodulfo: circunstâncias concretas renovam aqui o surrado clichê que reza "sem cujo ... ", etc., etc. A senhora Laura Pound trabalhou longas horas para tornar legível um manuscrito que aparentemente não o era tanto, e a senhora SilviaGoicoa ajudou-a nisto e outros pormenores, com prolixidade e paciência. Por seu lado, a senhora Irma Ruiz Aused, do Editorial Paidós, trouxe sugestões realmente valiosas: inclinar-se por escrever "falizar", em substituição ao galicismousual "falicizar", assimcomo a bela expressão "dema- sia", em lugar de "plus". Por fim, meu reconhecimento especial ao Dr. Raúl Mejía, patrono de tese, tão discreto e amável como alentador. Enumerar estas circunstâncias excede a convenção formal: quem escreve faz sua própria experiência sobre o necessário das fundamentações. J.:-J 11 -, 11 - Advertências , " --- ._------------- Sumário .\-.- Do autor Ao longo do texto, as aspas duplas assinalam ditos textuais de pacientes ou peqm:nas citações, também textuais, de outros autores. Em troca, as aspas simples pontuam rodeios de frases relativamente típicas, genéricas, ou certos efeitos de entonação; por exemplo, irônica. Do tradutor Respeitando a posição do autor, para maior fidelidade às suas' idéias e descobertas, procurei não alterar, mesmo com certo detrimento do portu- guês, suas expressões. Contudo, convém lembrar que, pela nossa formação ~e'palavras, "falizar" significaria tornar falo, enquanto que ~'falicizar" seria tornar fálico. Em relação ao "plus" latino, alterá-lo para "demasia" ou "exces- so" nos dificulta a compreensão, pois, de tão usado em nosso meio, denota claramente a idéia de alguma coisa "a mais", apesar desta forma substantivada do adjetivo latino não estar dicionarizada. Entretanto, manteremos ambas as expressões do autor . Prólogo da Ora. Mana Lucila Pelento . Introdução . 1. A pergunta pela criança e a clínica psicanalítica . Onde vivem as crianças? '" 3.i.~~~~~ . lica -esef nç~~~ . 5. '!!!JÇl!e eu desf os: o, sinto fanta a . .......6.~b.!!!!l-CQ., . 7. As teses sobre o brincar (I): Aquém do jogo do carretel .................•........................ 8. As teses sobre o brincar (11): O espaço dasdistãncias abolidas . 9. As teses sobre o brincar (1lI): O desaparecimento simbolizado . 10. As teses sobre o brincar (IV): Pequenos começos de grandes patologias : . 11. As teses sobre o brincar (V): Transicionalidades . ~~:~~ra o brincar, o t!abalhar ~eve advir . 13. As condições de uma metamorfose : . Notas . 11 14 16 29 44 59 68 80 91 104 115 128 136 147 .•. 159 174 11';1'.,'•••••••••• I I ÍI '\.", ) Prólogo A publicação de um texto nem sempre encontra seu lugar e tempo apro- priados. As raras e bem-vindas ocasiõe~ em que este encontro se produz revelam que o autor pôde captar com lucidez um momento crítico, aquele Kairós dos antigos; e formular sua resposta pessoal. .. Na história de nossa disciplina - a psicanálise -, algumas dessas circuns- tâncias críticas se vinculam com o movimento ao qual parecem estar sujeitas as teorias. Como se observa com freqüência, o advento de uma nova teoria abala as bases conceptuais vigentes até este momento. Entretanto, os novos conceitos se emblematizam muito rapidamente, perdendo seu caráter infla- mado e criador. Este circuito, quase inexorável, não obriga à resignação com seus efeitos. Pelo contrário, exige uma luta para escapar do deslumbramento que o novo produz, assim como da trivialização que conduz sua transformação em emble- ma. t ---Neste texto, justamente, Ricardo Rodulfo toma a decisão de revisar alguns. dos efeitos de um momento revolucionário e crítico: o que se iniciou em. nosso país com a introdução da teoria do significante, um dos elementos \~cruciais da conceptualização lacaniana. Acompanhado pela profunda convicção de que J.lo âmbito científico o~ conceitos são ferramentas para pensar, e não mandatos "para _seguir, nem iâolos para sacralizar, revisa nestê -teXto ãS"éõllseqüências- de uma leiturã o Bri~car e o Significante / 11 • "demasiado linear" da teoria do significante, na prática com crianças e adoles- centes. Esta reflexão crítica de um tipo de leitura, que conduziu, segundo o autor, a "passivizar o sujeito", dissipando sua diferença, leva-o a desenvolver suas próprias hipóteses. Hipóteses que, em seu conjunto, permitem ir apreen- dendo "as questões fundamentais" deste autor (P. Aulagnier, 1984). Assumindo como idéia diretora que "a criança não recebe passivamente significantes já feitos, senão que recebe um material significante que extrai e processa ativamente", ressignifica, investiga cuidadosamente as fontes desse material significante, seus possíveis destinos, assim como as operações essen- ciais que o bebê realiza. Na investigação dessas fontes, o conceito de "mito" ocupa um lugar primordial, conceito que sofreu, em nosso meio - é bom recordá-lo ~ vicissi- tudes particulares. Erigido, em um primeiro momento, para assinalar o terreno não explorado por Klein, foi, com o correr do tempo, relegado a outras formas de terapia, ou trivializado e esvaziado de complexidade, simplesmente esquecido ou subestimado. A fulgurante definição do mito como arquivo, que o autor evoca, sua própria ~dé~a.do mito ~amiliar como lugar, sua conceptualização como "punha- do de slgmfIcantes dISpostos de certa maneira", o modelo que propõe, a partir do termo "collage", a denúncia sobre os efeitos clínicos negativos condu- zidos por manter a dissociação corpo/mito, etc.; todos estes elementos vivificam notavelmente este conceito. Outra consideração que introduz, seguindo uma inspiração de R. e R. Lefort, é aquela que se refere a dois tipos de funcionamento diferentes do signi~cante: como significantes do Superego ou como significantes do Ego. Segumdo o encadeamento de suas reflexões, pode-se apreciar a força que esta diferenciação possui, para produzir o entendimento de diversos fatos: tanto os que concernem à prática, como a outra índole de problemas _ tais como os da produção e o ensino da psicanálise. Ao estudo pormenorizado sobre fonte e destino do material significante, segue-se nesta investigação uma questão capital: a da função ou funções que .tomam possível a eXtração e a tramitação de significantes e seus efeitos. O desenvolvimento desta questão - no meu entender, fundamental - abarca e estende o significado da pergunta que D. Winnicott formulou, com simplici- dade, em 1945, sobre quando começam a suceder as coisas importantes, e quais são as funções que põem em marcha estes processos estruturantes essen- ciais. As articulações que R. Rodulfo propõe oferecem uma resposta precisa e pormenorizada: estas "coisas importantes" acontecem antes e desde o nasci- mento, J<.2YJayil1g_~I!-nicottiano é este eixo de transformações que permite a estruturação do psiquismo. . '. . .--- -- . .-. A definição do brinquedo como "esburacar" (furo cujos efeitos imagi- . nários Klein descreveu notavelmente), a discriminação de funções no brincar, anteriores ao fort-da, a particularização dos invariantes estruturais a que dão 12 / Ricardo Rodulfo lugar, sua confluência na construção da categoria de corpo, sua ressignificação na adolescência, assim como as relações entre brinquedo e trabalho, constituem uma inapreciável contribuição (entendendo por "contribuição" um lugar de encontro -seja de acordo, questionamento ou desacordo -que pode oferecer um material teórico). Antes de dar a palavra ao autor, farei as duas últimas considerações: antes de tudo, desejo assinalar que o fino entremeado de conceitos que o autor analisa ao longo deste texto permite perceber sua capacidade de receber e trabalhar o que D. Winnicott, em sua carta de 1952, batizou como "os gestos criadores" de outros autores. Suportando a tensão que o contatovivo coiu estes "outros gestos" produz, R. Rodulfo pôde elaborar e assumir sua própria posição. Tomada de posição que, em meu critério, afasta-o do perigo de oficializar uma torre de Babel. Pelo contrário, o conduziu a plasmar hipóte- ses coerentes, pronunciando-se em uma série de problemas cruciais. Um cen- tral, dentre eles,. como o referente ao debate entre história ou estrutura, . suscitado nas ciências humanas sob a pressão do estruturalismo. Coincidindo, neste ponto, com autores como A. Green (ou M. Duchet, no campo antropo- lógico), R. Rodulfo se define apresentando elementos teóricos que, no seu entender, permitem sair do beco sem saída gerado pela oposição história/ • estrutura. Enfim, pode-se advertir que "as questões fundamentais" que este autor estabelece - aquelas que P. Aulagnier descreveu como "o ponto conjugado de fascinação e resistência que singulariza a relação de um autor com a teoria analítica" - não giram sobre si mesmas. Estão, ao contrário, fortemente apoiadas em uma busca de inteligibilidade daquelas condições psicopatológicas que, transbordando o campo das neuroses, mostram, com maior ou menor rigor, os efeitos de falhas na estruturação psíquica. María Lucila Pelemo o Brincar e o Significante / 13 Ir II Ir II Introdução Este livro foi preparado com os materiais de um longo seminário ditado por mim, durante 1985, na Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires como professor, naquele tempo, adjunto e interino da Cátedra de Clínica de Crianças e Adolescentes, da qual sou concursado como titular desde 1986. Além desta conjuntura, ao reunir anos de investigação e aprofundamento em desenvolvimentos teóricos pessoais, deu-se também minha tese de douto- rado, apresentada na Universidade de Salvador. O texto foi reescrito em :sua totalidade, e a situação de seminário - seu "fundo representativo" ,segun- do à 'excelente expressão de Aulagnier -, que implica tanto perguntas e associações como desvios e digressões necessárias, ficou incorporada a sua estrutura, sob uma modalidade estilística diferente. A pontuação deste itinerá- rio, cujo começo real é a prática clínica da psicanálise, talvez valha a pena: da primeira transcrição oral à segunda, em letra, dito material recebe não apenas as determinações da elaboração secundária (que a própria elaboração secundária se esforça por velar, apelando para o que Barthes denominava "índices de realidade"), mas também a oportunidade de entrar em cenas de escritura que implicam espaços de reflexão diferentes e precisos, espaços que não se limitam a "pôr em palavras": põem à prova. Dentre os muitos caminhos que, em geral, todo livro sempre abre, e que dependem de encontros e transferências particulares, neste sublinharia pelo menos três. Em primeiro lugar, retoma o tema do desenvolvimento 14 / Ricardo Rodulfo dealgumas.idéias e achados clínicos expostos em outro livro, particu~arm~nte '. to à natureza do brincar'. Por outro lado, o texto aborda, nao sei sequan d' . , afortunadamente, temáticas e pontos e VISt~qUIça. u~ pouco novos: p.or , mplo o que conceme a uma concepção não ImpreSSIOnista da adolescencla.exe ',. A' Last but Dot least (e para o autor ISto e o que tem mais ressona~cl~ .em relação à posição teórica)2, o texto prepara o t~rren0'pa~a um balanço. hl~t~nc?, que é também um ajuste d: ~ontas com a teo.na. d~ slgnI.fic~nte e su~ mCld.encla na árdua investigação anahtIca sobre a constItUIçao subJetiva. AqUI, esta mtro- dução se limita, no horizonte de outro livro. . R' nalUNIJUt . universidade .e.gl~ Biblioteca Universltar 1 - Clínica psicoanalítica con niiios y adolescentes: una introduccián, Marisa Rodulfo e Ricardo Rodulfo, Editorial Lugar, Buenos Aires, 1986. 2 - Sobre o conceito de posição, consulte-se "Mitopolíticas I1I: Yo deseo, t~ desea~, .. ~o~os deseamos a Schreber pai (línea y posición en psicoanálisis)", R. Rodulfo, Actuabdad PSlcologlca, Buenos Aires, agosto de 1987. o Brincar e o Significante / 15 16 / Ricardo Rodulfo I A pergunta pela criança e a clínica psicanalítica Se voltarmos a refletir sobre a clínica com crianças e adolescentes, agora será essencial reconsiderar a questão dos significantes, em relação ao que chegamos a entender por criança, em psicanálise. Aparentem~nte, é muito fácil mostrar o que é uma criança, mas do ponto de vista do psicanalista õs problemas começam ali. Se nos situarmos em um plano observacional ou condutista, a criança aparece como uma determinada entidade psicofísica. Um dos autores mais criativos neste campo, Donald Winnicott, problematizou tal evidência, através de um paradoxo: "os bebês não existem". O importante disto é que leva a um questionamento radical em nossa práxis, em r~lação ao que aparece tão assentado como ser (de) criança. . Quando se acredita sabê-lo sem mais delongas, e ocorre que uma cnança 'de verdade' é trazida à consulta, não nos ocorre olhar além dela, dar uma olhada em sua ascendência, por exemplo (há gente ali); daí os testes ou outras formas de provisão de dados, a fim de esquadrinhar como sente, como pena, como a criança em questão fantasia, colocando em relevo que se entende por 'criança' algo que começa e termina nas fronteiras ~e seu corpo~ a célebre entidade "psicofísica. Acontece que este método é a ongem de mUitos erros,' como inventar uma doença para a criança, inventar uma patologia para tratá-la, i sem se perguntar o que acontece ali onde o pequeno vive, o que se passa 1 na escola que freqüenta. Não é nada fácil determinar psicanaliticamente o que comumente se designa, ao dizer "criança'. É necessário mobilizar uma série de conceitos, dar muitos rodeios, e o resultado é que as coisas clínicas não coincidem de todo com as idéias que se tinha. Se se considera a história da psicanálise, uma das primeiras coisas que se põem em evidência, em relação à criança, no século XIX, é sua sexualidade, mas a sexualidade infantil como tema, nas mãos da psicanálise (noto~ Fou •. catIlt), converte-se em um ques~ionamento da .sexualidade do a~ulto. E. uma virada muito importante, em cUJocentro ou epicentro podemos situar a epoca em que Freud publica o~ Três en.saiossobre a teoria.sexual. . A questão do que e uma cnança, em que conSIste uma cnança, co.ndu.z àpré-história, tomatldo-a não apenas no se,ntIdo q.u~lhe outo~ga F:e~d ~p~lmel- ros anos de vida, que logo sucumbem a amnesla), mas a pre-hlstona em direção às gerações anteriores. (pais, avós, etc.), a história dessa, fa~ília,. s.eu folclore, especialmente a partir do momento em que concerne a pSlcanahs~ a problemática das psicoses, em um sentido amplo,ou dos transtornos narcI- sistas em um sentido ainda mais amplo. A história da criança deixa de ser um i~ventário de tudo o que pode fantasiar ou não, o que conduz, por si só a toda a problemática da pré-história, isto é, o que o precede, os modos e declives do ocorrido, determinantes para essa criança, antes que propria- mente exista. Esta série de volteios se dirige a alertar sobre o perigo que implica tomar a criança no sentido mais estreito e cotidiano, ao modo tradicional das provas psicológicas: em que idade o pequeno deu tal passo, como rende em ~al esfera, medição de seu quociente intelectual, desvelamento de suas fantaSias projetivas. Não que tudo isso deva ser maciçamente rechaçado a priori, senão que será muito insuficiente, em particular naque.les ca~os onde nos defr~ntamos com uma patologia grave, da ordem de obstrUir radicalmente o creSCimento, o desenvolvimento, o advento desse sujeito. Para entender uma criança ou um adolescente (de fato, inclusive um adulto), temos de retroceder aonde ele ainda não estava. I Há dois movimentos em psicanálise. Um se popularizou muito, tornou-se sua representação vulgar: é o retorno da psicanálise ao que foi a infância, a temáticas como por exémplo as fantasias precoces, os traumas precoces, interesse enfim por retroceder tanto quantose possa. ,,.' '-, Isto é suficientemente conhecido e, além disso, conserva toda a sua impor- tância e sua validade; a psicanálise continua involucrada nestas questões, mas sua gravitação ficou reposicionada em um segundo movimento mais am- plo, onde nossa disciplina se interessa particularmente por certas patologias (por exemplo, as psicoses). Essa segunda virada vai-se produzindo lentamente, a partir da década de 50, e está estreitamente relacionada com o deslocamento da clínica para além das neuroses (fortemente "além"), com as margens ambí- guas e fronteiriças, transtornos narcisistas, esquizofrenias, adições, etc. Intro- duzirei um pequeno exemplo:! trata-se de um paciente que começa sua análise nos últimos anos da adolescência. O problema central, que o traz ao trata- mento, é um ciúme que o atormenta, havendo fases nas quais chega a evitar todo contato com sua noiva, e ele com o exterior: saídas, amigos, ir a um cinema. O ponto não são apenas as complicações práticas, considerando o estado anímico que se desencadeia, no qual ele fica preso por uma crença. que o deixa cego: ela se arruma não para agradá-lo, senão para outro, que, O Brincar e o Significante /17 • r;;;I-I , ',' =1 .J.J. ,/ I I I 0--., ~. l :1 I I I I em algum momento, situa ao acaso, dentre a multidão. O segundo passo é uma requisição absoluta do olhar de sua noiva. E sempre encontra (inventa) algum suporte, momento eletivo no qual se encarna a suposição de que ela olha com desejo aquele que nunca é ele, Um dos problemas mais difíceis qg,e_abordamos na clínicaé comos,~.~!lcontra a quem se' necessita para, se autodestruir, para desdobrar seus sintomas, ou para encontrar certa comp"le- mentaridade fechada sobre si mesma. Por outro lado, o paciente repara (de maneira descontínua) o absurdo de suas suposições, mas a intensidade da certeza, sobretudo no momento em que sua fantasmática o captura, é absoluta, chega a ter características de uma construção delirante, no sentido de resistir a toda dúvida, toda crítica ou distanciamento, toda diferença entre ele e sua crença. Há todo um plano de análise em quemormente não avança, e que concerne ao relacionado com a imagem da mulher, ou de sua noiva: por outro lado, é necessário um tempo nada significativo, para que se esclareça a questão. Escolhi este fragmento porque as chaves principais caem do lado da pré-história. Em um dado momento me dei conta de que, em sua família, que constituía um lar comum e corriqueiro, à primeira vista, entretanto se podiam descobrir perfis menos genéricos, como por exemplo um episódio psicótico pós-parto na mãe, uma depressão intensíssima e longa. Esta mãe, que aparece em princípio com a fisionomia de uma dona-de-casa convencional, só se arruma no sentido que habitualmente consideramos 'feminino', isto é, só delata certo desejo de gostar, de querer estar bonita, quando se trata de sair à rua; contrasta sua aparência sem brilho dentro de casa, o que aliás ocorre na maioria do tempo, enquanto que quando tem que deixar sua casa há um cuidado especial para nada, porque, em geral, trata-se de fazer alguma compra, Descobrimos ali um .aspecto muito importante, em relação ao erótico: a mãe não apresenta esta imagem para o pai, mas no âmbito de um olhar anônimo, fantasmático. O paciente rememora, em relação ao pai, suas aven- turas extra-conjugais, das quais a mãe se inteira invariavelmente, já que seu marido trabalha perto, e as vive não longe deste lugar. Vale dizer, tudo fica no mesmo bairro, não há uma tentativa de vida dupla. Ponto de confluên- cia: o pai e a mãe surgem unidos por um fator comum, a sexualidade está na rua, fora do casal. Até que avançou em sua análise, o paciente acreditava que, quando a mãe ficava sabendo, havia uma comoção verdadeira, porém na realidade não ocorria nada disso, embora se gritasse muito. Nesta família, o revolucio- nário, o questionante, o que alteraria o equilíbrio narcisista teria sido que a sexualidade estivesse dentro da casa e no casal, não colocada fora; atuada ou fantasiada, pois isto é o permitido, o que está aprovado, e nenhuma funda- ção se quebra por tal situação. O paciente recorda um relato, recalcado, esquecido por ele, e que reto- mado neste momento ganha importância. Na casa havia outro personagem 18 / Ricardo Rodulfo que pouco a p~uco assume m.ais relevância, no decurso de seu relato: li avó materna. No dl~curso do pacIente aparece primeiramente como uma 'anciã pacífica'; gradativamente, durante o curso da análise, esta imagem dá uma virada de cento e ?itenta graus, E isto quando o adolescente se dá conta de que o poder reSIde do lado da avó e, posteriormente, que os casais que se armam na casa podem ser: a avó e a mãe, 'contra' o pai ou algum dos filhos, mas o casal que nunca se forma é entre o pai e a mãe; mais ainda, adver~e que nos poucos momentos em que se esboça a formação de algo pare~ld? com um .casal ~ntre .eles, por exemplo algum gesto carinhoso ou q.ue InSInue ~exuahdade, ISSOf~ca cerce.ado, porque alguma intervenção mali- CIOsa,da avo pro~~ca uma bnga. ASSIm, vai captando que há uma ordem de COIsas, uma ~ene de fu.nções e de equilíbrios, que desconhecia. O fato de que a sexuahdade esteja na rua mantém a mãe na órbita da avó' não se de~e esquecer que a ~ãe é. uma mulher que sofreu uma depressão de magmtude, com a consequente Internação, levando um longo ano para voltar a cuidar de seus filhos. D~da~ estas condições --:- o rapa~ rec~rda -, sua mãe lhe contou que, nos ~r~~el!0s anos de su.a VIda matnmomal, ela havia começado a perder suas Imblço~s e a ?escobnr ? prazer, ~a~ um dia deixou a porta entreaberta, e na manha seguInte a. avo - que VlV1acom eles desde o princípio; isto ocorreu antes que o pacIente nascesse -lhe recriminou acidamente sua vida sexual. A ~ãe confiou ao filho que isto constituiu toda uma interferência e que :ss~ Intervenção nunca tinha sido superada. ' Ja dIspondo destas peças, o ~?ciente se dá conta, praticamente por si mesmo, de que seus acessos de ClUmes respondem a uma lei familiar isto é, que a sexualidade só pode se dar na rua e não entre os membr~s de um c~sal oficial" co~o sua noiva e ele, por exemplo; esta mesma ordem de cOIsas detern~mara a crença de que o olhar de sua noiva nunca se dirige a el~ CO"; dese.1~ e, por outro lado, tudo o que tenha a ver nela com o erótico ~o podera se. com~lementar com este público anônimo que está na rua, e nao com o paclente,- A partir daí começa a desinflar-se todo este aparelho delirante dos ciúmes a ser,~enos_ freqüent~, mais débil, mais breve, com crescentes possibilidade~ de cntIca, nao no sentI?o de .querer conter-se, mediante um esforço de vontade, mas que algo.P?~sa caIr, de,lxar de ser uma invasão maciça em seu psiquismo. , . Tal POSSlblhd~de se ~a, ob.servemos, ao ~nalisar um pedaço da pré-his- ~ona, onde o p~clente. ~a.o eXIste co~o entIdade psicofísica; o que conta e o ~asal dos PaI~, os InICIOSde sua VIda sexual, a velha relação que solda a mae com a avo, tudo ~ que, por determin~das razões que levaria muito long,e aprofundar, se a,t~ahza, r~pete-se nele. E diferente supor que se encon- trara a chav~ dos dehnos ~e clúm.es em uma fantasia imanente ao sujeito, prod~to autonomo .de seu InconscIente. E não porque se possa subestimar a va.hda,de deste regIstro, no qual a psicanálise está irrevogavelmente compro- metIda,lQue te~hamos descoberto uma ordem fantasmática inconsciente, que "'-.,~(~ O Brincar e o Significante / 19 • I II1 ,I 11 I I - ! ! I -t ap~rece em sonhos e em múltiplas formações, é uma verdadeque ainda resiste\ .c4-, Trata-se do que ultrapassa, do que vai além, do que nos baste rastrear nÓ imaginário do paciente, para decifrar a chave, quando é necessário reconstruir material de outras gerações. Em outras palavras, poderíamos dizer que se dá, dO.ponto de vista da psicanálise, o itinerário de um significante, algo significanteque se repete sob transformações, de geração em geração, "Fadián vermelho" ... Outro caso é o de uma mãe que vem à consulta, por seu filho viciado em drogas, menor de idade, com antecedentes policiais e penais. Depois de afundar em toda a sintomatologia do rapaz, isto é, que drogas toma, índole dos episódios delituosos, inventário das reprimendas, como de passagem a mãe diz: "os segundos filhos varões da família sempre têm problemas ou vão preso~". Por esta via, surge um material concernente a um tio do paciente, segundo fIlho homem, e a um tio-avô, de outro ramo da família, mas também segundo filho varão: todos eles tinham estado presos pelos mais diversos delitos. Nestes casos, é necessário situar-se de outro modo, sendo muito insufi- cient~ I~var em conta apenas o intrapsíquico; há algo marcado a fogo como repetlçao: .em seu calor, uma frase pesa com o peso do significante: "os segundos fIlhos varões da família sempre vão presos". Entender o conceito de significante em psicanálise, sem diferenciá-lo' do da li~~üÍstica, é incorrer em um erro grosseiro.'\6 avental que o médico' "" __,I ou o pSlcOlotgO I usa, ~m um d centdr? de s~údfe~.é um significantç: para quem .';1 aco!rer a es e. ugar, mtro uz a Icotomla áhca do que está com e do que esta sem .. Efelto de poder,. basta o avental para que, em um certo tipo de casos, surja algo, com o umforme do discurso do Amo, do qual qualificamos como submissão; é um exemplo banal, ao cabo, mas que sublinha sobre que é um significante, como fenômeno que não se reduz ao terreno das / palavras. Uma frase como "os segundos filhos varões sempre têm problemas" é si?nifica~t~, pri1?eiro, na m~dida em que se repete. Nem tudo o que um pacIente dIZe slgmflcante; porem, burgueses de Moliere ou não, somos todos, ',>, e ?esde p~quenos, um pouco burros flautistas. Para que alzQ.,em l2&canálise,1J s~'!; c.OI1.s.!º~Iª-ºQ.como signifi~ante ,tem que ~e_~~~.tiL Este é um primeiro enteno. Neste caso, tal condição se cumpre às claras: pode-se ligar, sem . dúvida, este rapaz a seu tio e a seu tio-avô, não pelo conteúdo da detenção, em cada um de índole diversa (não se trata de que se tenha herdado uma tendênci~ às d.rogas), mas pela assertiva de que o segundo vai preso. É impor- tante, alem diSSO, levar em conta a ambigüidade da frase, porque, se não apagarmos suas ressonâncias, coloca para a escuta analítica a questão de seu estatuto: a mãe não está descrevendo, informando, um estado de coisas: 'olhe quecasualidade, os segundos varões da família foram presos'? Condói-se com isto? Ou está se tornando porta-voz de uma leil!9J.egistro do inconsciente \~.nesta família', de um imperativo 'seja presõ-;se é o segundo' ,"irnpefãfiVõ que veicula um mau desejo para este sujeito, que se relaciona com que fracasse, '1 20 / Ricardo Rodulfo e ainda se destrua? A frase transpõe seu mero valor de informação, como elemento de anamnese psiquiátrica, ou como elemento de uma entrevista psicológica dirigida., " Esta é, além disso, uma frase que, da mesma forma que no mito, se dá em um tempO ativamente presente, o que lhe outorga uma legalidade (e, por ocasiões, uma fàtalidade) problemática. Por outro lado, é revelador escutar, depois, do rapaz, como todo indício de esperança é abolido, como nele o inelutável chega a extremos absolutos, o que é uma complicação muito séria, do ponto de vista do que se pode fazer em uma análise. ' Para que alg() s~j-ª2.iKnifi~nt~!.d;..v~~~epetir. ~_m~is, o signi~icante, / J não r~~onhe.c~ª-propne.~~~"e..P11~-ªºª",!!ªoe,PfQIRlode n~, cruza, CIrcula,' f-'rãtrãVessa geraçi'~~, tres.E?~s.ª.º)nC!jyi<!u~L.o g~l!P(lI~~Q..~Q.99tl!ªQ.~Il~l.tencente ããfgii"m-membro dão família; em todo cª,s.0.,1_~"p~Q~I~ma'ciu~,int~rp,~.l!!,,.Çili!ã üôf As vezes, os analistas esquecem que existem significantes mais felizes pãrã designar alguéJ!1, mas quando um significante como este cai na cabeça de um filho, uma das questões que se colocam, sem exceção, é em que termos se entabulará relação com ele, seja sob uma repetição cega, ou - se na vida desse sujeito, desde criança, algo replica -, seja na forma de Uma batalha para mudar a direção do que se repete. Em outros termos, o que conceptualizamos como repetição enquanto diferença. Ao sobressair sempre a mais obtusa reiteração, a capitulação ante o mesmo, sem possibilidade de nenhum desvio, em absoluto poderíamos cumprir aquilo que Freud propôs como meta: fazer algo terapêutico por um paciente . O que se joga então, em uma frase como a dos segundos filhos varões, é intersubjetivo, não uma mera ou necessariamente invenção imaginária de a.lgu.é~ em particular. ftJma vez que algo é introduzido com a função de slgmfIcante, produz.se <[omenos um pouco do novo, quer dizer, algo com *,certo. valor d!stin.tivo: E. r:isaqui um. seg!!'I]s!-º_Ç{t!!!.i2.~~g"andoullLeJe.mento ; J ad9u,I~.J~mY.!.tªÇil_o_.~I.!~fI"C]mte.,n.º_IJ.1.Q!!!entode sua llltr,Q.<:!.l}sãoalgo novo i~ se tra.s.? )fIá um modelo muito desenvolvido, que me parece'oiimo'pãí-a eluCidar à'questão, e é o fornecido por Lacan, o modelo da estrada.3 A partir da existência de uma estrada principal, uma série de diferenças são geradas nos lugares que atravessa. Lacan sublinha tudo o que irá se amontoando em torno desta autopista: estações de serviço, bares, pequenos povoados, casas solitárias, construídas à beira do caminho. Também é possível propor a questão do significante, no terreno da inter- venção psicanalítica, já que geralmente dizemos muitas coisas e acontece como nestes jogos, onde atingimos mais fora do que no ponto princip,al. Porém, há certas intervenções que demonstram ter uma incidência significante, porque depois delas algo não permanece exatamente igual. Em geral falamos disso, quando contamos nossas experiências terapêuticas; em termos de nossos maravilhosos triunfos, deixando de lado todas as vezes em que a coisa não funcionou tão bem,' o que é uma lástima, porque o exercício da onipotência não auxilia na transmissão da psicanálise. o Brincar e o Significante / 21 I' il! III[:11li! \ 111 'li li! :Ii - ~ • li! ~ ~UI ~'.II, ~ Existe º1,tt!1LfQrl!!.aA~Jeconhecer o significante .. e..r~~_!to fatº_~e gue este n~o vem ~o"?"-:-u'E..~~.n.~!!~~gado indiss?~~~e.l.'!!..entej_~~..!l-ªQ_glJ~ ~!.ml'Jª~.eJ:~Jt.Q.s_Ji.~plf!çaç-ª!.Lg~ª-º...!.-.Olpg~.c!elA~~~;~Ldg~.~L!1_~.2.'!~ P.2rgl!.~_d.~~igl)~_,.Ülequiy.o.~~!.1}~.n~~.certo .si.gl}ifiç29g, ~.~~_p.ela_ssignifi£é!.Ç~ qu.e.yão..s~_gera.D_@';de maneira análoga à fissão nuclear, enquanto encadea- mento de desencadeamentos, tão inevitáveis como imprevisíveis. Um adolescente se sentia marcado a fogo pela passividade, especialmente no terreno sexual. Preocupava-o que tivesse passado a época em que, segundo ele, já teria de ter tido acesso à genitália feminina, encontro sempre postergado. Na análise, assumiu muito valor uma frase que historicamente aparecia na boca das tias e avós, quando era pequeno: "que lindo és". O interessante é q~e, a partir desta frase, o paciente vai se dando conta de que 'posa' contlOua~ente como beleza, reconhece uma .provocação inconsciente para que lhe digam, e dá um jeito para que, na atualidade, sigam-no repetindo, inclusive às suas costas. Por exemplo, uma vez que cruzou com uma paciente no consultório, esta me dirá, ao deitar-se no divã: "Que lindo rapaz acaba de sair!" Começa a se dar conta de que esse ser "lindo" pesa sobre ele c~mo ~ma lápide, denuncia um coeficiente de feminização no adjetivo que o IOtoxlca solapadamente. Digamos que se descobre, um trabalho significante, onde, por exemplo, uma das transformações inconscientes é 'que fracassado e impotente que .és', 'que estéril que és', 'quão poúco viril és'. A insistência repetitiva com que, na família, é sustentado como "o lindo", através do tempo o condena ao estatuto de uma bela estátua, 'enfeite' das mulheres. Assim, era muito comum que se tornasse o objeto predileto de um certotipo de histérica, interessada em evitar a genitalidade. Em conseqüência, a complementação era perfeita, e, em seu inconsciente, inscrevia-se como impotência. Outra das ramificações que se depreendem do ser "lindo", e que a psica- nálise revela, é a impossibilidade de suportar e levar adiante quálquer tipo de processo (voltaremos a isso mais adiante). Observe-se que seria bem dife- rente, se se dissesse 'que lindo que vais ser', abrindo a dimensão de um trabalho a realizar, na perspectiva, conceptualmente falando, do Ideal do Ego, introduzindo no vir a ser o que nunca acaba de ser; porém, em nosso caso, isto já se consumou, prevalece a instânCia do Ego Ideal. . O rapaz tra~ará então de reverter esta situação, mas para aprender algo, por exemplo, VaI ter que passar primeiro por um tempo decisivo, de assumir a posição de não saber. Deste modo, pretende tocar um instrumento, mas lhe é tão desprazerosa a fase inicial, que em pouco tempo a deixa. Era, de passagem, uma das razões pelas quais tinha consultado: que abandonava tudo, não.suporta_ndo a temporal idade de qualquer aquisição. Acontece que, para ser hndo, nao tem, em troca, que efetuar trabalho algum; já o é, lhe diz a frase, e por isso mesmo anula qualquer realização histórica. Este paciente continuou sua análise, sendo adulto, e uma de suas lutas mais árduas girou em torno da paternidade. Uma fase essencial em sua análise 22 / Ricardo Rodulfo foi constituída pela busca ativa de enfear-se. Foi dando um jeito de romper com o estigma de ser "lindo", deixando a barba, tornando-se temporariamente muito descuidado, etc., tudo o que era o prólogo de mudanças importantes. Está claro que recorremos a uma certa ficção expositiva, onde, em um ângulo de corte, determinada frase ressalta especialmente, cumprindo assim as condições para ser significante; mas nos deve ser claro que uma única frase não resolve toda uma análise. Ao narrar o caso, a pontuamos, armando uma cena de escritura que terá uma correlação aproximada com a: realidade do tratamento analítico. Além do mais, cuidamos de honrar com as insígnias de causa primeira estes nós que se destacam, em uma cadeia associativa; em psicanálise, convém ser mais do que precaviçlo a respeito, e é freqüente tropeçar com um uso mecânico da teoria do significante/Tudo o que pode se dizer é que uma frase assim indica onde certo regime desejante familiar situa o sujeito, e onde, por seu turno, ele se perpetua, pois não seria justo supor a um significante um poder que não deixe alternativas. É como dizer que devemos nos remeter às séries complementares, articu- lando-as com a dimensão de espontaneidade: O sujeito rião é uma maquininha que reage, segundo soe. u~ significante ou outr?; por isso mesmo, algué~ 'psicotiza em certas condIçoes, enquanto outro reSIste a colocar-se neste camI- nho, mesmo em condições piores. De modo que não devemos nos apressar a supor ao significante um poder automático e onímodo. .- Sempre faz falta esforçar-se para afastar da psicanálise todo esquema causal linear. Na multiplicidade de caminhos do inconsciente jamais existe um só itinerário possível, e a experiência nos obriga a defender o princípio da multiplicidade de respostas. De fato, fica fortemente indeterminado, muitas vezes, por que um sujeito encontrou o que nele encontramos, quando nada parece impedir que em outro, um "que lindo que és" pas~e,.e cai~"s~~ deixar rastro significante algum. Quando concebemos a precedencIa do slgOlfl- cante ou a pré-história como uma fatalidade, a psicanálise devora-se a si mesma, porque, sendo assim, para que tratar alguém? Se não houvesse margem para o acontecimento, se imperasse uma estrutura imóvel, desapareceria o histórico como tal, e com ele o registro dinâmico; portanto, não haveria como pensar o novo. A limitação mais séria de uma proposta 'estruturalista' _ mais do que estrutural - é reduzir o acontecimento ao plano do fato estruturado. Para escapar destas simplificações metodológicas, é fundamental não esquecer as séries complementares, só que, tais como as formulara Freud, hoje não nos bastam. De imediato, no mínimo, convém inçorporar resoluta- mente a pré-história do sujeito aos fatores constitucionais. Junto a elas o conceito de sobredeterminação e o de repetição e diferença, que nos auxiliam para não perder de vista que, uma vez que tenhamos estabe- lecido o peso significante de uma frase como a analisada, o importante é o que faz o sujeito com ela: deixa, tal como está? Introduz algum retoque, desvia sua direção? Toda a dinâmica da cura gravita em torno disto. o Brincar e o Significante / 23 .No caso de outro paciente adolescente, emerge um motivo fundamental a frase que funciona como uma contra-senha entre a mãe e ele, quand~ volta de ~~.estar exame: "tiraste, dez?" A. frase simula ser uma pergunta, mas a analIse demonstra seu carater de afIrmação, de certeza. Mais ainda o rap~z, finalmente, se dá conta de que, para ele, ali se diz algo do desej~ da mae. Para considerar. a ordem das transf~rmações do significante, digamos que esta .frase tenha sIdo sumamente proveItosa para ele, não tanto por situá-lo ~omo cna~ça-mode~o, m~s por estar na base de sublimações exitosas e de mteresses mtelectuals mUlto consistentes. Mas agora, saindo da adolescência ~~meça a lutar co.m ela, a completá-Ia de um modo que antes não fazia; !Iraste dez ~ara mIm e apen.as para mim', ponto em que seu talento potencial flc~ em pengo de se ver alIenado como presente para a mãe e nada mais velcul~ndo a fra~e t.oda a dimensão incestuosa, cumulando a mãe com est~ maravIlhoso obseqwo, que é a criança nota dez. Por ~sso, duran~e sua análise, começa a escutá-Ia em seu reverso; se fica adendo ~or maIS tem~o à satisfação narcisista que proporciona, seus dez semp~e vao ~er. a ~tualIzação do desejo materno (ou suas substituições, em um n~mero mfmdavel de condensações e deslocamentos), mas não os r~c~p.erara de ~utro modo e para ele. Eis aqui o pleno sentido de produção slgmfIcante, movei, diferenciadora. 'I Esta .restitu!ção, na an.álise, do peso do significante como exigência de trabalho I~pulsl~na o 'pacIente a encarar um rastreio histórico, quanto a su~s ,rel~çoes deslderatlvas com a mãe, permitindo acrescentar a esta frase retlcenclas, em lugar de deixá-Ia em um imobilismo fatalista. Obviamente . para que todo este processo tenha validade, aquela exigência de trabalh; (ou a s~a desc?berta, on.de antes só havia um mandato) não é uma proposta ~o analI~ta e Sl~ um efeIto do processo que se desenvolve durante a análise. E essenCIal, preCISa~en_te, que seja o paciente que dê o passo. Uma in'tervenção prematur~. nessa dlre~ao, f?~çando o questionamento, porque teoricamente pareça valI?o, pode mtens~fl~ar as costas imaginárias da transferência; por ~xe~plo, sltu~ndo-se ,na sene mate!na e dedicando, daí para frente, seus dez para _mIm. Porem, .se o questIOnamento vai surgindo nele, e o ajudo ~ara que n~o pe~ca de vIsta est~ pergunta, reduzem-se muitíssimo aqueles nscos. DevIdo a ISto, a construçao a que, em certas ocasiões, o analista se e~trega, tem se~s rever~~s; enquanto o paciente não a acompanhe ativamente, nao gera ~m efeIto analIttco, mas o que Winnicott chama de efeito de doutrina- mento. Nao é pou~o freqüente encontrarmos, com pacientes nestas condições, que passara~ mUItos anos em tratamento, aprendendo a parafrasear a seu modo a ~eona que o analista lhes ensinou (às vezes desde criança). Nestes c~sos, eXIbe-se um ~aber ps!canalítico muito minucioso sobre a história, mas nao ~os assom~rar~ que s~Ja. u~ s.aber desprovido de eficácia alguma, nem que fique de pe ate o maIs. mSlgmficante dos sintomas. Do ponto de vista conceptual, corresponde a dIzer que não houve uma intervenção significante 24 / Ricardo Rodulfo como tal. Creio ser possível sustentar que estas, dificuldades, próprias da psicanálise, incrementam-se na clínica com crianças e adolescentes ..' Talve~oc!itério princeps, para reconhecer um significante, seja a insistên- cia repetitiva. Por exemplo, é comum que o brinquedo de. uma criança se reprçduza infatigavelmente, sem que tenhamos a mínima idéia do que significa isso, exceto que a repetição nos põe na pista de um certo nó para decifrar. Na produção histórica de significações, ademais, há efeitos nos quais não só o sujeito está implicado, e isto não tem a ver unicamente com palavras ou frases: com igual freqüência, são determinados atos os que demonstram ter peso significante; apelando para outro material, 'os homens da família casam-se muito jovens' pode ser o modo de resumir algo que se inscreve no inconsciente, não por ser um dito, mas um procedimento familiar repetido. Tal inserção do significante liga-o aos fatos mais comuns e correntes da vida; de modo que não poucos de nossos pequenos interesses e repulsões são função do lugar ao qual nos leva incessantemente certa cadeia. É importante esclare- cê-lo, dado que, ao ser usual que desenvolvamos exemplificações clínicas que amiúde supõem patologia severa, é fácil esquecer que o habitat significante _\ , é ~,q.uotidianeidade mais banal. . W// O ponto seguinte a precisar é que o significante conduz sempre para ~ lgUma parte. Pode ser para um abismo ou para um cume, mas quando algoganha esse nome, na história do sujeito, é que o inclina para determinados .aminhos preferenciais. E este é o terceiro critério:.2..J.Ígnifi.~em_ºjLél.ç.ão. A'rrãse "que lindo és", por exemplo, levava a um lugar muito diferente do que a "tiraste dez". Aquela conduzia o paciente, à medida que as exigências sociais aumentavam, à medida que ia deixando atrás sua adolescência, a um beco sem saída, porque uma coisa é ser o nenê lindo, aos três anos, e outra muito diferente aos vinte e cinco; não é fazendo criancices, cabe supor, a forma como nos vamos ajeitar na vida. O itinerário do significante o extravia na passividade do escópico, o que não significa que não possa sair daí, pode-se abandonar a estrada, há diversos itinerários alternativos ativáveis. Se pensarmos bem, no simples caso do avental hospitalar são decifráveis todos estes efeitos. Ao examinar historicamente as relações de poder médico/ paciente, ao longo de vários séculos, tal como vão se configurando na sociedade ocidental, a partir de 1600, encontramos os sinais distintivos do que um elemen- to qualquer deve possuir, para que se justifique chamá-lo de significante. De modo algum isto implica que na prática clínica o significante só se encon- trará na boca da criança que nos trazem. Portanto, quando nos perguntamos o que é a criança, em psicanálise, localizamos certas coisas que denominamos significantes, as quais tem muita relação com a formação dessa criança; porém estas coisas não são necessariamente produzidas por ela, inventadas por ela, nem ditas por ela; ao invés disso; costumamos encontrá-Ias em lábios e ações daqueles que a rodeiam. . R . ai o Brincar e o Significante / 25 UN1JUI • UniVc;i S;u~08 eglon Biblioteca Universitária ( .If II II = III111 111 - 111 :11 - 111 :rI JI - 11 - I11 !!I ~l 11 jl I, !II ~: ,11 I li 11 11 11 11 • li ""l ~: li 11 li 11 ~- JI :\l-i:I Uma mulher entra para consulta com uma criança pequena que logo se tornou autista. A analista estranha que elat>ossa deixá-la só, na sala de espera, pensando que o pequeno dificilmente poderia sustentar-se nesta situa- ção. Ante sua pergunta, a mãe responde: "Não tem problema, ele fica onde eu o ponho". Esta frase, que sai da boca da mãe, dá a seu filho um estatuto de infra-humano, como se fosse um móvel ou um guarda-chuva. O que caracte- riza um ser humano é que não fica onde lhe é indicado; observamos isto muito bem nas crianças; se se lhes diz 'fica aí', não nos surpreende sua desobe- diência, e, se acatam uma ordem muito rapidamente, pensamos que estão doentes; mas quando isto se mostra verdadeiramente repetitivo, o mais certo é que nos espera um caso grave. Em nossos termos, o mais terrível que pode acontecer a alguém é ficar onde o puseram determinados significantes da pré-história, inclusive quando estes significantes aparentemente soem bem. Porém, devemos retroceder um pouco, para atender a uma segunda polari- zação reducionista, que deixamos em suspenso. Já assinalamos os problemas' que traz dar tanto relevo à pré-história, que a história se desvaneçà, o que não deixará de pesar em nossa intervenção como analistas, com um lastro 'muçulmânico' sobre o terapêutico. As cartas decisivas já estariam jogadas; por este caminho, acabamos escutando e atendendo apenas o que vem dos pais, dos avós, e mais atrás ainda, mas já que em geral não recebemos gente com uma linhagem que justifique uma arvore genealógica, se tivéssemos que contar com saber o que ocorreu aos tataravós, em relação ao significante, . abandonaríamos a psicanálise, por impossível, e nos dedicaríamos a qualquer outra coisa. O reducionismo inverso conduz a centrar-se exclusivamente na fantas- mática que a criança produz, encerrando-se em seus processos imaginários. Dar importância à dimensão da fantasia dos jogos, do grafismo, é muito importante, porém unilateral, se se prescinde das funções simbólicas e do relativo à pré-história. Melanie Klein não ignora o fato de que o pequeno depende dos pais, mas não o incorpora à análise. Para os efeitos do que ela quer investigar, que é a fantasia infantil, deixa congeladas as demais variáveis; como por exemplo o campo do pré-histórico, apenas levado em conta: Porém, seu proceder se justifica historicamente, na medida em que serviu para abrir um caminho pelo qual, até este momento, ninguém havia transitado. . . É uma limitação demasiado repetida ficar anacronicamente aderido ao que, em um momento histórico, se formula. Se, por exemplo, não inserirmos as descobertas de Melanie Klein em um contexto muito mais amplo, se acredi- tamos que a fantasia basta para explicar tudo, podemos chegar a pensar que uma psicose infantil é um processo autogerado, como se fosse possível psicotizar por um puro devir do imaginar. Na clínica, a repetição deste simplismo nos faz girar em vão, constrangidos pela estreiteza epistemológica a tratar de produzir mutações no mundo interno 26 / Ricardo Rodulfo do paciente, excluindo a consideração dos discursos que circulam na família, sobre uma criança, a quem vem substituir, que lugares herda, etc.; tantas dimensões, marginalizadas da análise, não podem deixar de ocasionar impas- ses. Têm o efeito contrário, o inverso simétrico do que toma a pré-história como único fator causal, despoja de seu peso a vida imaginária, e só consigna valor e interesse a tudo o que vai além da criança, a tudo o que está relacionado com as funções e os mitos familiares. Na análise de crianças, um dos aspectos mais difíceis, no sentido de que gera mais resistêncja no analista, particularmente nos primeiros tem~o~, é o referente aos pais. E comum encontrar um terapeuta, mesmo sendo habI1 em seu trabalho, evitar ao máximo o contato com estes, incluí-los o mínimo possível, o que não deixa de acarretar sérios inconvenientes, segundo a lei de que o que não se introduz de direito retoma, cedo ou tarde, sob a forma / de acting OUt.Se não levarmos em conta o discurso dos pais, suas transferências j j freqüentemente malogram tratamentos que, em outro plano, andavam bem. Nunca se deve deixar, para além dos protocolos tecno-burocráticos, de escutar e operar conforme a especificidade de cada situação. Sendo sensível às condições particulares, logo se aprende a estabelecer a diferença entre a transferência, nesses pais com suficiente desejo posto em investir para ser separável do filho - o que determina que tolerem a situação analítica, sem que mormente s,e tenha de preocupar-se com eles - e aqueles (sobretudo quando estudamos problemáticas que ultrapassam as neuroses)em que esta capacidade quase não existe, onde história e pré-história abundam em destruti- vidade, em desejos que têm a ver com a morte, com o fracasso e a loucura. ) Aqui não se pode deixar os pais de lado; é tão importante trabalhar com : o pequeno como com eles, e apostar na produção de algum efeito analítico, I no discurso familiar. Não há uma regra fixa para estas coisas. Pode ser que, em algum momento, seja conveniente, por exemplo, incorporar uma entrevista com os pais, mas isso deve ser decidido em cada caso; outras vezes, durante um certo período, as entrevistas com os pais podem se desenvolver paralelamente às sessões com a criança; em muitas ocasiões, ainda, os pais são incluídos na sessão. Quer dizer, não existe uma receita técnica, e, se há algo que torna específica a clínica psicanalítica, é a agudização do diferencial. em cada caso. O difícil é justamente manter esta flexibilidade4, o que não vale como salvo-conduto para intervir de modo caprichoso, sem respeito pela sobredeterminação. Seja o que for, não há nada pior do que aquela exclusão a priori, porque é uma comprovação marcante, em psicanálise, que o que tratamos de resolver por cima termina por esmagar-nos, com tratamento, dogma e tudo. Por sua vez, se os pais pedem uma entrevista e o analista está muito apegado a uma cartilha de estipulações, pensa que apenas a solicitando ele deve outorgá-la, porque assim lhe ensinaram, e não reflete que, às vezes, certas demandas dos pais estão relacionadas com o desejo de vigiar, interferir, irromper em algo de seu filho que é privado. O atendimento inoportuno dos pais pode O Brincar e o Significante / 27 I' I i dar lugar a certa retração, a um incremento da resistência, aborrecidamente criado pelo analista, e provoca a interrupção do material associativo que estava se desdobrando . .Compartilhamos com autores como Lacan ou Winnicott a profunda des- conflan.ça que desperta a palavra 'técnica', que implica sempre uma certa padromzaçao e t~nde a coagular-se em receitas e procedimentos pré-fabri- cados; todo an~hsta deve desconfiar de sua sagacidade, quanto a escapar daquela armadilha. Bachelard, e seu chamado a uma "vigilância" crítica encontram aqui sua vigência plena. ' 28 / Ricardo Rodulfo Onde vivem as crianças? A..P.çxgunta.sobre. o_~_~. uma crian~ª-,-~DLp.sica1!.ális~~~oca em. uE1~-º~_q.~t~s,tõ..~$,.P~r.~~C,~~ID1,~.vte . !1.Q.U!~ti,y.~rrt~~l]a'impO:JªJlçiq~?o que cham.mn.9~Q..«"'Qre-hl~JolIaou,emoutrQs_tt<rillçiS,.Jllmportancla do ml1Q...1j famIliar. É preciso esclarecer que, a partir daqui, modificamos e ampliamos - nossas perguntas clínicas, levando em conta as mais básicas, que servem para situar um paciente. Desta maneira, muda toda a perspectiva do que poderíamos chamar de diagnóstico, em psicanálise, que é algo muito diferente do que poderia ser, por exemplo, o diagnóstico para um critério psiquiátrico ou psico- lógico tradicional. Para começar a situar a criança que nos trazem. e ao que a rodeia'. não procedemos, como tradicionalmente se fazia, a um inventá!i9 ..ç1~,gl).tQm.ªi, o que é conhecido como s..~mjQLQgia.,Não é que desprezemos fazer um bom rastreío-:llma"boa aescnção do campo, e localizar o que se pode chamar de sintoma, senão que isso, apenas, para nós, a partir do mito familiar, mos. tra-se insuficiente. Ali, onde outro perguntaria: "o que tem a criança?", e sendo a resposta: 'não vai bem na escola'. 'faz xixi na cama', 'sofre de terrores noturnos', e logo realizaria o inventário de tudo, introduzimos outras perguntas, por / exemplo, das quais uma das fundamentais poderia ser; 2.!!geuti.ve.estel2.eguen21l'-- Esta não é uma pergunta fácil de responder. E um critério importante i' determinar se uma criança continua vivendo ainda no corpo da mãe, ou se : j começou a viver em outro tipo de território, em outro tipo de espaço, ' Outra pergunta que nos fazemos é: o que representa esta criança para o desejo dos pais? Outra forma de perguntá-lo, deste ponto de vista, é para /, '! que é desejado. A formulação binária (ser desejado / não ser desejado) admite4/ o Brincar e o Significante /29 do pediatra, que diz que é hipercinético; al~m disso, na escola se mostra agressivo. O centro de gravidade da entrevIsta se desloca logo ao estado de conflito permanente e nuclear entre os membros do casal 'par~ntal,. o ual inclusive qualifica a transferência comigO, porque quase a p~melra cOIsa q . I t -, due dizem é que um quena consu tar e o ou ro nao, um consl era que a ~riança está 'cem por cento' e o outro que ~ criança e~t~ carregada ~e pro?le- mas. Daí, muito mais importante 9ue com~tlar uma sene de ~ados, e localtzar um elemento. Este filho é concebIdo depOIS de uma s~paraçao, e testemunha a posterior reconciliação dos pa~~. Já durante a gr~vldez, se arrependem de ambas as decisões: ade reconclltarem-se e a de te-lo. E um desses caso~, muito freqüentes, onde uma criança foi destinada a unir um ca~al que ~~mbalel.a e, por fim, a um gran~e ~ra~a~so. ~ste ,nível co~ce,~ne ao mIto famll.lar, maIs do que simplesmente a hlstona; nlllguem nos dIZ estamos ab,orrecldos co~ ele porque, não só não estamos nos dando bem. como yensavamos depo,l,s de nos reconciliarmos e tê-lo, senão que tudo contllluou tao mal como antes Ninguém nos diz tal coisa, mas pode-se reconstruí-!a". , . Toma então o rigor da enunciação de uma leI: todos os dados classlcos de uma entrevista, todos os pormenores dispersos~ tornam-se importantes apenas se alojados no mito familiar; pelo contrário, conver~em-se em uma lista enfadonha com a qual não sabemos o que fazer: 'depOIS de perguntar e anotar as respostas, nos deparamos com um calhamaço inutilizável. Lévi-Strauss diz algo importante a respeito: é tão ruim a carência de dados sobre algo que se quer estudar, como o abarrotame~to, p-orque.o exc:s~o de dados sem critério de seleção e colocação nos paraltsa. E um lIlfortumo característico, nas instituições, ordenar ao psicólogo que faça entrevistas muito cheias de itens, testes, etc., e se se lê, nada se tira a limpo, porque falta um critério organizador, o lugar onde pôr esta massa de infonnação. Tampouco se deve entender o mito familiar como algo mais ou meno~ congruente e unitário,' algo mais ou ~enos sistematiza?o e h_armô~ico. E melhor concebê-lo como uma rede ou feIxe de pequenos mItos, nao no smgular e em termos do processo secundário, e assim fazer o percurso de suas incon- gruências, contradições, lac.unas e dissoc,iaç?es,; ~efinitivamente, não es.~~m?s ante uma unidade harmomosa de tendencla umca, na qual com frequencla se incorre, caindo em uma visão demasiado simplista do conceito. A importância do mito familiar nos leva a distinguir dois níveis, sobre os quais discorreremos ao longo. deste vo~ume: o nível.do que ,ch.amar,ei de processo e o nível que chamareI de {unçao; Qu~ndo dIzemos cnança, em psicanálise - so?re~udo qu~ndo se trata d: uma cr~a~ça pequena ~ colocamos '\ em questão a propna questao da construçao do sUJeIto. Tomamo,s ou t~camos ! ambos os níveis ao mesmo tempo: não apenas tudo o que esta relacIOnado • com aqueles processos,- por exemplo' sua trama de fantasias (o que alguns autores designam seu mundo interno, e o que outros preferem chamar de seu imaginário), mas tqdo o relativo às funções nas quais se fundamenta para advir como sujeito; por exemplo, função materna, função paterna, as O Brincar e o Significante) 31 aperfeiçoamento: um ser humano, de fato, é desejado para os mais diversos usos, e isto cobre uma gama assaz variada e variável, desde as possibilidades de produtiv4dade que se forneçam a alguém, em seu desenvolvimento, até propiciar-lhe a psicose ou a morte. ' Esta também é, então, uma questão nada fácil de precisar, e muito impor- \ ,tante de situar. Uma pergunta complementar, a respeito, é quanto ~.Q.1ugªJ ' .•..---v~se consigna a uma criança..]Q.lIlilofªIlÜli1!.f,. Autoplagiando-me ou autocitando-me, diria,aproximando-me do que entendemos por mito familiar, que se pode caracterizá-lo pelo que uma criança respira ali onde está colocada; mito familiar então comparável, em sua função, ao ar, ao oxigênio, semelhança que aponta mais para o isomórfico do que para o meramente análogo. O que se respira, em um lugar, através de uma série de práticas quotidianas que incluem atos, ditos, ideologemas, normas educativas, regulações do corpo, que formam um conjunto onde está presente o mito familiar. Para tomar um exemplo, quando alguém diz a uma menina: 'Ê feio uma menina fazer isso', não faz mais do que colocar em ação o mito familiar, um pedaço deste mito que, neste caso, concerne à diferença sexual. O importante é entender que o mito familiar não é facilmente visualizável; não havemos de esperar 'vê-lo' desdobrar-se ante nós como uma unidade acabada, congruente, pronta para ser examinada. Na prática - e auxilia um pouco ao saber de nossa tarefa e de nosso trabalho -, o mito familiar -~f\deve ser surrupiado e deduzido; costuma passar certo tempo, antesquese filtre algo que reconheçamos como parte dele. Às vezes escutamos frases, fragmentos mais ou menos esclarecedores. O exemplo do capítulo anterior, no qual a mãe dizia 'esta criança fica onde a ponho', põe de saída sobre a mesa algo da ordem mítica, constitui uma definição trágica do que é uma criança nesta família: algo que permanece imóvel, ali onde é posta, situação com conseqüências muito particulares para esta criança em especia1. /Porém, em geral, a regra é que o mito familiar, em uma análise, seja extraído aos pedaços. Não bastam as primeiras entrevistas; em suma, estas nos permitem situar alguns de seus aspectos e sintonizar algo de sua tendência dominante: Em troca, é um conceito que altera profundamente a própria concepção das entrevistas iniciais ou preliminares: já não é questão procurar informações, como a de saber em que idade a criança começou a caminhar, ou em que idade lhe saíram os primeiros dentes. Este tipo de dados só nos interessará quando ressignificados em um contexto muito mais amplo. É muito difícil começar o tratamento de uma criança - pessoalmente o desaconselharia -, mais ainda, pronunciar-se pela necessidade ou não de tratamento, sem ,li ter uma noção aproximada dos traços principais do mito familiar onde esta i J criança está posicionada, e como: Considero muito importante que se dedi- quem a tal finalidade as entrevistas preliminares: Eis aqui um exemplo puntual, muito esquemático, muito tendencioso, no sentido que o extraí muito casual- mente. Os pais de uma criança de seis anos consultam, um pouco por instâncias 30 / Ricardo Rodulfo [I ID ,I ') ilJ ti :l .~.'.~ , ; i ' 1 ~,j funções que nomeiam os implicados naquele advento, as funções que cumprem os irmãos e os membros de outra geração, como os avós7". A psicanálise deu um passo adiante no dia em que alguns psicanalistas começaram a pensar, sem abandonar seu próprio lugar, onde estavam parados para fazê-lox. Este níveL praticamente ausente nos trabalhos de Melanie Klein, em troca aparece, com toda a sua relevância, em autores como Winnicott, Lefort, Dolto, e, em geral, em muitos dos que se agruparam em torno de Lacan, a partir da década de 1950, e também, com todo o direito, em outros psicanalistas como Sami-Ali e Balint. Atualmente, já não pensamos que analisar uma criança seja reunir-se com ela, conhecer suas fantasias, \ ~ tratar de captar seu inconsciente e ponto final. Não porque isso não importe, ~ mas porque fica incompleto se não acrescentamos onde está implantada, onde i -' vive, em que mito vive, que mito respira e o que significa, nesse lugar,ser mãe e pai. Sem estas precauções, o tratamento costuma desembocar em um [mal abrupto, porque se descuidamos desta dimensão, os pais, a partir do real, podem pôr por terra a análise com alguma atuação, não por culpa deles, mas por nossa omissão. Trata-se de uma decisão teórica capital, para o curso de nossa prática, particularmente quando atravessamos a diferença entre o campo das neuroses e o que o sobrepassa9. Quanto mais avançamos, no terreno de uma psicose precoce, por exemplo, mais insuficiente é o resultado de nos confinarmos ao nível do que a criança produz, porque está muito mais frágil e aderida maciçamente ao lugar onde vive, enquanto que a neurose tem uma autonomia relativa consideravelmente maior. Podemos tratar um neurótico adulto, sem conhecer jamais sua família; e mais. não a devemos conhecer. se se trata de um adulto ou de um adolescente tardio, porque isso não faria mais do que interferir na análise; não nos interessa, é uma variável que podemos desprezar. Tratando-se de autismo, psicose ou outros transtornos narcisistas, qual- quer que seja a posição teórica do terapeuta, a prática sempre o leva a ter algum tipo de intervenção sobre a família, o discurso familiar, os pais; os próprios fatos clínicos o forçam para ali... a menos que prefira que estes fatores obstruam seu trabalho. Por exemplo, voltando à criança que fica onde se a põe, se se quer tentar algo com ela, ainda que mais não seja que se busque um pouco em relação a onde a deixam, nada se obterá excluindo os pais, reunindo-se somente com ela. assistindo a como brinca (ademais não brinca:), escutando quando fala (além disso não fala). Indefectivelmente. terá que fazer algo (para um psicanalista. supõe-se algo de interpretação) com os pais. ou sobre os pais .• O capítulo anterior introduz um conceito que configura um plano próprio da subjetividade humana: o plano do significante, com suas características próprias. Um mito familiar pode bem ser conceituado como um punhado de significantes, dispostos de certa maneira. Não obstante, nos sobra muito para examinar sobre aqueles. De imediato, recordemos que o significante 32 / Ricardo Rodulfo não reme~~ à coisadireta.mente: senão qu.e remete a outro significante, dife-V rença deCISIva, com relaçao a~ slgn~. Se dIssermos 'onde há fumaça há fogo', nos movem,os no plano do sIgno, Interpretamos esta fumaça como indício material de que na realidade há fogo, mas seria diferente se tomássemos ?utras culturas, c?mo por exemplo ~ ~os índios da América do Norte, que ITIventaram uma lInguagem ou um codlgo com sinais de fumaça, com a qual enviavam-se mensagens. Ali, a fumaça não remetia ao fogo, mas a outro ritmo de fumaça, e isso é o que lhe dava um efeito de significação, por exemplo o acordo de uma boda, o proximidade de uma data ritual ou a iminência de uma guerra. Isso é o que disti.ngue o plano do significante do plano dó signo, a formação de uma cadela: nos Interessa esta cadeia enquanto inconsciente. Outro traço diferencial do significante é sua relação particular com o sujeito. Conhecemos " uma ?ef!~ição de sujeito torn~d~ '.c1ássica', isto é, o_sujeitQ.é.o.que represe~t_~_(\J um~!gn.1fIca~t~ para outro slgmflcante.Remetamo-la a uma mostra vulgar ãâvlda quotIdIana: se escrevo um livro, me criticam, perguntam-me ou me interpelam como autor, para incorporar-me. bem ou mal, a uma certa intertex- tualidade. Assim se relacionam dois significantes entre si: um é o de meu nome e sobrenome. Na medida em que este representa tudo o que se sabe sobre mim, nessa condição sou introduzido na máquina literária. Porém, frente a que este sobrenome me representa? Representa-me para outro significante. que é a rede intertextual psicanalítica, em suas múltiplas diferenciações inter- nas. Logo após advertimos que o significante é algo mais que um mero título. uma ~era palavra, todo este conjunto de regulamentos tácitos, de citações, de .estI!os, d~ ~logans, de redundâncias, de decisões políticas, de formações maiS smtomatlcas que conceptuais, enfim, de disposições que conformam uma prática específica da letra, como a da psicanálise. Na clínica, isto se apresenta de uma maneira mais complexa, porque tem a ver com a transferência, mas o ponto queé imperioso destacar, antes de perder-se nos P?rmenores de um material qualquer, é o seguinte. Para pod~r. s.er, no se.ntIdo que cabe falar em psicanálise, para encontrar certa po.ss.lblhdade de Implantação na vida humana, a única oportunidade que um sUjeIto tem é prender-se a um significante. Para poder viver, não bastam! as proteínas; na ordem simbólica, é necessário atribuir-se, ainda que mais não s~ja, um pouco de significante. E in~trutivo ~ssociar esta lei inapelável a uIlJa história típica, recorrente em matenal de pSIcose, que nos fala de um recém-nascido que não foi anotado no Registro Civil, a não ser muito tempo depois de seu nascimento, e viveu assim dias sem exis.tência simbóli.ca, sem estar inscrito em nenhuma parte; fato que nos tr.ansmIte algo essenCIal sobre a chegada ao mundo deste sujeito, sobre c.omo fOIesperado. Com um plus de significação ainda, como é comum em mUItos destes casos, o extravio irreversível da data de nascimento cercada por um véu de dúvida e de confusão. ' o Brincar e o Significante / 33 n li li i 11 i -: liwJ ,:-1 W..'I A'''tarefa originária de um bebê, quando vem ao mundo, é tratar, de encontrar significantes que o representem, porque não encontra tudo felto. Se bastassem, para representá-lo, seu nome e sobrenome, não teríamos campo para trabalhar. Confrontamos brevemente dois exemplos: 'que lindo que és' e 'tiraste dez'. É lícito dizer que estas frases são significantes que representam ambos os sujeitos. O "que lindo és" o representa, por muito tempo (é claro que não é a única coisa que o representa), e gera todo o tipo de efeitos. Da mesma maneira, o "tiraste dez". Longe de serem entes passivos, apenas preo- cupados em obter satisfações orais, como em certa época a psicanálise pintou os bebês, a tarefa eminentemente ativa que todo ser humano deve empreender, para a qual precisa de ajuda, porque sozinho não pode consumá-la, é encontrar significantes que o representem frente ao e dentro do discurso familiar, no seio do mito familiar, ou seja, do campo desejante familiar. Nas neuroses, o sujeito encontra significantes que o representam, esse não é o problema; nas psicoses, busca-os e tem de lutar com os que tendem a destruí-lo. ., Esta primeira tarefa é do tipo extrativo: há que arrancar os significantes que o representem. Às vezes vemos que uma criança quer leva~ algo da sessão, algo que fez: isso pode ter muitas significações, e renunCiamos ?e antemão, como psicanalistas, a encontrar uma só. Uma possível, e de mUlta transcendência transferencial, é que esteja em jogo que o que produziu, junto a seu analista, tenha o valor de representá-lo como sujeito, alguma coisa à qual ele possa aferrar-se, para viver. Conseguir um lugar para viver depende dos significantes que se encontra. Uma criança pediu à analista que a dese- nhasse, e leva o desenho. Depois, os pais lhe contam que ela o pôs em um lugar visível em seu dormitório. Para ela, trata-se efetivamente de um traço que a redefine, que lhe dá lugar próprio, quer dizer, um lugar de onde se possa realmente apresentar a questão de quais são seus desejos.. . Outro paciente poderia realizar o mesmo movimento, por meiOS malS abstratos, fazendo referência a uma sessão fecunda, da qual levou algo, figura- damente. Diferença clínica apreciável a respeitar, dando tempo para que a criança desenvolva novos meios simbólicos. Em todo o caso, é importante pôr uma palavra que sublinhe a ação, um 'isto o fizeste aqui', marcar o trabalho com um sentido que ele encontrou e que é pensável, como uma fantasia de nascimento na transferência. Durante um episódio de tipo paranóico, um adolescente teoriza à sua maneira. Entre outras coisas, recrimina sua mãe por não ter "agarrado à vida" o pai - este havia se suicidado há muitos anos, quando o paciente era bastante pequeno. Segundo sua recriminação, sua mãe não deu ao pai nada que lhe servisse como ponto de ancoragem à existência, abundando em recriminações em relação à frieza e à escassa disponibilidade amorosa daquela. Mas o que o rapaz enfatiza é o caráter de significante (antes dos outros modos do material), que deve ter algOpara que seja possível prender-se 34 / Ricardo Rodulfo a ele, como no caso de um 'te quero', ou 'alguém me quer', ou 'sou querido por alguém'. ,S~ algo?esta ordem não aparece sob nenhuma forma, a gestão de um lugar e lmposslvel. Constitui um problema teórico ir além do que estas fórmulas conotam do amor como sentimento, e aperceber-se das complexas operações envolvidas. O poeta Michaux escreve: "O amor é a ocupação do espaço". Para nós analistas, é uma expressão de enorme densidade conceptual. Ocupar um espaç~ físic~ vindo ao mundo, primeira~ente, mas sobretudo ocupar um lugar no desejO do Outro, sem o que a vlda, de saída, perde toda a possibilidade de sentido; mas, para que isto se cumpra, é preciso que alguém doe lugar. Quando, por exemplo, falamos de abortar um filho, não nos referimos à dimensão literal; muitas ve.zes descobrimos abortos metafóricos, com os quais ..) se recusa aquele dom. POiSbem, se o espaço é uma característica essencial .. do desejo, o passo seguinte é assinalar que a instrumentação concreta o meio de dita operação, é um dispositivo ou uma composição de significante~.1O Geralmente, na transmissão da psicanálise necessitamos insistir no fato de que o desejo é o que circula em toda cadeia ou composição significante l~ faz com que esta nos interesse, já que não nos interessa a cadeia simbólic~ je um computador, por exemplo, salvo se nosso tema seja o desejo de ser cientista. Deve-se insistir nisto: quando escrevemos 'cadeia simbólica', damos por assentado que pensamos em cadeias, por seu turno encadeadas pelo desejo. O bebê tem de trabalhar e ainda lutar para adquirir significantes. As funções, parentais e outras, devem auxiliá-lo, fornecendo-lhe as condições mínimas, mas não se pode presenteá-lo com fatos; melhor dito, se houvesse imposição de significantes, se não se permitisse a ele achá-los, falharia o essencial. .0 ~.esmo acontece no tratamento analítico. O sujeito acorre, em busca de slgmficantes que o representem, ou por certas mudanças nos signifi- ~antes que o represent~m, ou,fre~üentemente, desfazer-se de algum. Épara lSSOque requer nossa ajuda, ele nao pode fazer a análise sozinho. Intervimos primeiramente favorecendo condições para que ele consiga advir ao encontro do significante, ou recolocar sua relação com ele, mas se lhe déssemos fatos, nossa intervenção não seria psicanalítica, senão um doutrinamento com 'con- teúdos' psicanalíticos. T~ata-se de um recentramento histórico conceber a psicanálise, antes de maIS nada como doadora de lugar, e não como uma máquina hermenêutica. Esta ~n.terpret~ção só funciona se se faz em,certo lugar' que se criou; do contrano, ou nao serve ou causa danos, como ocorre com as chamadas interpre- tações selvagens. Dito de outra forma, estudamos os modos e as condições através dos quais o bebê vai formando um corpo, e, a esse respeito, tê-lo anatomicamente sozinho induz a erro. Do ponto de vista simbólico é uma mentira não é seu, está muito longe de poder assumi-lo; em suma, vale dizer que' dispõe da possibilidade de tê-lo, de apropriar-se dele, ao longo de um complicado o Brincar e o Significante / 35 I dever hist6rico-culturaI; para cumprir isso, o ajudam não tanto o instinto, quanto as funções parentais. Devemos levar em conta a eventualidade (estabelecida pela diferença entre uma situação neurótica e outra psicótica) de que um sujeito não encontre condições que propiciem a produção de significantes que o representem, e que, em seu lugar, compareçam de maneira esmagadora significantes do Supe- rego, em uma verdadeira substituição do esperável, em termos libidinaisll. Uma criança de quem ainda não se diz que tenha uma evolução psicótica (embora se tema isso) é trazida à consulta. Pouco a pouco, o motivo que se impõe conduz
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