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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO – AEE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: EM BUSCA DE ATIVIDADES SIGNIFICATIVAS E DESAFIANTES ROZANGELA BARBOSA CARDOSO Maringá – PR 2011 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO – AEE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: EM BUSCA DE ATIVIDADES SIGNIFICATIVAS E DESAFIANTES Monografia apresentada por ROZANGELA BARBOSA CARDOSO, ao Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá, como um dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Atendimento Educacional Especializado. Orientador: Prof.o Drº: ALESSANDRO SANTOS DA ROCHA Maringá – PR 2011 ROZANGELA BARBOSA CARDOSO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: EM BUSCA DE ATIVIDADES SIGNIFICATIVAS E DESAFIANTES BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________ Prof. Drº ALESSANDRO SANTOS DA ROCHA – UEM - MARINGÁ/PR ___________________________________________________ Prof. Drº XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX UEM - MARINGÁ/PR ___________________________________________________ Prof. Drº XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX UEM - MARINGÁ/PR Aprovada em ______/________/______ AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar a Deus, fonte de inspiração! A meus pais, pelo incentivo nos passos do magistério, desde a entrada no Curso Normal em 1980. Ao meu marido pela paciência, compreensão e companheirismo. Ao meu filho, só sua existência já me bastaria de entusiasmo, mas, mais do que isso, agradeço a forma como acredita e apóia minha carreira profissional. Aos colegas de trabalho, pela contribuição na revisão textual. CARDOSO, Rozangela Barbosa. Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Intelectual: em busca de atividades significativas e desafiantes. 50 folhas. Monografia (Especialização em Atendimento Educacional Especializado) – Universidade Estadual de Maringá. Orientador: Profº. Drº: Alessandro Santos da Rocha. Maringá/PR, 2011. RESUMO Esta análise documental trata-se do Atendimento Educacional Especializado para alunos com Deficiência Intelectual, buscando compreender as práticas metodológicas que devem permear este trabalho. Partimos de um histórico sobre este atendimento, refletindo sobre o contexto do atendimento escolar da deficiência intelectual no Brasil, acreditando ser importante para quem se dedica ao estudo deste tema, conhecer o formato adotado no Brasil na inclusão escolar desses alunos. Na sequência, abordamos as principais características cognitivas do aluno com deficiência intelectual para que fosse possível compreender a partir de que concepção o Atendimento Educacional Especializado foi organizado. Acreditamos ser uma sequência lógica, por fim, a apresentação das possibilidades metodológicas que têm sido apontadas como eficazes nas Salas de Recursos Multifuncionais com alunos com Deficiência Intelectual. Essa análise mostrou que, entre as deficiências, a intelectual parece ser a mais complexa no campo educacional e que a escola ainda busca uma metodologia eficaz para a realização desse trabalho, pois o atendimento dos alunos nas classes especiais e as atividades baseadas no treino e na repetição parecem já não responder às necessidades educacionais diante da inclusão. Observamos também que a indefinição de um conceito sobre a deficiência intelectual tem contribuído com os conflitos existentes nos sistemas educacionais sobre a inclusão desses alunos e que o papel do professor ganha destaque como articulador do AEE com o Ensino Regular e na mediação com o aluno na sala de recursos multifuncionais. Palavras-chave: deficiência intelectual; atendimento educacional especializado, atividades significativas, papel do professor do AEE. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................7 CAPÍTULO 1 - O ATENDIMENTO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NO BRASIL..............................................................................................9 CAPÍTULO 2 - CARACTERÍSTICAS COGNITIVAS DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL.......................................................17 CAPÍTULO 3 - PERSPECTIVA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL....................................................................................................................27 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................35 REFERÊNCIAS....................................................................................................................37 INTRODUÇÃO A inclusão do aluno com deficiência intelectual é desafiante e merece destaque nas pesquisas educacionais. Diferente das demais deficiências, esta atinge a escola naquilo que é mais importante, a relação entre quem ensina e quem aprende; mais especificamente, na forma como a escola ensina e nas diferentes formas de como os alunos aprendem. O Ministério da Educação, definiu a inclusão de todos os alunos no ensino regular e o atendimento educacional especializado realizado em contra-turno, na sala de recursos multifuncionais. Esta análise documental pretende investigar a organização pedagógica deste atendimento para alunos com deficiência intelectual, que tem sido amplamente discutido nas formações para o AEE em nível de pós-graduação, no qual a realização desta análise documental se insere. Este estudo sobre a possibilidade de uma metodologia específica para o atendimento dos alunos com deficiência intelectual perpassa a análise histórica da organização da educação especial e a análise conceitual da deficiência intelectual. Permite concluir, que há muito que se pesquisar a respeito da inclusão desta deficiência, principalmente quanto à sistematização da prática pedagógica necessária para a inclusão com qualidade desses alunos, no ensino regular e no atendimento educacional especializado, pois parece não haver uma desvinculação entre os dois atendimentos. Neste sentido, os sistemas educacionais apresentam dificuldade, principalmente no que diz respeito à articulação entre os professores e os apoios fundamentais para a qualidade deste atendimento. A formação dos professores torna-se evidentemente, um dos fatores fundamentais neste processo. Os documentos legais a respeito deste tema, ainda que apresentem a sistematização da oferta do atendimento educacional especializado, parece não ser suficientes para a compreensão do que seja de fato, a articulação pedagógica entre todos os envolvidos neste processo, haja vista que, ainda existe conflito entre os pesquisadores quanto à definição de um conceito sobre esta deficiência que seja amplamente aceito. Esta indefinição está relacionada com o currículo formal e o que de fato, estes alunos poderão ou não aprender. 8A análise documental que aqui apresentamos permite perceber que a inclusão do aluno com deficiência intelectual e a negação observada por parte de alguns profissionais da educação diante desta, contribui para a discussão no país sobre a necessidade de mudança da concepção que os educadores têm, do que seja ensinar. A análise histórica demonstrou que a educação especial, da forma como estava organizada no último século, contribuiu para que a escola perpetuasse a concepção do aluno ideal, daquele que aprende sem dificuldades; pois ao organizar o atendimento em classes especiais, substituindo o ensino regular, permitia à escola classificar os alunos entre os que aprendiam ou tinha dificuldade ou deficiência, excluindo-os sempre que possível das classes comuns. Para GOMES (2007), a inclusão da deficiência intelectual nos sistemas educacionais coloca em evidência a dificuldade da escola em trabalhar com a heterogeneidade dos alunos, “[...] principalmente nas escolas que mantém um modelo conservador de ensino e uma gestão autoritária e centralizadora [...]”. (GOMES, 2007, p. 16). No desenvolvimento desse estudo, a análise histórica do conceito sobre a deficiência intelectual, tornou-se necessária, entendendo que, para que a escola organize este atendimento, precisa compreender quem é este aluno que apresenta uma forma diferente de lidar com o conhecimento. É possível concluir que a inclusão, embora legalizada e na prática os alunos já inclusos, os estudiosos ainda não chegaram a um consenso sobre o conceito de deficiência intelectual, necessário para que os professores compreendam os limites e possibilidades dessas alunos. “[...] É até certo ponto compreensível a resistência das escolas à inclusão plena e incondicional, dada a inexperiência, que nos faz reduzi-las a identidades fixadas: alunos com deficiência mental, alunos em situação de risco social, alunos da periferia, com altas habilidades e outros. [...]” (MANTOAN, 2010, p.12). No caso específico da deficiência intelectual a resistência pode ser maior, pois apresenta um alto grau de complexidade em relação ao conceito e diversidade de abordagens pedagógicas necessárias nesse atendimento. Nesse novo contexto, torna-se necessário refletir sobre o papel do professor na condução das intervenções pedagógicas a serem realizadas nesse atendimento e a necessidade de aprimoramento da formação continuada dos professores, principalmente daqueles que trabalham diretamente com os alunos com deficiência intelectual no AEE. 9 Ao final deste texto, será possível para o leitor, pensar em quais mudanças nas práticas pedagógicas são necessárias acontecer em nossas salas de aula para que a inclusão do aluno com deficiência intelectual seja feita com qualidade e que não há modelo pronto para ser aplicado indistintamente aos problemas e às deficiências de cada aluno. Portanto, o AEE na prática, como propõe a política de inclusão, é um desafio para professores que assumem esse papel. 10 Capítulo 1 - O atendimento do aluno com Deficiência Intelectual no Brasil A Deficiência Intelectual apresenta-se em tempos de inclusão, talvez, como a maior das incógnitas. Ao analisarmos historicamente a etiologia dessa deficiência, percebemos que, apesar de todas as pesquisas realizadas, a Deficiência Intelectual continua sendo motivo de impasse para educadores das instituições filantrópicas; do Ensino Regular e do Atendimento Educacional Especializado, tal o grau de complexidade desse tipo de atendimento. Com a Política de Inclusão o termo Deficiência Mental, foi substituído por Deficiência Intelectual. Uma das justificativas para esse fato foi que ao longo da história a Deficiência Mental foi confundida com Doença Mental, até hoje, existem profissionais que a consideram assim, seja pelo preconceito enraizado, seja pela falta de informação. A sistematização do atendimento educacional às pessoas com necessidades especiais no Brasil pode ser analisada a partir do século XIX, até essa época a sociedade era pouco urbanizada e a escolarização oferecida às elites; nem todos tinham direito a educação básica e as pessoas com deficiência não eram consideradas no campo educacional. Segundo Silva (2000), estas causavam incômodo à família e às sociedade; eram escondidos da comunidade, sendo oferecido apenas atendimento de saúde, os excluindo do contexto educacional já limitado da época. Para Mazzota (2006), a revisão dos documentos históricos permite afirmar que, enquanto nos demais países, principalmente, na Europa, havia uma preocupação em estudar as deficiências e criar instituições para o atendimento dessas pessoas, aqui no Brasil, a segregação pode ser observada até a década de 50. Até essa época, as pessoas com deficiência mental eram consideradas como não educáveis, sendo considerados os fatores orgânicos como responsáveis pela condição do deficiente. O atendimento educacional das pessoas com deficiência foi marcado no Brasil, por dois eventos históricos: a criação do Instituto dos Meninos Cegos 1854 e o Instituto dos Surdos- mudos em 1857 por D. Pedro II, como vemos em Mazzota (2006) e Sassaki (2002). Com a criação desses institutos, dá-se início ao processo de institucionalização do atendimento às pessoas com necessidades educacionais especiais. Segundo Miranda (2003), essas ações isoladas atendiam às deficiências visuais, auditivas e em alguns casos, físicas, não havendo registro de ações específicas à deficiência mental. É preciso ressaltar que nessa época ainda não havia no Brasil, diretrizes específicas para a educação de um modo geral e a maioria das pessoas não tinha acesso a escolarização. 11 A organização da escola no Brasil não foi criada, como não o foi no resto do mundo, inicialmente para “todos” e respondeu - ou ainda responde - às necessidades da sociedade capitalista, formando mão-de-obra necessária ao desenvolvimento do país. Nesse sentido, foi organizado o atendimento dos alunos com deficiência mental no Brasil. Segundo Janussi (2004), sendo estes alunos matriculados na escola pública, incorporava-se a ideia de que estes pudessem ser inseridos no mercado de trabalho em expansão no país. Segundo Sassaki (2002), quatro fases marcaram a história do atendimento às pessoas com deficiência no Brasil, exclusão; segregação; integração e inclusão. Para esse autor, na fase da exclusão, até a década de 1950, a sociedade desconsiderava o potencial de desenvolvimento das pessoas com deficiência, pois não havia pesquisas que comprovassem suas potencialidades e o governo não oferecia nenhum tipo de atendimento educacional para que de alguma forma demonstrassem suas possibilidades de desenvolvimento. Para Pletsch (2009), em resposta a necessidade do atendimento das crianças com necessidades especiais e da falta de iniciativa do Estado, a sociedade se organizou, surgindo no país diversas instituições que cumpriram o papel do atendimento das pessoas com deficiência. As instituições assistenciais de Educação Especial foram se proliferando no país, após a Constituição de 1946. Essa Lei passou a reconhecer à educação como direito universal, no entanto, o Estado continuava não oferecendo o atendimento às pessoas com deficiência. Data desta época a criação da Sociedade Pestalozzi e a Associação dos Amigos dos Excepcionais – APAE. Essas instituições tinham caráter assistencial e de ofereciam às possibilidades das pessoas com deficiência aprenderem algum tipo de ofício. A formação profissional das pessoas com deficiência criou a possibilidade de seus produtos serem aproveitadosno mercado de trabalho da época, marcando a fase da segregação: [...] Essa oferta de trabalhos e não de empregos, tinha elos com sentimentos paternalistas e também com um certo objetivo de lucro fácil da parte das empresas, que assim podiam usar uma mão barata e sem vínculo empregatício. Essa prática ainda persiste em vários países do mundo, inclusive no Brasil (SASSAKI, 2002, p. 61). Nas décadas de 1960 a 1980, no período chamado de integração, houve iniciativas de oferecer aos alunos nas instituições, espaços, o mais parecido possível com as empresas, segregando os alunos dentro das instituições, fora, portanto, do contexto social. Após aprenderem um ofício, era oferecida a possibilidade de serem inseridos no mercado de trabalho. Esperava-se que após passarem pelas oficinas profissionalizantes e embora, longe do convívio com a sociedade, o aluno se adaptasse às condições oferecidas pela empresa e que 12 desenvolvessem o ofício aprendido exercendo assim uma função útil no mercado de trabalho e para si mesmo (MAZZOTTA, 2006). Para a compreensão da organização da Educação Especial, é necessário fazer a contextualização da história da organização educacional no Brasil, pois como nos mostra Miranda (2003), até a década de 1960, o país não tinha um sistema educacional que garantisse educação para todos, passando por diversas reestruturações no que diz respeito à organização da oferta do ensino primário às pessoas ditas normais. A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1946, o ensino primário passou a ser responsabilidade do Estado e garantido para todos. Para Miranda (2003) o atendimento das pessoas com deficiência não era considerado um problema a ser resolvido. Somente a partir dos anos 1950, o Estado assumiu como seu, o dever de oferecer atendimento educacional às pessoas com deficiência, porém passou a financiar as instituições sem fins lucrativos no atendimento aos alunos, o que acabou isentando o Estado da obrigatoriedade nesse atendimento. A Constituição Brasileira de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4.024/61, no art.88, apontavam que o atendimento dos excepcionais deveria constar no quadro geral da educação, garantindo assim a sua integração na comunidade escolar, ficando assegurado o direito a todos à educação, mas a maior conquista foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB 9.394/96, esta apresentou um capítulo exclusivo à Educação Especial, regulamentando o atendimento das pessoas com deficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino. (BRASIL/MEC, 2006). Voltando às questões relacionadas à história do atendimento a pessoas com deficiência e agora, mais especificamente com deficiência intelectual, convém destacar que nas décadas de 1960 a 1980 difundiram-se no Brasil às classes especiais, que segundo Sassaki (2002), foram organizadas dentro das escolas do ensino regular na tentativa de resolver os problemas de aprendizagem. A organização dessas classes respondia à necessidade da escola, pois esta não conseguia atender aos alunos que se apresentavam abaixo de uma média de normalidade esperada, presentando dificuldades de aprendizagem. As classes especiais eram organizadas pela classificação do nível mental dos alunos, utilizando a proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Essa classificação foi feita através dos testes psicológicos do Quociente de Inteligência (QI): Deficiência Profunda; Grave; Moderada e Leve e eram considerados limítrofes os alunos com QI abaixo da média, mas acima da deficiência mental, estes não eram classificados para o atendimento em classe 13 especial. Para Januzzi (2004), essa classificação contribuiu para a dualidade da educação, separando os normais, dos anormais, contribuindo com a organização de uma escola dualizada pelas diferenças dos indivíduos. Segundo Carvalho (2004), o atendimento em classes especiais foi uma forma reducionista de tratar a pessoa com necessidade especial, pois a aprendizagem nesse tipo de atendimento limitava-se à socialização e ao desenvolvimento motor e psicomotor dos alunos; principalmente, porque o grupo era na sua maioria, composto apenas de pessoas com deficiência mental. As classes especiais atendiam alunos com deficiências moderadas e leves e as instituições mantinham o atendimento aos alunos classificados como deficientes profundos ou graves. Esse sistema paralelo mostra uma classificação do desenvolvimento humano em normal e não normal. Pode-se dizer que também havia sistema paralelo na formação de professores, formando especificamente para atendimento dos alunos com deficiência; uma organização que pode ser observado mesmo com a inclusão, uma vez que grande parte dos alunos, mesmo em sala regular, precisa de apoio de professores especialistas em educação especial e o atendimento educacional especializado também necessita desse profissional. O atendimento pedagógico das classes especiais manteve as mesmas características do ensino regular, neste processo utilizando práticas adaptativas, conforme indica GOMES (2007): [...] Num primeiro momento, para fundamentar/organizar o trabalho educacional especializado, as escolas limitaram-se unicamente a treinar seus alunos, subdividindo-os nas categorias educacionais: treináveis e educáveis; limítrofes e dependentes. Esse treinamento era desenvolvido visando à inserção familiar e social. Muitas vezes, o treino se resumia às atividades de vida diária estereotipadas, repetitivas descontextualizadas (GOMES, 2007, p. 20). As classes especiais se tornaram símbolo da exclusão, pois foram criadas, de acordo com Rodrigues (2006), para tratar os alunos com algum tipo de deficiência de forma diferente dos alunos “normais”, justificando assim sua exclusão. Ressalta a autora: [...] a educação especial sempre foi tratada de forma diferenciada: conteúdos diferentes, formação de professores diferente, espaço físico diferente... porque criada exatamente para ser assim. Se se acreditasse, desde o começo, que o deficiente deveria receber educação igual, as classes e escolas especiais não teriam sido criadas. [...] (RODRIGUES, 2006, p. 103). O atendimento organizado da maneira supracitada funcionou durante décadas na realidade da educação brasileira e tem sido uma forma bem aceita por muitos professores e entre os familiares de muitos alunos com algum tipo de deficiência. Um aluno matriculado na 14 classe especial podia permanecer nela durante anos, sem que fosse reclassificado para o ensino regular; poderia passar apenas por um período de adaptação e preparo para a inclusão no ensino regular e em alguns casos, os alunos saíram direto para o mercado de trabalho. O atendimento nas classes especiais era oferecido em comum acordo com família e professores, bem como a saída desta, que também dependia da avaliação, com a participação de todos envolvidos no contexto escolar. Ainda que regulamentadas como atendimento educativo e pertencente às escolas do ensino regular, passaram a ser uma modalidade à parte deste, contribuindo para a continuidade do processo de integração dos alunos com necessidades educacionais especiais, ou seja, todos os alunos com deficiência poderiam estar no espaço escolar, porém eram atendidos em classes diferentes das do ensino regular. Embora as discussões sobre inclusão estejam presentes na realidade da educacional brasileira desde a década de 1990, a classes especiais funcionaram em alguns sistemas estaduais até final do ano de 2010. (BRASIL/MEC, 2010). A realidade do atendimento às pessoas com algum tipo de deficiência em classes especiais ou nas instituições filantrópicas sem finslucrativos perdura até os dias atuais, embora a legislação garanta o direito de todos estarem matriculados no ensino regular, os casos mais graves de deficiência mental ainda são atendidos nas instituições filantrópicas, como acontece no Paraná, dados do INEP (2010). Com a LDB 9.394/96, a Educação Especial torna-se modalidade de ensino e perde o caráter substitutivo ao ensino regular e deveria ser oferecido preferencialmente na rede regular de ensino. Na interpretação do termo “preferencialmente”, desta Lei, houve entendimento dos defensores das classes especiais e escolas especiais para que houvesse continuidade deste atendimento. Várias reformas educacionais em relação à educação especial aconteceram no país desde a década de 1990, sinalizando para a implantação da política da inclusão, incorporando a Declaração de Salamanca UNESCO (1994) e a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, esta promulgada pelo Decreto Presidencial nº 6.949. (BRASIL/MEC 2009). Em 2001, foram instituídas as Diretrizes para a Educação Especial na Educação Básica. A partir desse documento o termo “Atendimento Educacional Especializado” passou a ser utilizado em todos os meios educacionais, assim como o termo “Educação Inclusiva”. Entendemos que a partir do Documento Subsidiário à Política da Inclusão, o Brasil assume 15 modelo de educação mais justa e mais democrática, que preconiza a oferta de educação para todos, reiterando o que diz a Constituição de 1988, que tornou o ensino obrigatório a todos os alunos na faixa etária de zero a catorze anos. (BRASIL/MEC. 2005). O Atendimento Educacional Especializado torna-se definitivo a partir do decreto nº 6.571/2008, quando inicia no país, um processo de mudança no panorama do atendimento às pessoas com deficiência. A Educação Especial perde seu caráter substitutivo, tornando-se complementar ou suplementar ao ensino regular. Os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação passam a ser atendido no período contrário ao ensino regular, decretando, o fim das classes especiais. (BRASIL/MEC, 2008). Para que a Educação Especial se organizasse dessa forma, o Governo, no mesmo decreto - nº 6.571/2008, garante a dupla matrícula, ou seja, o atendimento no horário contrário passaria a ser subsidiado pelo governo federal, sem prejuízo do financiamento do Ensino Regular. Esse documento passa a regulamentar também, o apoio especializado em educação especial; professores-intérpretes das linguagens e códigos e todo tipo de apoio a comunicação alternativa. (BRASIL/MEC, 2008). Segundo Miranda (2003), a determinação legal não será suficiente para a efetivação da política educacional inclusiva, todos os recursos sinalizados nos decretos que regulamentam a Inclusão devem ser colocados em prática. Essa nova forma de conceber o atendimento às pessoas com deficiência, trouxe à tona, muitas discussões, principalmente relacionadas à nclusão do aluno com deficiência intelectual. Assevera Gomes que, [...] a inclusão dos alunos com deficiência mental representa um desafio para as escolas e os alunos com deficiência mental, especialmente os casos mais severos, são os que forçam a escola a reconhecer a inadequação de suas práticas para atender às diferenças dos educandos. [...] existe para que os alunos possam aprender o que é diferente dos conteúdos curriculares do ensino comum e que é necessário para que possa ultrapassar as barreiras impostas pela deficiência. [...] não prevê a utilização de práticas de ensino escolar específica para esta ou aquela deficiência, mas sim recursos, ferramentas, linguagens, tecnologias que concorram para diminuir/eliminar e interpõem aos processos de ensino e aprendizagem [...] (GOMES, 2007, p. 27). Embora a inclusão seja um fato na realidade educacional brasileira e as classes especiais que não foram fechadas, não tenham mais o apoio do Estado, ainda existe um grande debate, entre os profissionais de educação a cerca do atendimento aos alunos com deficiência mental. Algumas pesquisas, como as empreendidas por Rodrigues (2006) e 16 Pletsch (2009), têm demonstrado a insegurança das escolas do ensino regular no recebimento desses alunos e professores que questionam a descontinuidade do atendimento nas classes especiais. Os questionamentos demonstram professores despreparados e mal informados sobre como garantir um trabalho pedagógico que contribua com o desenvolvimento acadêmico de um aluno com deficiência intelectual as salas regulares. Essa realidade mostra que a educação especial continua funcionando como um serviço paralelo ao ensino regular, ainda que numa nova estrutura. Por outro lado, analisando a política da inclusão, percebe-se por vezes, uma dicotomia entre educação especial e a inclusão que se deseja realizar no país, desconsiderando todo o trabalho desenvolvido pela educação especial, no país. Para Gomes (2007, p. 14) “A deficiência mental constitui um impasse para o ensino na escola comum e para a definição do Atendimento Educacional Especializado, pela complexidade do seu conceito e pela grande quantidade e variedades de abordagens do mesmo.” Acrescenta a autora: [...] Presa ao conservadorismo e à estrutura de gestão dos serviços públicos, a escola, como instituição, continua norteada por mecanismos elitistas de promoção dos melhores alunos em todos os seus níveis de ensino e contribui para aumentar e/ou manter o preconceito e discriminação em relação aos alunos com deficiência mental (GOMES, 2007, 15). A análise desse breve histórico do atendimento educacional aos alunos com deficiência intelectual permite pensar que a inclusão escolar é uma possibilidade, sendo uma resposta ao direito de escolarização dos alunos com deficiência intelectual e a confirmação de que o direito de estar na escola já foi conquistado. Ainda que em fase de implantação, a política de inclusão já dá sinais que precisa de revisão, principalmente do ponto de vista do professor e da organização escolar, que está habituada a trabalhar com o modelo de aluno ideal, considerando um único modelo de aprendizagem. No caso específico da deficiência intelectual, os professores têm dificuldade de compreender a forma como esses alunos aprendem, portanto, tem uma expectativa muito baixa sobre a potencialidade desses alunos, o que pode levá-lo a não saber como intervir no processo pedagógico, para que esse aluno avance no seu desenvolvimento. A inclusão é um direito inegável, mas as condições para que aconteça de forma positiva para todos os envolvidos precisam ser garantidas, principalmente no que tange a formação do professor do ensino regular, que recebe o aluno sem o conhecimento suficiente 17 sobre como a criança com deficiência intelectual aprende; sobre o fato de que ela tem uma maneira própria de lidar com o saber que nem sempre corresponde ao que a escola preconiza. 18 Capítulo 2 - Características cognitivas do aluno com Deficiência Intelectual A análise do processo histórico que envolve o atendimento educacional das pessoas com deficiência intelectual, demonstra que várias áreas do conhecimento científico têm investido em pesquisa, com objetivo de estabelecer um conceito único, que classifique essa deficiência, bem como, definir formas de atendimento que garantam uma inclusão de qualidade desses sujeitos, nas salas do ensino regular. O interesse generalizado pela deficiência intelectual e a amplitude de métodospara estudá-la, tem tornado essa tarefa complexa. Muitos autores como Pletsch (2009) e Mantoan (2004) têm destacado a necessidade de se considerar, no processo de definição da deficiência intelectual, todas as condições que interferem no desenvolvimento do sujeito, além do nível cognitivo, variações como as psicológicas, sociais e emocionais. Estes autores salientam que essas variações interferem no comprometimento intelectual, em menor ou maior grau, portanto, não podem ser excluídas na conceituação dessa deficiência. Na política de inclusão tais aspectos também são considerados, porém, o destaque na caracterização do sujeito está na defasagem da estrutura mental, como pode ser observado na definição de deficiência intelectual apontada no documento norteador dessa política: “[...] A deficiência mental é um quadro psicopatológico que diz respeito, especificamente, às funções cognitivas. Todavia, tanto os outros aspectos estruturais quanto os aspectos instrumentais também podem estar alterados. Porém, o que caracteriza a deficiência mental são defasagens e alterações nas estruturas mentais para o conhecimento. [...]”. (BRASIL, 2005, p.12). Parece consenso entre os pesquisadores que todos os aspectos relacionados ao sujeito devam ser considerados ao pensarmos na inclusão do aluno com deficiência intelectual. Porém, essa uma realidade da nossa atualidade. Para compreender as dificuldades que envolvem este tema, é preciso analisar o contexto histórico referente à definição de deficiência intelectual. Tal complexidade envolve principalmente as questões relacionadas aos aspectos educacionais referentes a essa eficiência. Somente a partir de 1950, o sujeito cognoscente passou a ser considerado na conceituação da deficiência intelectual, quando a AAMR (American Association on Mental Retardation), revisou o conceito adotado, afirma Pletsch (2009). Nesta época, os pesquisadores questionavam a Associação por supervalorizar a deficiência, não considerando o contexto social vivido pelo aluno. Até então, essa deficiência era definida como “[...] um funcionamento intelectual significativamente abaixo da média, 19 originado no período de desenvolvimento, concorrente com os déficits no comportamento adaptativo (AAMR, 2006, p. vii) [...]”. (PLETSH, 2009, p.79). A indefinição de um conceito seguro, claro e objetivo sobre a deficiência intelectual, bem como, aos procedimentos de diagnóstico e avaliação provocou, afirma Mendes, “[...] o encaminhamento de pessoas com dificuldades de aprendizagem, sem deficiência mental, para programas educacionais segregados”. (MENDES, 1995, p.43). Os encaminhamentos eram realizados considerando “[...] diferentes critérios e instrumentos, conforme a pessoa que as realizava [...]”. (OMOTE, 1999, p.6). O atendimento aos alunos com deficiência intelectual caracterizado dessa forma demonstra que a escola acabava reproduzindo a exclusão que a sociedade produzia, respondendo às necessidades que a sociedade apontava, desconsiderando as verdadeiras características e necessidades dos alunos com deficiência intelectual. A indefinição quanto ao conceito de deficiência intelectual interferiu ao longo da história, na organização quanto à forma de atendimento educacional a ser oferecida pelos sistemas educacionais a esses alunos, causando falhas no processo de avaliação. Esses equívocos contribuíram para que na realidade da educacional brasileira, as dificuldades de aprendizagem acentuadas, não resolvidas pela escola, fossem transferidas para a educação especial. É pertinente ressaltar que no processo dos encaminhamentos às classes especiais estavam os alunos com deficiência intelectual leve e alunos com dificuldade de aprendizagem e que na análise documental feita neste estudo, não encontramos referência aos alunos com deficiência mais acentuada no ensino regular e nem e propostas metodológicas de sucesso especificamente para essas alunos. Podemos inferir também, que mesmo após a política de inclusão, parece que a conceituação e as aplicações pedagógicas tornaram-se ainda mais generalizadas, dificultando a definição da ação educacional. Percebemos na nossa realidade que ainda são feitas classificações de acordo com o coeficiente intelectual desses alunos e que muitas pessoas com maior grau de comprometimento cognitivo ainda são atendidas exclusivamente nas instituições, conforme vimos no primeiro texto desta pesquisa. Voltando às questões históricas envolvendo o conceito de deficiência intelectual, verificamos que a Associação, considerando os questionamentos feitos por pesquisadores e estudiosos, revisou o conceito adotado por diversas vezes, até que a partir de 2006, passou a adotar uma visão “multidimensional”, concebendo a Deficiência Intelectual como: 20 “[...] incapacidade caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo e expresso nas habilidades práticas, sociais e conceituais, originando-se antes dos dezoito anos.” (PLETSCH, 2009, p. 81). A Associação é uma instituição internacional que considera as pesquisas de estudiosos respeitados na área, porém, Shimazaki (2011) atenta que embora as definições da Associação sejam aceitas consensualmente aqui no Brasil, é preciso cuidado para não se generalizar tais conceitos, ou corremos o risco de acreditar que todas as pessoas com deficiência intelectual possam apresentar as mesmas características cognitivas, o que não seria verdadeiro, uma vez que outros fatores interferem no desenvolvimento da pessoa com deficiência. (SHIMAZAKI, 2011, p. 28). Vale destacar que tais fatores também não podem ser generalizados, pois são relativos de um ambiente para outro. Alguns questionamentos parecem pertinentes e faço aqui um recorte no texto para apontá-los: Os equívocos na caracterização de alunos com dificuldade de aprendizagem não demonstraram as falhas das escolas ou dos educadores no sentido de conhecer quais características diferem o deficiente intelectual daqueles que tem apenas dificuldade de aprendizagem? Se os encaminhamentos dependiam e dependem de laudos médicos, não estiveram também equivocados os profissionais das demais especialidades que envolvem a educação especial? Ao considerarmos o histórico do atendimento às pessoas com deficiência intelectual e a política de inclusão, seria correto afirmar que o sistema educacional camuflou suas falhas de “ensinagem”, procurando uma forma de homogeneizar os alunos, na busca pelo aluno ideal? As práticas pedagógicas utilizadas pelos nossos professores estão contribuindo para amenizar ou acentuar as dificuldades dos aprendizes? Os questionamentos acima fazem parte das dúvidas de todos aqueles que acreditam numa inclusão com qualidade e que buscam por alternativas metodológicas que dêem esta condição o professor e ao aluno. Voltando às questões relativas ao conceito e caracterização da deficiência intelectual; sabemos que esta não pode ser definida apenas pela condição orgânica e tampouco, somente pela condição intelectual, como afirma Gomes (2007). Podemos pressupor que todas as formas de investigação podem e devem ser consideradas, ao pensarmos em propostas pedagógicas a serem utilizadas para esses alunos e que muitos aspectos devem ser pensados para além dos laudos médicos; como os aspectos ambientais, culturais, valores e crenças que envolvem o aluno e o meio em que vive. As características cognitivas não podem ser negadas, mas 21 devemos pensar a partir delas repensar estratégias e intervenções que funcionem e tenhamqualidade no atendimento, no ensino regular. Segundo Mantoan (1998, p.00-00) a última revisão da AAMR “[...] propõe que se abandonem os graus de comprometimento intelectual, pela graduação de medidas de apoio necessárias às pessoas com déficit cognitivo. [...]” Aponta para a adoção no sistema educacional brasileiro de uma prática pedagógica sociointeracionista, onde ganha importância a qualidade das interações, independente do nível cognitivo ou idade mental desses sujeitos, dando ênfase às possibilidades adaptativas que são disponíveis em seus ambientes de vida. A autora acrescenta que: “[...] As características do indivíduo foram durante muito tempo a única meta das intervenções educativas, mas, hoje, nenhum modelo educativo pode ignorar as características do funcionamento das pessoas que apresentam incapacidades intelectuais, sem considerar a interação destas com o meio. (MANTOAN, 1998 p. 00- 00). É possível observar que existem diversas concepções acerca da deficiência intelectual e que, na política de inclusão, perdem espaço os conceitos elaborados a partir dos aspectos orgânicos. A abordagem organicista parece não responder às necessidades educacionais que atendam aos alunos com deficiência intelectual, no contexto da inclusão. Ganharam destaque nas últimas décadas, as pesquisas sobre a gênese dos processos psicológicos da cognição que consideram a importância das interações sociais e da mediação pedagógica para a construção e reconstrução das estruturas cognitivas. Destacaremos as concepções de Piaget e Vigotski, pois nos parece, serem as mais aceitas e utilizadas no meio educacional. Esses autores: “[...] percebiam claramente a necessidade de superar o radicalismo das correntes epistemológicas racionalistas e empiristas” “[...] Piaget (cognitivista-interacionista) trabalhou fundamentalmente a interação do sujeito com o que lhe é externo nos processos de conhecimento, vendo-o como um sujeito ativo. Vygotsky (sócio- interacionista) acresceu aos pólos do sujeito e da realidade, o pólo do Outro, considerando as interações sociais o principal elemento na construção do conhecimento pelos sujeitos”. (MARQUES, 2001, p. 73). Para Figueiredo (2008), os estudos de Piaget sobre a estrutura e o funcionamento cognitivo do ser humano, são amplamente aceitos pelos defensores da inclusão, a saber: “[...] o desenvolvimento repousa e implica num processo de equilibração entre duas variantes funcionais inerentes a ação do sujeito: a assimilação e a acomodação”. (FIGUEIREDO, 2008, p. 1). A constante interação com o meio e com o objeto, resulta em mudança, o que Piaget 22 chamou de adaptação. O sujeito coleta informações do meio, as organiza, compreendendo melhor a realidade em que vive e age sobre ela, transformando-a. Os estudiosos que seguiram as ideias de Piaget, concluíram segundo MARQUES (2001), que este processo é mais complicado para quem tem deficiência intelectual, devido às limitações na interação com o meio e as falhas de comunicação. No processo limitado de funcionamento deste sujeito, Mantoan (1998), destaca que as estruturas cognitivas precisam ser ativadas pela mediação planejada e realizada na escola. Esta mediação deve possibilitar ao individuo perceber e coletar informações do meio, aumentando o seu grau de independência, produtividade e integração no contexto comunitário e entre seus pares da mesma idade. A partir dos estudos de Piaget, destaca Mantoan (1998), foi possível constatar que as pessoas com deficiência intelectual, não são, como não é qualquer outro aluno, uma folha em branco onde o professor poder imprimir conhecimento, tampouco traz consigo o conhecimento pronto e acabado e que, têm estruturas semelhantes de desenvolvimento das pessoas sem deficiência. Destaca que sua dificuldade de construir conhecimento é semelhante a qualquer outra pessoa, assim como, a dificuldade de demonstrar a sua capacidade cognitiva. Essa ideia também é defendida por Lustosa (2010), que afirma que a diferença entre quem tem ou não deficiência acontece apenas no aspecto funcional e não na estrutura cognitiva. Considerando o aspecto funcional, Gomes (2007) explica que a criança com deficiência intelectual apresenta ritmo mais lento. Segundo a autora, essa dificuldade é evidenciada na escola, pois, o modelo conservador de ensino contribui para acentuar a deficiência do aluno. A realidade educacional acaba premiando aqueles que aprendem mais; que tem maior capacidade de armazenar informações e maior rapidez em suas respostas, o que contraria as ideias de Piaget: “[...] O ideal da educação não é aprender ao máximo, maximalizar os resultados, mas é antes de tudo aprender a aprender, é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola”. (Piaget 1983b, p. 25 apud Marques, 2001, p. 80). Para esse pesquisador, as limitações do sujeito com deficiência intelectual, “[...] dificultam a ação do sujeito com deficiência sobre o meio, interferindo no seu processo de adaptação, gerando assimilações deformantes, que vão redundar em débitos cognitivos nos estágios seguintes de desenvolvimento [...]”. (MARQUES, 2001, p.80). Quanto aos mecanismos de assimilação e acomodação, estudados por Piaget, segundo Lustosa (2010) são os mesmos de qualquer pessoa, porém, as crianças com deficiência intelectual apresentam um falso equilíbrio, que causam no aluno hesitação, quando se trata da 23 mobilização dos esquemas cognitivos em situação de resolução de problemas. As situações de aprendizagem lhe parecem “turvas”, causando-lhes dúvida na resposta. A autora defende a ideia de haver incidências de níveis intermediários de construção cognitiva, que acabam dando a impressão para o professor que o aluno parou de aprender, o que pode levá-lo a deixar de estimulá-lo. Alguns estudiosos, segundo a autora chamam este processo, de inércia no plano intelectual, que leva os alunos a manifestar, muitas vezes, oscilações no uso dos seus esquemas e dificuldade de representação, do pensamento reflexivo e da capacidade de abstração. Essas dificuldades são observáveis principalmente na educação escolar sistematizada que exige da criança esforço intelectual e um nível de desenvolvimento cognitivo que nem sempre ela pode oferecer. As dificuldades do aluno com deficiência intelectual não permitem que ele perceba sozinho que possui o conhecimento prévio e consequentemente não o utilizapara construir um novo conhecimento. Mantoan (2003), citando Piaget, concorda que existe entre as pessoas com e sem deficiência intelectual uma semelhança estrutural que permite intervir no desenvolvimento cognitivo desses sujeitos. É possível inferir que o aluno com deficiência intelectual, como qualquer outro, também desenvolve esquemas e evolui na elaboração de conceitos, mas demonstra dificuldades em conservar esses esquemas sem a mediação do professor. Não havendo nos níveis intermediários a ação planejada do professor desafiando o aluno, não acontece à formação de novos esquemas, logo não acontece à aprendizagem, comprometendo o desenvolvimento do aluno. Lustosa (2010), Gomes (2007), Figueiredo (2008) e Mantoan (2005) apontam a partir das ideias de Piaget a importância da mediação do professor, porém, essa referência não aparece com clareza nos estudos de Piaget que enfatizava a ideia de que o aluno aprende por meio da própria ação. Essa ideia foi amplamente divulgada pelos pesquisadores, gerando “[...] questionamentos quanto ao papel da sociedade no desenvolvimento humano, afirma Góes (2007, p.6), pois o autor apontava oaluno como fundamental no processo educacional. Podemos incluir nesses questionamentos a importância do papel do professor no processo de aprendizagem. Tal análise permite apontar a oposição de Vigotski às ideias de Piaget, além de destacar a importância do “[...] papel da mediação dos “mais experientes”, que podem ser os professores, ou os colegas [...]” (PLETSH, 2007, p. 95) no processo de aprendizagem dos alunos com ou sem deficiência intelectual, Vigotski também não concordava com a 24 interdependência que Piaget via entre desenvolvimento e aprendizagem, num processo que para Vigotski “[...] ao invés de impulsionar o desenvolvimento, a aprendizagem se utilizaria de seus avanços [...]”. (MARQUES, 2010, p. 86). Embora suas pesquisas tivessem foco diferente das pesquisas de Piaget, ambos concordavam com a semelhança na estrutura cognitiva das crianças com deficiência intelectual, em relação às demais crianças e que estas teriam apenas, uma maneira diferente de se desenvolver, mas nelas, o desenvolvimento também aconteceria. No que diz respeito ao desenvolvimento psíquico, Vigotski dá ênfase nos aspectos sociais em detrimento do biológico, significando dizer que o papel do professor mediador nas interações sociais é fundamental; quanto mais interação social, maior aprendizagem, mais desenvolvimento. Vale destacar que o pesquisador, nunca negou os fatores biológicos que influenciam no desenvolvimento da criança, mas privilegia os fatores sociais como determinantes no desenvolvimento. (PLETSCH, 2009). Outro fator importante estudado por Vigostski foi à importância da linguagem no desenvolvimento e na aprendizagem. Para esses pesquisador a linguagem é a base do pensamento da criança, utilizada na relação com o outro, na forma intrapessoal e na compreensão do mundo que a cerca, assim, quanto mais a criança for estimulada a falar, maior será o desenvolvimento do seu pensamento. A linguagem nas suas mais diversas formas é determinante para o desenvolvimento mental e depende fundamentalmente das condições que envolvem o trabalho pedagógico realizado na escola e as condições de interação e estimulação oferecidas às pessoas com deficiência intelectual. Nesse sentido, destaca-se a importância das pesquisas de Vigotski para a educação de pessoas com deficiência intelectual “[...] por considerar o processo educacional como uma prática social mediada pelo signo (linguagem) e pelo outro (a sociedade)”. (PLESTCH, 2009). O destaque neste trabalho para as pesquisas de Piaget e Vigotski quis demonstrar que ambos concordavam com vários elementos analisados no desenvolvimento da criança com deficiência intelectual e suas pesquisas fundamentaram as razões dos defensores da inclusão do aluno com deficiência no ensino regular, parecendo se completarem nas suas investigações. Convém lembrar que ambos estudaram especificamente o processo de desenvolvimento do cognitivo, tema central quando pensamos na deficiência intelectual. Ambos apontavam a deficiência intelectual não como um quadro único, padronizado, inalterado, onde todos demonstram as mesmas características, mas que o processo de ensino e aprendizagem, 25 elaborado sob bases sólidas de uma boa formação continuada, pode contribuir para a modificação dos processos cognitivos de desenvolvimento desses sujeitos. É importante destacar que nenhuma das pesquisas observadas neste estudo, negou que as pessoas com deficiência intelectual possuem limitações significativas que devem ser consideradas no processo de ensino e de aprendizagem e que apresentam um desenvolvimento diferenciado na capacidade de aprender. Fica claro, porém, que o modelo educacional tradicional, que considera o aluno como receptor de informações, não serve para esse aluno. Ressaltamos que o papel dos sistemas educacionais é de pensar em alternativas metodológicas que trabalhem com o objetivo de modificar os processos cognitivos desses sujeitos, com metodologia planejada a partir das características desses alunos. Algumas dessas características são recorrentes na investigação sobre deficiência intelectual e permite serem apontadas aqui como comuns ou pelo menos possíveis de serem utilizadas como referência para que professores possam sobre a partir delas, sobre as características dos alunos com deficiência intelectual no que diz respeito à aprendizagem e ao desenvolvimento. Como já foi destacado neste texto, é incoerente apontar tais características como comuns a todos os alunos. Porém, algumas características têm sido observadas na maioria dos alunos com deficiência intelectual, principalmente no que se refere à passividade diante da situação de aprendizagem escolar. Para Gomes (2007, p.14), a passividade é causada pela “[...] inibição, definida na teoria freudiana, ou “a posição débil” enunciada por Lacan [...]”. A autora acrescenta que, diante desse comprometimento o atendimento educacional, tanto no ensino regular, quanto no atendimento educacional especializado, “[...] deve permitir que o aluno com deficiência intelectual saia de uma posição de “não saber”, ou de, “recusa do saber” para um saber que lhe é próprio [...]”. (GOMES, 2007, p.23). Entre as muitas barreiras para a aprendizagem da criança com deficiência intelectual, parece ser esta uma das mais complexas, nas quais deve haver investimento da escola e do professor. Os alunos precisam ser colocados em situações desafiadoras para aprender a viver o desequilíbrio tanto cognitivo, quanto emocional. Outra característica apontada como comum aos alunos com deficiência intelectual é o déficit na metacognição (LUSTOSA, 2010; GOMES, 2007 e MANTOAN, 2003). Os alunos com deficiência intelectual apresentam um modo particular de resolução de problemas, caracterizado pela extroversão da atenção. Esses alunos recorrem mais aos recursos externos do que aos seus próprios recursos cognitivos, fato também pesquisado por Vigostski. Podemos pressupor que a qualidade das relações sociais e na escola mais especificamente, a qualidade 26 da interação professor/aluno/colegas, pode interferir diretamente na expectativa de fracasso, na dependência dos outros e na baixa auto-estima desses alunos. Esse modo particular de ser e de aprender causam no indivíduo: “[...] dificuldade de reconhecerem seus próprios recursos cognitivos, como a memória, a percepção e a motricidade, deficiência nos processos executores e de controle cognitivo; ausência de conhecimento acerca das próprias funções e capacidade cognitivas, não conseguindo manejar e controlar de maneira flexível e adequada os correspondes processos, estratégias e plano de controle; limitações de transferência ou generalizações de certas situações e tarefas a outras, bem como limitações no próprio processo de aprendizagem. (MANTOAN, 2004 apud ESCÓRCIO 2003, p. 22). As características citadas por esses autores são como já dissemos, apontamentos de limitações significativas que precisam ser consideradas ao pensarmos numa proposta educacional para esses alunos e muitas delas, são conseqüências na limitação das interações sociais, como já citado. A qualidade dessas interações está relacionada à compreensão do mediador, de que essas crianças têm dificuldade de processar ordens simples ou duas ou mais ordens de uma única vez, que seu ritmo de aprendizagem é mais lento e que quem media a ação, deve estar preparada para trabalhar para minimizar tais dificuldades. O papel da escola torna-se neste processo, extremamente importante, pois além de uma avaliação que aponte o grau de dificuldade dessealuno, a escola na figura principalmente do professor do AEE deve analisar cada atitude, cada ação do aluno, numa atitude investigativa, numa análise pormenorizada da reação do aluno sobre a ação proposta. A partir daí, a realização de um planejamento das ações pedagógicas indicando quais adaptações serão necessárias para que esse aluno tenha o seu direito respeitado, tendo acesso ao conteúdo da série/ano onde está regularmente matriculado. É importante destacar, que na análise documental realizada neste trabalho, encontramos paralelamente a indefinição de um conceito claro e objetivo sobre a deficiência intelectual, a indefinição também, sobre quais adaptações serão necessárias para o atendimento do aluno com essa eficiência. Para os defensores da inclusão existe o forte apelo de que sejam adaptados apenas os recursos, não sejam realizadas adaptações quanto ao currículo e que, a necessidade dessa adaptação seja definida pelo aluno, ou seja, a criança deve apontar durante sua ação, o que pode ou não aprender. Mais uma vez cabe ressaltar a importância da formação continuada e inicial para que esse processo seja compreendido pelos professores tanto de apoio, como do ensino regular. 27 Leis, decretos, enfim todo um aparato legal já deu conta de tornar definitiva a inclusão para todos os alunos. Teoricamente já foi comprovado que todos os alunos, com e sem deficiência podem aprender, no entanto, como já dissemos neste estudo, as práticas metodológicas que mostram o caminho a ser seguido, acontecem timidamente nas nossas escolas. Apesar da maioria dos alunos estarem matriculados no ensino regular, portanto, “inclusos” no ensino regular, os profissionais da educação, ainda buscam compreender as características desses alunos, a forma como aprendem e buscam ainda, por formas de atuação pedagógica que contribuam para a aprendizagem e o desenvolvimento destes. 28 Capítulo 3 - Perspectiva da Prática Pedagógica no Atendimento Educacional Especializado do aluno com Deficiência Intelectual. Construir uma escola inclusiva é um caminho que cada um deve traçar, experimentando, construindo suas próprias iniciativas e seu próprio percurso, de acordo com as necessidades, anseios, desejos de seus alunos e profissionais, considerando, os recursos e potencialidades de sua comunidade, ou seja, sua realidade escolar! Lustosa, Francisca Geny Brasília/2010. Como vimos anteriormente, o aluno com deficiência intelectual, precisa ser aceito como sujeito cognoscente e compreendido na sua forma diferente de ser e de aprender. Esse conceito, segundo o texto subsidiário à Política de Inclusão (MEC/SEEP, 2005), deve ser adotado pelos sistemas de ensino, para que possam organizar um atendimento educacional de qualidade para esses alunos e elaborarem propostas pedagógicas que contribuam para sua aprendizagem. Nesta análise documental foi possível perceber, no entanto, que essa não é a realidade educacional brasileira, o conceito utilizado na definição da deficiência intelectual apresentado, no capítulo anterior, parece deixar lacunas ainda a serem respondidas, principalmente, sobre o acompanhamento do aluno ao currículo formal, principal meta dos sistemas educacionais. Inclui-se nesse contexto, metodologia a ser utilizada pelo professor no cumprimento desse papel desafiador. É possível pensar, portanto, que embora exista a necessidade de adequação das estruturas físicas de muitas escolas brasileiras, parece que as maiores dificuldades estão relacionadas às questões humanas, fundamentais para a consolidação do processo de inclusão, principalmente as relacionadas aos professores, tanto do ensino regular, quanto do atendimento educacional especializado. Ao pensarmos na inclusão especificamente do aluno com deficiência intelectual, esse fato parece mais evidente, pois as barreiras físicas não impedem a inclusão desse aluno, porém as barreiras metodológicas parecem ficar em evidência. Para a concretização da inclusão, Mittler (2002) aposta na formação dos professores sobre a diversidade e as formas de atuação do atendimento desses alunos, pois de um modo geral, a escola está organizada para ensinar o aluno que aprende, sem maiores dificuldades. Parece consenso, no entanto, nos documentos analisados, até mesmo nos textos oficiais sobre a 29 inclusão, que a escola não estava e talvez, ainda não esteja preparada para lidar com a inclusão dessa deficiência. O sistema educacional limitou-se durante as últimas décadas do século XX e início do Século XXI, em dividir os alunos com deficiência intelectual em “treináveis” e “educáveis”, com outras subdivisões apoiadas no sistema de classificações da educação especial, embasadas nos testes de coeficiência intelectual. (GOMES, 2007). Com esta organização, conviveu, nas nossas escolas, um conjunto de práticas adaptativas que tornaram a educação especial com as mesmas características do ensino regular, facilmente verificada nas classes especiais. Tais práticas, segundo a autora, baseavam-se em atividades mecânicas e repetitivas que foram utilizadas como a melhor e mais eficaz forma de trabalhar com esses alunos. Essas ráticas apresentavam segundo Gomes (2007), um agravante, pois utilizavam apenas a lógica do concreto, insistindo que os alunos só aprendiam a partir do treino. Segundo a autora: A ideia contida neste tipo de treino é equivocada, pois o concreto não dá conta do que um objeto é em toda a sua extensão e dos significados que cada pessoa pode atribuir a esse objeto, em função de sua vivência e referências anteriores. Para muitos aprendizes, contar palitos não é uma atividade de aprendizagem dos numerais e nem mesmo uma oportunidade de construir a ideia de número. O aluno pode estar apenas manuseando esse material para entender o modo de sua mãe acender o fogo, por exemplo...[...] (GOMES, 2007, 21). A autora alerta que as práticas de ensino baseadas nessa lógica, negam qualquer possibilidade do aluno com deficiência intelectual estabelecer uma interação simbólica com o meio e acrescenta que: O perigo desse equívoco é empobrecer cada vez mais a condição de as pessoas com deficiência mental lidarem com o pensamento, raciocinarem, utilizarem a capacidade de descobrir o que é visível e preverem o invisível, criarem e inovarem, enfim, terem acesso a tudo o que é próprio da ação de conhecer. Para exemplificar essa lógica, podemos citar atividades como: decorar famílias silábicas; aprender a multiplicar, dividir ou somar a partir de inúmeras contas envolvendo a mesma operação aritmética; repetir o cabeçalho todos os dias por várias vezes; responder copiando do livro; colorir desenhos reproduzidos e mimeografados pela professora para treino motor com cores predefinidas, além de outras tarefas de pura memorização [...] (GOMES, 2007, 21) Outro aspecto importante a ser destacado na política de inclusão é o conceito de flexibilização ou adaptação do currículo. Para Mantoan, as adaptações curriculares funcionam como reguladores externos de aprendizagem e precisam ser revistas. A autora aponta que “[...] ao invés de adaptar e individualizar/diferenciar o ensino para alguns, a escola precisa recriar suas práticas, mudar concepções, rever seu papel, sempre reconhecendo e valorizando as 30 diferenças”. (MANTOAN, 2007, p.17) LUSTOSA, 2010; GOMES, 2007 e MANTOAN, 2007 e 2003, defendem a ideia de que a escola deve trabalharpara a emancipação intelectual num processo onde a adaptação dos conteúdos é realizada pelo próprio aluno, que vai assimilando um novo conhecimento, de acordo com suas possibilidades de incorporá-lo ao que já conhece. Neste processo, destaca-se a importância da valorização das diferenças individuais, pois, cada aluno precisa ser respeitado no seu tempo de aprendizagem e na sua forma singular de aprender. Além disso, diferentes ideias, opiniões, níveis de compreensão que enriquecem o processo escolar, podem contribuir para o entendimento dos alunos e dos professores, numa interação que favoreça a todos. Uma escola inclusiva, portanto, utiliza a heterogeneidade de seus alunos, em favor do enriquecimento do grupo. Alerta Gomes que, a inclusão dos alunos no ensino regular, exige da escola o papel importante de rever suas práticas, embora seja garantido o direito de todos os alunos estarem juntos no mesmo espaço educativo (alunos com e sem deficiência), continua havendo um distanciamento entre a escola comum e os alunos que supostamente não aprendem. (GOMES, 2007). A Política da Inclusão aponta, portanto, para esta reestruturação da educação, propondo que a escola se transforme num espaço que garanta a construção de conhecimento por pessoas com ou sem deficiência intelectual e que esta aconteça na interação com a diversidade. (MEC/SEESP, 2006). Os estudiosos e defensores da inclusão, amparados pela Legislação Nacional1, trabalham com a proposta de todos os alunos com deficiência matriculados no ensino regular e nos casos específicos da Lei, no Atendimento Educacional Especializado. Para a organização dos sistemas educacionais, é preciso compreender que papel deve assumir a Educação Especial a partir da Política da Inclusão: conforme o Art. 58º da Lei nº 9.394/96 (BRASIL/MEC). A Educação Especial é uma modalidade educacional, que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades da educação escolar, tendo o Atendimento Educacional Especializado – AEE, como parte integrante do seu atendimento (BRASIL/CNE, 2009). AEE diferencia-se substancialmente da escolarização e deve ser ofertado prioritariamente, no período contrário ao ensino regular, perdendo seu caráter substitutivo ao ensino comum. _____________________ 1 A partir do Decreto nº 6.571/2008, o Governo institui o Atendimento Educacional Especializado, para atendimento dos alunos com Deficiência; Transtornos globais do Desenvolvimento e Altas Habilidades/ Superdotação, em contra turno e para a sua implementação, a Resolução nº 04/2009 do CNE institui a matricula desses alunos no ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado ou em Centros que ofereçam o AEE. 31 Para o profissional da Educação Especial também é definido uma nova função, distinto do papel exercido nas classes especiais ou instituições. O professor na turma comum deve planejar atividades dinâmicas, criativas e diferenciadas que garantam o acesso de todos os alunos, ao conteúdo trabalhado, respeitando, portanto, as características do grupo e a forma como cada um aprende. No AEE, o professor tem o papel principal de garantir o apoio e a adaptação necessária dos instrumentos para que o aluno acompanhe as propostas do professor no ensino regular. Há, pois, uma parceria importante a ser estabelecida entre estes profissionais, que precisa ser planejada a partir de cada aluno e sua deficiência. Além da articulação entre estes dois profissionais, para conseguir trabalhar dentro de uma proposta educacional inclusiva, o professor do AEE e do Ensino Regular, precisam do apoio de uma equipe de gestão comprometida, descentralizadora, democrática e participativa, afirma Figueiredo (2008). Podemos inferir que uma escola não se torna inclusiva com a entrada de alunos com deficiência, mas sim, com a mudança de postura de todo o colegiado, no recebimento do aluno. A inclusão exige receptividade do grupo, colaboração e parcerias entre todos os envolvidos. O reflexo dessas parcerias influenciará segundo Lustosa (2010), no aumento da expectativa positiva dos educadores em relação à aprendizagem do aluno com deficiência intelectual, na mudança das práticas pedagógicas e na articulação com a rede de apoio, que deve envolver o aluno, o professor e a família. Pletsch (2009), em sua pesquisa comprovou que a falta de informação entre os professores do ensino regular e a falta de expectativa em relação às possibilidades cognitivas dos alunos, têm sido um grande obstáculo ao processo de inclusão dos alunos com deficiência intelectual. E afirma: “[...] as práticas e atitudes direcionadas para alunos com deficiência mental acabam influenciando nas oportunidades e na qualidade das interações pedagógicas que lhe são oferecidas. (PLETSCH, 2009, p.148). É possível afirmar que a organização do AEE como um atendimento que promove a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos com deficiência intelectual, depende de diversos fatores: os relacionados ao próprio aluno; a forma como a família vê a deficiência de seu filho; a oferta de apoio especializado e a forma como a escola articula todos esses fatores e se organiza, para o recebimento deste aluno. Diez (2010) alerta que a inclusão requer que todos os profissionais da educação e especialistas, envolvidos no processo de inclusão, devem colaborarem na busca de respostas para as necessidades e formas de promover às potencialidades de seus alunos. No caso 32 específico da inclusão do aluno com deficiência intelectual, parece que essa colaboração deve residir principalmente nas questões metodológicas, ou seja, na busca de atividades que oportunizem a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos. Destaca Lustosa (2010) que pelas características diferenciadas dos alunos com deficiência intelectual, não existe uma metodologia única, que os diversos saberes devem ser utilizados no sentido de desafiar o aluno a aprendizagem. Porém, independente de qual seja a metodologia utilizada, a autora defende a ideia, de que a escola precisa tornar a aprendizagem mais significativa, não só para alunos com deficiência intelectual ou dificuldade de aprendizagem, mas para todos os alunos. Afirma ainda que, a aprendizagem significativa tem função social, respeita o centro de interesse da infância, cruza com estratégias metacognitivas, fazendo o aluno refletir sobre a ação desenvolvida. É importante destacar que os alunos com deficiência intelectual têm mais dificuldade para aprenderem com aulas expositivas e precisam ser engajados, segundo Oliveira “[...] em situações desafiantes, num processo particular de descoberta e o desenvolvimento de relacionamento recíproco entre a sua resposta e o desafio proposto [...]”. (OLIVEIRA, 2006, p. 23). Essas situações devem ser pensadas a partir dos componentes curriculares do ensino regular, porém, o foco do AEE deve ser a estimulação do aluno e não na adaptação do currículo. O AEE deve ser um mobilizador das práticas pedagógicas do ensino regular, afirma Lustosa (2010). Todos os aspectos no plano didático desse tendimento devem ser pensados para atender o ritmo de aprendizagem do aluno e a eliminação das barreiras que atrapalham o seu desenvolvimento. Embora trabalhe a partir do currículo, o objetivo do professor do AEE não é trabalhar os conteúdos, mas estimular, [...] o desenvolvimento dos processos mentais: atenção, percepção, memória, raciocínio, imaginação, criatividade, linguagem, que mobilize o aluno para a aprendizagem, fortalecendo sua autonomia para decidir, opinar, escolher e tomar iniciativas, a partir de suas necessidades e motivações e propiciar a interação dos alunos em ambientes sociais,valorizando as diferenças e a não discriminação. (ALVES e GOTTI, 2006, p. 270). O desenvolvimento mental é, portanto, o foco do trabalho no AEE para alunos com deficiência intelectual. O professor deve trabalhar, a partir da ideia de que o aluno com deficiência intelectual também pode aprender como qualquer outro aluno, afirma Figueiredo (2008), mas sua inteligência precisa ser estimulada e educada para que possa evoluir. Afirma 33 que mesmo os alunos que apresentam uma necessidade de apoio significativa, podem tirar proveito de intervenções educativas bem planejadas, destinadas a favorecer ou estimular o desenvolvimento de suas estruturas intelectuais. Além de propor situações que permitam ao aluno organizar seu pensamento, Gomes (2007), destaca que o professor do AEE deve preocupar-se em elaborar atividades que contribuam para a aprendizagem de conceitos. A partir da ação intencional no ato de ensinar e “[...] nas relações estabelecidas no espaço escolar, o educador utiliza novos conceitos, define- os e os apresenta em diferentes contextos de uso e propõe atividades em que devem ser empregados [...]” (SILVA, 2009, p. 76). É desafiante pensar na complexidade do trabalho dos professores diante da inclusão do aluno com deficiência intelectual, principalmente, porque precisam estar atentos as dificuldades mais significativas desse aluno. Para Lustosa (2010) o professor precisa provocar o movimento do aluno em direção a aprendizagem, com situações desafiadoras, baseadas na resolução de situações-problemas. Estas atividades devem proporcionar situações dinâmicas, desafiadores, prazerosas e lúdicas, através de jogos, brincadeiras, música, dança etc. Diez (2010), alerta para a necessidade dos professores se tornarem pesquisadores, pois é preciso conhecer as dificuldades de cada aluno, suas características e potencialidades e que atividades desenvolverem para garantir que ele aprenda e tenha sucesso na escola. Cada atividade trabalhada com o aluno deve ter a intenção de mobilizar os esquemas cognitivos do aluno. Mais do que conhecer as dificuldades dos alunos, é preciso planejar a partir delas, ou seja, para alunos com dificuldade no raciocínio lógico mais acentuadas, atividades desafiantes a partir da resolução de problemas; para alunos com dificuldade na comunicação, a oferta de atividades constantes que promovam a linguagem e a expressão, como indica LUSTOSA (2010) utilizando atividades dinâmicas a partir de parlendas, travalínguas, cantigas etc., estimulando a expressão verbal dos alunos. Nesse sentido, podemos compreender que o AEE não pode ser organizado como espaço para reforço dos conteúdos não aprendidos, tampouco de um espaço de repetição e treino. GOMES, POULIN E FIGUEIREDO (2010) defendem a ideia do AEE como espaço para a oferta de situações diversificadas que permitem aos alunos se expressarem livremente, pesquisarem, raciocinarem e inventarem hipóteses, a partir de atividades que tenham sentido e significado. Assim, o aluno vai desenvolvendo sua autonomia e independência diante das situações de aprendizagem. Embora os materiais analisados apontem exemplos de atividades de acordo com algumas 34 das limitações dos alunos com deficiência intelectual, parece certo pensar que na perspectiva de um atendimento de qualidade, o professor deve conhecer as características de cada aluno e a problemática vivenciada por ele, a partir daí deverá pensar em quais atividades pode ou não ser desafiantes para seu aluno. O AEE, portanto, deve privilegiar o desenvolvimento e a superação daquilo que é limitado no aluno, exatamente como acontece com as demais deficiências. GOMES; POULIN E FIGUEIREDO (2010) entendem que o professor do AEE para atingir seu objetivo, deve organizar o atendimento de seus alunos, a partir de um Plano de Intervenção Individual baseado no estudo de caso, contendo metas, objetivos, formas de apoio, progressão das aprendizagens. Para a elaboração deste plano, “[...] o professor do AEE, mobiliza os diferentes recursos disponíveis (escola, comunidade etc.) e faz uma articulação com o professor do ensino comum [...]”. (GOMES, POULIN E FIGUEIREDO, 2010, p. 15). Segundo estes autores, o plano deve ter um tempo determinado e ao final deste, deve ser feito uma avaliação, com o objetivo de redimensionar as ações desenvolvidas e o resultado destas. Pela característica individual do plano de ação, não há modelo plano e de atividades a serem seguidas. “[...] O AEE desafia a capacidade do professor especializado em encontrar saídas, descobrir o que pode acrescentar ao seu plano inicial de ação [...]” (MANTOAN, 2010, p. 14), que permitam as alterações necessárias a cada possibilidade apresentada pelo aluno diante das ações desenvolvidas. Vale ressaltar que as atividades realizadas no AEE devem desencadear o conflito cognitivo, porém, a atividade por si só, não terá sentido para o aluno, caso o professor mantenha distância da ação deste, frente ao objeto de estudo. Neste sentido, é necessário considerar a importância da interação entre aluno e professor na busca pela resolução do problema. “[...] A mediação pedagógica é mais significativa e eficiente quando resulta na combinação de estratégias variadas, orientadas em função em função das dificuldades e potencialidades dos sujeitos e da situação-problema. É importante considerar, também, as concepções do mediador como um fator de grande relevância no estabelecimento das relações na tríade sujeito mediador, objeto de conhecimento e sujeito da aprendizagem. (GOMES, POULIN E FIGUEIREDO, 2010, p. 44). Podemos concluir, que o desenvolvimento do aluno com deficiência intelectual depende, além de outros fatores já mencionados neste estudo, da qualidade da intervenção que o professor fará, acreditando, desafiando, encorajando e apoiando seu aluno. Atividades significativas e dinâmicas têm muito mais chance de conduzir o aluno à aprendizagem, mas 35 pelas dificuldades já apresentadas no capítulo anterior, dos alunos com deficiência intelectual em mobilizarem seus próprios recursos cognitivos e se apoiarem nos recursos externos, é necessário que o professor tanto do ensino regular, quanto do AEE planejarem atividades que desafiem o aluno, que confrontem a sua forma de agir diante das situações de aprendizagem, com a forma de agir dos colegas e do próprio professor. 36 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo sobre o atendimento educacional especializado ofertado ao aluno com deficiência intelectual considerou a Legislação atual sobre a inclusão, livros, teses, dissertações e artigos relacionados ao tema. A leitura e análise desses materiais nos permitiram compreender a realidade que cerca esse atendimento. Percebemos que o AEE é um instrumento fundamental para que a inclusão do aluno com deficiência intelectual aconteça com qualidade, considerando as orientações do processo de inclusão dos alunos com deficiência. Parece fato, porém, que os professores do AEE, bem como, do ensino regular, principalmente das classes que tem alunos com deficiência intelectual, ainda vivem um conflito, no que diz respeito às funções de cada um e de quais conteúdos e atividades trabalhar com esses alunos. Essas questões, conforme vimos no segundo capítulo deste estudo estão relacionados ao conflito conceitual que existe em torno dessa deficiência. É preciso considerar que antes dessa política de inclusão, a Educação Especial estava organizada, a partir de um conceito definido, de que a limitação