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A Inclusão da Criança com Síndrome Down Conteúdo Programático: Síndrome de Down Características Educação da criança com Síndrome de Down Inclusão Inclusão e integração Projeto “Educar Mais 1” Educação Inclusiva Princípios e fundamentos para a construção de uma escola inclusiva Princípios básicos da Educação Especial Estrutura curricular Objetivos pedagógicos Currículo Parceria entre educação e atendimento especializado Educação Profissional e Legislação Modelos de cursos de Educação Profissional para alunos com deficiência Oficinas Pedagógicas Estratégias para inserção no mercado de trabalho Legislação no âmbito internacional Legislação brasileira Síndrome de Down A Síndrome de Down (SD) foi a primeira síndrome associada a uma alteração cromossômica, sendo a principal causa genética da deficiência mental. O médico francês Jérôme Lejeune correlacionou o fenótipo da Síndrome de Down com sua expressão cariotípica mais frequente, a trissomia do cromossomo 21. Deu nome à síndrome em homenagem ao médico inglês John Langdon Down, que havia descrito um grupo distinto de portadores de um comprometimento intelectual, registrando o fato ao caracterizar detalhes fenotípicos clássicos de uma então considerada doença da “Idiotia Mongólica”. A SD pode ser descrita como uma cromossomopatia, ou seja, uma síndrome cujo quadro clínico global deve ser explicado por um desequilíbrio na constituição cromossômica, no caso, a presença de um cromossomo a mais no par 21, caracterizando assim uma tristomia 21. O termo trissomia refere-se à presença de um cromossomo a mais no cariótipo de uma pessoa, fazendo com que o número total de cromossomos na SD seja 47 e não 46. A SD pode ser causada por três tipos de comprometimentos cromossômicos: trissomia simples, translocação e mosaicismo. - Trissomia simples: ocorre a não disjunção do cromossomo 21; percebe-se claramente a trissomia, ou seja, o 3° cromossomo extra ao par 21, causando a síndrome. Sua incidência é a mais comum, ocorrendo mais ou menos em 96% dos casos, sendo suas causas discutíveis, já que os pais têm cariótipo normal e a trissomia se dá por acidente. - Trissomia por translocação: o cromossomo adicional está sobreposto a um cromossomo de outro par, portanto, não se trata de uma trissomia livre. A translocação se dá quando um cromossomo do par 21 e outro, ao qual se agrupou, sofram uma quebra na sua região central. Há uma união entre os dois braços mais longos e perda dos dois braços curtos. Não se notam diferenças clínicas entre as crianças com trissomia simples ou por translocação, sendo que, a trissomia por translocação ocorre em 2% dos casos. - Mosaicismo: presença de um percentual de células normais (46 cromossomos) e outro percentual de células trissômicas (47 cromossomos). Ocorre em cerca de 2% dos casos. A causa desta “falha” é desconhecida, mas sabe-se que é pequena a probabilidade de reincidência em uma mesma família. A SD causada por trissomia simples parece não ser hereditária, porém, há um risco de aproximadamente 1% para a nova prole. A incidência da SD em recém-nascidos está em torno de 1 para 600 a 1 para 800 nascimentos. Alguns fatores podem modificar a incidência da SD e são classificados como: ambientais ou exógenos e endógenos. Entre os endógenos, o mais importante é, indiscutivelmente, a idade materna. Mulheres mais velhas apresentam riscos maiores de terem filhos trissômicos, possivelmente devido ao fato do envelhecimento dos óvulos. O mesmo não acontece com os espermatozoides e, por esta razão, não há uma relação direta entre a SD e a avançada idade paterna. Entre os fatores ambientais é notório o diagnóstico pré-natal, pelo menos nos países onde ele é realizado em número significativo. Assim, quanto maior o número de gestações interrompidas após o diagnóstico pré-natal, menor será a incidência ao nascimento. Geralmente a SD pode ser diagnosticada no nascimento pela presença de uma série de características, alterações fenotípicas que, se consideradas em conjunto, permitem a suspeita diagnóstica. Algumas alterações fenotípicas podem ser observadas já no feto com SD por meio do exame de ultrassonografia. Entretanto, embora essas alterações possam levantar suspeita da presença da SD, não permitem um diagnóstico conclusivo. Em recém-nascidos, há presença de pelo menos 6 entre 10 sinais descritos a seguir que justifica o diagnóstico clínico de SD: - Reflexo de Moro hipoativo. - Hipotonia. - Face com perfil achatado. - Fissuras palpebrais com inclinação para cima. - Orelhas pequenas, arredondadas e displásicas. - Excesso de pele na nuca. - Prega palmar única. - Hiperextensão das grandes articulações. - Pélvis com anormalidade morfológicas aos raios-X. - Hipoplasia da falange média do 5° dedo. Outras características ao nascimento também podem ser observadas, tais como: peso de nascimento menor se comparado ao da criança sem a síndrome; além disso, os bebês com SD costumam ser bastante sonolentos e, em geral, têm dificuldade na sucção e deglutição. Embora a presença dos sinais descritos levante a possibilidade de diagnóstico de SD, é importante lembrar que eles não são específicos e que cada um deles, isoladamente, pode estar presente em indivíduos normais. O diagnóstico definitivo da SD é alcançado com o estudo cromossômico Cariótipo que corresponde à identidade genética do ser - humano e é através de um exame conhecido como cariograma que se torna possível obtê-lo, mesmo no feto. Características As crianças com SD apresentam características físicas semelhantes (fenótipos) que podem ser notadas em sua aparência desde o nascimento, porém, o mesmo não ocorre em relação ao seu comportamento e ao seu padrão de desenvolvimento. Não há um padrão previsível em todas as crianças portadoras de SD, uma vez que, tanto o comportamento quanto o desenvolvimento da inteligência não dependem exclusivamente da alteração cromossômica, mas também, do restante do potencial genético, bem como das influências do meio em que a criança vive. Têm-se atribuído estereotipadamente ao portador da SD características como: docilidade, amizade, afetividade, teimosia, entre outras. Porém, estudos sobre as características das crianças com SD não confirmam que essas crianças tenham características comuns de comportamento e personalidade, o que não permite traçar um perfil identificador do portador da SD. Fica claro que os indivíduos portadores de SD, assim como os indivíduos sem alteração cromossômica, apresentam grandes diferenças em seu desenvolvimento, comportamento e personalidade. Porém, é evidente que o desenvolvimento de uma pessoa com SD apresente diferenças significativas se comparado ao desenvolvimento considerado normal. O desenvolvimento motor da criança com SD mostra um atraso significativo, sendo que, todos os marcos do desenvolvimento motor (sentar, ficar em pé, andar) ocorrerão mais tarde, se comparado com a criança não portadora da SD. A presença de hipotonia muscular contribui para esse atraso motor. É evidente que o atraso no desenvolvimento motor da criança vai interferir no desenvolvimento de outros aspectos, pois é através da exploração do ambiente que a criança constrói seu conhecimento do mundo. Nas crianças com SD foram observadas diferenças nesse comportamento exploratório: usam comportamentos repetitivos, mantendo-os, mesmo que se mostrem inúteis; na hora de explorar age de maneira impulsiva e desorganizada dificultando um conhecimento consistente do ambiente, sendo que, a exploração dura menos tempo. No que se refere ao aspecto cognitivo, a DeficiênciaMental (DM) tem sido considerada uma das características mais constantes da SD, com um atraso em todas as áreas do desenvolvimento. A DM é definida pela Associação Americana de Desenvolvimento Mental como: “condição, na qual, o cérebro está impedido de atingir seu pleno desenvolvimento, prejudicando a aprendizagem e a integração social do indivíduo”. Desde o nascimento, as crianças com SD apresentam reações mais lentas do que as outras e, possivelmente, isso altera sua relação com o ambiente. Os bebês são menos responsivos em suas relações, talvez até devido ao atraso no desenvolvimento motor. Seu sorriso, por exemplo, depende do tônus muscular. Por isso, é mais curto e menos intenso. Assim, a reação afetiva da criança é mais tênue. Com a lentidão do bebê, a mãe tende a não associar a reação dele com a sua própria comunicação. O contato visual também começa mais tarde. O maior contato é observado entre quatro e cinco meses, sendo um dos recursos mais importantes que a criança com SD utiliza para conhecer o ambiente. A criança com SD continua usando o contato do olhar por mais tempo, numa idade em que as crianças sem a síndrome já interagem com o ambiente. A linguagem é a área na qual a criança com SD demonstra, em geral, os maiores atrasos. Ela começa a emitir as primeiras palavras por volta dos dezoito meses e, geralmente, pode compreender bem mais do que emitir. As crianças percebem as características da vocalização da mãe desde os primeiros meses de vida e adaptam-se a elas. Devido a pouca verbalização da criança, as mães mostram-se mais diretivas em sua comunicação com ela, fazem menos perguntas, talvez não esperando respostas, mantendo o mesmo padrão de comunicação em diferentes idades. Apesar dessas dificuldades, a maioria das pessoas com SD fazem uso funcional da linguagem e compreendem as regras utilizadas na conversação, porém, as habilidades comunicativas são bastante variáveis entre elas. A atenção é um elemento de grande importância no desenvolvimento dos processos cognitivos. O déficit de atenção observado em portadores de SD, desde os primeiros anos de vida, pode comprometer seu envolvimento em tarefas de explorar o meio. Existem fatores neurológicos presentes na SD que afetam esse aspecto do desenvolvimento. Alterações corticais, principalmente no lado frontal, nas ramificações dendítricas e redução na formação sináptica já foram observados. Fatores ambientais podem amenizar essa dificuldade. Familiares e profissionais que lidam com a criança podem ajudar a diminuir o déficit através da estimulação, ensinando-a prestar atenção. Há também um déficit em relação à memória. A criança com SD não acumula informações na memória auditiva imediata de forma constante como a criança não portadora de SD. Essa limitação na retenção de informação afeta a produção e o processamento da linguagem. A criança com SD não reproduz frases, pois retém somente algumas palavras do que ouve. Apresenta também déficit na memória em longo prazo, o que pode interferir na elaboração de conceitos, na generalização e no planejamento de situações. O modo como uma criança brinca é uma forma de perceber o seu desenvolvimento. Estudos realizados mostram que a brincadeira da criança segue mais ou menos o mesmo padrão que o observado nas outras de modo geral, embora algumas diferenças tenham sido notadas. As crianças com SD tendem a manipular e explorar menos, talvez devido à sua menor habilidade motora, mas em geral demonstram uma atividade lúdica adequada ao seu nível cognitivo. As crianças com SD demonstram pouca ligação com o ambiente, passando muito tempo brincando sozinhas ou assistindo televisão. Esse isolamento talvez se deva ao esforço que elas precisam para formar um quadro coerente do mundo em que vivem e adaptarem-se a uma situação sobre a qual não têm total controle. A estimulação propiciada pelo meio em que a criança vive pode ser fundamental no sentido de favorecer uma atividade lúdica apropriada ao seu desenvolvimento. O fato de ser o desenvolvimento da criança com SD mais lento ou diferente tem sido motivo de estudos e controvérsias, tais como os apresentados a seguir: Estudos de Dunst (1995) demonstraram que crianças com SD passam pelos mesmos períodos sensório-motores e na mesma sequência que a observada em crianças sem SD, porém, de forma mais lenta. Vygotsky (1998) observou que não há dois modos de desenvolvimento: um para as pessoas que têm atraso mental e outro pra as pessoas que não têm atraso. Morss (1993) considerou que o desenvolvimento cognitivo não é somente mais lento, mas se processa de forma diferente. A aquisição de uma habilidade compromete a aquisição de outras que dependem dela e isso afeta o desenvolvimento. Frente aos diferentes posicionamentos desses autores, parece-nos evidente que o fato de a criança com SD apresentar o mesmo padrão de desenvolvimento com respostas semelhantes, em sequência semelhante, não quer dizer que ela tenha a mesma maneira de se desenvolver e aprender que a criança sem SD. Torna-se importante, desde os primeiros anos de vida da criança com SD, a estimulação que leve em conta seus diferentes modos e ritmos de aprendizagem, em função de suas necessidades especiais. É necessário, porém, romper com o determinismo genético e considerar que o desenvolvimento da pessoa com SD resulta não só de fatores biológicos, mas também das importantes interações com o meio. Vygotsky (1998) mostrou que não é possível determinar o nível de desenvolvimento que a criança poderá alcançar através do uso de testes. Enfatizou em sua obra a importância dos processos de aprendizagem, mostrando que eles estão relacionados ao desenvolvimento. Segundo o autor, para minorar a defasagem das crianças com deficiência mental, o enfoque deve estar voltado ao desenvolvimento das funções cognitivo superiores, ao contrário do que se acreditava ao se basear o ensino dessas crianças no uso de métodos concretos. A possibilidade de modificabilidade cognitiva e a estrutura de raciocínio dos indivíduos com deficiência mental têm sido demonstradas em algumas pesquisas. Uma pesquisa experimental realizada em 1984 e concluída em 1987 tinha o objetivo de verificar a influência de um processo de solicitação do meio escolar, fundamentado na teoria de conhecimento de Piaget, sobre o desenvolvimento das estruturas da inteligência de deficientes mentais. Da amostra estudada nessa pesquisa, composta de 52 sujeitos com deficiência mental leve e moderada, 73% apresentaram avanços significativos no desenvolvimento cognitivo e 23% chegaram ao nível das operações lógicas concretas. Em outra pesquisa, realizada para entender como as crianças com DM aprendem a linguagem escrita, constatou-se que elas elaboram esquemas de interpretação da linguagem escrita e passam por conflitos cognitivos semelhantes àqueles identificados nas crianças não deficientes. Inhelder (1963), analisando a estrutura de raciocínio de pessoas portadoras de deficiência mental, afirmou que a estrutura e forma de raciocínio dessas pessoas são similares às de pessoas normais, porém, mais jovens. Segundo a autora, as crianças com deficiência mental seguem o processo evolutivo das crianças “normais”, porém, sem jamais chegar a um equilíbrio definitivo, ou seja, o raciocínio da criança deficiente mental é móvel e em via de progressão. Os dados de pesquisa dos autores citados mostraram que há uma evolução na estrutura de raciocínio da criança com deficiência mental, sendo possível uma modificabilidade cognitiva, o que propicia uma atitude positiva frente a sua condição de educabilidade. Podemos verificar que, embora a criança comSD apresente características determinadas pela alteração genética, o seu desenvolvimento, o seu comportamento e a sua personalidade são resultados da interação de sua carga genética, com as importantes influências do meio. O ser humano é muito mais que sua carga biológica e é através de interações com o meio e da qualidade dessas interações que cada indivíduo se constrói ao longo de sua vida. Educação da criança com Síndrome de Down A educação é um fator fundamental na transformação do indivíduo e pode ocorrer tanto em situações informais quanto em situações formais. Educação informal A família se constitui no primeiro grupo social da criança e é através do relacionamento familiar que a criança viverá a primeira inserção no mundo. É no seio da família que ela terá suas primeiras experiências, sendo esta a unidade básica de crescimento do ser humano e sua primeira matriz de aprendizagem. Os primeiros anos de vida de uma criança constituem-se como um período critico em seu desenvolvimento social, emocional e cognitivo, e o papel que a família desempenha nesse período é de fundamental importância. O desenvolvimento das crianças com deficiência mental não depende só do grau em que são afetadas intelectualmente, pois numa visão mais sistêmica consideram-se vários fatores que interferem no desenvolvimento, dos quais o principal é o ambiente familiar. São as primeiras experiências emocionais e de aprendizagem, vivenciadas nas relações com os pais, as responsáveis pela formação da identidade e, em grande parte, pelo desenvolvimento da criança. Há uma complementaridade entre o comportamento do bebê e a pessoa que cuida dele. A família, em especial a mãe, que reconhece a dependência da criança e se adapta às suas necessidades, oferece oportunidades para o bebê progredir no sentido de integração, do acúmulo de experiências, enfim, do desenvolvimento. No caso das crianças com SD, essas primeiras experiências podem ficar comprometidas pelo impacto que produz na família a notícia de ter um filho com essa síndrome. Esse impacto pode dificultar que a mãe tenha reações de acordo com sua sensibilidade natural, impedindo que as primeiras experiências da criança ocorram satisfatoriamente. Além das condições de anomalia da qual é portadora, a criança com SD tem ainda, como consequência secundária, a dificuldade de uma ligação afetiva adequada com a mãe, o que pode afetar suas possibilidades de desenvolvimento. O nascimento de um bebê é um acontecimento de grande importância para a família. Desde a sua concepção, a criança já é depositária de uma série de expectativas. A existência de uma criança com distúrbio pode representar uma ruptura para os pais. As expectativas construídas em torno do filho “normal” tornam-se insustentáveis. Vistos como uma projeção dos pais, esses filhos com deficiência representam a perda de sonhos e esperanças. Assim, o nascimento de uma criança com deficiência desperta nos país um sentimento de perda do filho que era esperado. A SD foi associada, por mais de um século, à condição de inferioridade. Apesar do conhecimento acumulado sobre a síndrome e das informações acessíveis, o estigma ainda está presente e se reflete tanto na imagem que os pais constroem de sua criança com SD como em sua reação a ela. Os pais, pertencentes à cultura na qual a pessoa com SD é estigmatizada, têm no seu filho com SD uma imagem carregada de preconceitos presentes nesse estigma. Assim, sua forma de relacionar-se com o filho é determinada pela reação a essa imagem, em vez de ser fruto da sua própria percepção. Quando ocorre o nascimento de uma criança com Síndrome de Down, instala-se uma crise familiar, que é uma reação normal, pois a família precisa reajustar suas expectativas e planos a essa nova realidade, com qual não contava. As famílias diferem em sua reação diante do nascimento da criança com SD. Algumas passam por um período de crise aguda, recuperando-se gradativamente. Outras têm mais dificuldade e desenvolvem uma situação crônica: “tristeza crônica”. Segundo alguns autores, existe um processo de luto adjacente pela morte das expectativas do filho imaginado quando do nascimento de uma criança disfuncional. A reação dos pais envolve quatro fases. Na primeira fase, há um entorpecimento com o choque e descrença. Na segunda, aparece ansiedade e protesto, com manifestação de emoções fortes e desejo de recuperar a pessoa perdida. A terceira fase caracteriza-se pela desesperança com o reconhecimento da imutabilidade da perda. E, finalmente, a quarta fase traz uma recuperação, com gradativa aceitação da mudança. Outros especialistas organizaram em cinco estágios as reações dos pais: - Reação de choque, onde as primeiras imagens que os pais formam da criança são baseadas nos significados anteriormente atribuídos à deficiência. - Negação da síndrome, tentando acreditar num possível erro de diagnóstico, associando traços da síndrome a traços familiares. Esta fase pode ajudar no primeiro momento, levando os pais a tratar a criança de forma mais natural, mas, quando se prolonga, compromete o relacionamento com a criança real. - Reação emocional intensa. Nesta fase, a certeza do diagnóstico gera emoções e sentimentos diversos: tristeza pela perda do bebê imaginado, raiva, ansiedade, insegurança pelo desconhecido, impotência diante de uma situação insustentável. - A ansiedade e a insegurança diminuem. As reações do bebê ajudam a compreender melhor a situação, já que não é tão estranho e diferente quanto os pais pensavam no início. Começa a existir uma possibilidade de ligação afetiva. - Envolve a reorganização da família com a inclusão da criança portadora da SD. Para conseguir se reorganizar, os pais devem dar um novo significado à deficiência e encontrar respostas para as suas dúvidas. Na maioria das famílias ocorre uma aproximação entre seus membros, mas há pouca abertura e pouca consciência das dificuldades. Mesmo sendo a coesão uma tendência forte, ela se torna difícil, porque a criança requer cuidados e exige muita disponibilidade da pessoa que cuida dela, geralmente a mãe. A dedicação a um elemento modifica o relacionamento com os outros membros, levando a um desequilíbrio nas relações. Embora o choque seja inevitável, a maioria das famílias supera a crise e atinge um equilíbrio. A maneira como cada família se adapta à situação varia muito, pois depende das experiências anteriores e dos reursos internos de cada membro. Uma nova visão centra a atenção nos fatores que mediam o processo de adaptação dessas famílias. Considera-se que o efeito das crises que provocam um filho com SD está motivado pelas características da criança, mediando essa crise os recursos internos e externos com que conta a família e a concepção que esta tem sobre a criança com deficiência e seus problemas. A superação da fase de luto e eventual aceitação da situação pela família não é um processo linear. O luto, acompanhado do sofrimento psicológico, voltará a acontecer em momentos-chave da vida da criança: quando aprende a falar, a andar, em situações sociais, na sua entrada na escola, na adolescência e outras fases. Esses momentos são sinalizadores para a família de que o desenvolvimento das crianças é diferente e de que a família enfrentará novos problemas. Assim, novos ajustes precisarão ser feitos. A qualidade da interação pais-filhos produz efeitos importantes no desenvolvimento das áreas cognitivas, linguísticas e socioemocionais da criança com deficiência mental. Essa qualidade de interação está mais claramente relacionada com o desenvolvimento da criança nos primeiros anos do queas próprias características das crianças (salvo em casos de deficiência muito grave). Desde os primeiros meses, a criança com SD tem dificuldades para manter a atenção e estar alerta aos estímulos externos. Em geral, essas crianças são menos interativas e respondem menos ao adulto, mas isso não significa que não sejam capazes de desenvolver esse tipo de comportamento. Nessas crianças, o comportamento interativo se manifesta de forma diferente e em momentos diferentes em relação à criança sem SD. Se o bebê com SD é menos responsivo, a mãe não tem os referenciais necessários para compreendê-lo. Tenta preencher essas lacunas com suas próprias atividades e, com isso, pode deixar de perceber as reações naturais do bebê. O bebê apático tem mais chances de ser negligenciado, pois ele gratifica menos a mãe e o comportamento dela pode ser alterado pela falta de reação da criança, cada um influenciando o comportamento do outro. Diante das dificuldades da criança, a mãe mostra-se mais diretiva em sua comunicação com ela, faz menos perguntas, talvez esperando menos respostas. Essa maneira de proceder mostra uma baixa expectativa da mãe quanto à possibilidade de desenvolvimento da criança, apesar dos esforços realizados na estimulação. Assim, observa-se uma ambiguidade: os pais estimulam, mas não acreditam no desenvolvimento de seu filho e o mantêm como uma eterna criança. Isso compromete a possibilidade de exploração e ampliação das representações que a criança pode fazer do ambiente. O alto grau de diretividade manifestada pelas mães nessas situações pode ser resultado de sua adaptação às peculiaridades de seus filhos, pode ocorrer devido ao baixo nível de participação da criança ou, também, devido ao desejo dessas mães em mudar o comportamento de seus filhos. Existem diferentes estilos diretivos de interação e nem sempre a diretividade supõe carência de sensibilidade comunicativa. Os diferentes estilos podem ser atribuídos aos objetivos diferentes dos pais em relação ao seu papel com educadores. A sensibilidade que manifestam depende de como percebem a capacidade de comunicação de seus filhos, a natureza da tarefa e seus próprios objetivos. As atividades da vida cotidiana na família dão à criança oportunidades para aprender e desenvolver-se através do modelo, da participação conjunta, da realização assistida e de tantas outras formas de mediar a aprendizagem. Essas atividades podem ou não propiciar motivações educativas. A dificuldade da criança faz com que os pais sejam mais seletivos para proporcionar atividades. Suas rotinas são mais complexas, pois têm que ser mais diversificadas para atender à necessidade da criança. O bebê com SD, por necessitar de muitos cuidados, faz com que os pais se envolvam intensamente nessa atividade. O esforço dos pais para vencer a síndrome tem aspecto positivo de mobilizá-los para ajudar no desenvolvimento, mas às vezes isso se transforma numa obsessão que os impossibilita de ver a realidade. As conquistas obtidas nos primeiros anos de vida da criança são a base da aprendizagem posterior e dão uma matriz de aprendizagem que será utilizada em idades mais avançadas. Portanto, o trabalho de estimulação precoce é importante para propiciar o desenvolvimento do potencial da criança com SD. Porém, embora a estimulação tenha efeito benéfico sobre o desenvolvimento, muitas vezes, mesmo sem que as habilidades sejam desenvolvidas, não há um sujeito diferenciado que possa utilizá-las. A família desorganizada pela presença da SD encontra alívio na intensa atividade de estimulação, mas muitas vezes essa atividade pode tomar lugar do relacionamento afetivo e da disponibilidade da mãe em perceber e interagir com a criança. Famílias que conseguem manter a ligação afetiva, estreita e positiva com a criança favorecem a aprendizagem, proporcionando condições de desenvolvimento e segurança para sua independência e autonomia. Diante do que já foi exposto, constatamos a grande importância da interação positiva da família com a criança com SD no sentido de propiciar não só o seu desenvolvimento afetivo e social, mas também seu desenvolvimento cognitivo. Quando se pretende melhorar as condições cognitivas das crianças com SD torna-se necessário qualificar os contextos onde vivem. O primeiro contexto da criança é a família. Porém, pelo grande impacto que causa a vinda de um filho com Síndrome de Down, as famílias necessitam de ajuda para se adaptar à nova situação. A mediação de profissionais pode minimizar o impacto, mostrando as possibilidades e não somente os aspectos negativos. A ajuda especializada aos pais nos primeiros anos de vida de uma criança pode ser extremamente importante para auxiliá-los a desenvolver as relações afetivas e compreensivas que quase todos desejam com o bebê. A ajuda aos pais, quando qualificada e oportuna, poderá ter efeito significativo quando realizada os primeiros anos de vida da criança, período crítico de seu desenvolvimento. Para uma intervenção familiar, devem ser levadas em conta as informações relacionadas às características da criança, assim como se torna necessário mudar as percepções dos pais a respeito das necessidades da criança, reavaliando suas crenças e valores. Também não se pode esquecer de considerar fatores que protegem as famílias dos impactos negativos na criação de seus filhos com atraso no desenvolvimento, tais como propiciar melhores relações familiares, criar estilos de reação adequados ante o estresse, ampliar a rede de apoio aos pais, que são aspectos importantes na mediação para enfrentar com êxito o problema. Algumas considerações podem ser feitas na mediação da família na tarefa de educar seus filhos com atraso no desenvolvimento: - Ajudar a enfrentar a educação da criança depois de superado o choque inicial, harmonizando as preferências e estilo educativos dos pais com um nível ótimo de interação familiar. - Motivar os pais a propiciar estimulação sensorial, motora e comunicativa precoce é benéfico não só para a criança, mas também para os pais, porque é uma das primeiras experiências de interação e pode ajudar a vencer suas incertezas e inibições. Nessa interação, é preciso cuidar para que os pais não abusem de reforços externos para estimular a criança, não criando dependência com os mesmos, nem usem estimulação contínua, o que atrapalha a interação natural. - Em relação ao estilo interativo é conveniente ensinar aos pais a adotarem uma atitude mais relaxada e recíproca. É necessário que a diretividade que caracteriza a interação seja acompanhada de maior sensibilidade e sincronização com as necessidades da criança. Por outro lado, é necessário que modifiquem suas estratégias conforme a criança evolui. Os profissionais devem ajudar a estabelecer interações positivas que sejam desfrutadas tanto pelos pais quanto pelas crianças para evitar que se convertam em situações de aprendizagem estressantes e pouco agradáveis. - Para proporcionar boas orientações aos pais com respeito à interação com a criança é necessário conhecer as crenças dos pais sobre o seu papel. Se eles creem que seu papel é ensinar a criança, corrigem-lhe erros e o uso inadequado dos jogos, impedindo-a de explorar seu gosto. Porém, se creem que seu papel é de mediadores na aprendizagem, proporcionam à criança oportunidades de experimentar, cometer erros e desfrutar do momento. - É preciso conhecer a organização e a estruturação da vida cotidiana familiar. O objetivo do profissional não é modificar radicalmente a rotina diária, mas conhecê-la e aproveitar essa informação para introduzir novos elementos ou adaptar os já utilizados para conseguir melhor organização.Deve ser levado em conta e respeitado o estilo natural dos pais ao organizar suas atividades para favorecer o desenvolvimento de seus filhos. - Conscientizar as famílias para que vejam como um fato natural pedir ajuda aos profissionais em sua interação com a criança com atraso no desenvolvimento. Essa ajuda deve ocorrer não só nos primeiros momentos de adaptação da criança, mas também em outros momentos de seu desenvolvimento, pois as necessidades que ela manifesta vão mudando com o passar do tempo. As famílias das crianças com SD que são atendidas fortalecem-se a partir do momento que têm seus problemas compartilhados, sentem-se ouvidas e apoiadas. Conscientizam-se de que há formas de melhorar a qualidade de suas vidas e a de seus filhos, modificam posturas e referenciais, transformam o relacionamento com eles e estabelecem novas formas de interação e, finalmente, conseguem identificar potenciais e capacidades na criança, passando a incluí-la definitivamente no grupo primeiro: a família. Constatamos a grande importância de incluir a família no processo educacional e terapêutico da criança. Por mais que a escola e os profissionais se esforcem no sentido de promover o seu desenvolvimento com SD, seus esforços serão bastante limitados se não for considerada, tanto em sua filosofia educacional quanto em sua ação, uma orientação aos pais. Para que a criança com Síndrome de Down venha a ser integrada na sociedade, ela necessita, antes de tudo, estar integrada na família. A intervenção precoce no plano familiar é imprescindível e, talvez, tão importante quanto o atendimento direto à criança com deficiência. Para o projeto de inclusão que será analisado, participação e envolvimento da família são fundamentais. O projeto propõe, por meio da mediação de um profissional, trabalhar a interação da família com a criança com SD, pois supõe que esta interação seja fundamental para a inclusão escolar e social dessa criança. Educação formal A educação formal, ministrada pela escola, é um processo importante na formação de todos os indivíduos. A escolarização tem como principal objetivo que os alunos “aprendam a aprender” e que saibam como e onde buscar a informação necessária. Se essa é uma meta para qualquer criança, ela assume uma importância muito maior para as crianças com deficiência mental, que são incapazes de desenvolver, por si mesmas processos que lhes permitam regular sua aprendizagem. Considerando os indivíduos com SD, a educação pode se tornar um instrumento transformador desses indivíduos, dependendo da filosofia que se utilizar na prática educacional. É preciso, também, levar em conta que o primeiro passo para a integração social passa pela escola, já que o seu papel não é apenas o de ensinar conteúdo mas, principalmente, estabelecer padrões de convivência social. Durante determinado período, principalmente nos anos de 1950 e 1960, a resposta institucional às necessidades educacionais das crianças com deficiência mental foram as classes especiais ou centros educacionais específicos. Supunha-se que as crianças com deficiência mental não tivessem proveito em classes regulares, com outras crianças da mesma idade, e que por sua vez, estas seriam prejudicadas por estarem com crianças com atraso. A ideia era oferecer a essas crianças, dentro do espaço institucionalizado, todos os serviços possíveis, já que a sociedade não as aceitava em seus serviços normais. Portanto, a década de 1960 assistiu à proliferação de escolas especiais, centros de reabilitação, oficinas protegidas, clubes e associações para deficientes, evidenciando o modelo médico de ver e lidar com a deficiência. Idealmente as classes especiais tinham como objetivo conduzir os alunos com deficiência mental à mesma meta que a escola regular objetivava aos alunos considerados “normais”: assegurar sua plena capacitação, preparando-os para uma vida independente em sociedade, mediante a aquisição de conhecimentos e habilidades. Portanto, a escola especial tinha os mesmos objetivos que a escola regular, mas sua prática se dava através de meios diferentes, com outras técnicas, em instituições exclusivamente para crianças com atraso mental. Constituía um elemento essencial a homogeneidade dos alunos e isso assegurava, na medida do possível, a semelhança de nível intelectual, mesmo com diferenças de idade cronológica. A escola especial trouxe grandes contribuições para a educação da criança com deficiência mental ao mostrar que toda criança, mesmo com atraso grave, pode ser educada. Suas contribuições também são importantes na incorporação de técnicas especializadas e programas de desenvolvimento individual. Porém, a escola especial evidenciou, por outro lado, suas limitações. Dificilmente atingiu a meta a que se propunha: criar adultos autônomos, capazes de se desenvolver na vida e na sociedade. Em termos sociais, a escola especial implica a segregação e discriminação de um grupo social. Talvez exatamente por essa segregação não tenha alcançado a meta de conseguir capacitar seus alunos para futura inserção social. Também não foi constatado que as classes especiais propiciem melhores condições educacionais às crianças com DM. Estudos comparando o desenvolvimento das crianças com deficiência mental em classes normais e em classes especiais não demonstram superioridade de sucessos educacionais nos programas especiais, não justificando a existência desses. A partir dos anos de 1990, predominou a tendência de que as crianças com SD frequentassem classes comuns em escolas regulares. A possibilidade de que as crianças, com ou sem deficiência, possam aprender juntas, em classes heterogêneas, com alunos da mesma faixa etária, foi um passo decisivo para eliminar atitudes segregatórias e discriminatórias. A deficiência em si, no caso a deficiência mental, não deve ser um fator que impeça o seu portador de ter as mesmas oportunidades educacionais. O atendimento educacional da criança com SD não pode ser visto através de rótulos e classificações. É importante avaliar suas dificuldades de aprendizagem e suas necessidades especiais para que se possa considerá-las em uma perspectiva interativa dos fatores que determinam a intervenção educacional. O uso de rótulos e categorias enfatiza apenas as dificuldades e desvia a atenção de outros fatores que são importantes e podem facilitar a aprendizagem. Isso pode criar baixas expectativas por parte dos pais e professores em relação à aprendizagem da criança, o que se concretiza em menor grau de exigência na aquisição de determinadas aprendizagens. É evidente que, devido à deficiência mental presente na SD, a educação dessas crianças é um processo complexo que requer adaptações e, muitas vezes, o uso de recursos especiais, demandando um cuidadoso acompanhamento por parte dos educadores e dos pais. Fatores inerentes à SD afetam diretamente a aprendizagem. Para favorecer a educação da criança com SD é importante o trabalho com os processos cognitivos: percepção, atenção, memória e organização de itinerários mentais. Constatou-se que estas crianças apresentam respostas semelhantes e em sequências semelhantes nas situações de aprendizagem e, portanto, os conteúdos dos programas escolares podem ser similares aos utilizados com outras crianças. Porém, como o processo que elas utilizam é diferente, a maneira como a informação é apresentada deve ser diferente. A educação integrada das crianças com deficiência mental não oferece dificuldades insuperáveis nos primeiros anos de educação primária, embora apareçam problemas em relação à aquisição da leitura/escrita e também dos conceitos matemáticos.Entretanto, os problemas realmente sérios surgem no Ensino Médio, onde o pensamento formal abstrato é necessário. Pelo fato de as crianças com DM não atingirem níveis mais elevados de raciocínio, tem sido questionada a sua permanência em classes regulares do Ensino Médio. Pesquisas demonstraram que, quando a criança com SD frequenta escolas regulares, tem ganhos significativos não só em seu desenvolvimento social, mas também em seu desenvolvimento cognitivo. Também foi constatado que não houve prejuízo para as crianças que não têm deficiência. Pela importância da educação formal na vida de qualquer individuo é evidente a preocupação dos pais com os aspectos educacionais com seus filhos com Síndrome de Down. Ao mesmo tempo em que é proclamada a inclusão, os pais encontram dificuldades para que seus filhos sejam aceitos e atendidos de forma adequada nas classes normais. O modelo médico da deficiência, que ainda influencia a visão em relação à SD, tem sido um dos responsáveis pela resistência da sociedade e da escola em acatar a necessidade de transformação de suas estruturas no sentido de aceitar em seu meio a pessoa com deficiência mental. No sistema educacional, tal rejeição teve efeitos prejudiciais às crianças com SD. A ideia de que elas só poderiam ser educadas em ambientes isolados fortaleceu os estigmas sociais. Os pais das crianças com SD, embora sofram a influência desse estigma, têm a expectativa de que seus filhos tenham oportunidades iguais, sejam aceitos na sociedade e preparados para uma vida autônoma. Provavelmente essa seja a explicação para as várias associações criadas por pais de crianças com Síndrome de Down e outras formas de mobilização pela inclusão, em que divulgam princípios inclusivos, promovem encontros e buscam a capacitação de professores e o desenvolvimento de projetos em escolas. Por tudo que foi analisado, torna-se clara a complexidade da educação da criança com SD. Os autores citados evidenciam os ganhos sociais e cognitivos que uma educação não segregadora propicia. Porém, a inclusão da criança com SD em escolas regulares requer mudanças e, às vezes, o uso de recursos especiais para que elas tenham atendidas suas necessidades educacionais. Inclusão A psicanálise evidenciou uma nova concepção dos indivíduos, trazendo o questionamento ao conceito de deficiência e a aplicação do modelo médico à criança com deficiência e exortou à luta para que o direito dessa criança fosse respeitado. A luta pelos direitos humanos encontra seus princípios na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Esses direitos foram retomados nos movimentos sociais na década de 1960, quando emergiu no mundo todo a defesa dos direitos humanos aplicados a todos. Em decorrência da luta pelos direitos humanos, surgiu na França, na década de 1960, a Pedagogia Institucional ou Pedagogia Revolucionária, trazendo uma nova maneira de ver a educação. A Pedagogia Institucional foi a primeira a perceber a importância do contexto educacional do aluno, revelando que, dependendo da forma como é visto e trabalhado na escola, pode desenvolver-se ou não. O movimento de desinstitucionalização manicomial trouxe uma nova forma de ver o tratamento dos doentes mentais e teve influência decisiva na transformação da cultura nas décadas de 1960 e 1970. Esse movimento revelou a importância de situações saudáveis para o bom andamento dos indivíduos. Situações saudáveis são aquelas em que os doentes mentais não ficassem excluídos dos ambientes comuns e é dado o direito de participar de uma forma mais ampla e digna dos contextos sociais comuns. O que se tornou evidente no campo da saúde também se manifestou na educação que não reflete apenas o movimento presente, mas evidencia o problema social em relação à forma como os deficientes têm sido tratados. A inclusão, historicamente, também está ligada a movimentos de pais de crianças com deficiência. Na Europa esses movimentos serviam para convencer a sociedade e as autoridades públicas a incluírem seus filhos em situações comuns de ensino. Nas décadas de 1950 e 1960, nos Estados Unidos, pais de alunos com deficiência fundaram organizações como a National Association for Retarded Citzens, com o objetivo de reivindicar educação para seus filhos e defender o direito de serem escolarizados em ambientes mais normalizados. Na década de 1960, nos países nórdicos, surgiu pela primeira vez o princípio da normalização aplicado aos portadores de deficiência. A partir de 1968, na Suécia, crianças deficientes foram introduzidas em classes regulares. Na década de 1970, nos Estados Unidos, foram criados programas educacionais para os deficientes com o objetivo de incluí-los nas salas de aula regulares com o apoio de vários serviços complementares. Esses programas foram denominados mainstreaming. Já nas décadas de 1980 e 1990 começa-se a falar mais sobre inclusão. Surge a ideia de promover a fusão entre os sistemas de educação regular e especial. Aparece a expressão inglesa full inclusion, que traduz as propostas que buscavam a fusão dos ensinos regular e especial. Em 1986, o governo dos EUA lançou a Regular Education Iniciative (REI), incorporando as ideias de fusão da educação especial e regular. O objetivo da “REI” era desenvolver métodos de atendimento a crianças com deficiências em classes regulares, incentivando a parceria entre educação regular e educação especial. O movimento de inclusão ganhou novo ímpeto na década de 1990 com a criação de uma organização internacional, a Schools are for Everyone, composta por membros de diversos países, cujo objetivo era promover a inclusão em escala mundial. A vinculação da educação inclusiva com um movimento de reforma geral da educação simbolizou uma grande vitória. No Brasil, o movimento de inclusão é proveniente de diferentes influências, tais como: - A Liga Mundial pela Inclusão surgida nos países europeus na luta contra a exclusão de pessoas deficientes que ficavam isoladas em instituições especializadas com educação de caráter segregacionista. - A Liga Internacional pela Inclusão do Deficiente Mental, hoje conhecido como Inclusion International, teve origem na Bélgica, estendendo-se pela Europa, África, Indonésia, Índia, Austrália, Hong Kong e Américas. Surgiu para que crianças com deficiência mental fossem estimuladas em seu desenvolvimento e pudessem frequentar escolas regulares. Baseou-se na concepção de que, para o desenvolvimento da criança com deficiência mental, o processo de aprendizagem social na sala de aula, convivendo com crianças normais, é importante. - A Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais realizadas em Salamanca (1994), na qual foi firmado um compromisso com a educação para todos, ficando decidida a inclusão de crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais no sistema comum de educação. Segundo a Declaração de Salamanca, a escola deve incluir a todos, reconhecendo a diversidade, e precisa atender às necessidades de cada um, promovendo sua aprendizagem. A educação de deficientes no Brasil iniciou-se em instituições especializadas, nas quais eles ficavam segregados do convívio com as pessoas normais. Porém, na década de 1950, sob influência do que ocorria nos Estados Unidos, iniciou-se um movimento para integração do deficiente em escolas comuns. Foi instalada, em 1950, em caráter experimental, a primeira sala de recursos em São Paulo para que deficientes visuais estudassem em classes comuns. Essa tendência pela educação integrada e não segregada ampliou-se com a criação de outras salas de recursos para integração do aluno deficiente sensorial ecom a criação de classes especiais para alunos com deficiência mental. A partir das décadas de 1960 e 1970 apareceram programas voltados para a integração escolar da pessoa portadora de deficiência mental, como alternativa à institucionalização. O termo mainstreaming foi traduzido no Brasil para integração. A integração escolar, transplantando a filosofia da normalização, traduziu-se na colocação do aluno com deficiência em classe especial na escola regular. A proposta desse processo de integração – mainstreaming – era de concretizar-se dentro de uma vasta gama de recursos educacionais especiais e, por isso, foi denominado de “sistema de cascata”. Em nosso sistema educacional encontramos atualmente uma verdadeira integração não planejada ou uma inclusão incipiente. A integração não planejada se refere à presença de crianças com deficiência na sala comum, sem apoio especializado e sem planejamento. Isso ocorre por causa da escassez e baixa qualidade do atendimento especializado, bem como por carência de serviços de diagnósticos precoce, fazendo com que a escola regular se torne a única alternativa disponível. Vemos que no Brasil o acompanhamento das posturas internacionais se faz através de leis que postulam determinadas ações, mas cuja implementação é lenta e não planejada. Inclusão e integração O termo inclusão tem sido usado com múltiplos significados. Em um dos extremos, encontram-se os que advogam a inclusão como colocação de todos os alunos, independente do grau e tipo de incapacidade, na classe regular, com a eliminação dos serviços de apoio de ensino especial. Torna-se então necessário diferenciar os termos integração e inclusão. Em que sentido eles são diferentes? Seria a inclusão apenas uma integração com ares de modernidade? No seu sentido etimológico, integração vem do verbo integrar, que significa formar, coordenar ou combinar num todo unificado. Inclusão, do verbo incluir, significa compreender, fazer parte de, ou participar de. Nota-se que no significado de inclusão aparece a palavra participar, fazer parte, o que pressupõe outra visão. Participação é uma necessidade fundamental do ser humano e o homem só terá possibilidade de total desenvolvimento numa sociedade que favoreça a sua participação. Do ponto de vista educacional, embora tanto a integração quanto a inclusão tratem da incorporação da criança com deficiência pelo ensino regular, existe uma diferença básica. Integração refere-se a intervenções necessárias para que a criança com necessidades especiais possa acompanhar a escola, sendo o trabalho feito individualmente com ela e não com a escola. Inclusão é o oposto. É um movimento voltado para o atendimento das necessidades da criança, buscando um currículo correto para incluí-la. Considerando que a pluralidade, e não a igualdade é a principal característica do ser humano e que a educação deve contemplar essa diversidade da condição humana, propiciando oportunidades iguais para seu desenvolvimento, fica evidente que não é apenas o educando, com deficiência ou não, que deve adaptar-se ao sistema de ensino. É a escola que deve atender às necessidades da criança para a sua real participação. Porém, para que isso aconteça, torna-se necessário que o sistema de ensino propicie recursos educacionais especiais para atender às necessidades educacionais especiais. Alguns autores sugerem formas de viabilizar a inclusão nas escolas. Masini adverte que é necessário um preparo cuidadoso, em vários níveis e aspectos, para que ocorra a inclusão, assinalando alguns fatores importantes para isso: - Necessidade de que cada educador conheça seus próprios limites pessoais e de formação e saiba em que medida pode contribuir para a inclusão da criança deficiente. - As condições e limites de cada escola sejam examinados. - As formas possíveis para que o processo de inclusão se realize em beneficio da criança deficiente sejam analisadas. - Os projetos educacionais se façam em uma dialética teoria/prática, numa constante avaliação do que ocorre com a criança deficiente. Para Mrech a efetivação da prática educativa da inclusão pressupõe suportes técnicos. Para isso, ela propõe: - Aconselhamento aos membros da equipe para desenvolverem novos papéis para si e para os demais profissionais envolvidos. - Auxilio na criação de novas formas de estruturação do processo ensino- aprendizagem direcionadas às necessidades dos alunos. - Oportunidades de desenvolvimento aos membros da equipe. - Apoio ao professor de sala comum em relação às dificuldades de cada criança e de seus processos de aprendizagem. - Compreensão, por parte dos professores, da necessidade de ultrapassar os limites da cada criança a fim de levá-la a alcançar o máximo de suas potencialidades. - Possibilidade de que os professores tenham acesso a alternativas para a implantação de formas mais adequadas de trabalho. Uma política efetiva de Educação Inclusiva deve ser gradativa, contínua, sistemática e planejada para proporcionar às crianças com deficiência uma educação de qualidade, atendendo às suas necessidades. O desejável é que haja uma educação de qualidade para todos os alunos, com ou sem deficiência. A prudência não deve ser um empecilho para adiar eternamente a efetivação da inclusão e sim servir de base real para superação das dificuldades que se interponham à construção de uma escola única e democrática. A Educação Inclusiva não pode continuar a ser vista como uma utopia, mas sim encarada como uma realidade possível e desejável. Projeto “Educar Mais 1” O projeto “Educar Mais 1” visa a inclusão de crianças com Síndrome de Down em classes comuns no ensino regular. Esse projeto é uma das propostas que está sendo desenvolvida por um grupo de pais de crianças com Síndrome de Down. O grupo começou a se reunir para compartilhar suas experiências na educação de seus filhos, criando a Associação Mais 1, entidade cujo objetivo é trabalhar as questões de inclusão de pessoas com necessidades especiais, não exclusivamente Síndrome de Down. Este Projeto foi baseado nas teorias e metodologias do Projeto Roma, desenvolvido em Málaga, Espanha, coordenado pelo Professor Miguel Lopez Melero. A abordagem de Melero em relação à educação de pessoas com Síndrome de Down chamou a atenção de pais de crianças com esta síndrome, pertencentes ao grupo “Espaço XXI”, de Campinas, que procuraram conseguir o máximo de informações sobre o Projeto Roma. Em maio de 1998 teve início uma primeira iniciativa concreta, na linha do Projeto Roma, com cinco crianças em idade pré-escolar, em Campinas. Uma coordenadora foi contratada pelos pais e passou a atuar, juntamente com algumas mediadoras, nos contextos: escolar e familiar das crianças, para facilitar sua inclusão em todas as atividades escolares sociais. No início de 1999, uma mãe de criança com Síndrome de Down e a diretora de uma escola de Belo Horizonte participaram de um congresso sobre o Projeto Roma e, a partir disso, formaram um novo grupo na capital de Minas Gerais. No início de 2001, um grupo de pais de crianças com Síndrome de Down decidiu, após saber das experiências de Campinas e Belo Horizonte, iniciar um plano de implantação de projeto similar em São Paulo denominando-o Projeto “Educar Mais 1”. As primeiras crianças participantes do projeto ingressaram em escolas regulares no primeiro semestre de 2002. Objetivo e normas O projeto “Educar Mais 1” é um programa de inclusão escolar que visa à inserção total das crianças a partir dos seguintes pontos de vista: - Físico, com a inserção das crianças em classes comuns e participação em todasas atividades escolares. - Social, com a aceitação da criança pela comunidade escolar e pela sociedade, permitindo seu desenvolvimento global e sua participação em seu grupo social. - Pedagógica, abrindo a possibilidade de a criança realizar as mesmas ou semelhantes atividades pedagógicas das outras crianças, sem mudança curricular. Em consonância com o projeto Roma, que serviu de modelo teórico e metodológico, foram estabelecidas pelo grupo de pais e coordenação do projeto algumas normas para seu desenvolvimento: - É fundamental a participação e o comprometimento dos pais, acreditando nas reais potencialidades dos seus filhos. O mesmo comprometimento se espera das escolas e dos professores. - Será designado um mediador, cuja função é estabelecer a ponte entre a família e os profissionais da educação, trabalhando com os dois contextos da criança: familiar e escolar estabelecendo um elo de informação e união entre esses contextos. - É função do mediador estar na escola uma vez por semana, durante o período escolar, observando a criança e o grupo, mas não interferindo em nada na dinâmica da aula ministrada pelo professor. - Para discutir os aspectos observados em sala de aula, o mediador realizará reuniões com os professores e outros profissionais envolvidos com a criança (terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo). - Em nenhum momento questiona-se o papel do professor como condutor do processo de aprendizado. A presença do mediador em sala de aula presta-se à identificação das dificuldades, propondo formas de ajudar a superá-las. - Não são propostas mudanças ou adaptações de currículo, mas apenas mudanças na didática. Para apoiar os processos cognitivos, são utilizados recursos metodológicos, tais como: álbuns fotográficos e vídeos, projetos concretos baseados no cotidiano da criança. - O mediador também deve estabelecer contatos semanais com os pais para discutir o processo de aprendizagem. - As observações do mediador serão discutidas com o coordenador em reuniões semanais. - O mediador apoia diretamente o professor e as famílias e, indiretamente, a criança. A coordenadora apoia a mediadora, discutindo suas observações e atuações. Projeto Roma O Projeto Roma, que serviu de base para o Projeto “Educar Mais 1”, surgiu em 1991, como um trabalho investigativo, na Universidade de Málaga, Espanha, coordenado pelo Professor Miguel Lopez Melero em colaboração com o Serviço Neuropsicopedagógico do Hospital Bambino Gesù de Roma, Itália. Num primeiro momento, constitui-se uma equipe multidisciplinar para avaliar os processos de ensino-aprendizagem de pessoas com Síndrome de Down, de forma mais integrada. A ideia central foi a investigação com pessoas com Síndrome de Down, no sentido da elaboração de uma nova teoria da inteligência. A questão que a equipe colocou foi: a inteligência se define ou se constrói? Inicialmente o projeto foi investigativo, fazendo um estudo, com análise e avaliação neuropsicopedagógica sobre os processos de intervenção educativa e as estratégias de aprendizagem num grupo de pessoas com Síndrome de Down de 0 a 22 anos. Quatro pontos fundamentais foram levantados: - Questionar os preconceitos médicos e psicológicos sobre as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento dos trissômicos-21 (competência cognitiva e cultural). - Conhecer a estrutura cognitiva das pessoas com trissomia-21. - Identificar as estratégias mais adequadas de intervenção nos diferentes contextos. - Identificar os resultados do desenvolvimento das estratégias nos diferentes agentes (família, escola, sociedade). Os resultados da pesquisa podem ser considerados como os princípios de um novo modelo de conhecimento das possibilidades cognitivas e culturais das pessoas com trissomia-21. O projeto teve como objetivos concretos: - Avaliar e diagnosticar em que condições se produzem as dificuldades de ensino-aprendizagem das pessoas com Síndrome de Down. - Facilitar às famílias dessas pessoas, através da mediação, estratégias de intervenção. - Evolver os professores na elaboração de um currículo alternativo que responda ao interesse de todos os alunos. - Avaliar os projetos educativos no âmbito familiar e escolar. - Demonstrar que, quando aumenta a competência cognitiva e cultural das pessoas com Síndrome de Down, elas conseguem maior autonomia pessoal e social e melhor qualidade de vida. - Oferecer indicadores de qualidade de vida relacionados com uma nova teoria de inteligência. Teorias O projeto Roma parte dos seguintes princípios: - A educação das pessoas com Síndrome de Down, desde o seu principio, deve objetivar sua autonomia individual na idade adulta. Para isso não é necessário um modelo de educação específico para essas pessoas e sim um modelo educativo que respeite a diversidade cognitiva e cultural. É fundamental que os indivíduos integrantes do contexto social e cultural em que cada pessoa vive conheçam, compreendam e respeitem a diferença. - É necessário dar oportunidades educativas apropriadas a cada pessoa com Síndrome de Down, respeitando seus modos e ritmos de aprendizagem. - A pessoa com Síndrome de Down deve ser reconhecida como ela é e não como gostaríamos que fosse. As diferenças devem ser um ponto de partida e não de chegada na educação, para desenvolver estratégias e processos cognitivos adequados. Como embasamento desses princípios, o Projeto Roma fundamenta-se nos referencias teóricos de Habermas, Luria, Vygotsky e Bruner. Teoria da Ação Comunicativa (Habermas) Segundo esta teoria, a mudança social ocorre por meio da comunicação e da capacidade discursiva das pessoas. É a comunicação que vai permitir que as pessoas com Síndrome de Down tenham a possibilidade de desenvolver ações para melhorar suas condições de qualidade de vida e de emancipação social. O projeto Roma foi desenvolvido como um modelo educativo que entende a aprendizagem como um processo interativo entre os participantes, um processo que ajuda a reflexão. Nesse sentido, o objetivo da educação é criar situações para que se dê o diálogo intersubjetivo em condições de igualdade. Nessa concepção comunicativa é necessário contemplar as opiniões de todas as pessoas envolvidas no processo educativo (educadores, especialistas, mediadores, família). Neurologia dos Processos Cognitivos (Luria) No Projeto Roma, o papel da neurologia, baseado nos pressupostos de Luria, é o de compartilhar um modelo de referência em relação à aprendizagem, ao desenvolvimento e à educação. É importante levar em conta as alterações neurobiológicas e neuropsicológicas na Síndrome de Down e observá-las para chegar à neurologia dos processos cognitivos. Segundo essa teoria, não é possível separar o “cérebro” do “contexto”, portanto, é necessária uma ação educativa nos contextos para chegar ao sistema nervoso central e promover seu desenvolvimento. O cérebro se organiza através de uma complicadíssima série de redes neuronais que se formam a partir das experiências do indivíduo. Felizmente essas redes são flexíveis e é possível contribuir, através de experiências significativas, na criação de circuitos neuronais sempre novos. Os processos cognitivos são algo a adquirir e não algo estático dado pela carga genética. O desenvolvimento dos processos cognitivos é dinâmico e processual, rompendo princípios deterministas. O importante é que no período crítico do desenvolvimento do cérebro, quando a “sinaptogenesis” está em seu período de máxima expressão e tem alto potencial para plasticidade, sejam fornecidas experiências significativas para acelerar o processo maturativo. Ambientes(contextos) que propiciam experiências significativas podem modificar as estruturas sinápticas. Ambientes privados de experiências significativas podem reduzir esse tipo de estrutura. Portanto, é importante uma educação precoce adequada e coerente com a modificação dos contextos. A Psicologia da Atividade (Vygotsky) A partir de um ponto de vista psicológico, o Projeto Roma fundamenta-se no pensamento de Vygotsky de que o desenvolvimento da criança se produz por importantes influências culturais. Vygotsky não distingue dois modos de desenvolvimento: um para pessoas que têm atraso mental e outro para as pessoas que não o têm. Enfatiza que a premissa que deve constituir a base do estudo científico do desenvolvimento é a ideia da unidade das leis do desenvolvimento da criança com atraso mental e da criança sem atraso mental. Esse atraso deve ser entendido com um processo. O conceito de Vygotsky mais popular e influente na educação é o da “Zona de Desenvolvimento Proximal”, pois sintetiza suas ideias sobre a relação entre educação e desenvolvimento. Segundo Vygotsky, desenvolvimento e aprendizagem estão profundamente inter-relacionados, sendo que um não pode ser explicado sem o outro, apesar de serem processos diferentes. A aprendizagem pode abrir continuamente novos progressos cognitivos qualitativos. Esse autor considera a aprendizagem como um processo mediado pela interação com os outros, que está sempre melhorando o desenvolvimento, cria desenvolvimento porque é responsável pela “Zona de Desenvolvimento Proximal”. Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. A aprendizagem mediada concebe-se como um meio que leva ao desenvolvimento cognitivo. A zona competencial (Zona de Desenvolvimento Proximal) é produzida a partir do sujeito (Nível de Desenvolvimento Atual) no nível de desenvolvimento que se pode alcançar com a ajuda de um adulto (Nível de Desenvolvimento Potencial). O desenvolvimento tem lugar em um nível sócio-histórico, dentro de um contexto cultural. Para que o indivíduo interiorize processos mentais é necessário fazer a passagem do plano social ao individual, do funcionamento interpsicológico ao intrapsicológico. Essa transição ocorrerá através da qualificação dos contextos e da mediação da aprendizagem. Educação como cultura (Bruner) Segundo Bruner, como seguidor do pensamento vygotskyniano, partindo dos primeiros anos de vida da criança (contexto familiar), criam-se ou começam a se desenvolver espécie de plataformas de entendimento entre mãe e filho, o que é a primeira oportunidade de cultura da criança. A mãe (ou adulto) e a criança relacionam-se em brincadeiras cotidianas e rotineiras e em atividades interativas e essa relação social é o que Bruner denomina “formato”. Os adultos, principalmente a mãe, fornecem à criança ajudas essenciais à aprendizagem. Relacionando esse raciocínio à Teoria de Vygotsky, Bruner sustenta que são esses “andaimes”, ou esquemas de intervenção conjunta, que permitem à criança alcançar a Zona de Desenvolvimento Proximal. A criança realiza, a princípio, as atividades mais fáceis, e o adulto a ajuda realizar, ou realiza para ela as mais complexas e, de modo contínuo, a criança vai tendo mais responsabilidade nas ações e o adulto menos. Essa alternância de competências, tendo em conta o modo e o ritmo de aprendizagem de cada criança, vai permitir a aquisição da autonomia pessoal e social necessária para sua própria aprendizagem. No caso das crianças com Síndrome de Down, essas primeiras experiências podem ficar comprometidas pelo impacto que produz na mãe a notícia de ter um filho com esta síndrome. Se essas primeiras experiências não ocorrem satisfatoriamente, as trocas entre a mãe e a criança com Síndrome de Down, no desenvolvimento evolutivo, não vão se produzir, o que ocasiona um vazio na criança para formar os “andaimes”, ou seja, os esquemas de ação conjunta, e isso origina uma lacuna cognitiva. A linguagem é um instrumento fundamental de intercâmbio entre mãe e filho. O diálogo, quando ocorre, permite que a criança aprenda a falar, conhecer e construir conceitualmente o mundo com ajuda da mãe. Para a criança com Síndrome de Down é extremamente importante que o adulto intervenha o mais cedo possível, ampliando seus horizontes experimentais, propiciando atividades que promovam a Zona de Desenvolvimento Proximal. O Projeto Roma objetiva ajudar na elaboração de itinerário para o desenvolvimento intelectual, social e moral das pessoas com Síndrome de Down, para que consigam sua autonomia cognitiva e cultural. Forma de intervenção O modelo educativo do Projeto Roma opõe-se ao modelo de intervenção didática que considera as pessoas com Síndrome de Down como a origem e a causa de sua desvantagem, apontando suas incapacidades e negando sua competência cognitiva. Tal modelo, conhecido como modelo deficitário, é centrado no sujeito como única causa de seus problemas cognitivos e de aprendizagem (modelo médico) e não se busca a causa das dificuldades no contexto onde a pessoa se insere. É um modelo de intervenção individualizado, incidindo nas incapacidades e não nas possibilidades do indivíduo. Busca um modo de intervir específico e os profissionais se tornam especialistas na deficiência. No Projeto Roma, a intervenção educativa, tanto no âmbito familiar quanto no escolar, seguirá os princípios do modelo educativo competencial. As premissas básicas que sustentam esse modelo educativo são, por um lado, a consideração da escola como um sistema organizado e, por outro, o respeito à diferença entre as crianças. Deve-se levar em conta os distintos modos e ritmos de aprendizagem de cada criança, em função de seu modo particular de ser, aceitando a diversidade como elemento de progresso e de riqueza coletiva, assumindo as diferenças como ponto de partida e não de chegada da educação. O interesse é em saber que itinerários mentais constrói cada criança com Síndrome de Down para resolver os problemas da vida cotidiana, sendo mais valorizado o processo do que o resultado. A partir disso, busca estabelecer pontes cognitivas entre os alunos e currículo para que elas adquiram e desenvolvam estratégias que lhe permitam conquistar autonomia intelectual. Assim, o primeiro objetivo de um currículo é ensinar aos alunos processos e estratégias de raciocínio efetivo que possam utilizar na aprendizagem e na solução de problemas. Porém, o Projeto Roma vai além e objetiva que os alunos “aprendam a aprender” e que os pais e professores “aprendam a ensinar”. Esse modelo educativo pretende que as pessoas com trissomia-21 pensem sobre o que pensam, para que possam refletir sobre os processos e estratégias lógicas que utilizam para entender o mundo e, assim, assumam a autonomia e não a dependência. A intervenção educativa, tanto no âmbito familiar quanto no escolar, seguirá os princípios dos modelos de processamento simultâneo e sucessivo que são conhecidos como Pass (planificação – atenção – simultânea – sucessiva). Parte do pressuposto que, para se entender a cognição do ser humano, é necessário levar em conta as três áreas neurofisiológicas de Luria: atenção/estimulação, codificação/processamento simultâneo-sucessivo e planificação. Para conseguir o desenvolvimento cognitivo e metacognitivo nas crianças com Síndrome de Down, o Projeto Roma usa da mediação de aprendizagem.Esse processo de mediação é especialmente importante quando se trabalha com pessoas com Síndrome de Down, pois elas necessitam mais de degraus do que crianças sem deficiência. O mediador terá o papel de facilitador entre os diversos contextos de aprendizagem. Sua função principal é atender e assessorar os professores e pais na mediação de aprendizagem da criança, com estratégia adequada à problemática que se apresenta. A mediação auxiliará a incluir no cotidiano da criança aquilo que desejamos que ele aprenda (currículo). Compreende-se que pessoas com capacidades cognitivas diferentes requeiram estratégias de aprendizagem diferenciadas. É necessário que a família, com o auxilio da mediação, interprete os conteúdos acadêmicos e ofereça situações experimentais da vida real e cotidiana que contemplem esses conteúdos. Trabalhando dessa forma, a criança poderá transferir as aquisições cognitivas novas ou conteúdos novos, mas que lembrem o já aprendido. O principal ponto do Projeto Roma tem sido atender famílias com diferentes realidades, bem como escolas com situações diversas e, através da mediação, estabelecer pontes cognitivas como estratégias metodológicas. Para isso, usa de estratégias facilitadoras, tais como trabalho com álbuns de fotografias, experiências do cotidiano, projetos educativos concretos (projeto casa, projeto agenda, projeto amigo, entre outros). Princípios e fundamentos para construção de uma escola inclusiva A inclusão é um processo complexo que configura diferentes dimensões: ideológica, sociocultural, política e econômica. Os determinantes relacionais comportam as interações, os sentimentos, significados, as necessidades e ações práticas; já os determinantes materiais e econômicos viabilizam a reestruturação da escola. Nessa linha de pensamento, a educação inclusiva deve ter como ponto de partida o cotidiano: o coletivo, a escola e a classe comum, onde todos os alunos com necessidades educativas, especiais ou não, precisam aprender ter acesso ao conhecimento, à cultura e progredir no aspecto pessoal e social. Estudos e experiências realizadas em escolas que estão obtendo êxito no projeto de inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais na escola regular apontam princípios e fundamentos: - o princípio da identidade: a construção da pessoa humana em todos seus aspectos: afetivo, intelectual, moral e ético; - a sensibilidade estética diz respeito à valorização da diversidade para conviver com as diferenças, com o imprevisível, com os conflitos pessoais e sociais, estimulando a criatividade para a resolução dos problemas e a pluralidade cultural; - toda criança pode aprender, tornar-se membro efetivo e ativo da classe regular e fazer parte da vida comunitária; - a construção de laços de solidariedade, atitudes cooperativas e trabalho coletivo proporcionam maior aprendizagem para todos; - a inclusão significa transformação da prática pedagógica: relações interpessoais positivas, interação e sintonia professor-aluno, família- professor, professor-comunidade escolar e compromisso com o desempenho acadêmico; - a inclusão depende da criação de rede de apoio e ajuda mútua entre escolas, pais e serviços especializados da comunidade para a elaboração do projeto pedagógico; - o projeto pedagógico deve garantir adaptações necessárias ao currículo, apoio didático especializado e planejamento, considerando as necessidades educacionais de todos os alunos e oferecendo equipamentos e recursos adaptados quando necessários; - o professor da classe regular assume a responsabilidade pelo trabalho pedagógico e recebe apoio do professor especializado, dos pais e demais profissionais envolvidos para a identificação das necessidades educacionais especiais, a avaliação do processo de desenvolvimento e aprendizagem e o planejamento de metas; - o sucesso do processo de aprendizagem depende do projeto de inclusão, com trabalho cooperativo entre o professor regular e o professor especializado na busca de estratégias de ensino, alternativas metodológicas, modificações, ajustes e adaptações na programação e atividades; - a modificação do processo de avaliação e do ensino: avaliação qualitativa dos aspectos globais como competência social, necessidades emocionais, estilos cognitivos, formas diferenciadas de comunicação, elaboração e desempenho nas atividades; - uma maior valorização das possibilidades, das aptidões, dos interesses e do empenho do aluno para a realização das atividades, participação nos projetos e trabalhos coletivos; - a priorização, além do acesso à cultura e ao conhecimento, do desenvolvimento da autonomia e independência. - a escola e sala de aula devem ser um espaço inclusivo, acolhedor, um ambiente estimulante que reforça os pontos fortes, reconhece as dificuldades e se adapta às peculiaridades de cada aluno; - uma gestão democrática e descentralização com repasse de recursos financeiros diretamente à escola para reestruturação e organização do ambiente, da sala de aula e para as adaptações que se fizerem necessárias; - o êxito do processo de aprendizagem e da inclusão depende da formação continuada do professor, de grupo de estudos com os profissionais envolvidos, possibilitando ação, reflexão e constante redimensionamento da prática pedagógica. Educação Inclusiva A inclusão é um processo dialético complexo, pois envolve a esfera das relações sociais inter e intrapessoais vividas na escola. No seu sentido mais profundo, vai além do ato de inserir, de trazer a criança para dentro do centro de educação infantil. Significa envolver, compreender, participar e aprender. Assim, no processo de inclusão, a criança com necessidades educacionais especiais não pode ser vista apenas por suas dificuldades, limitações ou deficiências. Ela deve ser olhada na sua dimensão humana, como pessoa com possibilidades e desafios a vencer, de forma que os laços de solidariedade e afetividade não sejam quebrados. Essas são atitudes éticas que não implicam apenas no respeito ou valorização das diferenças, mas em uma questão de posturas positivas, adequadas e, acima de tudo, de compromisso pedagógico para que o aluno construa, à sua maneira, o conhecimento, e avance na aprendizagem. Nesse sentido, Ainscow (1995) afirma que torna-se fundamental a escola passar de uma visão estreita e mecanicista do ensino, na qual os alunos não progridem em virtude de suas dificuldades ou deficiências, e por isso necessitam de uma intervenção educacional especial, para adotar estratégias de transformação das condições sociais e ambientais. Essa nova visão tem como eixo central o processo de aprendizagem na classe comum, a modificação e reorganização do sistema educativo. A crença em métodos fixos impede a busca de alternativas de ensino e a criação de recursos e materiais que promovam a aprendizagem de todos os alunos. A educação infantil, não somente a de crianças com necessidades educacionais especiais é um processo complexo que exige uma profunda compreensão acerca dos contornos do contexto escolar, das condições concretas, dos conteúdos propostos e das estratégias. O eixo central da proposta inclusiva é proporcionar melhores condições de aprendizagem para todos por meio de uma transformação radical da cultura pedagógica. Exige-se, assim, que as relações interpessoais e o fazer pedagógico sejam postos em discussão, evitando-se, dessa forma, que não sejam camuflados ou projetados no aluno, a quem, na maioria das vezes, se atribui o fracasso escolar em virtude de suas carências ou deficiência. O pressuposto da abordagem pedagógica inclusiva é que o conhecimento é construído
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