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1 Suicídio: História, Aspectos Psicológico, Materialista Histórico, Ideológico e Ético – Contribuição ao Trabalho do Profissional da Psicologia. Jessé Monteiro Alves; Johnathan Silva; Jullyan Teixeira; Müller Lucas Evaristo; Vinicius de Morais. Resumo: Este trabalho tem como objetivo mostrar variadas visões distintas de suicídio levando em consideração seu contexto histórico em diferentes culturas tanto oriental como ocidental em diferentes épocas nos conduzindo a fazer uma reflexão diante desse contexto. Aprofunda também nos aspectos Psicológicos, o como sua visão diante desse quadro pode ser essencial para intervir e evitar uma possível tentativa de suicídio e também como a Psicanálise aborda esse mesmo tema. A perspectiva de Karl Marx abordando a teoria Materialista Histórico dando ênfase na produção capitalista e no machismo independente da classe social como motivos para o suicídio. Expondo a importância dos aspectos ideológicos, de como a filosofia auxilia nessa construção e entendimento da complexidade do suicídio e também aspecto Ético, a importância do Psicólogo conhecer as diretrizes do código de Ética para poder auxiliá-lo durante o processo de avaliação e intervenção ao paciente. Palavras Chave: Suicídio; Ato-dor; Depressão; Ideologia; Capital; Marx; Ética Profissional. Considerações sobre a história ocidental e oriental do suicídio As diversas épocas da humanidade são marcadas por condutas, pensamentos e valores distintos, os quais repousam em arranjos ideológicos construídos pelo fluxo histórico. Diante disso se verificará, por parte da sociedade, a adoção de posturas diferentes frente à atitude de um indivíduo se matar. A sociedade da Grécia Antiga entendia o suicídio como um atentado à estrutura da comunidade sujeito a condenação política ou jurídica, assim sendo, o indivíduo não podia se matar sem prévio consenso dos demais cidadãos. Como punição eram recusadas as honras de sepultura regular à aquele que se suicidou clandestinamente e a mão do cadáver era amputada e enterrada a parte. Porém o Estado tinha poder para vetar, autorizar ou induzi-lo. Já na cultura egípcia, a qual demonstra um fascínio pela cessação da vida, os escravos se entregavam à morte conscientemente após a morte do faraó ou do seu proprietário. A cultura romana adotou um posicionamento curioso em relação ao suicídio. Tal postura legitimava a decisão do senhor que se matava e condenava a do escravo. O homem livre, ao se matar, exercia sobre si o direito típico da sua condição social, ou 2 seja, o de controle sobre seu destino, direito este amparado pela lei pública ao passo que o escravo, matando-se, ia contra a autoridade do senhor. Nesse cenário, o suicídio do escravo tinha implicações político-econômicas, uma vez que reduzia os recursos humanos do proprietário de escravos e do Estado, e ideológicas, pois feria a concepção de liberdade em relação a si restrita ao amo. Com a soberania de César, os cidadãos são considerados súditos livres para agir, mas não para morrer, pois corriam o risco de terem seus bens confiscados pelo Império independente de serem militares, condenados ou detentos. O advento do cristianismo provocou mudanças significativas na concepção dos escravos sobre a morte no inicio da era cristã. A doutrina que surgiu a partir da e após a vida do revolucionário Jesus, o qual confrontou desde a estruturação social da cultura judaica até as ideias mais profundas do arranjo ideológico da época, trouxe às minorias, aos escravos e renegados sociais a proposta de uma existência sem sofrimento em outro plano de realidade que era alcançado por via da morte do corpo. As implicações do discurso que se formou entre os cristãos dos primeiros séculos de nossa era, fomentou a prática do suicídio, consequência esta que feria o andamento natural do Estado Romano, o qual passa a buscar alternativas ao crescimento do número de adeptos. Foi por volta do século IV que Constantino incorpora ao Estado o cristianismo em uma manobra frente à ameaça da cristandade. Na era cristã o suicídio durante o século V é condenado por Santo Agostinho e pelos Concílios de Arles (452 d. C.), Orleans, Braga, Toledo, Auxerre, Troyes, Nimes e no compédiu canônico “Decret de Gratien” do século XIII. Através desses documentos que condenam teologicamente o suicídio, matar-se passa a ser um atentado contra Deus, o qual era entendido com o criador e consequentemente proprietário de tudo e a quem competia, por ter dado, tirar a vida do ser humano. Nesse período é negado ao suicida os rituais religiosos pós-morte, ao seu corpo é aplicado castigos públicos, seus bens são negados aos herdeiros e ele é tratado da mesma forma que os ladrões e assassinos. A Revolução Francesa marca a história ocidental do suicídio por conter a abolição das medidas repressivas à prática do suicídio. Segundo Silva (1992), partindo de Kalina e Kovadloff, isso se deve ao fato da conduta suicida não mais comprometer o Estado nesse período histórico, além disso o autor destaca que passa a ser um gesto solitário e oscilante entre a clandestinidade e a patologia; ganha uma imagem de transgressão. Enquanto o suicídio no desenvolvimento histórico da cultura ocidental sofre em vários momentos repressão e condenações, na cultura oriental é visto com olhos bem 3 diferentes. Na cultura do Japão medieval o suicídio era uma pratica comum entre os samurais, um ritual realizado quando o mesmo sentia vergonha por uma derrota em um duelo, desonra por parte de alguém da família para com a sociedade ou quando era capturado em batalha. Nessas situações eles praticavam o ritual chamado seppuku, o qual é conhecido também como harakiri. “Realizava-se o seppuku com uma adaga. Ajoelhado, o samurai perfurava o próprio ventre e dilacerava-o em forma de L ou de cruz até as vísceras ficarem expostas. A exposição das vísceras simbolizava que ele estava mostrando a sua verdade, oferecendo o seu interior para ser purificado. Era uma morte extremamente dolorosa. Por isso, assim que as vísceras saíam do abdôme, outro samurai, escolhido pelo suicida, decepava-lhe a cabeça, como um golpe de misericórdia.” (GIMENEZ, K.. Super Interessante. Ed. 172. Janeiro de 2002) Esse ritual era prescrito pelo Bushidô, o código de conduta ao samurai do período feudal no Japão. Nessa obra estavam expostas todas as exigências que o samurai deveria atender durante a vida inteira para manter tanto sua honra quanto à da comunidade a qual pertencia. Pregando que a desonra era um mal que nunca cicatrizava, sustentava a ideia que a morte seria uma forma de expiação do erro cometido, além disso afirma a necessidade desta vir a acontecer por motivos justos. Esta breve exposição nos fornece um panorama geral sobre as diferentes percepções a cerca do suicídio a partir de culturas e períodos históricos distintos. Analisando tais informações identifica-se a influência de fatores econômicos, políticos e culturais sobre a concepção e postura defendida pela sociedade frente ao ato de um indivíduo tirar a própria vida. Enquanto na Roma Antiga o direito de tirar a própria vida era privilégio dos cidadãos livres, no Japão Feudal era obrigação do guerreiro samurai para manter sua honra e lealdade e se, na Idade Média existia na Europa um conjunto de interdições religiosas condenando o suicídio, no mesmo continente durante a Revolução Francesa o suicídio deixa de ser condenado pelo júri social e passa a ser entendido como uma extrapolação dos limites. Pode-se pensar que tais mudanças se processam por acontecimentos fortuitos ou por transformações do pano de fundo ideológico vigente e condutorda sociedade do período histórico e do espaço geográfico considerado. Porém, os estudiosos em filosofia, sociologia e a história, quando se apoiam no pensamento de Karl Marx, são levados a descartar a primeira hipótese devido a dados consistentes manifestos pelo conflito entre classes que se dá ao longo da história da humanidade. 4 Aspectos Psicológicos Atualmente, a visão, e consequentemente o discurso frente ao suicídio que aparenta estar menos destituído da influência do senso comum, o qual se baseia em uma perspectiva carregada de estereótipo, medo e preconceito, é a da Psicologia. O comportamento suicida é comumente classificado entre os psicólogos em três diferentes categorias ou domínios: ideação suicida, tentativas de suicídio e suicídio propriamente dito. Apesar de poucos dados disponíveis, estudos clínicos e epidemiológicos sugerem a presença de gradientes de gravidade e também de heterogeneidade entre as diferentes categorias. A literatura na área da Psicologia também mostra que o nível de associação entre suicídio e transtornos mentais é de mais de 90%, e entre os transtornos mentais associados ao suicídio, se destaca a depressão maior (CHACHAMOVICH, E. e col., 2009). Os transtornos mentais que aparecem na literatura associados ao suicídio são os transtornos bipolares do humor, abuso de álcool, esquizofrenia e transtornos de personalidade. Alterações de comportamento, isolamento social, ideias de autopunição, verbalizações de conteúdo pessimista ou de desistência da vida, e comportamentos de risco, também acompanham históricos suicidas. Tais informações revelam que o posicionamento dos psicólogos em relação ao suicídio parte de estudos pautados na busca do esclarecimento sobre o que ocorre no interior do suicidado ou daquele que tentou tirar a própria vida, estereótipos são deixados de lado ou até mesmo desmistificados fornecendo assim possibilidades alternativas de como lidar com esse tema tão angustiante. Vale resaltar que alguns autores, ao tratarem das bases epistemológicas da psicologia, afirmam existir na verdade psicologias, e assim sendo é natural que diferentes perspectivas se posicionarão, observarão e compreenderão de forma distinta o mesmo fenômeno (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2001). Assim, para este trabalho, vamos nos ater às contribuições da Psicanálise no campo da investigação a respeito do que provavelmente ocorre na atmosfera psicológica de um suicida. 5 Olhar Psicanalítico A Teoria do Trauma, a qual for inicialmente desenvolvida por Freud em 1895 em vários textos, sendo reformulada por volta de 1920, fornece subsídios para pensarmos o suicídio como um ato-dor segundo Macedo e Werlang (2007). O trauma surgi como consequência de uma experiência agressiva ao aparelho psíquico, à qual o indivíduo não consegue alocar recursos para responder da maneira adequada devido ao excesso de tensão. A dor decorrente do trauma é de intensidade tal que chega a ser irrepresentável, ininteligível à organização psicológica do sujeito, e assim sendo não é vinculada ou assimilada no sentido psíquico. Pelo trauma não ser assimilado, sua carga de tensão persiste e em momentos de dor psíquica intensa, o ato apresenta-se como único canal de dissolução dessa tensão. Em um estudo feito com quatro indivíduos que haviam tentado suicídio uma ou mais vezes, Macedo e Werlang (2007), realizaram entrevistas semidirigidas nas quais os entrevistados, junto ao entrevistador, tinham a oportunidade de tentar contextualizar, investigar e entender a tentativa de suicídio que ocorrera. Nessas entrevistas, os participantes contaram aos entrevistadores suas histórias de vida e foi possível identificar que ao longo da existência, uma série de fatores possibilitou a eles a vivenciarem o traumático. As constantes brigas entre os pais, a perda do pai aos 7 anos de idade, violência domestica, morte do pai seguida da do irmão, período de fome vivido pela família por conta do pai ter apostado dinheiro e perdido no jogo e o suicídio deste, são alguns exemplos de eventos traumáticos relatados pelas pessoas entrevistadas. Os casos estudados por Macedo e Werlang apresentam claramente como cada participante sofre os impactos psicológicos do traumático, ou seja, do excesso de tensão investida no aparelho psíquico por um evento carregado de conteúdos dolorosos e inassimiláveis simbolicamente, e das suas tentativas frustradas de encontrar na ação um canal de descarga para o traumático. Tais tentativas, as quais não deram conta do traumático (excesso), originaram em alguns casos diversas compulsões autodestrutivas como uso excessivo de drogas, álcool e compulsão alimentar. Ao longo do tempo o desamparo, a angústia e a dor se agravaram na vida dessas pessoas e nos momentos mais críticos ocorreram as tentativas de suicídio que em alguns casos foram em idades mais avanças, e em outros mais tenras. Sustentados nos estudos de Hornstein, Macedo e Werlang, consideram nas análises desses casos que a 6 construção do Eu se dá em um campo intersubjetivo, o qual fornece ao sujeito material, conceito e imagens de si mesmo que partem do outro e das experiências compartilhadas com este. Um dado que destaca isso é a mãe de Gerusa, uma das entrevistadas, dizer à filha que apenas a morte do pai, o qual era alcoólatra e a violentava, poderia solucionar o problema enfrentado em casa. Com essa passividade e desesperança da mãe, os pesquisadores identificam que Gerusa não viu alternativa frente ao conflito vivenciado, o qual era a fonte de toda sua dor. A grande fonte de ansiedade e dor psíquica nos casos de tentativas e suicídio propriamente dito é justamente a incapacidade do indivíduo e a carência de apoio para este lidar com os conflitos da existência, os quais brotam da realidade que o cerca. A capacidade representacional desempenha um papel muito importante no processo de enfrentamento de conflitos ao ponto de Macedo e Werlang, apoiados em Fischbein, a compararem ao um dique que protege o aparato psíquico dos impactos traumatizantes do real. Porém essa habilidade representacional não reside apenas no indivíduo, ela se desenvolve ao longo da vida caracterizando o Eu, o qual é produto intersubjetivo. Desse modo a atmosfera e a estrutura familiar, e consequentemente as relações que se desdobram em sociedade, são determinantes para o enfrentamento do sujeito frente ao trauma, pois tais elementos proporcionarão a ocorrência ou não do evento agressivo ao aparelho psíquico, além de influenciarem no processo de enfrentamento do traumático por parte da pessoa tanto no movimento de representação quanto no de passagem ao ato. Por tanto, a perspectiva psicanalítica mergulha a fundo, identifica e relaciona todos os elementos que estão ao seu alcance para compreender o fenômeno do suicídio a partir da experiência do sujeito enquanto portador de uma dor profundo que lhe consome por completo, desestabilizando seu funcionamento psíquico. Distante do hábito de julgar ou de se amedrontar, o profissional da área da Psicologia se aproxima do desejoso da própria morte e procura entender o seu sofrimento. 7 Visão do Suicídio a partir do Materialismo Histórico Segundo Bukharin (2011), Materialismo Histórico é a ideia pela qual o homem constrói e constitui tudo aquilo que permeia a existência social, tendo como pilar os meios de produção materialistas, teoria desenvolvida pelo filósofo e economista Karl Marx, que a partir de escritos de um arquivista da Polícia de Paris, Jacques Peuchet, produziu um ensaio que viria a ser chamado de “Sobre o Suicídio”,e posteriormente se tornaria um livro relativamente desconhecido quando comparado as outras obras de Marx. Com margem de dúvida inexistente, esse livro atribui o sistema econômico vigente como principal causador (direto ou indireto) da ocorrência de suicídios na era moderna, tendo como referencial dados obtidos por esse mesmo arquivista, na cidade de Paris. A ênfase que o sistema econômico exercia sobre a vida e morte das pessoas está expressa em vários trechos, como “a classificação das causas do suicídio é uma classificação dos males da sociedade burguesa moderna, que não podem ser suprimidos (...) sem uma transformação radical da estrutura social e econômica.” (MARX, 2006, p. 16). Marx (2006), também salienta que em épocas de precarização do trabalho, isso é da falta de postos empregadores, crises industriais e encarecimento dos meios de vida, a taxa de suicídios aumenta drasticamente, assumindo um caráter epidêmico. Entre as causas do suicídio contém muito frequentemente a exoneração de funcionários, a recusa de trabalho, a súbita queda dos trabalhos em consequência de que as famílias não obtinham os meios necessários para viver, tanto mais que a maioria delas ganha apenas para comer. (MARX 2006, p. 48). A ideologia dominante é perpassada como natural na sociedade capitalista contribuindo para a manutenção dos interesses da classe burguesa, dessa maneira problemas estruturais como desemprego e miséria são caracterizados como problemas de caráter individual, culpabilizando o indivíduo. Marx (2006), nos apresenta o exemplo de um homem que após ter perdido o trabalho, tira sua própria vida por não ter mais condições de sustentar a família, e não correspondendo as expectativas machistas do 8 homem provedor do sustento familiar, e se vê como um fardo para a mulher, que assume esse papel. A partir dos dados recolhidos por Peuchet e pela reflexão feita por Marx, fica claro que os motivos que levam ao suicídio, quando não diretamente ligados ao sistema econômico, tem relação indireta que provocam esses motivos finalistas, isso é as mortes geradas por desgostos domésticos, doenças e depressão são reflexos do sistema de produção capitalista. Motivos Paixão, brigas e desgostos domésticos ......................... 71 Doenças, depressão, fraqueza de espírito ................... 128 Má conduta, jogo, loteria, medo de censura e castigos ....................................................................................... 53 Miséria, necessidades ou perda de emprego e mudança de posto de trabalho ..................................................... 59 Motivos desconhecidos ................................................ 60 (MARX, 2006, p. 52). Apesar dessas definições coletivas sobre os motivos do suicídio, Peuchet tem uma visão de subjetivação da intensidade dos próprios motivos: Para saber se o motivo que determina o indivíduo a se matar é leviano ou não se pode pretender medir a sensibilidade dos homens usando-se uma única e mesma medida; não se pode concluir pela igualdade das sensações, tão pouco pela igualdade dos caracteres, e dos temperamentos; o mesmo acontecimento provoca um sentimento imperceptível em alguns e uma dor violenta em outras. A felicidade e a infelicidade tem tantas maneiras de ser e de se manifestar quantas são as diferenças entre os indivíduos e os espíritos. (...) (PEUCHET apud MARX, 2006, p. 25) Fazia-se pauta também o seguinte questionamento: “quem são as vítimas não proletárias levadas ao desespero e ao suicídio pela sociedade burguesa?” (MARX, 2006, p. 18). As mulheres, vitimas da cultura machista e do sistema familiar opressor e moralista da época, que negligenciava a posição social em detrimento do sexo, isso é caracterizava o sujeito por passível de punição por conta de seu sexo e não apenas do seu poder aquisitivo como era de praxe, por conta da ideologia cultural que vigorava. 9 Com efeito, esse texto de Marx é uma das mais poderosas peças de acusação à opressão contra as mulheres já publicadas. Três dos quatro casos de suicídio mencionados no excertos se referem a mulheres vítimas do pratriarcado ou, nas palavras Peuchet/Marx, da tirania familiar, uma forma de poder arbitrário que não foi derrubado pela Revolução Francesa. Entre elas, duas são mulheres “burguesas”, e a outra, de origem popular, filha de um alfaiate. Mas o destino delas fora selado mais pelo seu gênero do que por sua classe social. (LÖWY, 2006, p. 18). São apresentados dois casos de suicídio envolvendo mulheres e gerados pela cultura machista, apontando também a questão doutrinadora da família, ambos os casos são decorrência do sexo e não da posição social, visto que em um deles a mulher tem alto poder aquisitivo. Como cita Marx (2006), uma jovem iria se casar com um rapaz pelo qual se encontrava apaixonada, por conta de uma noite que passaram juntos, sua família a injuriou em público, por tanto a jovem veio a cometer suicídio, no outro, a mulher é feita de objeto pelo marido, maltratada e oprimida, a jovem acaba por fim também a se suicidar. Uma forma que acreditavam prevenir o suicídio era, segundo Marx (2006), a injuria de seu nome após a morte, isso é difamar a honra da pessoa por meio de injurias a memória do suicida. Soluções pautadas em iniciativas religiosas e moralistas após a morte não solucionam de fato a ocorrência de suicídios, “descobri que, sem uma reforma total da ordem social de nosso tempo, todas as tentativas de mudança seriam inúteis” (MARX, 2006, p. 28). 10 Aspecto Ideológico A prática da Filosofia proporciona ao homem a capacidade de desvelar o funcionamento do mundo ao seu redor e da sua própria mente, ele passa a visualizar as amarras do seu sentir, do pensar e do seu agir no mundo. De uma forma mais específica e partindo de Aranha e Martins (2003), poderíamos dizer que o filosofar permite ao ser humano ir além dos domínios ideológicos, no seu sentido negativo, que rege seu tempo. Diversos filósofos, em especial o já citado Marx e Foucault, nos mostra a capacidade dos sistemas de ideias e dos conjuntos de práticas, as quais por sua vez surgem de discursos impostos e fechados em si, de promover a subjugação, a alienação e a desumanização das relações sociais. Ambos os pensadores abordam como que se estabelece a relação de poder na sociedade, o primeiro entre as classes e o segundo entre os diferentes papéis sociais. Essa relação está fortemente determinada pela ideologia, pois esta permeia a vida cotidiana, o sistema de valores, as condutas e a percepção da sociedade. Quando falamos de suicídio não é diferente, pois o tema provoca automaticamente desconforto nas pessoas, é tratado com receio, exige distancia e parece que não deve ser ocado, e isso se dá por determinações ideológicas e psicológicas. Um exemplo disso é a disparidade, a qual já foi abordada nesse trabalho, entre a concepção oriental e a ocidental frente ao tema. Frente a isso, é necessário se ater às diferentes conceituações, aos significados e aos contextos nos quais estes são usados para se captar o que há por trás dos discursos. Szasz, um autor norte americano de postura liberal, em seu livro Liberdade Fatal – Ética e Política do Suicídio (2002) nos alerta para duas conotações da palavra suicídio. A primeira aplicação da palavra seria para descrever uma forma de morte, na qual o sujeito tira a própria vida de forma deliberada, resolve e faz. Esta aplicação se manifesta até o século V, pois, como já foi dito, é com Agostinho que começa a ser visto comoalgo pecaminoso. É importante resaltar que o termo suicídio surgi, segundo Netto (2013), apenas no século XII e o que havia antes era apenas formas de descrever o ato. A segunda aplicação tem um caráter moralizante, o qual em última instância condena e marca como um ato mal. Partindo de Netto (2013), podemos pensar em três fatores que sustentam a conotação moralizante e negativa da palavra suicídio. Isso de deve inicialmente ao fato da morte ser vista como tabu, o que ocorre pelas implicações emocionais e psicológicas 11 que a perda do outro provoca, além dos elementos culturas que não se distanciam do primeiro; a morte é evitada por trazer a dor. Em consequência à morte enquanto tabu, existe a tendência contemporânea de busca pela manutenção da vida a qualquer custo, a qual é realizada sem levar em consideração as consequências desta para as pessoas. Nesse cenário, como afirma Netto com base em Blanca, “os suicídios vêm na contramão da ciência” (NETTO, N. B. et. al., 2013, p.16). O autor chama a atenção também para a carência terminológica que sofre o assunto. “Outra questão que é importante de se pensar é que a palavra suicídio tem uma significação de morte bárbara. Há uma pobreza terminológica ao nos referirmos a esse fenômeno e a outros que, porventura, possam se assemelhar formalmente a ele, sem o sê-lo de fato. Nós não temos vários termos como já existiram historicamente. Utilizamos suicídio para expressar as mais diversas formas de tirar a própria vida, independentemente de ter sido, de fato, intencional e deliberadamente, independente da forma e dos meios utilizados, da motivação e da conjuntura em que o fenômeno ocorre.” (NETTO, N. B. et al., 2013, p.17) Para o autor, essa precariedade dos termos conduz à desqualificação do ato que provoca sobre aquele que tentou ou efetivou o suicídio, o estigma de não estar sobre o controle de si, o que diretamente impossibilita este de dizer tudo que sua morte ou seu desejo de morte encerra. Diante disso podemos verificar que o aspecto ideológico do suicídio é marcado por uma negligência, não intencional, mas sim fruto do medo, da dor e do sofrimento despertado pela morte, além moralização religiosa frente à queixa, à percepção e à denúncia da hostilidade da existência. 12 Aspecto Ético O estudo sobre a psique humana nos revela, ao lado do grande mistério que é amar, o enigmático ato do suicídio. Considera-lo sem suas consequências é cair em um erro, pois existe uma série de fatores subjacentes antes e após o suicídio que precisam ser avaliadas pelo profissional da Psicologia durante sua atuação. Por conta da complexidade e da polêmica provocado pelo assunto, a atenção do psicólogo(a) em relação às diretrizes do Código de Ético deve constante. Tendo sobre seus cuidados um paciente com histórico depressivo seja na clínica, escola ou em qualquer instituição, o profissional precisa se atentar para a informação de que este faz parte do conjunto de indivíduos com grandes chances de ter ideações suicidas que poderão culminar em tentativas. Isso é possível através de um conhecimento vasto e sólido, acompanhado por um acompanhamento minucioso da evolução do quadro psicológico do paciente. Muitas vezes, por descuido ou negligência, pacientes que poderiam ser salvos desistem da própria vida. Ao tratar de um paciente com características suicidas, há a necessidade de identificar os sinais de uma possível tentativa, estabelecer laços de parceria com a família do paciente e realizar um trabalho intenso no sentido de evitar e reincidência da tentativa, caso tenha ocorrido. Após, tanto de uma tentativa que não levou o indivíduo à morte quanto ao suicídio efetivado, é necessário, quando possível, realizar um trabalho de apoio com a família por esta sofrer significativamente abalada. O Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005) prescreve como dever o sigilo profissional com o intuito de proteger, através da cofiança, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional. Porém, o mesmo documento abre uma exceção em relação ao total sigilo em situações conflituosas. O agravamento de um quadro psicológico depressivo de um paciente, acompanhado de indícios suicidas em um período estressante configura-se como uma situação na qual o sigilo pode ser quebrado, pois o apoio dos familiares e de outros profissionais se for necessário, certamente aumentará a capacidade de auxilio ao paciente. Ao psicólogo compete realizar seu trabalho baseando-se no Código de Ética, zelar pela saúde, qualidade de vida e os direitos humanos em seus diferentes ambitos sejam eles emocionais, afetivos, psíquicos, sociais e políticos. O papel do psicólogo é volta-se ao outro tendo responsabilidade frente ao seu sofrimento e angústia, cobatendo a violência, a opressão, exploração e negligência. 13 Conclusão Mediante as informações expostas podemos visualizar as inúmeras variáveis que influenciam o indivíduo a cometer o ato de suicídio, mas não esgotamos tais variáveis visto que isso estar longe de nosso alcance, e também expomos algumas perspectivas possíveis sobre esse mesmo fenômeno. Identificamos diferenças ideológicas entre algumas culturas e épocas e vimos o quanto tal construção influência para o aspecto destrutivo do viver que implica no sofrimento psíquico do indivíduo. Tal informação nos mostrou que o maior entendimento dos constructos sócio-histórico pode-se ter um embasamento teórico maior para criar-se uma intervenção significativa quando já sabe as possíveis causas da complexidade do suicídio. A importância do Psicólogo diante do quadro suicida é de extrema relevância pelo seu conhecimento aprofundado nesse aspecto, pois quando acontece uma intervenção precoce, mais rápido será sua recuperação. Levamos em consideração a importância familiar, a presença do comportamento suicida na família pode ser percebida num primeiro momento, como uma questão pontual decorrente da situação identificada como desencadeadora do ato suicida, oferecendo um tempo propício à intervenção preventiva juntamente com o psicólogo e demais profissionais. Compreendendo tamanha importância e relevância da intervenção do psicólogo logo no despertar de uma possível ideação suicida, decorrente de influencias sócio- histórica, cultural ou religiosa 14 REFERÊNCIAS ARANHA, M.; MARTINS, M.. Temas de Filosofia. 3ªed., São Paulo: Moderna, 2005. BOCK, A.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. A Psicologia ou as psicologias. In: _____. Psicologias: Uma introdução ao estudo de Psicologia. 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