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Friedrich_Albert_Lange[psicologia-sem-alma]

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A “PSICOLOGIA SEM ALMA” de Friedrich Albert Lange:
contribuições programáticas para o nascimento da 
psicologia científica�
AILTON BEDANI�
O ativista político, jornalista e pensador alemão Friedrich A. Lange (1828-1875) produziu um amplo estudo na área da Teoria do Conhecimento, que marcou influentes personalidades, tais como o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), o filósofo e psicólogo Franz Brentano (1838-1917), o médico e psicólogo Wilhelm Wundt (1832-1920), o físico Albert Einstein (1879-1955) e o médico e cientista natural Wilhelm Reich (1897-1957). Trata-se da obra Geschichte des Materialismus und Kritik seiner Bedeutung in der Gegenwart (“História do materialismo e crítica de sua significação atual”), publicada em 1865 e considerada, por alguns estudiosos, como uma das mais importantes produções filosóficas do século XIX (TEO, 2002). A grandiosidade do livro deveu-se, entre outros aspectos, ao fato de ter percorrido criticamente a história do materialismo desde os primeiros filósofos gregos até Kant, e deste até importantes pensadores e cientistas do século XIX, inclusive Marx e Darwin. 
Certo conjunto de reflexões epistemológicas langeanas, presentes em Geschichte des Materialismus, ecoaram intensamente nos debates, entre o final do século XIX e início do século XX, a respeito da constituição e escopo da “nova” ciência psicológica. Como ponderou um comentador, Lange esboçou o programa teórico geral de uma “psicologia objetiva” aproximadamente “meio século antes de Jonh Watson (1878-1958) expressar suas ideias” (TEO, 2002, p. 286, tradução nossa). 
Em sua monumental obra, o pensador alemão criticou as abordagens psicológicas que adotavam como objetos de estudo, exclusivamente, certos conceitos filosóficos (por exemplo, alma e vontade) e recorriam à introspecção como método investigativo. Fomentando, em sua época, uma “verdadeira cruzada” (ARAUJO, 2007, p. 238) para livrar a reflexão psicológica de seus vícios metafísicos, o filósofo propôs a construção de uma Psychologie ohne Seele ― uma “psicologia sem alma” (LANGE, 1865/1879, vol. 2, p. 403, tradução nossa). Para Lange, não haveria a menor razão “para se admitir uma alma” (p. 402, tradução nossa), qualquer que fosse o sentido, mais ou menos preciso, que se atribuísse ao termo. A psicologia científico-natural precisaria se pautar, a seu ver, não por conceitos filosóficos, mas pela investigação experimental dos eventos psíquicos, distanciando-se, dessa forma, do “turbilhão metafísico” suscitado por noções como “alma” e “substância” (p. 398, tradução nossa). Pois a moderna perspectiva científica, à qual a psicologia necessitaria se associar, não deveria se preocupar em encontrar a essência última ou substrato dos acontecimentos mentais, mas sim, em retratar o continumm dos fenômenos psíquicos em suas relações dinâmicas e dependências recíprocas, substituindo a visão substancialista por uma perspectiva relacional, ‘funcional’, processual. 
O campo de pesquisa dessa “nova” ciência psicológica seria, no entendimento langeano, bastante amplo. Caberia à psicologia se dedicar não somente “aos fatos da vida sensível”, mas também, “ao estudo do comportamento e da linguagem humanas”, podendo, inclusive, ir além e dirigir sua atenção para “todas as manifestações da vida”, desde que permitissem extrair conclusões sobre “a natureza e o caráter do homem” (LANGE, 1865/1879, vol. 2, p. 411, tradução nossa).
Lange era da opinião, ainda, que a maior parte dos ramos da psicologia teria grande sucesso caso adotasse o “método somático”: uma orientação de pesquisa que deveria contemplar, o máximo possível, os processos corporais que estariam “indissolúvel e forçosamente ligados aos fenômenos psíquicos”. Caberia aos psicólogos determinar as bases físicas ou fisiológicas dos eventos mentais, sem, contudo, cometer reducionismos epistemológicos que perigosamente entronassem o mecano-materialismo como visão de mundo privilegiada, totalizadora e absoluta. Ainda que o “método somático” pudesse ajudar a construir e validar a psicologia científico-natural, os “processos corpóreos”, na opinião do pensador, jamais deveriam ser encarados à maneira dos “materialistas”, ou seja, como “fundamento último dos fenômenos psíquicos” (LANGE, 1865/1879, vol. 2, p. 418, tradução nossa).
REFERÊNCIAS
Araujo, S. F. A fundamentação filosófica do projeto de uma psicologia científica em Wilhelm Wundt. 2007. Tese (doutorado) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2007.
LANGE, A. F. Histoire de matérialisme (Tome seconde). Tradução de B. Pommerol. Paris: Chez C. Reinwald et Cie., LIbraires-Éditeurs, 1879. (Trabalho original publicado em 1865).
TEO, T. Friedrich Albert Lange on neo-Kantianism, socialist Darwinism, and a psychology without a soul. Journal of History of the Behavioral Sciences, v. 38(3), p. 285–301, 2002.
� Extraído de: BEDANI, A. A relação entre sensação e produção de conhecimento na obra de Wilhelm Reich. 2013. 212 f. Tese (Doutorado) — Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
� Psicólogo, psicoterapeuta, professor universitário, mestre e doutor em psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. 
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