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A adolescencia - Contardo Calligaris

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Z--1
;0oocv{)»1o
LID
m adolescente um. pouco sem rumo, es-
tranhando seu proprio comportamento,U paradoxalmente desafiador e arrependido,
para voce na rua e fala:"Estou so passando
por uma fase agora.Todo 0 mundo passa por fases, nao
e?" Alguem talvez reconhec;:a sua voz. E Holden, 0
heroi do romance 0Apanhador no Campo de Centeio,
de J.D. Salinger.
Aproveitando-se da situac;:ao, atras e ao lado dele
se aglomeram pais e maes de adolescentes. Eles tam-
bem perguntam:"Entao, e assim?Vai passar? E so uma
fase?"
Resposta de bolso, caso Holden e os pais 0 pa-
rem na rua: "Nao. Nao e apenas uma fase. Por isso,
nada garante que passe".
Nossos adolescentes amam, estudam, brigam, tra-
balham. Batalham com seus corpos, que se esticam e se
transformam. Lidam com as dificuldades de crescer no
quadro complicado da familia moderna. Como se diz
hoje, eles se procuram 'eventLlalm.ente se acham. Mas,
alem disso, eles precisam Jutar cOIn a adolescencia, que
e ul1la criatura 1111lpOllCOmOl1Struosa, sustentada pela
imaginac;:ao de todos, adolescentes e pais. Um mito, in-
ventado no cOl1lec;:odo seculo 20, que vingou sobretu-
do depois da Segunda Guerra Mundial.'
A adolescencia e 0 prisma pelo qual os adultos
ollum os adolescentes e pelo qual os proprios adoles-
centes se contemplal1l. Ela e Llma das formac;:6es cul-
turais mais poderosas de nossa epoca.
Objeto de inveja e de me do, ela da forma aos
sonhos de liberdade ou de evasao dos adultos e, ao
mesmo tempo, a sellS pesadelos de violencia e desor-
demo
Objeto de admirac;:ao e ojeriza, ela e um pode-
roso argumento de marketing e, ao mesmo tempo, Llma
fonte de desconfianc;:a e repressao preventiva.
A Holden e aos pais pode-se responder, assim,
que os jovens de hoje chegaram a adolescencia numa
epoca que alimenta uma especie de culto desse tempo
da vida. E caberia, entao, tentar explicar como isso nos
afeta a todos.
mrm~mZ-
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oV
l
omom"T
1
Zl(
J
»1o
OJ
maginc; que, por algum acidente, voce seja
I transportado, de uma hora para 0.utra, a uma
I sociedade totalmente cliferente. Digamos que
o aviao no qual voce estava sobrevoando um
canto recondito da Amazonia teve uma dificuldade tec-
nica. 0 piloto conseguiu aterrissar, mas 0 aparelho es~a
destruido. Nao ha como esperar socorro, nem como salr
do fundo se1vagem da floresta. Por sorte, uma tribo de
indios que nunca encontrararn honlens modern?s, mas
que SaGre1ativamente bem-humorados, adota voce e seus
amigos. Sera necessario, il:naginemos, 12 anos para que
voces se entrosem com os usos e costumes de sua nova
tribo - desde a linguagem ate 0 entendimento dos valo-
res da sociedade em que aparentemente voces viverao 0
resto de seus dias.
Os 12 anos passaram. Voce agora fala corrente-
mente a lingua, conhece as leis e regras de sua nova
tribo, na verdade se sente um de1es. Entre as COlsasque
voce aprendeu, esta 0 fato evidente de que, nessa so-
ciedade, e illlportante sobressair e adquirir destaque.
E, para se destacar, 11,) principallllente dois campos, slja
voce hOlllem ou Illulher: a pesca co1110 arpao e as sere-
natas de berimbau. Em outras palavras, nessa sociedade
e bom e necessario ser um excelente pescador COIll 0
arpao e tocar magistrallllente 0 berimbau-de-boca.
Quem melhor pesca e toca - todos percebem - e clara-
mente muito mais feliz do que os outros.
Voce esta Illuito satisfeito C0111isso. Pois, durante
os 12 anos, voce olhou, imitou e aprendeu. Voce na
verdade se acha e talvez seja mesmo otilllo na pesca
com 0 arpao - pelos anos na selva, seu corpo est,)
treinado, forte e r,)pido - e esta prestes a desafiar qual-
quer um numa serenata de berimbau.
Nessa altura, os ancioes da tribo Ihe comunicam
o seguinte: talvez voce tenha tamanho e pericia sufi-
cientes para encarar tanto um surubim de dois metros
quanto um berimbau dos mais sofisticados, mas e
melhor esperar mais dez anos antes de vir fazer pro-
priamente parte da tribo e, portanto, competir de igual
para igual com os outros membros. Naturall1lente, os
:lIlcioes acrescentarao que esse "pequeno" atraso e in-
tciral1lente para seu bem. Eles amam voce e pOI' isso
LJuerem que ainda par LlIll tempo voce seja protegido
dos perigosissimos sLHubins que andal1l pOl' ai. Isso
SCIll falar dos berimbaus ...
Portanto, voce vai poder se preparar melhor ainda
p:lr:l 0 dia em que sera enfim reconhecido como mem-
hro da tribo. Que tudo isso, acrescentarao tambem os
,lllCiocs, nao constitua frustrayao nenhul1la, pois na ver-
d:l<.!c:1 tribo inteira considera que voce tirou a sorte
,'r:llldc e que os ditos dez anos serao os l1lais felizes de
SlI:l c,istencia. Voce - acrescentam des - nao tera as
pl'S:lll:is responsabilidades dos membros da tribo. Ao
111 '51110 tcmpo, podera pescar e tocar beril1lbau a von-
A ADOLESCENCIA COMO MORATORIA
tade - sera apenas como treino, de brincadeira, mas jus-
tamente por isso serao atividades despreocupadas.
Aaora seriamente C01110 voce acha que encara-
b' ,
ria 0 anuncio e a perspectiva desses dez anos de lin'lbo?
Logo agora que voce achava que seu berimbau ia se-
duzir qualquer ouvido e sua destreza transfixar pelxes
de olhos quase fechados ...
E bem provave! que voce passasse pOl' um le-
que variado de sentimentos: raiva, ojeriza, desprezci
e enfim rebe!dia. Se houvesse uma tribo inimiga, se-
ria 0 momenta de considerar uma traiyao. No mini-
mo, voce voltaria a se agrupar com os companheiros
do aviao, que talvez voce tivesse perdido de vista e
que agora estariamlidando com a imposiyao da mes-
ma moratoria. Juntos, voces acabariam constituindo
uma especie de tribo na tribo, outorgando-se mutu-
amente 0 reconhecimento que a sociedade parece
temporariamente negar a voces todos.Voces se afas-
tariam de suas familias (adotivas, no caso) e viveriam
no e pelo grupo, onde se sentem tratados como ho-
mens e mulheres de verdade. Circulando em grupo,
impondo sua presenya rebelde pelas ruas da aldeia -
se possive! nas horas menos adequadas -, voces se-
riam Fonte de preocupayao e medo, objeto de re-
pressao e, quem sabe, de inveja.
Pois bem: 0 que acontece com nossos adolescen-
tes e parecido com 0 destino dos aeronaufragos dessa
pequena historia. Ao longo de mais ou menos 12 anos,
as crianc;:as,por assim dizer, se integran'l em nossa cultu-
ra e, entre outras coisas, elas aprendem que ha dois cam-
pos nos quais importa se destacar para chegar a felicidade
e ao reconhecimento pela comunidade: as re!ayoes
amorosas/sexuais e 0 poder (oumelhor,a potencia) no
campo produtivo, financeiro e social. Em outras pala-
vras, elas aprendem que ha duas qualidades subjetivas
que sao cruClals para se fazer valer em nossa tribo: e
necessario ser desejavel e invejavel.
Enfim, esse aprendizado minimo esta solidamente
assimilado. Seus carp os, que se tarnaram desejantes e
desejaveis, poderiamlhes permitir amar, copular e go-
zar, assim como se reproduzir. Suas foryas poderiam
assumir qualquer tarefa de trabalho e comec;:ar a leva-
los na direyao de invejaveis sucessos sociais. Ora, logo
nesse instante, lhes e comunicado que nao esta bem
na hora ainda.
Em primeira aproximayao, eis entao como co-
meyar a definir um adolescente2 Inicialmente, e
alguem
1. que teve 0 tempo de assimilar os valores mais
banais e mais bem compartilhados na comunidade (par
exemplo, no nosso caso: destaque pelo sucesso finan-
ceiro/ social e amoroso/sexual);
2. cujo corpo chegou a maturayao necessaria para
que ele possa efetiva e eficazmente se consagrar as ta-
refas que Ihes sao apontadas por esses valares, compe-
tindo de igual para igual com todo mundo;
3. para quem, nesse exato momento, a comuni-
dade impoe uma moratoria.Em outras palavras, ha um sujeito capaz, instrui-
do e treinado pOl' mil caminhos - pela escola, pelos
p;lis,pe1a midia - para adotar os ideais da comunidade.
1\1c se torna um adolescente quando, apesar de seu
co1'po e seu espirito estarem prontos para a competi-
\.~(), 11aOe reconhecido como adulto. Aprende que,
po1' volta de mais dez anos, ficara sob a tutela dos adul-
• hili Intlll (\ Il'.'\t"O, quando f:.lblllOS do "adoksccllte" SClll lll:lis espccificlr, cntclldc-
111(l~ .1 p.II,lv1".1 ["OlllO sllbst;lIltivo nL'utro. 5;lIvo illdiclyJO explicit;l do cOlltr5rio, llQSSaS
,lllllll,I\(\C" V.dClll,port;l1lto, P;lLl ;llllbos os SL'XOS.
tos, prepJrando-se para 0 sexo, 0 Jmor e 0 trJbJlho,
sem produzir, gJnhar ou amJr; ou entao produzindo,
ganhJndo e amJndo, s6 que mJrginJlmente.
UmJ vez trJnsmitidos os valores sociJis mais ba-
sicos, h5 Lllll tempo de suspensao entre a chegada a
matura<;:ao dos corpos e J autoriza<;:ao de realizar os
ditos vJ!ores. Essa Jutoriza<;:ao e postergJdJ. E 0 tenl-
po de suspensao e a adolescencia.
Esse fenomeno e novo, quase especificamente
contemporaneo. E com a modernidade tardiJ (com 0
seculo que mal acabou) que essa moratoria se instaura,
se prolonga e se torna enfim mJis uma idJde da vida.
A ADOLESCENCIA COMO
REA(AO E REBELDIA
A imposi<;:ao dessJ moratoria j<l seria razao suficiente
para que a adolescenciJ assim criada e mantida fosse
uma epoca da vida no minimo inquietJ.
Afinal, nao seria estranho que mo<;:as e rapazes
nos reservassem alguma surpresa desagradavel, uma vez
impedidos de se realizar C01110seus corpos permiti-
riam, nao reconhecidos como pares e adultos pela co-
munidade, logo quando passJm a se julgar enfim
competitivos.
Pensem de novo em como voces reagiriam na
hipotetica tribo: mesmo supondo que evitassem deci-
soes drasticas (cair fora, entrar em guerra aberta com
os ancioes, trJir a tribo etc.), epresumivel que passa-
riam por um periodo de contesta<;:ao aguda. Come<;:a-
riam J pescar com dinamite e a tocar teclado eletronico
em vez de berimbau. Inventariam e tentariam impor
(eventualmente a for<;:a) meios de obter reconheci-
mento total mente ineditos para a tribo. Essas SaGape-
nas sugestoes benignas.
Ora, 0 caso dos jovens modernos e bem pior
do que 0 destino dos aeronaufragos na hospitJkira
tribo dJ selva arnazonica. Pois, alem de instruir os
jovens nos vJlores essenciais que eles deveriam per-
seguir pJra agradar a comunidade, a modernidade
tal11bem promove atival11ente um ideal que eh situa
Jcima de qualquer outro valor: 0 ideJl de indepen-
dencia. Instigar os jovens a se tornJrem individuos
independentes e umJ pe<;:a-chave da educa<;:ao mo-
derna. Em nossa cultura, Ul11sujeito sera reconheci-
do como Jdulto e responsavel na medida em que
viver e se afirmar como independente, Jutonol110 -
como os adultos dizem que SJo.
lsso torna aindJ l11aispenoso 0 hiato que a ado-
lescencia instaura entre aparente matura<;:ao dos cor-
pos e ingresso na vida adulta. Apesar da maturJ<;:Jo
dos corpos, a autonol11ia reverenciada, idealizada pOI'
todos como valor supremo, e reprimida, deixada para
l11ais tarde.
Desde ja vale mencionar que a desculpa 1101'-
malmente produzida pJra justificar a moratoria dJ
adolescencia e problem<ltica. Pretende-se que, apesar
da matura<;:ao do corp 0, '10 dito adolescente fJltaria
maturidade. Essa ideia e circular, pais a espera que Ihe
e impostJ e justamente a que 0 mantbn ou torna
inadaptado e imaturo.
Nao e diflcil verificar que, em epocas nJS quais
eSSJ moratoria nao era imposta,jovens de 15 anos ja
levaval11 exercitos a batalha, comandavam navios ou
simplesmente tocavam negocios com competencia.
o adolescente nao pode .evitar perceber a con-
trJdi<;:ao entre 0 ideal de autonol11ia e a continua<;:ao
de sua dependencia, imposta pela moratoria.
DURA(AO DA ADOLESCENCIA
Tal contradic;ao torna-se ainda mais enigm~ltica
para 0 adolescente na medida em que essa cultura
parece idealizar a adolescencia como se fosse um
tempo particularmente feliz. Como e possivel? Se
o adolescente e privado de autol1ornia, se e afasta-
do da realizac;ao plena dos valores cruciais de nos-
sa cultura, como pode essa mesma cultura imaginal'
que ele seja feliz?
o adolescente poderia facilmente conduir que
essa idealiza<;:ao da epoca da vida que ele esta atra-
vessando e uma zombaria que agrava sua insatisfa-
yao. Ele certamente tem direito de se irritar com
isso: e dificil entender pOl' que os adultos (que em.
principio deveriari1 conhecer a adolescencia, pOl' te-
rem passado pOl' ai em algum momento) achariam
grap nessa epoca da vida ou a lembrariam com nos-
talgia. Tentaremos explicar essa idealizayao, sobre-
tudo no Capitulo 4. Mas, seja como for, 0
ado1escente vive um paradoxo: ele e frustrado pela
moratoria imposta, e, ao mesmo tempo, a idealizayao
social da adolescencia the ordena que seja feliz. Se a
adolescencia e um ideal para todos, ele so pode tel'
a delicadeza de ser feliz ou, no minimo, fazer baru-
lhentamente de conta.
Em nossa cultura, a passagem para a vida adul-
ta e um verdadeiro enigma. A adolescencia nao e so
lima moratoria maljustificada, contradizendo valo-
r 's cruciais como 0 ideal de autonomia. Para 0 ado-
ksc '11tC, cia nao e so uma sofrida privac;ao de
1\'('01111'cil11cnto e independencia, misteriosalTlente
Idl',di":I<!:1 pclos adultos. E tambem um tenlpo de
1I,IIISi ',10, ('Ilj:l dur:lyaO e misteriosa.
o come<;:o da adolescencia e facilmente observavel,
pOl' se tratar da mudanya fisiologica produzida pela
puberdade. Trata-se, em outras palavras, de uma
transformayao substancial do corpo do jovem, que
adguire as funyoes e os atributos do corpo adulto.
Querendo circunscrever a adolescencia no tempo,
como idade da vida, chega-se facilmente a um con-
senso no que concerne ao seu come yO. Ele e deci-
dido pela pu berdade, ou seja, pelo amadurecimento
dos orgaos sexuais. Alguns dirao que a adolescen-
cia propriamente dita come<;:a um ou dois anos
depois da puberdade, pois esse seria 0 tempo ne-
cessario para que, de alguma forma, 0 estorvo fisi-
ologico se transformasse nunla especie de
identidade adolescente consolidada. Outros dirao,
ao contrario, que a adolescencia comeya antes da
puberdade, pois esta e antecipada pela adoyao pre-
coce de comportamentos e estilos de adolescentes
niais velhos. Seja como for, a puberdade - ano a
mais, ano a menos - e a marca que permite calcu-
lar 0 comeyO da adolescencia.
Quando a adolescencia comeyou a ser instituida
pOl' nossa cultura e, logicamente, apareceram as com-
plicac;oes sociais e subjetivas produzidas pela invenyao
dessa moratoria, pensou-se primeiro que a causa de
toda dificuldade da adolescencia Fosse a transforma-
<;:aofisiologica da puberdade, A adolescencia, em suma,
seria uma manifestayao de mudanyas hormonais, um
processo natura],3
De fato, a transforma<;:ao trazida pela puberdade
e considerflvel. Tanto do ponto de vista fisiologico
quanto da imagem de si que deve se adaptar a essa
mudan<;:a. Basta lembrar a chegada dos desejos sexuais
(que ja existiam, mas que saG agora reconhecidos como
tais peJos proprios sujeitos) e, aos poucos, a descoberta
de uma competi<;:ao possiveJ com os adultos, tanto na
sedu<;:ao quanto no enfrentamento.
Mas essas nlUdan<;:asso acabam constituindo um
problema chamado adolescencia na medida em que 0
olhar dos adultos nao reconhece nelas os sinais da pas-
sagem para a idade adulta.
o problema entao nao e: "Quando come<;:a a
adolescencia?", mas: "Como se sai da adolescencia?"
o equivalente da adolescencia, em outras cultu-
ras, e um rito de inicia<;:ao, eventualmente acompa-
nhado de algumas provas. Por maisduras que possam
ser, elas serao sen~pre mais suportaveis do que a inde-
finida moratoria moderna. Alias, em nossa hipotetica
tribo amazonica, na verdade os ancioes nunca impo-
riam uma espera indefinida de dez anos ou mais. Eles
poderiam exigir que voces lutassem corpo a corpo
com 0 rei dos surubins gigantes, por exemplo. Ou entao
que levassem 15 berimbauzadas na cabe<;:a.
Mas, para que fosse possivel uma inicia<;:ao a vida
adulta, COI11 uma prova designada, seria necessario que
se soubesse 0 que define um homem ou uma nllliher
adultos. Essa defini<;:ao, na cultura moderna ocidental,
fica em aberto. Adulto, por exemplo, e quem conse-
gue ser desejavel e invejavel. Como saber entao quan-
to desejo e quanta inveja e preciso levantar para ser
admitido no Olin,po dos "grandes"? Portanto, fica tam-
bem em aberto a questao de quais provas seriam ne-
cessarias para que um adolescente merecesse se tornar
um adulto.
De certa forma, a moratoria da adolescencia e 0
fi"uto dessa indefini<;:ao. Numa sociedade em que os
adultos fossem definidos por alguma competencia es-
pecifica, nao haveria adolescentes, so candidatos e Lll113
inicia<;:aopela qual seria facil decidir: sabe ou nao sabe,
e ou nao e adulto.
Como ninguem sabe direito 0 que e um homem
ou uma mulher, ninguem sabe tambem 0 que e preciso
para que um adolescente se torne adulto. 0 criterio
simples da matura<;:ao fisica e descartado. Falta uma lista
estabelecida de provas rituais. So sobram entao a espera,
a procrastina<;:ao e 0 enigma, que confrontam 0 adoles-
cente - este condenado a uma moratoria for<;:ada de
sua vida - com uma inseguran<;:a radical em que se agi-
tam questoes que correspondem aos proximos capitu-
los: "0 que eles esperam de mim?", "Como conseguir
que me reconhe<;:am e admitam como adulto?", "Por
que me idealizam?"
Voltando a pequena lista de elementos definitorios
exposta acima, no final da s '<;:ao"A Adolescencia Como
Moratoria", acrescentemos, concluindo, que 0 adoles-
cente e tambem alguem:
4. cujos sentimentos e comportamentos SaGob-
viamente reativos, de rebeldia a uma moratoria injusta;
5. que tem 0 inexplicavel dever de ser feliz, pois
vive uma epoca da vida idealizada por todos;
6. que nao sabe quando e como vai poder sair
de sua adolescencia.
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o que vemos no espelho nao e bem nossa ima-
gem. E uma imagem que sen'lpre cleve muito ao olhar
dos outros. Ou seja, me vejo bonito ou desejavel s
tenho razoes de acreditar que os outros gostam de
l11il11ou me desejam. Vejo, em suma, 0 que imagino
que os outros vejam. Por isso 0 espelho e ao mesmo
tempo tao tentador e tao perigoso para 0 adolescente:
porque gostaria muito de descobrir 0 que os outros
veem ne1e. Entre a crianya que se foi e 0 adulto que
~linda nao chega, 0 espelho do adolescente e fi-eqi.ien-
tcmente vazio. Podemos entender entao como essa
cpoca da vida possa ser campea em fi'agilidade de auto-
cstima, depressao e tentativas de suicidio.
Parado na fi'ente do espelho, cayando as espinhas,
Illcdindo as novas formas de seu corpo, desejando e
ojcrizando seus novos pelos ou seios, 0 adolescente
vivc a falta do olhar apaixonado que ele merecia quan-
do crianya e a falta de palavras que 0 admitam como
p:lr Ila sociedade dos adultos. A inseguranya se torna
.Issilll 0 trayo proprio da adolescencia.
Grande parte das dificuldades relacionais dos
,Idolcscentes, tanto com os adultos quanto com seus
('llL'l:lI1COS,deriva dessa insegllranya. Tanto uma timi-
d "/ :Ip:lgada quanto 0 estardalhayo maniaco manifes-
{.IIII:ISllleSl11asqllestoes, constanten'lente a Bor da pele,
d(' qucll1 se sente nao l11aisadm'ado e ainda nao reco-
Idl 'ciLia: sera que sou amavel, desejavel, bonito, agra-
d.1Vl'1. visivel, invisivel, oportuno, inadequado etc.?
adolescente se olha no espelho e se acha
difer~nte. Constata facilmente que perdeu
aquela graya infantil que, em nossa cllltu-
ra, parece garantir 0 amor incondicional
dos adultos, sua proteyao e solicitude imediatas. Essa
seguranya perdida deveria ser compensada por um
novo olhar dos mesmos adultos, que reconhecesse a
imagem pllbere como sendo a figura de outro adulto,
seu par iminente. Ora, esse olhar falha: 0 adolescente
perde (ou, para crescer, renuncia) a seguranya do amor
que era garantido a crianya, sem ganhar em troca ou-
tra forma de reconhecim.ento que the pareceria, nessa
altura, devido.
Ao contrario, a maturayao, que, para ele, e evi-
dente, invasiva e destrutiva do que fazia sua graya de
crianya, e recusada, suspensa, negada. Talvez haja
maturayao, the dizem, mas ainda nao e maturidade.
Por conseqi.iencia, ele nao e mais nada, nem crianya
amada, nem adulto reconhecido.
) ,I lok-scel1tc, portanto, se lan~a numa interrogayao
ilil . dlll':II':\ 0 tempo (indefinido) de sua adolescencia
e que consiste em se perguntar 0 que serft que os adul-
tos querem e esperam dele. Ou sej:1, qual seria 0 re-
quisito para conquistar uma nova dose do amor dos
:ldultos que ele estima tel' perdido junto com :1 inGn-
cia. Qual seri:1 0 gesto necessario par:1 redirecionar 0
olhar adulto, que parece ter-se desviado. Qual 0 atri-
buto que garantiria, enfim, que ele rosse reconhecido
entre "os grandes".
[nrelizmente (pois sem isto tudo seria mais t;.lcil),
nessa tentativa 0 adolescente nao pode se confinar a
uma simples adesao :10 que os adultos parecem expli-
cit:lI11ente esperar dele e desejar para ell'. (lois os adul-
tos se contradizem. (larecem negar a 6bvia nuturayao
de seu corpo e Ihe pedir que continue cri:ml;a; e ten-
tam mante-lo nUllla subordinayao que contrasta com
os valores que des mesmos Ihe ensinaram.
Querem que ell' seja autonomo e Ihe reCUS:ll11essa
autonomia. Querem que persiga 0 sucesso social e amo-
roso e lhe pedem que postergue esses esror<;os para "se
preparar" l11elhor. E Iegitimo que 0 adolescente se per-
gunte:"Mas 0 que eles querem de mim, entao~ Querem
(segundo eles dizem) que eu aceite esta moratoria, ou
prererem, na verdade, que eu desobede<;a e afin11e minha
independenci:1, realizando assim seus i(kais~"
Serft que os proprios adultos sabem~ Aparente-
mente n:l0: a adolcscencia assume assim a tnera de
interpretar 0 desejo inconsciente (ou simplesmente
escondido, esquecido) dos adultos.
o pensamento e mais ou menos 0 seguinte: "Os
adultos querem coisas contraditorias. Ell's pedem uma
morat()ria de minha autonomi:1, mas 0 resultado de
minha aceit1<;ao e que ell'S n:lo me al11:1m mais como
uma crianya, nem reconhecem COlno um par esta 'coi-
sa' na qual eu me transrormei. T1lvez, para ganhar seu
amor e seu reconhecimento, eu nao deva entao seguir:1
risC1 SU:ISindicl<,'oes e seus pedidos, mas descobrir qual
l' de t:1tO 0 desejo dell'S, atrfts do que dizem que que-
ITI11. EI11 suma: de t:1tO (e n:lo se) em SU:1Srecomenda-
<JK'S pedag6giclS), qu:d e 0 ide:d dos adultos, p:lra que
eu possa presel1tea-los com isso e portanto ser por ell'S
entlm :lI11ado e reconhecido como adulto~"
EI11 geral, 0 :ldolcscellte e c)timo interprete do
desejo dos :ldultos. Mas 0 proprio sucesso de suas il1-
terpreu<;oes produz ratalmente 0 desencontro entre
:Idultos e adolcscentes. (lois se estabelece UI11t;.mtasti-
co qLiiproquo: 0 adolcscente acaba evelltualme11te
:Itu:lndo, IT:1lizando um ideal que e l11esmo :llgum de-
sejo reprimido do adulto. Mas acontece que esse
desejo nao era repril11ido pelo adulto por :ICISO. Se
reprimiu, r(li porqul' queria esquece-Io. 1\)1" cOllSe-
<jL'IL'ncia,o adulto SCIpock negar:1 paternidade des-
Sl' lksejo e se :lproveit:H da situa<,':lo p:H:1 reprin11-lo
,lilllLI 111:lIS110 :Idolcscente.
Um C1S0simples e crucial: a ickaliz:l<,';io do que
\,,1:1 l(l!':l da lei t' prClpria :1 cultura modema. 0 indivi-
dll.IiisnlO de nOSS:1cultura preza acima de tudo :1 auto-
1I1)llli:1 e a illdepelldcllCia de calb sujeito. (lor Olltro
I.ldl), :1 convivellcia soci:d pede LJue se tL1guem doses
( ,lv:Ii:lres de COnr(lrl11islllo. (l:lLl compellsar ess:1 e:\igel1-
( 1.1,,I ide:diza<,'ao do f()J'a-da-lei, do b:llldido, torllou-se
1',111' illtegrallte cia cultura popular. C:'ingsteres, {o/l'!Joys,
III.Ii,llld ros Iiterarios, televisivos ou cil1ematogratlcos se-
f',II\'1I1 l'lllTetendo nossos sonhos. Evelltu:lllllente (mas
11.10IllTl'ss:lriamente) essa ickaliz:I<,<io l' acomp:lllh:1da
11Ili ,Ii:'11111tipo de justi hCltiv:1 moral. (lor e:\emplo,
I (Illill Ilood esti :lm:lrgelll d:l lei, 111;ISisso porLJue 0
('I dC., dl' Nottingham e UI11 usurpador ilcgitimo. Ou
"('1,1, I ohill Hood se SitU:l contra e acinu lLl lei elll
Iii IIIll' de 1I111;ljuSti<,':1su pl'l'ior :1eb. M:1S ess:1 :1rti 111:111ha
11,1,\'( (' C:ld:1 Vl'Z Il1enOS Ilecessaria: 11;IS{dtim:ls lll-cadas
1. UI11:1CUltuLl el11 quc a autollol11i;1 e a illdepen-
dl'lll'ia SJO os v:llores celltrais e Ilnis cX:lltados SC1pock
sc traJ1Sl11itir por UI11duplo villculo, ou scja, por ul11a
cOllsigll:1(,<io paLldoxalc COlltLlditc1ria, A virtudc cssell-
Ci:ll quc dcvc Sl'r cllsillada l" COI11dL'ito, a C1p:1Cidade
dc dcsobeckccr. PorL1I1to, obcdcccr l' dcsobcdcccr. Mas
- cOl11pliC1(;:lo - qucl11 dcsobcdcce cst:l obcdccClldo,
I)ificil tallto obcdcccr quallto Sl'll cOlltr~rio.
2, Na sociedade prl'-l11ockrn:l, a divis:lo SOci:llcra
rl,lativallll'llte pacificl, cst:1bclecida. Hoje, a divisJO '00-
ciall' 1l1()vclc a posi<,'JO dc cacb 11111lkpClllk, Cll1 prill-
('lpio, do recollhcul11el1to dos outros que se Ctlllseguc
<HI I1JO. E 110rl11al que llil1guCI11 csteja satisfeito C:ll11
SU:lsitU:1<;JOc quc cacb UI11tCl1te l11elhor~-Ia. 0 adulto
Illockrllo tL1I1sl11itcao :ldolesccl1tc IlJO ul11cstado ollde
l'le pockria sc illstalar C0l110 sc Iwrlbssc ul1n l11oLldia,
111.1'0ul11a aspiLl<,'JO. Mais do quc isso: cle tLlIlSll1ite a scu
1'c'hclltO a :1l1lhi<,':10de 11:10rcpcrir a Vilb c 0 status dos
"dultos que 0 ellgelldrar:llll. Ou seja, de desrespeitar
'olLISorigem, de llJO se cOllfi.lrJllar, dc se destacar.
~. Apesar disso tudo, os :ldultos dCVCIll tal11bl'l11
11,lllslllitir :10 adolesccllte as regLls d:1 COllforl11icbdc
'o(\('j:d, Ilecess:lri:l para que ele IlJO slja sil11plesl11el1te
1I1.lll:lJludo. Ora, C'SS:ltLlllSll1isSJO illevitlvel de prillci-
I"I I, IllOLlis e valores prez:ldos pelo COllseilSO social ap:l-
I('('C ;10 adokscelltl' COl110 prova ch covardia, do
'lI'orl 1IIliSl110e do fi'aclsso dos :ldultos, Se des prez:ll11 :1
1''\I'C,';!O, pOl'que se dobLllll :1rogar a COllfi.1rl11idadc? A
,llIlorid:ldc do adulto l' assill1 lllill:ICb, po is todos os va-
II 1('s 1'0Sltivos p:lrc'CCI11Cl11allar lb resiglla,'Jo ao [l'acls-
"I, dL' 11111IksljO fi'UStLldo de rcbeldia ou dc ullicid:llk.
( )11.111(0IILlis 0 :ldulto telltl sc cOllstituir C0l110 :lLItori-
1i,lIk Il1l1r:d, t1l1to l11ais se qlqlificl C0l110 hipcKrita,
11I1I'IIIC':1cultura (e ekjullto co 111cIa) prol110VC COlllO
llil',d ,'qul'k que [;lZ excc,'JO :1 1l0rJl1a,
GUStUllClltC qualldo ap:lreceu e villgou :1:ldolescellcia),
a l11argillalilbdc c a dclillqi.il'l1Cia SJO Cllh vez l11ais
glorirlcHbs pcla CUltuL1 popular. Prova dc UI11sOllho
:ldulto hCI11PI'l'SClltC c bCIll rcpril11ido,
N:lo l' diflcil, port1l1to, :10 :ldokscellte illtcrprc-
tar 0 COllt()rJl1isl11o ou I11CSlllO0 "legalisll1o" dos adul-
tos C0l110 Silltol11as de UI11dcsejo que sOllha I11CSI110
COI11trallsgrcss(ics c illfi'a<;()es c que (SUpClC0 :ldoles-
cCllte) preferiria portlllto UI11 filho 111:1blldro a UI11
"ll1:llIricillho b:lbaC1".
Par:] clwgar a CSS:lcOllcluSJo, 0 :ldokscelltc 11JO
precisa de l11uito esr'or<;o, pO is :1 cultura popubr tll11-
bell1 ilk:lliza :1prclpria adoksccilcia rebelde.
Esse l' Uill sOllho <HIUll1a Ilostalgia explicita dos
l11eS1110Sadultos que pedell1 ohedil'llcia e cOIl[()J'Jl1ilb-
de :IOS adokscelltc's e sell1pre klllhr:ll11 0 que acollte-
ceu COll1Ch:llK'l~zil lho VerJl1e1ho porter lksobeckcido
:1 I11JC,111:1'0quc lla venbck sc extasi:lll1 COI11UIl];l 1011ga
slTic lk apologi:ls lh revoltl dos jOYeIlS, cksde )1//ll'l/tl/dl'
'lhIlIS/liildd :ltC I":ids.-'
EIll SUlll:l,O :ldokscClltC C kvado illevitavdl11el1te a
descobrir a 11ost:dgi:1 adult:l lk tr:lIlsgrl'SSJO, ou l11elhor,
dc rcsistcllcia :ls exigcllci:1S :llltilibert~rias do l11ulldo. Ele
ouvc, :ltr~s dos pedidos dos :ldultos, Ull1 "F:1<;a 0 quc CU
dcsljo e I1JO 0 quc cu pc<,'o", E atlla el11 cOllscqi.icllcia.
Essa 11ltcrpret1<,'Jo do desejo dos adultos pdo
adolesccllte I1JO C SClr:lCilitllb ou illduzida peb cultu-
1':1popubr, qlll' otL-rcce:l kitur:l de todos ul11a cspecie
dc rcpcrtc)rio social dos sOllhos e dos idclis, Mesl1lo
SClll eSS:1r:lcilit:l,'JO, :lS propril'lbdes b~sic;)s do dcsejo
IllOdl'l'I10 !cv:lri:1I11 0 :ldokscClltC :1s J1)CSl1las cOllc1u-
SCles dc flllldo, J>c!o seguilltc Cll1linho:
4. Quanto mais 0 adlllto se manifesta rigoroso e
quer impor sua alltoridade recorrendo ~1uma tradi-
<;:ao,tanto l1lais ele a enfi-aquece e se enfi'aquece com
ela. Esse reCllrso, portanto, passa a produzir cacla vez
mais revolta pOl' aparecer sempre, em nossa cultllra,
como hip6crita. Ou seja, C0l110 repressJo exercida
contra 0 inconfess~1vel de nossos sonhos.
5. 0 adolescente e levado a conclllir que 0 adlll-
to qucr dele revolta. E a repressao s6 confirma nele
essa cren<;:a,apenas acrcscenundo a constata<;ao de que
o adlilto repressor e hip6crita.
3. /lCOMO CONSEGUIR
QUE ME
RECONHE~AM
E ADMITAM
COMO ADULTO?/I
L!J
finali;:lade da adolescencia e clara: 0 ado-
A lescente quer se tornar adulto. Podemosmanter essahip6tese inicial, embora, como
veremos (conclusao do Capitulo 4), nessa
empreitada 0 adolescente encontre uma surpresa. Mas,
por ora, constatemos que 0 adolescente quer ser reco-
nhecido como sujeito adulto, mIl par dos adultos. Ele
quer permissao para fazer parte da comunidade.
o problema, como observamos antes, e que para
ser reconhecido ele parece ter que transgredir. Para ser
amado, para preencher as expectativas do desejo dos
adultos, e necessario, paradoxalmente, nao se confor-
mar ao que os mesmos adultos explicitamente pedem.
Transgredir tambem nao e nada fkil. Nao e suficiente
atender as expectativas implicitas e faltar com as expli-
citas. Como ja observamos, 0 adolescente se encontra
entregue a problemas l6gicos complicados.
Se 0 imperativo cultural dominante e "Desobe-
dece!", "Prova tua autonomia!", entao desobedecer
pode ser UIll;1 m;1neira de obedecer. E obedecer, quelll
sa be, talvez SLj;10 jeito certo de IlJO se cOllformar.
Essa complicl<;'JO insolllvcl introduz UI11 Icque
de trallSgressC,es que vai desde Ull1 cOIlf(JrmislllO ines-
per;ldo (0 cLll11Ulo da trallSgress;lo nesse CISO cOllsiste
elll voltar a uilla cultuLl que Ilao flria ;1 apologia da
'LlllsgreSSao) atc UIll:l espC'cie de arremata<;'ao illhnitl,
cm que ILlO se s;llw mais qU;ll IaIlCC ellcolltL1r que
cOllstitua UIll;l tLllISgress;lo sutlciellte.
N;lo Il(] C0!l10 tl'lltar uma lisu IlleSlllO sllcillta
dos cOlllpOr';l111elltos e csti!os pelos qluis os ;ldolcs-
CClltes pedelll SU;1 ;ldllliss;lO ;1 socicdade :ldulta. Na
IlleSllla C'pOCI Cill qut' p;lrect' villg;lr 0 pt's;ldclo do
I)relbdor urballo, U!l1bC'1ll aparecelll jovt'lls que co-
kriv;lll1ellte abjuLllll as sedll<,"oes do I11Ulldo, se
l'llg;ljam a cllegar virgells ;10 CaS;lmL'lllO e se veste!l1
("01110 l11issioILlrios. A v;lr!l'dade dc cscolll;lS l11or;lis
11.10 C, ll1ellor: desdc 0 cinisillo cril11illOSO atc a pie-
d,llk IlLiis soliltlria.
() t;ltO C' quea ;ldoksct'llcia c 1I111;1illtcrpretl-
',10 llc sOllllos adultos, produzilb pOl' UIl];1 Illorat()ri;l
\jIll' f(Jr<;'a 0 ;1dolcscellte a tellLlr dt'scobrir 0 qut' os
,I,hdros querelll dele. 0 adolesCl'nte pOlk cncolltrar
, ,'()Ilstruir respost;ls Illuito diflTt'lltes a essa illvesti-
'"I~',lo, As cOlldlitaS ;Ido!escclltes, em SUIll:l, san t;lo
v,tri:llhs quallto os SOllllOS e os dCSljOS reprilllidos
dlls :ldliitos, (lor isso elas parect'!l1 (e talvcz sejalll)
Ilhl.ls IT;lllsgrt'ssor:1s. No 111ill i1110,tLl11sgridem a VOI1-
1.11!t-l',\pliciu dos ;ldllltos.
() ;ldo!t-scclltc, ILl procllra dc recollilecimellto, C'
I Idlllr,dllll'11te sedllzido a se ellg;0ar pOl' cl111illllos tor-
IIIIl,OS olllk, par;1doxalmellte, e1t' se ll1argin;1liza logo
llil IIIOII1CIltO em quc viria st' illtegrar. (lois 0 que Ille
I' IlIOI)(lStO C tentar, Oll Illelllo'r, f<:m;ar, sua illtegra<,'ao
111,1,IIIIL'llrL'se 0polldo ;ls regras lb COl11llllilbde.
As mil e uma condutas que unl adolcscente pode
escolher para tentar obter 0 reconheeimellto dos adul-
tos tem, portanto, uma coisa em e011ll1l11,alem do ca-
r~lter dificil, senao desesperado, do empreendilllento.
Tratl-se do sentilllento dos adultos de que a adoles-
cencia e uma especie de patologia social ou, no me-
Ihor dos casos, Ulll lugar onde as patologias psiquicas e
socia is serianl endemicas e epidt'miCls.
o comportalllento adolescente e considerado no
minimo anormal, por parecer (e de f..1toser) transgres-
sivo, quando cOlllparado ao padrao :ldulto (0 paddo
confesso dos :ldultos).
Os adolescentes san r;lcilmellte cOllSiderados uma
amea<;a ~1ordem estabelecida e ~1paz f;lmiliar.
Os ~ldultos recei~lm as irrup<;6es tr~lI1sgressivasque
os adolcseentes podem escolher como lllaneiras de se
aflrmar. Mas, sobretudo, os adultos sabem confusamente
que 0 que h5 de nuis tr~lI1sgressor nos adolescentes c a
realizac,'ao de lllll desejo dos ~ldultos, que estes preten-
diam reprilllir e esquecer. Se a adolesccncia e uma
patologia, eLl e entao ullla pato!ogia dos desejos de
rebeldia reprimidos pelos adultos.
A vid~l real dos ~ldokscelltes (cia grande maioria
ckks) pock ter poueo a ver com as rlguras deSS~lpato-
logia. M~lSebs saG cruciais, por duas razoes.
I>rimeiro, desuever e tenLlr explicar os com-
portamentos extremos dos ~ldolescentes e a melhor
maneira de situar os monstros que entl'enta tam-
bem 0 adolescente aparentemente "normal" - em-
bora ele os enfrente de maneira mais bem-sucedida.
Pais e ~ldolescentes conseguelll a cada dia negociar
acordos vi5veis. Mas, por isso mesmo, 0 drama da
adolescencia, com 0 qual conseguem lidar, apare-
ce m:lis claramente quando sua violencia atropela
seus ~ltores.
Segundo, a adolescencia n:lO e s6 0 conjunto d:ls
vidas dos adolescentes. E tambem uma imagem ou
uma serie de imagens que muito pesa sobre a vida dos
adolescentes. Ell'S transgridem para ser reconhecidos,
e os adultos, para reconhece-Ios, constroel1l visoes da
adolescencia. Elas podem estar entre 0 sonho (afinal, 0
adolescente e a atua<;30 d' desejos dos adultos), 0 pe-
sadelo (sao desejos que estariam melhor esquecidos) e
o espantalho (sao desejos que talvez voltem para se
vingar de quem os reprimiu).
Essas visoes - embora scmpre extremas - SaGt:lm-
bt'm :lS linhas segundo as qU:lis de fato se organiza 0
comportamento dos :ldolescentes em sua procura de
reconhecil1lento. Sao :l0 mesmo tempo concre<;:6es d:l
rcbe1dia extrem:l dos adolescentes e sonhos, pesadelos
ou espantalhos dos adultos. Por isso,s30 chaves de acesso
~I:Idolescencia. Destaco cinco: 0 adolescente greg5rio,
() delinqi.iente, 0 toxicomano, 0 adolescente que se
l'IJI:Ciae 0 :ldolescente barulhento.
( ) :Ic!olescente, descobrindo que a nOV:limagem pro-
Il'l.lc!:1por seu corpo n30 Ihe v;lle "naturalmente" 0
\·~l.llut() de adulto, e acuado a agir.
A pril1leira a<;:30- em resposta a f;llta do reco-
Idl Tillll'l1tO que ell' esper:lva dos adultos - consiste
\'111111'()curarnovas condi<;:6es sociais, em que sua ad-
Illi 's~o como cid:ldao de pleno direito nao dependa
ill.ll~ c!os :ldultos e, portanto, n30 seja lll:lis sujeita a
111111.llllri:1.0 adolescente tra~sform:l assil1l sua faixa
11.111,(IHIIlI grupo social, ou entao num conglomera-
1I11 \ Iv . 'TUpOSsociais dos quais os adultos s30 exc1ui-
dos e em que os adolescentes podem mutuamente se
reconhecer como pares.
Contra riamente as crianc;:as, os adolescentes em
geral considerarao que sua verdadeir,) comunidade nao
e a familia. [sso nao e propriament' um efeito da fi'e-
qLiente desagregac;:50 dos nllc1eos f..ll11iliares(esvazia-
nlento das casas onde todos trabalham, ou separac;:50
dos pais). E 0 inverso: a crise da f..lmllia revela de fato
que as proprios adultos estao tomados pOl' pruridos
adolescentes, com ansia de rebeldias e Iiberdades (en-
tre elas, a Iiberdade das responsabilidades de Ulna fa-
milia). Essas inquietac;:oes juvenis nao os aproximam
dos adolescentes, os quais esperal1l deles algo gue nao
encontram em sellS coetaneos. E possivel que sllljam
novos modelos de f..lmilia e estes permitam que adul-
tos e adolescentes convivam - e nao so se abriguem
sob 0 mesmo teto. Ate la, a verdadeira comunidade do
adolescente e composta pOI' seus coetaneos e, entre
estes, pelo grupo restrito de pares com os quais com-
partilha as escolhas de estilo mais importantes.
Recusad'o como par pela comunidade dos adul-
tos, illdignado pela moratoria que Ihe e imposta e
acuado pela indefinic;:50 dos requisitos para termina-la
(a f:1I110sae elligm:ltica maturidade), 0 ;ldolescente se
afasta dos ,ldultos e cria, inventa e integra microsso-
ciedades que VaGdesde 0 grupo de allligos ate 0 gru-
po de estilo, ate a gangue.
Nesses grllpos, ele procura a ausencia de mora-
toria ou, no minimo, uma integrac;:ao mais r:lpida e
criterios de admissao claros, explicitos e praticaveis (a
diferenc;:a do que acontece com a famosa "l1latllrida-
de" exigida pelos adultos).
Os grupos adolescentes, sempre respondendo a
esses pre-requisitos, sao, pOl' assil1l dizer, de densida-
des diferentes. Alguns SaGinformais e abertos, como
as comunidades de estilo (rf(/rl<,puul<, /'{IIlC, (Iubucr etc.):
o acesso aqui exige apenas a composic;:ao de uma
imagem, um 1001< que todos reconhepl11 como tra-
c;:oconHlm.
Outros grupos pedem que a senha que d:l aces-
so a COl1lunidade seja uma mal'O duradoura - tatua-
gem, cicatriz - Oll lll11tipo especifico de 1110dificac;:50
corporal.
Outros, ainda, pedel1l lll1la especie de pacto de
sangue, como a participac;:ao nlll11a responsabilidade
coletiva indissoll1vel, sel1l retorno. Aqui 0 ato de rou-
bal', estupr,1r ou matar coletivamente produz uma cul-
pa C01l1um, L1l11segredo comum.
o grupo adolescente - seja llm estilo cOl11parti-
Ihado ou propriamente uma gangue - aparece de qual-
querjeito como uma patologia aos olhos dos adultos.
Os gostos greg5rios dos jovens SaGconsiderados anor-
mais eperigosos. 0 grupo adolescente e vivido como
o que sanciona a desagregac;:ao da familia e quebra a
relac;:ao hier5rquica entre gerac;:oes, visto que 0 adoles-
cente encontra em seus coetiineos 0 reconhecimento
que se esperava que pedisse aos adultos.
o adulto, se1l1 se perguntar muito pOI' que os
adoJescentes SaGgregarios, de1l10niza 0 grupo adoles-
cente temido como uma especie de tribo na tribo.
De fato, a propria constituic;:ao do grupo adoles-
centc e, do ponto de vista dos aduJtos, uma transgres-
sao. Os adolescentes se tornam greg;1rios porque Ihes
e negado 0 reconhecimento dos adultos - sendo isso
o que eles mais querem. [>01'isso, inventam grupos em
que possam encontrar e trocar 0 que os adllitos recu-
saram ou pediram que fosse deixado para mais tarde.Ora, os adultos consider')m suspeito esse afas-
tamento dos adolescentes. Com rnao, pois 0 grupo
;ldolescente surgejustamellte porque estes escoJhe-
rJm nao mJis esperar pelo reconhecimento poster-
gado dos adultos. 0 que ja e uma transgressao, tal-
vez a malS grave.
Portanto,o greg:1rismo aparece C0l110uma pato-
logia adolescente por ser uma forma de insubordina-
c;ao aos adultos.
Os jovens gregarios transgridem par se basta-
rem, ou seja, por se reconhecerem entre pares, dispen-
sando os adultos.
Mas, alem disso, no grupo assim constituido, eles
perseguem e pratical1l os sonhos proibidos (dos adul-
tos).O grupo adolescente e transgressor em sua fun-
c;ao (of ere eel' reconhecimento sem precisar dos
adultos). Mas e tambem facill11ente trJnsgressor em
suas JtuJ<;:6es. PJra seus membros, vale a ideia de que a
esperJn<;:a de reconhecimento vem da transgressao.
Sobretudo, vale J constata<;:ao de que a transgressao
coletiva solidi fica 0 grupo e garante reconhecimento
reciproco no seu seio. 0 grupo adolescente se torna
por isso mesl1lo um espantalho.
Nao e por acaso que, em certJs jurisdic;6es dos
EstJdos Unidos, pOI' exemp!o, a legisla<;:ao local per-
mite que os jovens pilotem um carro desde os 16
anos, mas proibe que dirijam com outros adoles-
centes no veiculo antes dos 18 Jnos de idade. A ex-
perienciJ mostra JO Iegislador que a reuniao de
Jdolescentes multiplica substanciJlmente a tentJ<;:ao
de illfi'ingir regras. Ou seja, desde que 0 grupo ado-
lescente estejJ reunido, cada um (J comeC;Jr pelo
piloto) tera a taref:1 de conseguir :1quele reconheci-
mento pelos outros que os adultos negal1l.
Quanto l1lais 0 comportamento for transgressor,
tanto mais f:lcil sera 0 reconhecimento: a transgres-
sac demonstra afJstamento dos adultos, Jdesao e fi-
delidade ao grupo.
E, quanto l11ais 0 comportal11ento infrator en-
contrar reconhecimento imediato pelos outras, tanto
mais vai se estender, se tornar cOl11plexo e se distanci-
ar das normas.
Por essa razao, qualquer policial de ronda sabe
que, a partir de tres, os adolescentes se tornam poten-
cialmente mais perigosos, visto que se constituent nUI11
grupo de reconhecimento mL1tuo, em que a infra<;:ao
(grande ou pequena) vale como senha.
o ADOLESCENTE DELINQUENTE
Voltemos a motivac;ao primeira do adolescente: trata-
~ . dc conseguir um reconhecimento para 0 qual nin-
~llc'm sabe the dizer quais sac as pravas, qual e 0 ritual
ill ici:ltorio necessario. E, pOl' conseqiiencia, de cola-
I .iI·I-lma uma moratoria que lhe e imposta logo quando
~\' SCllte madura, forte e potencialmente adulto.
o ;1dolcscente e rejeitado pela sociedade dos
,Idliitos, que respondem JO seu pedido de Jdmissao
10111lima bola preta na urna. Ora, quando Llln pe-
dido 11;10encontra uma palavra que no minimo re-
I 1111I1c\-':1sua relevancia, normall11ente seu autor
li'V.IIILl :1 voz. Numa progressao linear, grita, quebra
Idl'lls C pr:1tos, coloca fogo na casa e pode ate se
111,11.11'p:II':1ser levado a serio. Ou seja, ele tenta im-
11111pch (01'<;::1,ou mesmo pela violencia, 0 que apa-
II IIIVllle'lltC nao e ouvido.
(:, 11Ig:lr-col11ul11notal' que haveria uma il11por-
1.11111.1lJ11:llltitativa da criminaJidade adolescente - 0
11111'1),10C' tot;1lmente surpresa,. visto que a rebeldia
11111'\(' S'I' Lilli caminho que 0 proprio adulto aponta
1111,1i) .Ido!c·sccnte. Mesmo nos L11timosanos, quando
a criminalidade diminuiu drasticamente nas grandes
cidades americanas, por exemplo, 0 Lll1iconLlmero que
resistiu foi 0 de adolescentes infratores e criminosos.
Em alguns momentos e lugares, des ate cresceram.
Alimenta-se assim 0 espantalho do adolescente dito
"predador" (C0111.0se Fosse uma especie diferente
identificada pOl' seu comportamento sanguinario).
Ora, custou certo tempo para que alguem se desse
conta do que esta por tras dos nLlmeros (vai custar
mais ainda para que esta verdade seja assimilada pelo
pLlblico). A verdade e que 0 nLlmero de crimes co-
metidos pOl' adolescentes provavelmente evolui segun-
do uma curva bem parecida com a curva dos crimes
dos adultos. Provavdmente - pOl"que a grande maio-
ria das pesquisas nao conta os crimes, mas os crimino-
sos indiciados e condenados. A conseqi.iencia dessa
abordagem ~ que a tribo mais gregaria sempre parece
mais criminosa. Nao e dificil en tender por que: os
adolescentes cometem seus crimes em grupo (para se
reconhecerem n1utlwn1ente como membros do gru-
po). E claro, pOl' conseguinte, que a cada crime varios
adolescentes criminosos podel11 ser inculpados e con-
denados. Isso nao e 0 caso dos adultos.
A ideia de que os adolescentes seriam 0 grupo
mais perigosamente criminoso nao parece tel' suporte
quantitativo. Os nLIl11eros so nos dizem algo que de
fato nao e surpreendente, a luz de nossas considera-
yoes: ou seja, um adulto ou no maximo dois se engajalll
juntos no empreendimento de roubar um carro. 0
mesmo crime podera ser cometido pOl' um bando de
adolescentes que, uma vez 0 crime perpetrado, mal
caberao todos no carro.
Resumindo, 0 adolescente tem dois caminhos
possiveis e compativeis para obter algum recon hcci
mento: fazer grupo e fazer estardalhayo, ou "best<.:i
ras". Melhor ainda: fazer grupo e com 0 grupo fazer
besteiras. Enfim, se associar para transgredir.
Nessas condiyoes, a delinqi.iencia poderia ser uma
solida vocayao da adolescencia.
"Delinqi.iencia" nao e uma palavra excessiva,
embora de fato pouquissimos adolescentes se tornem
propria mente delinqiientes. Mas existe uma parceria
de adolescencia e delinqiiencia, porque 0 adolescente,
por nao ser reconhecido dentro do pacto social, ten-
tara ser reconhecido "fora" ou contra ele - ou, 0 que
da na mesma, no pacto alternativo do grupo.
Ele constituira um novo pacto entre adolescen-
tes, com claras regras de reconhecimento mutuo. Es-
sas regras sempre estarao deliberadamente em ruptura,
Illais ou menos declarada, com 0 pacto social.
Dentro ou fora da pratica gregaria, os jovens nao
desistirao de tentar suscitar a atenyao e 0 reconheci-
Illento dos adultos. 0 grupo que eles vierem a consti-
lllir seguira um modelo de ac;:aoque devera transgredir
() pacto social, ja que continua viva a esperanc;:a de
IIlerecer, por essa transgressao, a atenc;:ao dos adultos. A
lr:lllsgressao tenta encenar 0 que os adolescentes acre-
ditll11 ser um desejo recalcado dos adultos. Ha 0 pro-
.kto de entregar como presente para os adultos um
I'Olllportamento, um gesto, do qual eles teriam sido
li"lIstrados e, assim, de merecer uma medalha. Quanto
111:1is a interpretac;:ao do desejo dos adultos for certei-
1,1,Illais esse projeto fracassara. Nesse caso, a transgres-
~,I():ldolescente presenteia os adultos com uma imagem
qlll' justamente eles querem reprimir. 0 erro dos ado-
l('s "Ciltes (erro em relac;:ao a sua propria estrategia) e
p '11S:lrque para os adultos possa ser agradavel encon-
11,11" lima encenac;:ao de seu proprio recalque.
Paradoxo e dificuldade da relac;:aoentre gerac;:oes:
liS ,Idolescentes transgridem - ate gravemente - nao
para burlar a lei, nao na esperanya de escapar das con-
seqi.iencias de seus atos, mas, ao contrario, para excita-
la, para que a repressao corra atras deles e assim os
reconheya como pares dos adultos, ou melhor, como
as partes escuras e esquecidas dos adultos. Eles imagi-
nam que, como deJinqi.ientes, serao amados por serem
porta do res de sonhos recalcados. Nessa condiyao, tor-
na-se impossivel para os adultos escolher uma estrate-
\ gia correta entre tolerancia e repressao. Por exemplo,
e um perigo deixar a porta aberta (como esta aconte-
cendo cada vez em mais paises) para que 0 tribunal
decida se jovens culpados de crimesgraves devem ser
perseguidos como menores ou como adultos. A vista
disso, como 0 jovem resistiria a tentayao de fazer algo
que seja grave a ponto de foryar 0 tribunal a julga-lo
como adulto - que e 0 que ele pede desde sempre? Se
for julgado e condenado como adulto, isso sera a de-
monstrayao do fato de que os adultos so ouvem a lin-
guagem do crime mais detestavel e de que essa
linguagem funciona.
Tolerar nao e uma opyao, vis to que 0 jovem atua
justamente para levantar a repressao. A tolerancia so 0
foryara a atuar com mais violencia.
Os adolescentes, entao, transgridem e os adultos
reprimem. Por um lado, se os adultos reprimem pre-
ventivamente, impondo regras ao comportamento
adolescente, eles afirmam a nao-nuturidade dos ado-
lescentes. Em resposta, os adolescentes serao levados a
procurar maneiras violentas de impor seu reconheci-
n1ento.
Por outro lado, a repressao punitiva so manifesta
ao adolescente que seu gesto nao foi entendido como
deveria, ou seja, como um pacote de presente cheio d~
ideais e desejos reprimidos dos adultos. 0 que tambcnl
levara 0 adolescente a aUlTlentar a dose de rebeldia.
Nao e dificil enumerar os comportamentos mais
frequentes da delinquencia adolescente. Sua banalida-
de so demonstra a banaJidade dos desejos que os ado-
lescentes conseguem descobrir atras do silencio dos
adultos.
o furto - desde os pequenos roubos de mer-
cadoria nas lojas ate 0 assalto e a colaborayao em
empreendimentos criminosos (extorsao, trificos ili-
citos etc.) - sac a conduta mais obvia. Afinal, 0 ide-
~11social do sucesso financeiro e triunfante em nossa
sociedade, e 0 jovem e mantido afastado dele pela
Illoratoria da adolescencia. Ele escolhe perseguir esse
sucesso por um caminho que dispensa a retorica
L'xplicita sobre 0 valor do esforyo, do suor na testa e
do trabalho (todos pretextos da moratoria). Trata es-
s 'S valores morais como se fossem apenas ornamen-
tos corretivos, que permitem ao adulto tolerar sua
pr{)pria avidez. 0 pensamento do jovem, por incoi1s-
('i 'nte que seja,soari assim:"Voces me dizem que e
p:lra ficar rico, mas querem que eu fique aqui na
('spera suando para me preparar. Eu acho que essa
pI' 'parayao suada que voces promovem e elogiam e
,Ip 'lIas umjeito de voces se consolarem de seus fra-
t ,ISSOSe nao encararem suas covardias. Eu vou com-
p,'1 ir pelos meios diretos que na verdade voces
1'+( st:lriam de usar.Vou roubar, por exemplo".
Outro exemplo e a valorizayao seja da forya fi-
1<',1, seja da provocayao, da disponibilidade ao
,',ili' 'ntlillento (a capacidade de lutar e arriscar). 0
,t1nk'Sl"ellte atua, encena 0 gosto de se afirmar sobre
, I (lIll 1':1 os OLItros arriscando a pele, parodia do mes-
Ill' ,lIltigo, i\ qual 0 adulto renunciou faz tempo -
1'll·lniJldo negociayoes e outJ;.os compromissos so-
I 1.1" III 'IIOSperigosos. De novo 0 adolescente, lem-
111.1111 III P '10 seu comportamento que a violencia pode
ser fonte de autoridade, nao seduz 0 adulto. Ao con-
trario, ele 0 constrange e 0 ameaya, apontando sua
covardia. Na relayao com os adultos (nao so sua
familia), 0 adolescente, nao conseguindo produzir res-
peito, prefere e consegue produzir medo. 0 medo e
o equivalente fisico, real, do que 0 respeito seria sim-
bolicamente.
Entende-se como a delinqi-iencia propriamente
dita, organizada, pode vir a ser uma resposta a mora-
toria. Ela frequentemente implica uma associayao de
delmqi-ientes que comporta todos os requisitos do gru-
po de adolescentes. Satisfaz 0 ideal social de sucesso e
riqueza pela apropriayao imediata e real. E impoe 0
me do que e 0 equivalente real do respeito. "Me disse-
ram que era crucial enriquecer, ter sucesso e poder.
Nao me deixaram competir - pediram para esperar.
Entao eles van ver."
Do mesmo jeito, a promiscuidade mais arriscada
pode ser uma resposta a moratoria sexual, que trans-
gnde a retorica explicita do pudor, do respeito, da
vergonha. "Me dizem que e para ser desejante e dese-
javel e gozar com isso, mas me pedem para esperar,
para nao me queimar cedo demais. Eles nao querem
encarar suas covardias frente a seus proprios desejos.
Querem, falam, falam e nunca fazem 0 que querem.
Eu you lhes mostrar como se goza." Nao conseguin-
do que seu corpo seja reconhecido como adulto (por-
tan to desejavel), 0 adolescente pode escolher se impor
pela seduyao mais brutal. 0 desejo do adulto seduzi-
do, tentado, e - como 0 medo - outro equivalente
fisico, real, de um reconhecimento que tarda.
A prostituiyao adolescente com clientes adultos
e um bOlTl exemplo de uma maneira de foryar 0 reco-
nhecimento, quase ironica: "Se este corpo nao e des ,-
javel, por que pagam para te-lo por um lTlOmento?"
A visao da adolescencia que parece ser mais preocu-
pante para os adultos e a visao do adolescente toxico-
mano. Os adolescentes seriam mais sensiveis do que
os adultos ao charme das drogas ilegais.
Na verda de, nao seria dificil argumentar que 0
interesse dos adolescentes de hoje para as drogas e a
atuayao de um interesse para as drogas da gerayao pre-
'cdente, Os adolescentes de hoje san os descendentes
de uma gerayao que explicitamente ligou 0 uso das
drogas a todos os sonhos de liberayao e revoluyao (pes-
soal, sexual, social ete.) que ela agitou e subseqi-iente-
Illcnte abandonou e recalcou.
Desse ponto de vista, a relayao adolescente com
.IS drogas seria hoje um capitulo da rebeldia herdada
I 'Ios adolescentes, depois de largada por seus pais. Ela
s -ri:l a interpretayao e atuayao da grande esperanya
'Ill ' os adultos de hoje recalcaram, quando desistiram
d ' sua revolta e abrayaram valores mais estabelecidos.
Mas a droga tem tambem outras razoes de sedu-
\'i I' () adolescente.
Sensivel a "injustiya" da moratoria, 0 adoles-
I I'IHC descobre que, em materia de drogas ditas le-
f".lis (~lcool e tabaco), hi em principio uma separayao
tll' I ·sos e medidas entre adultos e adolescentes. A
IIIIndiy30 s,letiva dessas drogas aos adolescentes e
I i(h como parte do processo de sua infantilizayao,
1111101 V"/. que cigarro e alcool SaG liberados para os
Ii II ill os.
) argumento que insiste sobre 0 perigo de aI-
, Iii Ii I' L:lh:lco para a sallde pode produzir 0 efeito in-
I I'll) ,10L'spcrado, pois nada prova que 0 adolescente
'1"1'11.1 Sri' 0 objeto de uma proteyao ou de un1.cuida-
do especial gue, de novo, 0 infantilizaria. No entanto,
esse argumento deve ser levantado e defendido
vigorosamente pelos pais. Sem isso, 0 adolescente po-
deria se sentiI' entregue a algo bem pior do gue a
infantilizaC;ao: 0 descaso de seus pais com sua vida.
EIt' tambem po de ser seduzido justamente pelo
risco de vida gue cigarro e bebida acarretam. R.epre-
sentante guase oficial cbs fantasias inconfessaveis dos
adultos, 0 adolescente nao vai poder ficar atras, logo
num campo onde alguns adultos parecem dispostos a
correr riscos para gozar um pouco. A tentac;ao sera de
desafiar os riscos fumando e bebendo ate nao poder
malS.
As drogas que SaGproibidas para todos tem mais
charmes ainda.
Alem de serem proibidas (um charme em si),
podem repl:esentar uma maneira de enriquecer pelo
tr~lfico, desmentindo a moratoria.
Elas proporcionam tambem uma boa forma
gregaria de reconhecimento reciproco entre droga-
dos, ou seja, SaG a ocasiao da constituic;ao de grupos
adolescentes coesos.
Ha mais um aspecto gue faz 0 sucesso da toxico-
mania adolescente, ou no minimo de seu espectro, gue
perturba 0 sonho dos adultos.
o que os adultos receiam, na visao do adoles-
cente drogado, da maconha a heroina e ao crack? Fora
os riscos para a sallde e 0 perigo de encarar conse-
gi.iencias pemis, ha uma especie de temor de gue, no
baseado ou na pedra, 0 adolescenteencontre um ob-
jeto que satisfac;a seu desejo, mate sua procma, acabe
com a insatisfaC;ao. 0 medo, em suma, de que com :1
draga 0 adolescente, de repente, seja feliz. POl' que iss(
angustia os adultos? Seria mesmo um problema p:lr:1
os adolescentes?
o gue e proprio ao desejo moderno e que, atras
de cada objeto desejado, sempre ha llJ11desejo de algo
mais, de llllla gualidade diferente: uma vontade de re-
conhecimento social - a gualnunca se esgota no ob-
jeto. Em outras palavras, 0 gue e desejado e sempre
instrumental para afirmar e constituir nosso lugar so-
cial. POl' mais que eu possa obter 0 objeto que eu
quero, nem por isso ele me satisfara.A riqueza de nos-
so mundo depende disto: de uma procura que deve se
11unter inesgotavel - nenhum objeto satisfazendo a
sede de reconhecimento social gue permanece atras
de nossa vontade de possuir ou de consumir.
Ora - na fantasia dos adultos e talvez de fato -, a
droga seria 0 objeto gue promete e entrega uma satis-
1:1(,-:'10acabada, mesmo que apenas momenranea. Essa
1:llltasia transforma a droga em senha de acesso a lllll
1I11iwrso alternativo regrado pOl' um pacto difel-ente.
Nesse outro mundo, 0 que importa para todos e 0
(lhjeto, a droga, sua presenc;a, nao 0 status social que
.!:t instaura. POl' isso a toxicomania talvez seja a trans-
1',1'ssao mais preocupante, porque parece minar um
Illl'SSliposto fundamental do pacto social vigente: a
Ill'l"In:lI1encia da insatisfac;::io.
Por ser ou parecer lllll objeto que satisfaz de vez,
1111\hel11 em si, a draga e uma ameac;a muito especial.
,1.1.1lJuebra a regra moderna de funcionamento do
dnl:jo. 0 drogado para de deslizar de lllll objeto a
lillll'(I, d:l roupa ao carro, ao parceiro bOllito - todos
111('I:II\)r:ls110caminho de lllll status social gue nem a
Illl.dld:lde dos objetos poderia produzir. A draga - a
tlli\'ll'II~':1 dos outros objetos - apagaria 0 desejo. A
111"1\ 1I1l:1~'aode que 0 rapaz ou a moc;a que usam
111,11(lIill:l p:lrClll de competir lla escola, se deprimam,
11111\,11.1111d:1Clilla etc. e mais que justificada: ela ex-
II1I ',.1n III 'dn kgitimo de gue, pela droga, eles trans-
gridam de vez as regras essenciais do {uncionamento
do desejo moderno.
Mais do que nas outras formas da ddinqliencia,
os adultos veem na droga uma perigosa porta de saida
por onde os adolescentes escapariam J moratoria para
entrar de vez em Dutro mundo.
Os adolescentes concordam com essa preocu-
pa~ao e so podem encontrar nela mais uma razao para
se satisf:lzer na droga. Afinal, os adultos nao param de
mentir, para os outros e para des mesmos, sobre 0
valor, 0 char me e 0 interesse dos objetos. C:onsomem
como se acreditassem mesmo que 0 desfile dos obje-
tos de consumo possa responder, satisfazer, a seus
anseios e desejos.
Precisamos acreditar que os objetos podem nos
fazer felizes. ])eslizamos sem parar de um a outro,
sempre na t;spera de mais lnn que sera decisivo, final.
I)e fato, isso e LlIll f:lz-de-conta. Nao podemos re-
nunciar ;i insatisf:l~ao que nos f:1Zcorrer e que vita-
liza nosso mundo. Nenhum objeto pode nos satisfazer,
pois 0 que queremos nao sao coisas e posses, mas _
atras delas - reconhecimento ou status. E nada pode
extinguir nossa sede desses dois.
Ora, a droga e, na serie dos objetos, Ul11aespecie
de subversao. Drogando-se, 0 adolescente pode pen-
sar estar atuando a seguinte verdade recalcada pelos
adultos: "Ha um objeto que nos satisf:lria, mas e ne-
cessario esquece-lo, pois a satisf:H;ao seria btal para
nosso sistema social".
A droga e lllll objeto mortal. Nao so porque pode
matar 0 usu~lrio, mas porque - tao grave quanto isso _
ela pode matar seu desejo.
De f:ltO,nao e 0 caso de dramatizar essa visao do
adolescente toxicomano. A grande Illaioria dos ado-
lescentes apenas flerta com a droga.
Na verdade, e fi-eqliente que adolescentes passem
pela droga L1Intempo e parem de usar. E tambem fi-e-
qliente que isso acontec;a na cara dos adultos, os jovens
pedindo ajuda p~lr;Jvoltar dessa viagem. Ha adolescen-
tes que se drog<lm para en,tao precisar de algulll tipo de
reabilitac;ao e pedir ajuda. E uma estrategia parecida COIll
a dos que naufi-agam de proposito na rota de um tran-
satl5ntico, para - uma vez recolhidos - vi~~ar de gra~a
na primeira c1asst'.Ou seja, e uma estrategia que for~a 0
reconhecimento do adulto.
A reabilita~ao, trazer alguem de volta da delin-
qliencia, da droga ou da prostitui~ao, e 0 contrario da
infantiliza~ao: e1a implica 0 reconhecimento de que
quem se perdeu esteve em perigo de verdade.
E isso que almejam todas as condutas extremas
da adolescencia transgressora: convencer 0 outro de
que a vida do adolescente nao e nenhulll lirnbo pre-
paratorio, ela est~i acontecendo de verdade, como a
vida adulta.
Os adolescentes parecem contradizer, ou melhor, de-
sanaI', os canones esteticos dos adultos. Segundo estes,
eles se enfeiam sistematicamente.
Os grupos adolescentes inventalll quase selllpre
um padrao estetico intemo, pelo qual os membros se
difert'ncialll e se reconhecem entre si. Nao e raro que
esse estilo consti tua alguma especie de agressao deli-
berada ao canone dOlllinante: afinal, 0 grupo (mesmo
o grupo de estilo) outorga seu proprio reconhecimento
in~e[l1o. Desafiar a aprova~ao' dos adultos e sua pro-
pria fun~ao.
Mas a l'stt,tiCl adolescentl' n~o surge S() para isso
(ou Sl'Jl, para ;se diterenciar, produzir coes~lo de grupo
e des~lfiar 0 Clllont' adulto).
Pode ser que 0 ato de Sl' entl'iar corrl'spolld~l a
Ulll~l rl'cusa da st'xualidade e, sobrl'tlldo, (b desejabili-
ehdl' C0Il10 valor social. Assil11 C0l110 0 adokscl'lltl' pode
p~lrl'Cer contestlr a idobtria do v~l!or flllallceiro l'COn(l-
l11ico (pOI' exelllplo, recusando-sl' ;1ostl'lltar os' apl'trl'-
chos dl'sse valor nas vestil11entls l' l'lll outros Silllbolos
tradiciolnis de riqUl'Z~l), tOrll~lIldo-sl' tl'io l'k podcrl;l
Crltlc}r llin sisteilla qlle valoriza a lksejabililbdl' dos
corpos C0l110 raz~lo do recollhl'cinll'!ltO soci~l!.
Pode ser tllnbt'l11 que 0 ~ldokscl'llte Sl' l'llfl-il'
para Sl' proteger de 1I111olhar que podl'ria Il~O ~lch~-Io
desej~vel. Ell' cOllseguiria prevcnir e'SS~lcat~strotl' para
su~ Illsegurall<;:a atribuindo sua indesl'jabilidade ~1Sl'US
proprlOS es(or<;:os de Sl' entei;lr: "N~o gostal11 de ll1ill1,
1ll:1St' porque ell n~o quis".
. . Na verdade, a teillLl e tlillbi'Il1 IlIll~l l'spi'cil' de
l'\:lblClOI1lSnl0 esclnclLllio, a propostl de Illn crotis-
1110 fOL1 da nOrl11a,;l proll1l'SS~1 lk IlllLl arlll~ldilh;l Sl'-
\:lIal qlle n~o Sl' preocllp;l elll p~lssar pelos leones
soclalilll'lltl' aceitos da dl'sej~lbililbdl'.
o iJiaci"..,; ul11biliClI das gar~)tls i' l''.:l'l11pbrllll'n-
te tl;do ISSOao I11l'Sl110 tell1po. E ul11a, kll1br;III~'~l do
nl'nl' de Ul11blgO apl'n~IS cicltrizado. E lInl~1 cllriosa
distLl~'~O Illdica no clillinho do ()rg~o genital, ou ul11a
~llus~O;1 ul11a tech~lduL1 de clstilbdl'. E,sobrl'tudo ul11a
111~1I1l'irade chal11ar 0 olhar para 0 l'llContro pt:rl11a-
nl'ntl', n:lo t~o ]l)J}ge da vagin:l, de ul11a ablTtuLl do
corpo COI11algo I11l't~lico e duro.
A l11esl11a coisa vak para a l11arca rt'gistrath dos
garotos dos,anos l)(): os celltil11etros de clieca e\:postos
aClllla do cos balxado. Ell's S:lO Ililla rl'CUS~1eb sl'\:lIali-
U"IV {~:..dade Pl'!a inf.l11tiliz:l<;:ao (a CUl'CI ~lvista l'VOCl IIllL1 his-
•• . ,.)",0 .1!.Idas Taosu
r~/Ja T ••quari, 5~~
TeL ~HHj9"H3~ff
t()ria ele coctJ-xixi l' de fl'~lldas), UI11~ll11aneira prevellti-
V~1 de Sl' ridicubrizar logo nos arrl'dorl's dos ()rgJos
gl'llitais, l11as tllnbclll a prol11l'ssa de UI11 pcrl11anl'lltl'
illtl'rl'SSe COIIl 0 que l'st~i l1;lS cueC1S (a Clll'Cl rIca, pOI'
;\ssil11 dizl'r, Sl'lllpreel11 ristl').
No conjllnto, as tLlnsgreSs()l's estt,ticas que parl'-
Cl'ln assin;l!;lr l' prol11eter trallsgress()es sexuais ou nlO-
Llis s~lo esr()I\os para l'ncolltrar ;llgul11 contorto no
olhar indigll;ldo (HI assllstldo dos adultos. Logo, para
que 0 l11l'do, 0 esclillbio do olhar dos adultos COIl-
VCI1~'~lIn0 ~ldokscentl' de que l~ 110 espclho ek est~
l'ontelllpLlndo UI1l seT pl'rigoso, atrevido l' SC.\-y. AI-
gllt'lll que os ~ldultos terial11 de rl'ct)J)hl'ccr C0l110 ~ldlll-
1'0, ~ldultissilllO. Na vl'rtbde, a grande l11aioria dos
;Idolescl'ntl's de cabl'los 1IItr;lloiros, brincos, tatuagens e
CILl feia, C1S0 l'llcontraSSl'l11 a si Illt'Sl110S IllIl11a rua es-
ClIL1, troclri;lIn de cll~':l(b preocup;ldos ou corrl'ri;\111
!';lr;l cisa assustldissilllOS .
()s ~ldultos criticlill r;lCiIIl1e!lte. I)iZl'l11 qlle os adoks-
celltes S~lOtietes, aduLllll sells idolos. Ou ~lillda que os
;ldolescl'lltl'S gostanl de 111;\rCaS,Sl' transforJllal11 eIl1
;lllllllCios publicitirios ~lIllbuLllltl'S. Acrl'SCC'lltal11 que
ell'S vivl'ln Illlln rllinl', Oll elll v~rios, l' ~\ITUnnlll Uilla
idl'l1tithde ilnitando pcrsollagens. Por isso ell'S se per-
dl'l11 n~l cOlltelllp!a,)O lbs t'strebs (do CinenL\ l' dos
palcos), assilll COlllO Sl' esqul'lTll1 lIas IlI~lrClS quc pas-
S;1111~l ddllli-ios.
E Ulll~1irollia b~\ratl. I>ois;dl' f;ltO, os :lliolescl'lltes
viVl'lll IJOSIllCSlllOS tl IIllCS que os ;ldultos. C(//'{/s l' />('o/J/('
nJO S~l()rcvisL1S paLl ~\dokscl'lltl'S. ()u Slj~l, ~1il11it~H;JOl'
~lidolatria s~o form as b~siclS cia socializay~o mocierna;
valem para os adultos tanto COIllOp~lraos adolescentes.
No nnis, trata-se, nessa critic1 irclnica, apenas do cmba-
te cntre, digamos, estilistas COIllOPrada e Giorgio Armani
contra Tommy Hilfigcr. Ou t'nt~o de um ator como
Leonardo I)iCaprio cont!".1 l~obcrt I)e Niro.
Mas, se todos vivcmos ou procuramos invcnt1r
nossa vida grayas ~lOSIncsnlOS fllmcs, e venbdc qut' 0
adolescente e 0 maior fa de vidcodipcs.Aqui, mais do
que a historia, importalll as imagcns t' a mllsica. As
figuras que C1l1t~1mt' dan~'am s~o pcrson:1gens que ain-
ch procuram seus rotciros - pcrfcitas p:lra os adoks-
centes se identificart'm, pois pcrmitcm adotar um gcsto,
um estilo, lllll !oo/..:, st'm par isso comprar uma aventu-
ra narrada e preestabckcida ou, pior, uma vida inteira.
A mllsica dcixa nlais liberdadc ainda do quc 0
clipc. Ela d~{apenas 0 clim~1,sugcre uma atitudc, mas
n~o dita uma hist{)ria. 0 adoksccntl' vive cOin uma
trilha sonora perm:1l1cnte, inspiradora de imagt'ns com
as quais com pOl' SU:1identidadc. Ek fica (ou c) in'ita-
do com a II/ctn!, rom:'intico com Phil Collins, roo! c
inspirado com 0 W/1C, todo din~'imico com a disco etc.
Essa escuta constantc comporta sua parte dt' pro-
voodo.O adolescentc oscila cntrc cstour~1r :IScaixas
de s;m e viver dc fone dc ouvido. 0 recado e claro:
ou te ensurdeyo ou n~o te ouyo.
Seja qual for 0 efeito disso sobre a c0l11lll1icay~o
verbal, 0 volume da mLIsiea e tambem uma especie dc
met:1for:1 sonora da intensidadc da t'xperiencia ado-
lescente. Uma maneira de gritar: "Eu n~lo vivo, arrc-
bento". Os adultos, por m~lisqut' protestem, n~o agclII
diferentemente e, de vez ell1 qU~1l1do,adoram cstour~lr
as eaixas de seus ap~lrelhos para eomunicar (aos vizi
nhos, aparentemente) as insustentaveis emoyoes d~1
quell' dia (ou, pior para ° vizinho, daquela noitc).
Em toebs as SU~1Stcntativas de dt's~1fiar e provo-
Clr,O adoksecnte encontra uma dificuldade: por mais
quc illvente m~1l1eirasde sc cnfeiar, de sc distallciar do
(,~lllOlleestctico e comportamental dos adultos, a C1d:1
\'cz, rapicL!mente, a eultura pareee elleontrar jeitos de
Ilk~dizar essas maneiras, de transform~1-las em com-
I1lJrumentos ~1Ceitos,ate desej~veis e invejav'is. Ou
'\.'i~l,() adolesccnte descobre que sua rebeldia n~o p~ra
,,~, ~dill1entar os ide:1is sociais dos adultos.
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1-11 lado exasperante da adolescencia e que
U e dificil encontrar urna escolha adolescenteque nao seja a realizac;:ao do sonho dos
adultos. E quase irnpossivel, para 0 adoles-
cente, se afastar da interpretac;:ao do desejo adulto, por
duas razoes,
Prirneiro, porque 0 acesso a idade adulta em nossa
cultura nao e regrado por urn ritual, mas depende de
um olhar, de um consenso que nem sabe articular suas
condic;:oes. Portanto, e necessario procura-Ias interro-
gando e interpretando 0 desejo dos adultos.
Segundo, por uma especie de pecado origin:ll
proprio a uma cultura que idealiza a autonornia. M s-
rno se 0 comportarnento adolescente fosse totall11 '11
te regrado pelo plano de nao rnais depender do
reconhecirnento dos adultos, mesmo se isso fossc p )S
sivel (e talvez se tome possivel, por exernplo no gru po
adolescente), a autonomia assim realizada ainda s 'l'j,1
o sonho dos adultos para 0 adolescente. Alias, css; " (1
sOl1ho de liberdade po1' l'xceicilcia, 0 sOl1ho que aC011l-
pal1ha qU:dqllLT vida :lthdt:l COlltt'lllp01'Jl1t':l ILlS f()r-
Ill:IS 111:1isva1'i:Hbs, do desl:jo de tlTi:IS :1 tellta<;'~o de
l':li1' f()r:l.
VLTitlel-Se l'llt~O 0 p:lr:ldoxo seguil1te: a :ldolt's-
n~llcia, excillid:l d:l vida :ldlilra, rl:jeit:lda IlUll1 lill1bo,
,Iclba il1tLTprt't:ll1do e ellcl'I1:1I1do 0 clt:ilogo dos so-
lillOS adliitos, COll1 1l1aio1' ou lllel10r slicesso. Mas,atra-
Vl'S de todas :IS slias vari:1I1tl's, eLl seillprt' l'I1Glrlla 0
111:lior sOl1ho de 110SS;]CUltllr:l, 0 sOl1ho dt' liberdade,
()u Sl:j:l, pOl' tel1tar dispellS:lr a tutela dos adultos, a
I ·hl,ldi:l :Idolcscellte se tom:) 1I11l:lelll"eILl<;'Jo do idt'al
lultul":d bJsico. (Jor esst' 111otivo, as C0l1dllt:1S adoles-
I ('I Ill'S l'111 tOd:1S :lS SU:1Svari:1I1tt'S se crist:diz:llll, st' tl-
\,1111e se tOrtl:l1ll objeto de illlitaJ,::lo .
.I'udo It'va :1 t;lZLT d:l adolt'scclll"ia 11111ideal so-
I loll, (': :Itl' bt'Il1 possivt'l que a adoksCl'llci:l SUI]a ILl
1IIIhll'l"Ilidade COl110 idt'all1ecessJrio. Logo, que a ado-
II'S l'lICi:l COIllO idt'al St:j:l qllase 11111corolJ1'io do 11ll1ll-
i1111Olllell1po1':llleo. Mas,akll1lkss:l possibililhdc (qlle
1'\,lllliILII"<_'1ll0S110 C:lpitulo 5), hJ outr:1S cUlllplicida-
iii'S IIUl', 110 1l1illilllO, colabor:1I11 elll t:d idealizaJ,:~o da
11111I1'sCCllcia.
( )s :ldo]escel1tcs, C011l0 vi11los, se rClllll'lll Cll1 gru-
I" I', Iii II' podclll ser lll:lis ou lllellOS t"l'Ch:ldos, 1l1aSSt'11l-
1111 ,1I1Il'Sl'IIt:111l :10 1ll1ll1do UIIl:l ilkl1tidade prl)p1'i:1,
a1111 11'1111'do UlliVLTSOdos :ldultos e dos outros grupos.
III1 1lllllilllO, S:lO cOlllllllidadcs de estilo 1'egradas pOl'
I II II d(' idl'lltichde clams t' ddillidos, pois os 111elll-
1111JlI'I'l'lll pOlkl" pe1'tellcer a t'las selll te1' de co<;'ar a
I II" 1,,1SI' pl'l"gullt:1I1do:"Mas 0 qllt' SLTJ qlle os OlitroS
'1"lI1 III 11.11",1111e aCt'ira6'" Os g1'upos tC111 portallto
11111111111111ulll/(l(l/~ (vt'sti11lellt:ls,clbclos, lllaqlliagt'll1),
Ilil IIII'IIII.IS nlllllr:lis (tipo de Illlisica, illlprellsa) t'
II 1IIIIIIII.IIIIl'1110S (bares, cllIbl's, restallr:llltt's etc.).
o resultado disso e que cada grupo impoe facil-
mente ;1seus membros uma confonnid;1de de consu-
mo bastante deftnida. Por isso l1lesmo, todos os grupos
se tornam tambem grupos de consumo facilmente
comercializ;lveis. Os adolescentes, organizados em
identidades que des querem poder reconhecer sem
hesita<;ao, se tornam cOllSul1lidores ideais por serem
llm pllblico-alvo perteitamente deftnido.A ado!cscen-
cia e SLUSvariantes sao assim 1111lnegocio excelente.
o proprio marketing se encarrega de deftnir e crista-
lizar os grupos adolescentes, 0 Ill~ximo possive!.
Os grupos, nascidos comoamparo contra a mo-
ratoria imposta pelos adultos, se constituem em idea is
para os adultos justamente por serem rebe1des. Ao
mesl110 tempo, esses grupos sao culturalmente exalta-
dos pdo marketing, que tem todo interesse em
apresent;l-Ios'como coesos, catalogalldo os apetrechos
necess~rios para seus membros, comercializando as
senhas de reconhecimento e todos os tra<;os do look
suscetiveis de circular no mercado.
Esses fool,s que surgiram como "rebe1di;1" SaG
entao propostos como ideais para aumentar a adesao
de seus melnbros, ou seja, para seduzir os adolescentes
que chegam ao mercado dos grupos ou transitam de
um grupo para outro.
Cada look e propagandeado e idealizado por sua
comercializayao. Cada grupo e a adolescencia em ge-
ral se transformam numa especie de Iml/chisil/g que
pode ser proposta ;) idealiza<;ao e ao investimento de
todo mundo, em qualquer f.1ixa et~ria.
Se a ado!cscencia encena um ideal cultural b,lsi-
co, e compreensivel que ela se transforme num estilo
que e coo/ para todos.
Na idealiza<;ao comercial e para maior proveito
,I", l"mpres~rios da adolescellCia, praticamellte todos
os estilos adolescentes (seus produtos, seus apetrechos)
sao oferecidos e vendidos aos adultos, magniftcando
Ulll mercado j~ interessante el11 si. Desde os anos RO,
surge uma verdadeira especialidade do marketing da
adolescencia. SLU relevancia esta nas propor<;oes do
nlercado dos adolescelltes: des sao nUl11erosos e dis-
poem de cad a vez l11ais dinheiro. Mas interessam ao
mercado tambem pela influencia que exercem sobre a
decisao e a consoliday;]o de modas, que transformam
os 1110delos de consul11o de muitos adultos.
A adolescencia, por ser um ideal dos adultos, se
tOrIJa UI11fantastico argumento promociona!.
Ate aqui pens,lvamos que havia uma revolta dos
jOVt'ns contra sua exclus;]o da sociedade dos adultos. E
acrescent~val11os que as formas dessa revolta podiam
coincidir COI11ideais adultos por duas razoes: pOl'que
o ideal cultural dominante e, em nossa cultun, a illSu-
bordina<;;]o e porque, ,10 se revoltar, os jovens ainda
estarial11 tentando agradar aos adultos, ou seja, realizar
algum sonho dell'S.
Agora podemos perguntar se a adolescencia n;]o
surgiujustal11ente porque os adultos 1110dernos preci-
saram dela C0l110 idea!.
Ser~ que a adolescencia nao foi provocada, im-
pondo a moratoria e suscitando a rebeldia,justamente
para que encenasse 0 sonho de idiossincrasia, de
unicidade, de Iiberdade individual e de desobediencia
que e proprio de nossa cultura? Ser~ que a adolescencia
n;]o veio a existir para 0 uso da contemplay;]o preocLl-
pada, mas complacente, dos adultos?
As vezes, essa suspeita deve atravessar 0 espirito
dos adolescentes.
Vimos como e por que.- correndo atras de um
reconhecimento que os adultos the negal11 e que ell'
proclll'a C0111seus pares - 0 adolescente constitui gru-
pos e conforll1ismos. E interessante notar que esses
grupos mud~lm com extrema rapidez. H() uma cons-
tante invencJo de novos estilos. Como se 0 adolcs-
cellte tenta~se correr mais r()pido do que a comer-
cializayao, que quer descreve-Io para melhor
idealiz()-Io e wnder seu estilo. Como se ell' fugisse
d~l ~lssidua recuperayao de sua rebeldia pelos adultos,
Elillintos de model os estcticos de jUYentude, liberda-
de e rebeldia.
Se a ~ldolesccnci~l nao existisse, os adultos 1110-
dernos a invenurial1l, tanto ela c necess()ria ao bom
desempenho psiquico dell's.
DA INVEN(AO DA INFANCIA
A EPOCA DA ADOLESCENCIA
Chegou a hora de pergunur em que medicb e como
essa morat6ri~1 que produziu a adolcscl'ncia veio a
ocorrer logo ILl moder1lid~lde tardi~l que nos habita-
mos. Chegou a hora, em suma, de expliclr pOl' que e
como a adolescencia que nos interessa c Uill fcn(mle-
no sobretudo dos Cdtil1los SO ~11l0S.
Paz um secllio apenas que a adolescencia se tor-
nou 111lltema que justificasse llm livro como este. Ate
entao, certamente era possivcl se preocupar com 0 devil'
dos jovcns, tanto tlsico qU~11lto moral e econoll1ico,
m~lS"a adolescencia" nao era uma entidade que enco-
r~~asse UI1l titulo ou aninusse a imprensa. Nao er;l UIII
fata social rcconhecido. Era uma faixa et()ria, mas Ilao
pOI' isso um grupo social. AillCb menos ll111esuclo ek-
L'spirito e llill ideal da cultura.
1);11';1elltender como isso aconteceu, e 11ecess;'1
11\I pi illlt:il,() kl11brar que a pr{)pria infanci~1 c UII!.I
Inven(;ao 11l0deriLl. Eill principio e com ;IS devidas
exceyc)es, enl llOSS~lcultur~l todos ;l1lUlllOS, ou l1le-
1l1Or,veneramos, as cri;11ly;lS incondiciOlulmente e ir-
resistivell1lente. Nao podemos deix;lr passar unl
miCldo perto de 116s sel11 estender a l11ao p~lra uma
urici;l protetora 11apequelu tesU. QU;lndo, num ufe
ou rest;llILl1lte, cruzamos 0 olhar de UI11aerian\';l sell-
[;lda el11 outra IlleS;l, est;1I110S dispostos a Elzer qU;ll-
quer maclquiee para extLlir seu sorriso. Em outras
p;davras: qualqucr adulto pareee esUr inYestido da
dupla l11iss;lO de protegcr as cri~11ly;lS e tOriLl-las feli-
,es. Mas pOI' que essa scria uma proprieebde exclusi-
V;I da modernidade?
Certo, os seres humanos luscel11 extraordinaria-
IIIL'IIte prematuros, e ;1 especie COlltl com cuidados
p.lrL'lltais ~lssiduos e permanentes para assegurar a so-
hrL'vivcncia dos rebentos. Scm uma dose brutal de amor
tlos pais e esfol\os anexos, nossa espC'cie estlria presu-
IllivL'!mente ~lll1eayacb.
o amor pebs Cri;1I1\'~lSnos p~lITCe port;l1lto na-
Illr,d, unl ekito quase fisiol{)gico cb prematuLl\';]O dos
Il\'qllenos hum~1I10s, necess()rio lU b~\tdh~l da evolu-
,I() liaS especies. Sl'11l amor e cuid;ldos as cri~l1l\'as de-
11'110 IL10 sobreviveriall1, ll1as nem pOI' isso 0 ~1I110re
II' l'll ilLtdos foram sempre os meSlllOS.
/\0 contLirio, COl110 f()i illicial e m~lgistralmente
Illoslr;ldo pOI' Philippe Aries,o pode-se dizer que a
IliI,IIICi;1 C, uma illvel1yao mOdenLl. Entendl'ndo aqui
11(\1 ild~lnci~l nao os primeiros ~lnos da vid~l - que
1'IIII)rL' L'"istiLll11, obvi~lnlente -, mas ~1pr6pria idcia
,11'11111lell1po da vida bel11 distinto eLl iebde adulu,
11111I! ,IIIIL'llte f(.'liz, protegido pelo all10r dns p~lis e,
sobretudo, nao ddinido simpksmente peb espera
apressad;1 de se tornar adulto. Na modt-:'l1Idade,a
inf:111Ci;1se tornou objeto de preocupac;oes, medl-
t;1c;oes, pbnos e PHlJetOS infinitos, tema i,nesgot;lvel
e autonomo de explorac;ao e debate. AIJas, eSS~1po-
sic;ao aos poucos parece scr herdada pela adoles-
cenCla. .
Vamos vel' como essa ideia ou visao da inffinCla
veio surgindo em nossa cultura junto com a mo~er-
nidade (do scculo '13 em di;1I1te) e se afinnou dehm-
tivamente SC)quando a modernicbde ganhou a partIda,
no fim do seculo 1~.
A n1aneira moderna de olhar para as crian<;as,
esse jeito de ama-las que faz da inffincia uma verd;l-
deira divindade cultur;11, triunfou quando a sOCledade
tradicional cedeu 0 passo ao individualismo. _
~enl passar pOI' uma descric;ao d;1 transfonna<;ao
cultural que leva da sociedade tradIClonal ;1,0ll1d~VI-
dualismo que domina nossa modermdade, ~ posslve]
lembrar dois trac;os essenciais que contnblllram p'~'a
E1zer dessa 1Jludan<;a cultural 0 momenta da nlVen<;ao
da inffillcia.
o proprio Aries nos deixou uma ~br;1 centrada
sobre essa transi<;ao, da qual sahentou, alem d;1 ll1ven-
do da inffinci;l, Olltro aspecto decisivo: uma mudanc;a
;1;1experiencia da morte. . .
ExpliCJdo rapidamente: mllna sOCledade, tradl-
cional, a comunidade e a verdadelra deposltana da
continuidade da vida. Aqui a morte, pOl' l11alSque
seja um even to tragico e triste na vida do sUJelto,
nao e um ponto final, concluslvo, pOlS a Vida qlll'
mais importa n:1O e a do individuo - que se perd:'
com

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