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G3 Civil - sistematizada

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DIREITO CIVIL
GRAAL DA PROVA ORAL DO 29º CPR – 10/2018
Organizado por Valdir Monteiro Oliveira Júnior
1.LEI DE INTRODUÇÃO AS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO E INTRODUÇÃO 
1.1. Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Fontes do direito. Complexidade do ordenamento jurı́dico. Diálogo entre as fontes normativas. Direito Civil Constitucional. Eficácia dos tratados internacionais para o Direito Civil. (1.a) 
1.2 Hermenêutica jurı́dica. A constitucionalização do Direito Civil e a influência dos direitos humanos. Abertura do sistema: princı́pios, cláusulas gerais e conceitos jurı́dicos indeterminados. A tese de estado de coisas inconstitucional. (2.a) 
1A. Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Fontes do direito. Complexidade do ordenamento jurídico. Diálogo entre as fontes normativas. Direito Civil Constitucional. Eficácia dos tratados internacionais para o Direito Civil. 	
Renata Muniz
I. Decreto-Lei nº 4.657/1942. LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) 
A LIND (antiga LICC) contém normas de sobredireito ou de apoio, sendo considerada um Código de Normas, por ter a lei como tema central, tratando sobre: 
1) Vigência das normas - o início da vigência observa uma etapa prévia, que é o processo de criação da lei, passando por três fases: elaboração, promulgação e publicação. A lei nasce com a promulgação, porém, apenas começa a vigorar com sua publicação. A vigência é qualidade temporal da norma. Segundo o art. 1º da LINDB, salvo disposição contrária, começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada. Quando admitida no exterior, a sua obrigatoriedade se inicia 3 meses após oficialmente publicada. Ocorrendo nova publicação de texto durante a vacatio legis, para correção de erros materiais ou falha de ortografia, o prazo da obrigatoriedade começa a correr da nova publicação – art. 1º, §3º, da LINDB. Ademais, destaca-se que, como é característica da lei a continuidade, caso não se destine à vigência temporária, vigorará até que outra a modifique ou revogue. O Direito Brasileiro não admite o dessuetudo, que é a revogação da lei pelos costumes A ab-rogação consiste na revogação total da lei, por sua vez, a derrogação atinge parte da norma, apenas. A revogação pode se dá expressamente (via direta) ou tacitamente (via oblíqua). A repristinação é a restauração da norma revogada pela revogação da norma revogadora. Vedação de sua existência no ordenamento, por força do § 2o. do art. 2º da LINDB. A diferença entre repristinação e efeito repristinatório pode ser dita quanto à origem. A repristinação é legal, enquanto o efeito repristinatório é judicial, do controle de constitucionalidade. Ademais, no efeito repristinatório, por ser a norma posterior inconstitucional, não há, em verdade, revogação, o que ocorre na repristinação.
2) Obrigatoriedade da norma - o art. 3º da LINDB consagra o princípio da obrigatoriedade, sobre o qual ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando não a conhecer. São três as teorias que buscam justificar o preceito: (1) teoria da presunção legal; (2) teoria da ficção legal; (3) teoria da necessidade social: defendida por Beviláqua, é a mais aceita, vez que sustenta a obrigatoriedade da lei, devendo ser cumprida por todos, não por motivo de um conhecimento presumido ou ficto, mas por razão de interesse público. Inclusive, a publicação oficial objetiva o conhecimento, neutralizando a ignorância.
3) Integração da norma – em virtude da impossibilidade de prever toda e qualquer situação e pela existência de situações não previstas de modo específico, não podendo o juiz deixar de proferir decisão pela omissão legal, o juiz se valerá dos mecanismos destinados a suprir as lacunas da lei analogia, costumes e princípios gerais de direito. A doutrina moderna contesta a obrigatoriedade de aplicar os métodos de colmatação na exata ordem do art. 4º, diante da força normativa e coercitiva dos princípios, notadamente daqueles de índole constitucional (Tepedino e Tartuce). Analogia. é a aplicação de uma norma próxima ou de um conjunto de normas próximas, não havendo uma norma prevista para um determinado caso concreto. Não se pode confundir a aplicação da analogia com a interpretação extensiva, na qual o sentido do texto é ampliado. Costumes. São as práticas e usos reiterados com conteúdo lícito e relevância jurídica. Costumes segundo a lei - não são hipóteses de lacunas no sistema, pois o próprio ordenamento é que remete aos costumes. Nesses casos, não há integração, mas sim subsunção. Costumes na falta da lei (praeter legem) - aplicados quando a lei for omissa, sendo denominado costume integrativo. Ex: juiz se vale dos costumes para aceitar a indenização por dano moral quando do depósito do cheque antes da data - STJ. Costumes contra a lei - Não é aceito no direito brasileiro. Princípios gerais do direito: são normas que se encontram na consciência dos povos e são universalmente aceitas, mesmo não escritas. Equidade. Trata-se o uso do bom-senso, a justiça do caso particular, mediante a adaptação razoável da lei ao caso concreto. Equidade legal - aquela cuja aplicação está prevista no próprio texto legal. Ex: art. 413 do CC/2002, que estabelece a redução equitativa da multa ou cláusula penal como um dever do magistrado. Equidade judicial - presente quando a lei determina que o magistrado deve decidir por equidade o caso concreto.
4) Interpretação - Interpretar é descobrir o sentido da norma, determinar o seu conteúdo e delimitar o seu exato alcance. No início do século XIX, com o racionalismo jurídico, acreditava-se que a interpretação não seria necessária porque os Códigos previam todos os conflitos. Hoje, entende-se que toda norma deve ser interpretada. O novo Código Civil estabelece um sistema aberto, no qual se fazem presentes diversos conceitos vagos (conceitos jurídico indeterminados e cláusulas gerais). Classificação: Quanto às fontes, a interpretação poderá ser: a) jurisprudencial ou judicial; b) doutrinária; c) autêntica; d) administrativa; e) leiga, realizada por qualquer pessoa do povo. Quanto aos meios, a interpretação poderá ser: a) gramatical ou literal, b) lógica; c) histórica; d) sociológica, ou teleológica; e) sistemática. A LINDB (art. 5º) determina que em toda atividade interpretativa sejam considerados os fins sociais visados pela lei, optando nitidamente pela afirmação de uma finalidade social do direito, revelando que o legislador considera primordial valores sociais sobre os individuais. Quanto ao resultado da atividade interpretativa: a) declarativa ou estrita: é aquela que conclui que a fórmula verbal da norma coincide com a mens legis; b) ab-rogante: é a interpretação que leva à conclusão de que a norma foi revogada. Não é o intérprete que a revoga, ele apenas reconhece a revogação; c) retificadora (corretiva): tem-se que adaptar a norma para que a interpretação não leve a um absurdo. d) restritiva: constata-se que o legislador se utilizou de uma fórmula ampla em demasia para traduzir a mens legis. Então, o intérprete restringe o significado dos termos usados e chega à conclusão que a lei disse mais do que queria; e) extensiva ou ampliativa: entende-se que o sentido da lei foi insuficientemente traduzido pelo envoltório verbal. 
5) Aplicação da lei no tempo: a regra é a elaboração das leis para valer no futuro. É comum na situação de modificada a lei por outra e já havendo formação de relações jurídicas na vigência da lei anterior, pode se instaurar conflito. Para solucionar a questão, utilizam-se dois critérios: (1) o das disposições transitórias: são elaboradas pelo legislador, no próprio texto normativo, destinadas a evitar e a solucionar conflitos que poderão surgir. (2) irretroatividade das normas: princípio que visa assegurar a certeza e estabilidade do ordenamento, preservando situações consolidadas. No entanto, não tem caráter absoluto,sendo a retroatividade exceção (art. 5º, XXXVI, CF e LINDB). Para tanto, acolheu-se a teoria subjetiva de Carlo Francesco Gabba, a qual respeita o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, de modo que a regra é a aplicação da lei nova aos casos pendentes e aos futuros, apenas podendo ser retroativa para atingir fatos já consumados, pretéritos quando: (a) não ofender o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada; (b) quando o legislador mandar aplica-la, expressamente, ainda que não utilize a palavra “retroatividade”. Em contrapartida, Paul Roubier propõe a teoria objetiva, de que deve ser imposta a nova lei, imediatamente. Observa-se inexistir direito adquirido contra a Constituição. A doutrina efetuou uma clássica distinção entre retroatividade máxima (quando a lei nova ataca a coisa julgada e os fatos consumados), média (quando a lei nova atinge os efeitos pendentes de ato jurídico, verificados antes dela), e mínima (Retrospectividade, segundo Canotilho) quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos atos anteriores, produzidos após a data em que ela entra em vigor. 
6) Aplicação da lei no espaço - Pela LINDB, serão solucionados os conflitos decorrentes da aplicação espacial de normas, que devem ser estudados no Direito Internacional Privado. Mas vale registrar que o Brasil adota o princípio da territorialidade moderada, admitindo-se a aplicação, em certos casos, de lei estrangeira. 
7) Disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público A Lei 13.655/18 acrescentou novas regras na LINDB referentes à aplicação do direito público, com o objetivo de neutralizar supostos fatores de distorção da atividade jurídico-decisória pública dos órgãos de controle do Poder Público. Em síntese, os novos artigos: consagram alguns novos princípios gerais a serem observados pelas autoridades nas decisões baseadas em normas indeterminadas (arts. 20 e21); conferem aos particulares o direito à transição adequada quando da criação de novas situações jurídicas passivas (art. 22); estabelecem o regime jurídico para negociação entre autoridades públicas e particulares (art. 23); criam a ação civil pública declaratória de validade, com efeito erga omnes, para dar estabilidade a atos, contratos, ajustes, processos e normas administrativas (art. 24); impedem a invalidação de atos em geral por mudança de orientação (art. 25); - disciplinam os efeitos da invalidação de atos em geral, para torná-los mais justos (art. 26); - impedem a responsabilização injusta de autoridade em caso de revisão de suas decisões (art. 27); impõem a consulta pública obrigatória para a edição de regulamentos administrativos (art. 28); determinam a compensação, dentro dos processos, de benefícios ou prejuízos injustos gerados para os envolvidos (art. 29) e determinam a atuação das autoridades administrativas para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas” (art.30). Uma das principais criticas às novas regras consiste na utilização de termos abertos, passíveis de ampla margem para interpretações e subjetivismos. O MPF se posicionou pelo veto integral do projeto de lei, nos termos da NT conjunta nº01/18, sob pena de desfazer o vigente sistema de controle, responsabilização e ressarcimento por atos lesivos ao erário e ao interesse público. Em outras palavras, a nova lei conduz à impunidade. Para a PGR, a alteração à lei de improbidade administrativa está sendo feita por mudança na LINDB por este Projeto de Lei, de modo a negar efetiva aplicação da LIA (Lei 8.429/92), que é o principal instrumento jurídico de defesa dos princípios constitucionais contidos no artigo 37 da CF. Sob a nova lei, dificilmente haverá prevenção, repressão e ressarcimento de danos ao erário por atos de improbidade administrativa, contrariando os anseios da sociedade brasileira.
II. Fontes do Direito 
a) fontes formais, diretas ou imediatas – lei (fonte primária), analogia, costumes e pelos princípios gerais de direito (fontes secundárias). O direito brasileiro tem tradição Civil-law, de origem românico-germânica, tendo a lei como principal fonte, apesar de está sofrendo forte influência da Common Law, com a teoria dos precedentes adotada pelo CPC/15. b) As fontes não formais, indiretas ou mediatas - doutrina e pela jurisprudência, que não geram por si só a regra jurídica, mas acabam contribuindo para a sua elaboração. 
III. Complexidade do Ordenamento Jurídico 
Bobbio destaca ser a complexidade de um ordenamento jurídico derivada do fato de que a necessidade das regras de conduta numa sociedade é tão grande que não há qualquer poder ou órgão em condições de satisfazê-la sozinho. Além disso, justifica-se a complexidade nas normas de ordem moral, social, religiosa, costumeira (pluralismo pós- moderno), inclusive pela existência de normas antecedentes, caracterizando o ordenamento pela diversidade ideológica, sociológica e filosófica, isto é, deriva a multiplicidade das fontes. Conflitos normativos: por ser o ordenamento uma unidade sistêmica, alguns critérios são utilizados para a solução das antinomias: critério cronológico, critério da especialidade e critério hierárquico. Classificação das antinomias: (1) Quanto aos critérios envolvidos: (a) antinomia de 1º grau: trata do conflito de normas que cinge apenas um dos critérios no caso. (b) antinomia de 2º grau: as normas válidas que estão de encontro envolve situação em que há dois dos critérios presentes. (2) Quanto à possibilidade de solução: (a) antinomia aparente: pode ser resolvida a partir dos critérios de solução expostos acima; (b) antinomia real: é situação que não permite a resolução conforme os critérios. Exs: -Norma especial anterior e geral posterior: prevalece a especial anterior, em razão da prevalência do critério da especialidade. Caso de antinomia aparente de segundo grau; - Norma superior anterior e inferior posterior: prevalece o critério hierárquico, de modo que a norma superior anterior é que se aplica. Antinomia aparente de segundo grau; - Norma geral superior e norma especial inferior: inexiste regra nesse sentido, configurando-se a antinomia real. Porém, como se soluciona? Há duas correntes: 1ª. Corrente – Bobbio. Opta-se pelo hierárquico, uma vez que uma lei constitucional geral deverá prevalecer sobre uma lei ordinária especial, sob prejuízo de se comprometer os princípios fundamentais do ordenamento. 2ª. Corrente – Diniz. Não é possível estabelecer uma regra, preferindo quaisquer dos critérios em detrimento do outro. Assim, há liberdade de se preferir qualquer um, sem prevalência específica e de observância obrigatória. Notar que há “forças” entre os critérios, sendo o cronológico considerado o mais fraco entre eles.
IV. Diálogo entre as fontes normativas 
A tese do Diálogo das Fontes foi desenvolvida na Alemanha, por Erick Jayme, e no Brasil, por Claudia Lima Marques. Tal tese surge da concepção de que os critérios clássicos de solução das antinomias jurídicas, em parte inseridos na LINDB, não são mais suficientes. Nesse ponto, Claudia Lima Marques entende que, o diálogo das fontes deve ser entendido como a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais e gerais, de origem internacional e nacional, que possuem campos de aplicação convergentes. Diálogo das Fontes é um novo paradigma de interpretação do sistema jurídico. [...] “diálogo” em virtude das influências recíprocas, “diálogo” porque há aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária das partes pela fonte prevalente ou mesmo a opção por ter uma solução flexível e aberta, de interpenetração, ou a solução mais favorável ao mais fraco da relação. Ex: O CPC/15 dialoga com o direito material e traz normas principiológicas (como a boa fé objetiva), evidenciando a necessidade de compreensão dosistema de forma aberta (Cristiano Chaves).
V. Direito Civil Constitucional 
Trata-se de postura metodológica e interpretativa que busca ler todas as relações civis sob o ângulo dos valores, princípios e regras da Constituição. Aliás, nesse contexto pode-se fazer a seguinte distinção: a) constituição-inclusão; b) constituição- releitura. A primeira diz respeito à inclusão na Constituição de temas que antes não estava lá, como ocorre em relação ao direito do consumidor. Já a segunda, diz respeito à postura interpretativa de reler toda ordem jurídica a partir da Constituição. A dignidade da pessoa humana, fundamento da República (CF, art. 1º, III), e a solidariedade social (CF, art. 3º, III), passam a ser invocadas com frequência. Poderíamos, talvez, resumir a tendência que se observa nos estudos de direito civil em duas palavras: repersonalização e despatrimonialização. 
VI. Eficácia dos Tratados Internacionais para o Direito Civil 
Com o advento da constitucionalização do Direito Civil e com a forma de incorporação dos tratados internacionais no ordenamento, criou-se um movimento de convencionalização do Direito Civil , em respeito aos direitos humanos. É que as normas de direito civil, assim como o ordenamento jurídico como um todo – precisam se harmonizar, mantendo uma compatibilidade vertical, tanto com a Constituição, quanto com os tratados de direitos humanos. Assim, detectada uma eventual incompatibilidade da norma infraconstitucional com um tratado de direitos humanos, ocorre a suspensão de sua eficácia, respeitando a própria especialidade da convenção. Essa conclusão foi adotada em 2008 pelo STF, no RE 466.434/SP, entendendo que o Pacto San José da Costa Rica, aprovado antes da EC 45, foi acolhido com status supralegal no ordenamento jurídico interno, abaixo apenas da CF. Com isso, o STF deliberou que as normas da CADH estão acima da norma do Código Civil sobre a prisão do depositário infiel, afastando a eficácia da legislação infraconstitucional (S.V 25). Outro caso é o da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e seu protocolo, ratificados pelo Brasil, em 2008, com status de emenda constitucional, que serviu de fundamento para edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15), revolucionando o regramento das incapacidades. 	
2A. Hermenêutica jurídica. A constitucionalização do Direito Civil e a influência dos direitos humanos. Abertura do sistema: princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados. A tese de estado de coisas inconstitucional
Leonardo Ferreira Mendes 09/09/18
I. Hermenêutica Jurídica. A constitucionalização do Direito Civil e a influência dos direitos humanos.
Durante a vigência do Código Civil de 1916, antes da promulgação da Constituição da República de 1988, encarava-se o Código Civil como diploma de centralidade na regência da vida privada. À Constituição eram relegados assuntos atrelados ao funcionamento e à estruturação do Estado, de modo que apenas as relações jurídicas que tivessem o Estado como parte recebiam incidência constitucional.[1: MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. p. 67/68. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2ª ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006. p. 63/87.][2: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24ª ed. rev. atual. [S.l.]: Malheiros Editores, [ca. 2005]. p. 43.]
O Código Civil anterior tinha como centralidade axiológica a defesa da propriedade e da segurança jurídica. Primava pelos interesses patrimoniais, deixando de lado os existenciais.[3: MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura patrimonial. passim. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 87/114.]
Desde Konrad Hesse, a Constituição deixou de ser encarada como mera folha de papel descritiva das forças reais de poder e passou a representar a norma hierarquicamente superior do ordenamento jurídico.
Essa mudança na centralidade normativa, por si só, promoveu importantes mudanças no modo de interpretar o Código Civil de 1916, dando-lhe, em certa medida, cara nova. Mas, por conta dos valores que inspiraram sua criação, tem-se que suas normas possuíam pequena abertura semântica, de modo que esta pequena elasticidade hermenêutico-normativa dificultava a perfeita adequação da codificação privatista à Constituição da República de 1988.[4: RAMOS, Carmem Lucia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. p. 16/17. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 03/29.][5: SANSANA, Maureen Cristina. Cláusulas gerais no Código Civil de 2002. Superação do rigorismo formal e criatividade na atividade judiciária. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2606, 20 ago. 2010. Disponível em:<http://jus.uol.com.br/revista/texto/17226>. Acesso em: 5 abr. 2011.]
Constata-se que a axiologia constitucional, que tem como núcleo (ou "valor-fonte") a dignidade da pessoa humana, impôs à antiga lógica privatista a necessidade de readequação de seus institutos a essa nova pauta valorativa. A propriedade deixa de possuir fim em si mesma, ao passo em que se adota a formulação kantiana de dignidade humana e de ser humano como fim e nunca como meio. A propriedade passa a contar com um perfil instrumental de promoção a esta dignidade.[6: MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. p. 71. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2ª ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006. p. 63/87.][7: Trata-se da chamada "fórmula do objeto", pela qual Kant defende que o ser humano deve ser encarado sempre como fim, e nunca como meio para um fim. Cf.: KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. HOLZBACH, Leopoldo. [São Paulo]: Martin Claret, 2006. p. 68.][8: CORTIANO JUNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade. p. 32/33. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 31/56.]
De tudo quanto exposto, tem-se que aquele intérprete agarrado tão-somente aos métodos hermenêuticos clássicos com muita frequência chegará a conclusões interpretativas inconstitucionais e dissonantes dos valores irradiados pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Não se quer dizer com isso que tais métodos carecem de importância. Apenas que são insuficientes.[9: Métodos gramatical, teleológico, sistemático e histórico.]
A interdisciplinaridade entre Direito Civil, Direito Constitucional e Direitos Humanos torna-se, dessa feita, imprescindível. Tais constatações, ao passo que trazem maior complexidade ao processo hermenêutico, levam o intérprete a verdadeiras encruzilhadas, conclusões hermenêuticas que, a primeira vista, parecem todas corretas. Uma importante ferramenta para eleição da interpretação mais adequada, principalmente no que tange às normas abertas, se encontra na teoria dos princípios, na técnica de ponderação de interesses e nas teorias da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
II. Abertura do sistema: princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados.
Toda estrutura de engenharia legislativa verificável no Código Civil de 2002 tem como idealizador Miguel Reale e, como base filosófica, o culturalismo, a historicidade e sua teoria tridimensional dinâmica.[10: MARTINS-COSTA, Judith. O novo código civil brasileiro: em busca da "ética da situação". p. 88. In: MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 87/168.]
Miguel Reale entendia o ser humano como umser cultural, situado em determinado contexto histórico. Desta forma, o Direito, sendo uma pauta de condutas humanas, é também um elemento cultural. As normas jurídicas devem ser compreendidas de acordo com o contexto histórico-social que visam regular, uma vez que, para o autor, "a história está para a espécie humana como a memória está para o indivíduo, como cerne de sua personalidade".[11: REALE, Miguel. Horizontes do direito e da história. 3ª ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 04.]
É basicamente nesta premissa básica que se situa a teoria tridimensional do Direito nos moldes propugnados por Reale: o Direito é elemento complexo, situado na História, composto não apenas de normas, mas também de fatos e valores. “Eis aí, portanto, através de um estudo sumário da experiência das estimativas históricas, como os significados da palavra Direito se delinearam segundo três elementos fundamentais: - o elemento valor, como intuição primordial; o elemento norma, como medida de concreção do valioso no plano da conduta social; e, finalmente, o elemento fato, como condição da conduta, base empírica da ligação intersubjetiva, coincidindo a análise histórica com a da realidade jurídica fenomenologicamente observada.”[12: REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 509. Destaques do autor.]
Na análise da nomogênese jurídica, Reale assevera que o fenômeno poderia ser descrito como um facho de luz, representativo dos valores, que incide sobre os fatos. Os fatos, por sua vez, levam à reflexão desse feixe de valores, em várias possibilidades de normatização, as quais sofrem a influência do Poder, que elege uma dessas possibilidades normativas. A escolha normativa realizada pelo Poder constitui um modelo jurídico, "uma estrutura normativa da experiência destinada a disciplinar uma classe de ações, de forma bilateral atributiva".[13: Processo de nascimento de uma norma jurídica.][14: REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 552 seq.][15: Id. ibid. p. 554.]
O Poder, na visão de Reale, não representa uma estrutura de escolhas arbitrárias, uma vez que está vinculado ao meio histórico, cultural e normativo em que se insere. Nesse diapasão, as escolhas do Poder estão também vinculadas aos valores daquela sociedade.
A norma é criada para ter um mínimo de perenidade, de modo a conservar um mínimo de previsibilidade e segurança jurídica. No entanto, retornando à ideia de historicidade do viver humano, verifica-se que os fins sociais almejados e as demandas de determinada estrutura social não são estáticas ao longo do tempo.
A princípio é possível uma mudança de interpretação da norma jurídica, mudança de seu conteúdo semântico. No entanto, existe um ponto em que o texto da norma não permite elasticidade hermenêutica suficiente a adequá-la ao novo contexto, momento em que deve se dar a retirada da norma jurídica. É por esse motivo que a tridimensionalidade propugnada por Reale é dinâmica.[16: Id. ibid. p. 562/564.]
Foram essas constatações que levaram Reale a empregar na construção do Código Civil de 2002 a técnica legislativa da abertura sistêmica, por intermédio de normas veiculadoras de cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados e princípios. Pode-se observar tanto na Constituição Federal de 1988 quanto no Código Civil o emprego de tais técnicas de engenharia legislativa, as quais permitem ao aplicador do Direito uma maior justiça ao amoldar determinada norma jurídica geral e abstrata a um caso concreto, por conta de termos normativos semanticamente abertos.
Nas palavras de Judith Martins-Costa, percebe-se na atual codificação material um sistema aberto ou de janelas abertas, em virtude da linguagem que emprega, permitindo a constante incorporação e solução de novos problemas, seja pela jurisprudência, seja por uma atividade de complementação legislativa.
Os três princípios fundamentais do Código Civil de 2002 são, segundo Miguel Reale, os princípios da eticidade, da socialidade e da operabilidade. O princípio da eticidade visa incluir valores éticos nas normas do Código Civil, através de normas com abertura semântica, que demandam o diálogo do Código com outros sistemas, em especial, da moral.[17: REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil. Revista de Direito Privado 9, p. 9 ss, jan. – mar. 2002. apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. rev. atual. ampl. incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: RT, 2006.]
A diretriz da eticidade acaba, portanto, tendo a meta de promover a adequação axiológica entre o sistema de Direito Civil e os valores socialmente prestigiados. Em entendimento semelhante, Gerson Luiz Carlos Branco apregoa que "Tal princípio trata do reconhecimento da relação bipolar e dialética entre a realidade e o direito, a força que a moral social, o poder social possuem e os efeitos que provocam sobre o direito."[18: BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O culturalismo de Miguel Reale e sua expressão no novo Código Civil. p. 63. In: Id. ibid. p. 1/85.]
O princípio da socialidade tem como função básica extirpar das relações privadas a supremacia da ideia individualista que impregnava o Código de 1916. Dessa feita, é exigido agora que, nos moldes constitucionais, a propriedade e, consequentemente, os contratos, não se amoldem apenas aos interesses egoísticos dos proprietários e contratantes. A propriedade e seu principal instrumento de circulação devem atender a uma função social, amoldando-se aos interesses da coletividade. Nesses termos, uma propriedade não ocupada, em área urbana, mantida assim por interesses especulativos, não atende à sua função social. O direito de propriedade não possui fim em si mesmo, devendo atender à diretriz constitucional de respeito à sua função social.[19: REALE, Miguel. ibid. loc. cit.][20: BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O culturalismo de Miguel Reale e sua expressão no novo Código Civil. p. 65. In: MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p.1/85.]
Já o princípio da operabilidade mira a simplificação da aplicação do Código Civil, aproximando-o da realidade social que visa regular. Conforme sintetizado por von Jhering, "O direito é feito para ser operado". É com esta ideia que o princípio da operabilidade permeia todo o sistema do Código Civil de 2002: o código é um todo lógico, estruturado de forma sintética, e deve ser interpretado de maneira que seja facilitada sua aplicação. Um exemplo foi o tratamento dado aos institutos da prescrição e da decadência, antes de conceituação e diferenciação truncadas. Outro efeito de referida diretriz é o emprego de cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados e princípios de modo a possibilitar a perpetuação do Código frente à dinâmica da História e da cultura.[21: MARTINS-COSTA, Judith. O novo código civil brasileiro: em busca da "ética da situação". p. 93. In: MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. ibid. p. 87/168.][22: MARTINS-COSTA, Judith. O novo código civil brasileiro: em busca da "ética da situação". p. 96. In: MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 87/168.][23: AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Direito Civil: introdução e teoria geral. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 113.][24: GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 121.]
O conceito jurídico indeterminado “descreve conduta e sanção, mas a aplicação da regra passa pela análise do juiz sobre o texto, que contém expressão vaga e imprecisa.” Pode ser citada como exemplo as disposições do art. 1.136, IV do Código Civil, uma vez que, embora as sanções estejam especificadas no parágrafo segundo do referido dispositivo, a situação normatizada traz expressões vagas e imprecisas, cujo sentido dependem de atividadeinterpretativa do aplicador da norma diante do caso concreto.[25: AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Direito Civil: introdução e teoria geral. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 93.][26: Código Civil. Art. 1.336. São deveres do condômino:(...)IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.(...)§ 2o O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.]
As cláusulas gerais, por seu turno, possuem um grau de indeterminação ainda maior, uma vez que a norma se limita a apontar um valor, sem, no entanto, descrever qualquer fato ou mesmo uma consequência jurídica. Um exemplo de dispositivo que contém cláusula geral é o art. 187 do Código Civil, que apesar de qualificar como ilícito o exercício de um direito que atente contra a boa-fé, não traz o significado de boa-fé nem tampouco diz quais são as consequências pela desobediência a esta norma. Deve o aplicador da norma, neste caso, verificar se há (in)adequação da situação fática ao valor prestigiado e criar a solução que melhor atenda ao caso concreto. Ou, nas palavras de Perlingieri, "Legislar por cláusulas gerais significa deixar ao juiz, ao intérprete, uma maior possibilidade de adaptar a norma às situações de fato."[27: AZEVEDO, Fábio de Oliveira. ibid. loc. cit.][28: Código Civil. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.][29: PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional. Trad. CICCO, Maria Cristina De. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 27.]
São exemplos de cláusulas gerais constantes do Código Civil de 2002 :
- Função social do contrato - art. 421 do CC.
- Função social da propriedade - art. 1.228, § 1. do CC.
- Boa-fé - arts. 113, 187 e 422 do CC.
- Bons costumes - arts. 1 3 e 1 8 7 do CC.
- Atividade de risco - art. 92 7, parágrafo único, do CC.
As cláusulas gerais têm um sentido dinâmico, o que as diferencia dos conceitos legais indeterminados, construções estáticas que constam da lei sem definição. Assim, pode-se afirmar que quando o aplicador do direito cumpre a tarefa de dar sentido a um conceito legal indeterminado, passará ele a constituir uma cláusula geral. Segue-se com tal premissa o posicionamento de Karl Engisch, para quem a cláusula geral não se confunde com a idéia de conceito legal indeterminado, eis que a primeira "contrapõe a uma elaboração ' casuística' das hipóteses legais. ' Casuística' é aquela configuração da hipótese legal (enquanto somatório dos pressupostos que condicionam a estatuição) que circunscreve particulares grupos de casos na sua especificidade própria".
Multifacetárias e multifuncionais, as cláusulas gerais podem ser  basicamente de três tipos, a saber: 
a) disposições de tipo restritivo, configurando cláusulas gerais que delimitam ou restringem, em certas situações, o âmbito de um conjunto de permissões singulares advindas de regra ou princípio jurídico. É o caso da restrição operada pela cláusula geral da função social do contrato  às regras, contratuais ou legais, que têm sua fonte no princípio da  liberdade contratual; 
b) de tipo regulativo, configurando cláusulas que servem para regular,  com base em um princípio, hipóteses de fato não casuisticamente previstas na lei, como ocorre com a regulação da responsabilidade civil por culpa; 
c) de tipo extensivo, caso em que servem para  ampliar uma determinada regulação jurídica mediante a expressa possibilidade de serem introduzidos, na regulação em causa, princípios e regras próprios de outros textos normativos. É  exemplo o art. 7º do Código do Consumidor e o parágrafo 2º do art. 5º da Constituição Federal, que reenviam o aplicador da lei a outros conjuntos normativos, tais como acordos e tratados internacionais e diversa legislação ordinária.
Seja qual for o tipo da cláusula geral, o que fundamentalmente a caracteriza é a sua peculiar estrutura normativa, isto é, o modo que conjuga a previsão ou hipótese normativa  com as conseqüências jurídicas que lhe são correlatas.
Já os princípios são normas que “contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam uma determinada direção a seguir”. Por serem normas axiológicas, não há uma medida pré-estabelecida exata para sua aplicação. São na realidade mandatos de otimização: o valor perseguido deve ser garantido na máxima medida possível, de modo concertado com outros princípios prestigiados pelo sistema. Podem ser citados como exemplos os princípios da eticidade, da socialidade, da operabilidade, da função social e da boa-fé objetiva, sendo que aqueles três primeiros são os princípios inspiradores do Código Civil.[30: BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). p. 31. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 01/48.][31: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª. ed. atual. até a EC. n. 57/2008. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 55/56.]
Consigne-se que muitas das cláusulas gerais são princípios, mas não necessariamente. Ilustrando, a função social do contrato é princípio contratual; ao contrário da cláusula geral de atividade de risco, que não é princípio da responsabilidade civil. Ora, a adoção do sistema de cláusulas gerais pelo Código Civil de 2002 tem relação direta com a linha filosófica adotada por Miguel Reale.
Em que pese o fato do Código Civil de 2002 ter sido publicado quase três décadas após sua criação, tem-se que ainda assim tal Codex realizou verdadeira inovação na ordem jurídica, modernizando o chamado “Direito Privado”. Tal se deve à técnica legislativa já referida, que permite sejam suas normas constantemente reinterpretadas de maneira consentânea com o contexto histórico-social que visam regular.
III. A tese de estado de coisas inconstitucional
O Estado de Coisas Inconstitucional - ECI foi inicialmente adotado pela Corte Constitucional da Colômbia (CCC), por meio da Sentencia de Unificación – 559 em 1997 no caso de desrespeito generalizado e estrutural a direitos previdenciários. No ano seguinte, em 1998, a mesma Corte reconheceu, na Sentencia de Tutela – 153, o ECI em virtude da situação do sistema prisional colombiano, cuja superlotação e violação sistemática de direitos dos presos era fruto da omissão de diversas autoridades no Estado. Depois disso, a técnica já teria sido empregada em mais oito oportunidades naquela Corte. Existe também notícia de utilização da expressão pela Corte Constitucional do Peru. 
O Estado de Coisas Inconstitucional ocorre quando se verifica a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar a situação inconstitucional. Ante a gravidade excepcional do quadro, a corte se afirma legitimada a interferir na formulação e implementação de políticas públicas e em alocações de recursos orçamentários e a coordenar as medidas concretas necessárias para superaçãodo estado de inconstitucionalidades.
Em síntese, são três os pressupostos do Estado de Coisas Inconstitucional: 
1) a constatação de um quadro não simplesmente de proteção deficiente, e sim de violação massiva, generalizada e sistemática de direitos fundamentais, que afeta a um número amplo de pessoas;
2) a falta de coordenação entre medidas legislativas, administrativas, orçamentárias e até judiciais, verdadeira “falha estatal estrutural”, que gera tanto a violação sistemática dos direitos, quanto a perpetuação e agravamento da situação;
3) a superação dessas violações de direitos exige a expedição de remédios e ordens dirigidas não apenas a um órgão, e sim a uma pluralidade destes — são necessárias mudanças estruturais, novas políticas públicas ou o ajuste das existentes, alocação de recursos, etc. Constata-se a formação de um litígio estrutural que é aquele que afeta um número expressivo de pessoas e exige remédios de diversos tipos, sob a coordenação do Poder Judiciário.
Diante disso, para enfrentar um litígio dessa espécie, a Corte terá que fixar remédios estruturais voltados à formulação e execução de políticas públicas, o que não seria possível por meio de decisões mais tradicionais. A Corte adota, portanto, uma postura de ativismo judicial estrutural diante da omissão dos Poderes Executivo e Legislativo. 
Importante destacar que o juiz não chega a detalhar as políticas, e sim a formular ordens flexíveis, cuja execução será objeto de monitoramento contínuo, por exemplo, por meio de audiências públicas periódicas, com a participação de setores da sociedade civil e das autoridades públicas responsáveis. Os remédios flexíveis são modelados pelas cortes para serem cumpridos, deixando margens de criação legislativa e de execução a serem esquematizadas e avançadas pelos outros poderes. Em vez de supremacia judicial, as cortes devem abrir e manter o diálogo com as demais instituições em torno das melhores soluções. O ativismo judicial é estrutural, mas pode e deve ser dialógico.
	Por fim, em 2015, houve a propositura da ADPF 347 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que requereu o reconhecimento, pelo STF, do “Estado de Coisas Inconstitucional” na situação do sistema penitenciário brasileiro. Com o reconhecimento do ECI deveria o STF interferir na formulação e implementação de políticas públicas, determinar alocações orçamentárias e ordenar interpretação vinculante do processo penal, visando a melhoria das condições desumanas dos presídios brasileiros, bem como buscando a redução da superlotação dos presídios. A maior parte dos nove pedidos cautelares do requerente na ADPF 347 dizia respeito ao poder-dever dos juízes criminais e de execução criminal de contribuir para a redução da superlotação, inclusive abrandando os requisitos legais de concessão de benefícios prisionais e ainda abatendo o tempo de prisão caso o preso tenha cumprido a pena em condições desumanas. 
O Plenário reconheceu que no sistema prisional brasileiro realmente há uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios acabam sendo penas cruéis e desumanas.
Diante disso, o STF declarou que diversos dispositivos constitucionais, documentos internacionais (o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos) e normas infraconstitucionais estão sendo desrespeitadas.
	Vale ressaltar que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuída aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), tanto da União como dos Estados-Membros e do Distrito Federal. A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa uma verdadeira "falha estrutural" que gera ofensa aos direitos dos presos, além da perpetuação e do agravamento da situação.
No julgamento da medida cautelar, o STF não deferiu a maior parte dos pedidos, tendo, por maioria, decidido somente:
1) pela aplicabilidade imediata do artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos e do artigo 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, devendo os juízes e tribunais realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, permitindo o comparecimento do preso em até 24 horas da prisão;
2) deferir a cautelar para determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos;
3) conceder cautelar de ofício para que se determine à União e aos Estados, e especificamente ao Estado de São Paulo, que encaminhem ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a situação prisional.
De forma específica, pode-se visualizar os pedidos e a decisão do STF da seguinte forma:
 
	O STF deveria obrigar que os juízes e tribunais do país:
	a) quando forem decretar ou manter prisões provisórias, fundamentem essa decisão dizendo expressamente o motivo pelo qual estão aplicando a prisão e não uma das medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP;
	INDEFERIDO. O STF entendeu que seria desnecessário ordenar aos juízes e Tribunais que fizesse isso porque já são deveres impostos a todos os magistrados pela CF/88 e pelas leis. Logo, não havia sentido em o STF declará-los obrigatórios, o que seria apenas um reforço.
	b) implementem, no prazo máximo de 90 dias, as audiências de custódia;
	DEFERIDO.
	c) quando forem impor cautelares penais, aplicar pena ou decidir algo na execução penal, levem em consideração, de forma expressa e fundamentada, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro;
	INDEFERIDOS. O STF entendeu que seria desnecessário ordenar aos juízes e Tribunais que fizessem isso porque já são deveres impostos a todos os magistrados pela CF/88 e pelas leis. Logo, não havia sentido em o STF declará-los obrigatórios, o que seria apenas um reforço.
	d) estabeleçam, quando possível, penas alternativas à prisão;
	
	e) abrandar os requisitos temporais necessários para que o preso goze de benefícios e direitos, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando ficar demonstrado que as condições de cumprimento da pena estão, na prática, mais severas do que as previstas na lei em virtude do quadro do sistema carcerário;
	INDEFERIDOS. O Plenário entendeu que o STF não pode substituir o papel do Legislativo e do Executivo na consecução de suas tarefas próprias. Em outras palavras, o Judiciário deverá superar bloqueios políticos e institucionais sem afastar, porém, esses poderes dos processos de formulação e implementação das soluções necessárias. Nesse sentido, não lhe incumbe definir o conteúdo próprio dessas políticas, os detalhes dos meios a serem empregados.
	f) abatam o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são, na prática, mais severas do que as previstas na lei. Isso seria uma forma de "compensar" o fato de o Poder Público estar cometendo um ilícito estatal.
	
	O STF deveria obrigar que o CNJ:
	g) coordene um mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal em curso no País que envolvam a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f” acima expostas.
	O Tribunal julgou prejudicada a cautelar desse pedido, e concedeu, reajustando, cautelar de ofício para que se determine à União e aos Estados, e especificamente ao Estado de São Paulo, que encaminhem ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a situação prisional 
	O STF deveria obrigar que a União:
	h) libere, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos.
	DEFERIDO.
	O MPF entendeu, sucintamente nesse ADPF, que embora reconheça a importância dos pedidos e do tema tratado na ADPF, as medidas cautelarespleiteadas são muito “abrangentes e generalizadas”. Segundo a vice-procuradora, Ela Wiecko, o Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária exige o cumprimento de regras no sistema prisional nacional que não são observadas pelos estados. “Simplesmente descontingenciar, deixar uma liberdade total para os estados, significa abrir a porta para o descomprometimento com a obediência a essas normas e tornar esse estado de coisas ainda mais inconstitucional”, afirmou.
Questões anteriores do MPF:
Questão 6, do Concurso 29 - O “estado de coisas inconstitucional” autoriza a intervenção do STF quando presentes três pressupostos: situação de violação generalizada de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a situação; a superação das transgressões exigir a definição e implementação de políticas públicas pelo STF.
Gabarito: Incorreta.
2.PESSOAS NATURAIS 
2.1 As pessoas naturais. Direitos da personalidade. A dignidade humana e seus corolários no âmbito do Direito Civil. Teoria do mı́nimo existencial. O direito ao nome. Hipóteses de mutabilidade do nome civil. Nome social. (5.a) 
2.2 Capacidade civil. Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). A proteção dos interesses dos incapazes e o papel do Ministério Público. Aspectos materiais e processuais. Interdição, tutela e curatela. (3.a) 
2.3 Domicı́lio da pessoa natural e sede da pessoa jurı́dica. Eleição de foro nos contratos. (15.a) 
2.4 Direito à liberdade de expressão e direitos da personalidade. Direito à privacidade e à intimidade. Direito à imagem. Direito ao esquecimento. O discurso de ódio (hate speech). (8.a) 
2.5 Bioética e biodireito. Começo e fim da personalidade. Nascituro. Evolução dos direitos do nascituro. Doação de órgãos e tecidos. (13.a) 
2.6 A técnica de reprodução humana assistida. Alteração de sexo. Pesquisa cientı́fica em seres humanos. (1.c) 
2.7 Direito à origem genética. Direito de morrer. Direito ao corpo vivo. (9.c) 
5A. As pessoas naturais. Direitos da personalidade. A dignidade da pessoa humana e seus corolários no âmbito do Direito Civil. Teoria do Mínimo Existencial. O direito ao nome. Hipóteses de mutabilidade do nome civil. Nome social.
 
Renata Muniz 
PESSOAS NATURAIS 
Personalidade jurídica é a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, ou, em outras palavras, é o atributo para ser sujeito de direito. Adquirida a personalidade, o ente passa a atuar, na qualidade de sujeito de direito (pessoa natural ou jurídica), praticando atos e negócios jurídicos dos mais diferentes matizes. Se toda pessoa natural (física) possui o atributo da personalidade, o mesmo não acontece com a capacidade jurídica, atributo relacionado à possibilidade de o indivíduo praticar, por si, atos jurídicos. [32: Sobre começo e fim da personalidade, vide subponto 13a.][33: Sobre capacidade civil, vide subponto 3a. ]
Individualização da pessoa natural: Pelo nome: prenome, sobrenome e agnome: sinal que distingue pessoas de uma mesma família (Júnior, Neto). Pelo estado: O estado da pessoa é a soma de suas qualificações. Seus aspectos podem ostentar caráter individual, familiar e político. Pelo domicílio: domicílio é a sede jurídica da pessoa. É o local onde responde por suas obrigações. Espécies: necessário ou legal e voluntário. Muda-se o domicílio, transferindo a residência com a intenção manifesta de mudá-lo (art. 74, CC). 
DIREITOS DA PERSONALIDADE: 
Com a constitucionalização do Direito Civil, todos os postulados da dignidade da pessoa humana são transplantados para o direito privado, principalmente no capítulo do CC que trata dos direitos da personalidade, que estão para o código assim como os direitos fundamentais estão para a Constituição. Enunciado nº 274, na IV Jornada, CJF: “ Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação”. De outro giro, os direitos da personalidade são aqueles inerentes à pessoa e à sua dignidade (art. 1º, III, da CF/88) e alcança também as pessoas jurídicas, que possuem direitos da personalidade por equiparação, conforme art. 52 do Código Civil. Ex: Honra objetiva, nome e imagem.
Características dos direitos da personalidade: a)Inatos – se a dignidade da pessoa humana é intrínseca à personalidade humana, e a personalidade é reflexo da dignidade da pessoa humana, logo a personalidade é intrínseca, ou seja, já nasce com a pessoa. b)Intransmissíveis
c)Irrenunciáveis ou indisponíveis (disponibilidade relativa – aspectos patrimoniais – ex.: Big Brother, contrato de exploração de imagem, etc.); d)Imprescritíveis e impenhoráveis; e)Vitalícios.
A doutrina associa os direitos da personalidade a 5 grandes ícones colocados em prol da pessoa no CC:
Vida e integridade físico-psíquica, estando o segundo conceito inserido no primeiro, por uma questão lógica.
Nome da pessoa natural ou jurídica, com proteção específica constante entre os artigos 16 a 19, do CC, bem como na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73). 
Imagem, classificada em imagem-retrato – reprodução corpórea da imagem, representada pela fisionomia de alguém; e imagem-atributo – soma de qualificações de alguém ou repercussão social da imagem. 
Honra, com repercussões físico-psíquicas, subclassificada em honra subjetiva (autoestima) e honra objetiva (repercussão social da honra). A honra significa tanto o valor moral íntimo do homem, como a estima dos outros, ou a consideração social, o bom nome ou a boa fama, como, enfim, o sentimento, ou consciência, da própria dignidade pessoal. 
Intimidade, sendo certo que a vida privada da pessoa natural é inviolável, conforme previsão expressa do art. 5º, X, da CF/88: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral, decorrente da sua violação.
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SEUS COROLÁRIOS NO ÂMBITO DO DIREITO CIVIL. TEORIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL.
A dignidade humana penetra nas relações jurídicas públicas e privadas e pode gerar pretensões positivas e negativas diante dos poderes públicos e de particulares. Daniel Sarmento identifica alguns elementos desse princípio:
a) Valor intrínseco da pessoa – A ideia de valor intrínseco da pessoa postula que o ser humano nunca pode ser tratado como apenas um meio, mas sempre como um fim em si. Ela implica também que a dignidade é ontológica, e não contingente, pois não depende das características pessoais ou dos atos que cada indivíduo tenha praticado: todos possuem a mesma dignidade. O valor intrínseco é incompatível com a instrumentalização do ser humano para fins do Estado, de coletividades ou de terceiros.
b) Autonomia - A autonomia consiste no direito dos indivíduos de fazerem as suas escolhas de vida e de agirem de acordo com elas (autonomia privada), bem como de participarem da formação da vontade coletiva da sua comunidade política (autonomia pública). A premissa básica, em ambos os casos, é a de que as pessoas devem ser tratadas como agentes, capazes de tomar decisões e com o direito de fazê-lo. A autonomia deve ser compreendida como liberdade positiva, e não apenas negativa. A liberdade negativa consiste na ausência de impedimento externo à ação do agente. Já a liberdade positiva, em sua melhor leitura, corresponde à possibilidade real de o agente decidir e agir em conformidade com a sua escolha
c) O reconhecimento – que diz respeito à identidade individual e coletiva das pessoas, nas instituições, práticas sociais e relações intersubjetivas. Direito ao reconhecimento é o direitoa ter sua identidade respeitada, independentemente da concepção de vida que a pessoa adote, da opção sexual, da raça, etc. Esse respeito tem que ser das pessoas e das instituições públicas.
d) O mínimo existencial – que envolve a garantia das condições materiais indispensáveis para a vida digna. O mínimo existencial é outro componente essencial do princípio da dignidade da pessoa humana, que visa a assegurar a todos as condições materiais básicas para a vida digna. A sua proteção corresponde a um “piso” para a atuação do Estado na seara da justiça social, e não a um “teto”. O direito ao mínimo existencial é titularizado por todas as pessoas naturais, inclusive estrangeiros. Ele não se estende, contudo, às pessoas jurídicas, ao contrário do que já afirmou o STJ. Tal direito é dotado de eficácia horizontal, vinculando em alguma medida os particulares. O direito ao mínimo existencial não se limita à garantia das condições necessárias para a sobrevivência física. Ele abrange também prestações de natureza sociocultural ligadas à dignidade, como, por exemplo, o acesso ao ensino básico. Envolve, ademais, uma faceta ecológica, atinente às condições ambientais sem as quais não há vida digna. mínimo existencial possui dimensões negativa e positiva. A dimensão negativa impede os atos tendentes a privar os indivíduos de bens e valores essenciais para uma vida digna. Já a dimensão positiva lastreia
a exigibilidade de direitos prestacionais básicos. O mínimo existencial é judicialmente exigível. Quando está em jogo o atendimento de necessidades materiais básicas, a proteção à dignidade
humana sobrepuja a tutela dos princípios contrapostos da separação dos poderes e da democracia, justificando plenamente a intervenção jurisdicional. A doutrina e jurisprudência dominantes afirmam que as prestações ligadas ao mínimo não se sujeitam sequer à “reserva do possível”.
Destaca Maria Celina Bodin de Moraes: “Sob essa ótica, as normas do direito civil necessitam ser interpretadas como reflexo das normas constitucionais. A regulamentação da atividade privada (porque regulamentação da vida cotidiana) deve ser, em todos os seus momentos, expressão da indubitável opção constitucional de privilegiar a dignidade da pessoa humana humana. Em conseqüência, transforma-se o direito civil: de regulamentação da atividade econômica individual, entre homens livres e iguais, para regulamentação da vida social, na família, nas associações, nos grupos comunitários, onde quer que a personalidade humana melhor se desenvolva e sua dignidade seja mais amplamente tutelada. A transformação não é de pequena monta. Ao invés da lógica proprietária da lógica produtivista, empresarial (era uma palavra, patrimonial), são os valores existenciais que, porque privilegiados pela Constituição, se tornam prioritários no âmbito do direito civil.”[34: Sobre a constitucionalização do direito civil vide subponto 3a.]
O DIREITO AO NOME. O direito ao nome é um direito da personalidade, previsto atualmente no art. 16 do CC/02. O nome, além de ser um atributo dos indivíduos que permite a identificação no âmbito da comunidade em que vivem, possui a função de conferir segurança ao seu portador, possibilitar o desempenho adequado da comunicação social e revestir o indivíduo de um caráter de status social, contribuindo, pois, para a formação da honra privada do indivíduo.
Elementos do nome. “Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. Em sua composição destacam-se o prenome (nome de batismo) e o sobrenome, também conhecido como apelido familiar ou patronímico, e que se caracteriza por indicar a origem familiar, motivo pelo qual não pode ser livremente escolhido, sendo adquirido com o nascimento e transmissível por sucessão. Os pais têm liberdade de escolha apenas em relação ao prenome, não importando se simples ou composto. Importante é que não pode expor a pessoa ao ridículo, ou seja, a liberdade de escolha não é ilimitada e arbitrária. Além dos elementos acima destacados, podem-se também empregar outras partículas, como o agnome (“júnior”, “filho”, “neto”, “sobrinho”...), que em geral apontam para o grau de parentesco ou de geração, permitindo a identificação dos sujeitos que recebem o mesmo nome e pertencem à mesma família. Enquanto todo sujeito deve ser registrado com prenome e sobrenome, o uso do agnome, assim como os axiônimos, não é obrigatório. Aqueles distinguem parentes, e estes são colocados adiante do prenome, indicando uma forma de tratamento cortês (Senhor, Vossa Excelência) ou ainda a existência de títulos de nobreza, títulos acadêmicos, eclesiásticos, ou qualificações de dignidade oficial (ministro, desembargador, senador, prefeito). O pseudônimo, também conhecido como codinome ou heterônimo, distingue-se dos elementos anteriores por ser escolhido pelo próprio indivíduo, que abraça uma designação normalmente destinada a sua identificação em atividade de cunho artístico, literário, jornalístico ou cultural. Di Cavalcanti (Emiliano de Albuquerque Melo) e Sílvio Santos (Senor Abravanel) são exemplos de pseudônimos reconhecidos, cuja proteção está assegurada pelo art. 19 do CC/02, da mesma forma que se dá ao nome.
Apelidos. Há ainda quem faça uso de apelidos na identificação da pessoa natural. Neste particular deve-se ter cuidado com o sentido do termo, uma vez que se está diante de uma palavra polissêmica, que tanto pode ser utilizada como sinônimo de sobrenome (=apelido familiar), como no sentido de cognome, isto é, algo que serve de aposto permitindo o reconhecimento do indivíduo (alcunha, epíteto ou vulgo). Se com o passar do tempo tais designações se tornarem públicas e notórias, podem substituir o próprio prenome ou serem incorporadas ao nome existente, tornando-o composto, como nos exemplos de Luís Inácio {Lula) da Silva e Acelino (Popó) Freitas, conforme disposto no art. 58 da LRP. Neste artigo da Lei de Registros Públicos reside o princípio da imutabilidade relativa do nome civil
HIPÓTESES DE MUTABILIDADE DO NOME CIVIL. Embora o art. 58 da Lei de Registros Públicos determine que o prenome será definitivo, a regra da imutabilidade do nome não é absoluta, existindo diversas hipóteses que permitem alterações, dentre as quais, vale citar as mais comuns: (a) registro do nome expõe seu portador ao ridículo (art. 55, LRP); (b) prenome registrado com erro gráfico evidente (art. 110, LRP); (c) alteração fundada na coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime (parágrafo único, art. 58, LRP); (d) substituição por apelidos públicos notórios (art. 58. LRP); (e) Adoção (art. 1.627, CC/02 e art. 47, § 5o ECA); (f) casamento ou divórcio (art. 1-565, §§ Io e 2o).
 
Alteração pela via administrativa. Segundo disposto no art. 56 da Lei de Registros públicos, o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família. Expirado esse prazo decadencial, não será mais possível qualquer alteração pela via administrativa. Trata-se da única possibilidade de modificação imotivada do nome civil.
Alteração do nome na jurisprudência. A tradicional regra da imutabilidade do nome tem sido flexibilizada ao longo do tempo pela jurisprudência, para além das exceções previstas na Lei.
Busca-se a funcionalização de tal regra através da constatação de que o que deve ser protegido é o nome através do qual o indivíduo é reconhecido no meio em que vive (prenome de uso), ainda que não seja este o nome que consta do seu registro, respeitados o devido processo legal (a alteração só pode ser procedida por sentença) e o interesse de terceiros. 
NOME SOCIAL. Regulamentação: Decreto 9.278/18, que regulamenta a Lei n. 7.116/83 para utilização do nome social na carteira de identidade; Decreto 8.727/16 que dispõe sobre o uso na administração federal; Portaria PGR/MPU nº 7/18 sobre o uso do nome social pelas pessoas transgênero usuárias dos serviços, pelos membros, servidores, estagiários e trabalhadoresterceirizados, no âmbito do Ministério Público da União; Portaria Conjunta TSE nº 1/18 que regulamenta a inclusão do nome social no cadastro eleitoral. 
Conceito - é “a designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida”. O uso do nome social tem relação direta com os elementos da dignidade da pessoa humana da autonomia e do reconhecimento.
STF. ADI 4275/DF, 01.03.18 (Info 892). O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou a expressão de gênero. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. A pessoa não deve provar o que é, e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental. Com base nessas assertivas, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade para dar interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/1973. Reconheceu aos transgêneros, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à alteração de prenome e gênero diretamente no registro civil.
3A. Capacidade Civil. Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). A proteção dos interesses dos incapazes e o papel do MP. Aspectos Materiais e processuais. Interdição, tutela e curatela.
Renan Lima
CAPACIDADE CIVIL: “É a medida da personalidade”. Divide-se em: i) capacidade de direito (de gozo ou capacidade jurídica) e; ii) capacidade de fato (ou de exercício).
i) capacidade de direito ou de gozo: Dispõe o art. 1º do CC que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Conclui-se, assim, que toda pessoa, sem distinção, possui capacidade de direito. Em outras palavras, basta ser pessoa, isto é, ter personalidade, para possuir a capacidade jurídica.
Nos termos do art. 2º do CC, “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
ii) capacidade de fato ou de exercício: É a aptidão para exercer, pessoalmente, os atos da vida civil. A capacidade de fato é verificada quando a pessoa não apresenta nenhuma hipótese de incapacidade prevista no ordenamento jurídico.
Quando a pessoa reúne a capacidade direito e a capacidade de fato, diz-se que ela possui “CAPACIDADE CIVIL PLENA”. Em síntese: CAPACIDADE PLENA = CAPACIDADE DE DIREITO (GOZO) + CAPACIDADE DE FATO (EXERCÍCIO).
Atenção: não se deve confundir capacidade com legitimação. A capacidade é a medida da personalidade, ao passo que a legitimação é a pertinência subjetiva para a prática de determinado ato jurídico. Algumas pessoas possuem capacidade jurídica plena para os atos da vida civil, mas podem estar impedidas de praticar determinados atos jurídicos em razão de sua posição em relação a certas pessoas, certos bens ou certos interesses. Exemplos: dois irmãos, ainda que maiores e capazes, não têm legitimidade para casar entre si (art. 1521, inciso IV, do Código Civil). Ademais, o tutor não pode adquirir bens ou doar bens do tutelado (art. 1749 do CC).
A capacidade como direito fundamental: Conforme Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto, “hoje podemos falar não só do direito fundamental à personalidade, como podemos ir além: falar no direito fundamental à capacidade civil. Capacidade civil tem a ver com autodeterminação, escolha dos próprios rumos, decisões sobre aspectos existenciais e patrimoniais da própria vida. A capacidade civil sempre foi negada, em maior ou menor grau, àqueles que se comportavam de modo diferente do modelo padrão”. Por isso, sustentam os autores que o direito civil atual busca enxergar essas pessoas, outrora invisíveis em razão do rótulo da incapacidade. Além disso, a preocupação do direito civil atual deixa de ser meramente com a questão da gestão patrimonial e passa a ter como foco a mais ampla proteção da pessoa (concepção personalista do Direito Civil). Não se busca, porém, de uma proteção que anula, mas uma proteção que decorre da dignidade humana (art. 1º, inciso III, da CF) e que visa promover, dentro das possibilidades reais, a autonomia da pessoa.
Vale lembrar, a propósito, que de acordo com Daniel Sarmento, a dignidade humana pode ser decomposta em quatro elementos básicos: i) valor intrínseco da pessoa; ii) autonomia; iii) mínimo existencial; e iv) reconhecimento.
INCAPACIDADES: São circunstâncias previstas em lei que restringem a capacidade de fato (de exercício). É relevante enfatizar que a capacidade de direito não sofre restrição, mas apenas a capacidade de fato. Dividem-se em: a) incapacidade absoluta e; b) incapacidade relativa.
Incapacidade absoluta: Circunstância que, na concepção do legislador, retira completamente o discernimento necessário para exercer, pessoalmente, os atos da vida civil, como celebrar um negócio jurídico. Deve ser uma circunstância relevante, pois, uma vez verificada, a pessoa somente poderá exercer os atos da vida civil por meio de representante (“O absolutamente incapaz deve ser representado”).
Atualmente, após a profunda mudança operada pela Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência), a única hipótese de incapacidade civil absoluta estabelecida no Código Civil é a menoridade, assim prevista no art. 3º do CC: 
“Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”.
Verifica-se, portanto, que o critério etário é o único utilizado hoje pelo legislador para definição da incapacidade absoluta. Desse modo, de acordo com o Código Civil, somente os menores de 16 (dezesseis) anos, chamados de menores impúberes, são considerados absolutamente incapazes.
A consequência da incapacidade absoluta é a nulidade do ato praticado. Em outras palavras, os atos praticados por absolutamente incapazes são nulos, nos termos do art. 166, inciso I, do CC. 
Obs: A previsão do art. 166, inciso I, do CC não pode ser interpretada de maneira extremamente rigorosa e dissociada do contexto social vivenciado. Diariamente, crianças e adolescentes realizam pequenos negócios jurídicos, que são os chamados atos socialmente típicos, como a compra de um refrigerante na lanchonete da escola, o pagamento da passagem do transporte coletivo e a compra de um gibi. Uma exegese desproporcional do referido dispositivo ocasionaria a nulidade de todos esses atos. Por essa razão, a doutrina defende a aplicação da “Teoria do Ato-Fato”, pela qual esses pequenos negócios jurídicos, quando praticados por incapazes, são considerados válidos, quando socialmente aceitos, realizados de boa-fé e desde que não haja prejuízo às partes.
Obs: Restitutio in integrum: Cuidado com essa expressão, pois é comum encontrar julgados dando a ela o sentido de “reparação integral” de danos. No que se refere à capacidade, porém, ela tem definição específica. O chamado benefício de restituição, segundo Clóvis Bevilaqua, consistia no benefício conferido aos menores ou incapazes em geral para permitir a invalidação de um negócio jurídico e a restituição do valor pago, simplesmente em razão da alegação de prejuízo. Em síntese, tal instituto conferia um direito ao incapaz de, a posteriori, alegar prejuízo para invalidar o negócio validamente celebrado. Esse benefício não é mais admitido desde o CC/16.
Obs: O ausente não é mais tratado como absolutamente incapaz pelo CC/2002, como era pela codificação anterior. Atualmente, a ausência gera um longo processo de gestão patrimonial, que passa pela abertura de sucessão provisória e provoca a declaração de morte presumida, com a consequente sucessão definitiva, caso o ausente não reapareça (arts. 22 a 39 CC/2002).
Incapacidade relativa: A incapacidade relativa ocorre quando, por circunstância legalmente prevista, presume-se que o discernimento não se faz presente no grau necessário para aprática do ato. O relativamente incapaz deve ser assistido, ou seja, deve praticar os atos da vida civil juntamente com seu assistente.
As hipóteses de incapacidade relativa estão previstas no art. 4º do Código Civil, modificado pela Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência (Lei nº 13.146/2015):
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação Lei nº 13.146, de 2015)
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) 
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015).
Verifica-se que a Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) promoveu modificações profundas na Teoria das Incapacidades. Com efeito, o estatuto incorporou as ideias constantes na Convenção de Nova York sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Cumpre relembrar que a referida convenção, bem como seu protocolo facultativo, foram incorporados na ordem brasileira em conformidade com o rito previsto no art. 5º, § 3º da CF/88 e, por isso, possuem status equivalente de EC.
A Convenção como princípios a igualdade plena das pessoas com deficiência e a sua inclusão com autonomia. Por isso, a modificação mais significativa diz respeito ao atual inciso III do art. 4º do CC. Pela nova redação, as pessoas que, por CAUSA TRANSITÓRIA OU PERMANENTE, não puderem exprimir sua vontade, são consideradas RELATIVAMENTE INCAPAZES. O objetivo, segundo Flávio Tartuce, foi a plena inclusão das pessoas com algum tipo de deficiência, tutelando a sua dignidade humana.
Obs: O pródigo não é um mero gastador. A prodigalidade consubstancia uma forma grave de transtorno psicológico. Trata-se de uma compulsão. O pródigo padece de grave desvio comportamental, por gastar imoderadamente o seu patrimônio (sua fazenda), podendo reduzir-se à completa miséria. O vício em jogo pode levar à prodigalidade. A proteção jurídica do pródigo, embora antiga, encontra hoje inspiração na “teoria da proteção jurídica do patrimônio mínimo” (ou estatuto jurídico do patrimônio mínimo), desenvolvida por Luiz Edson Fachin. Segundo tal doutrina, o indivíduo deve, na perspectiva da dignidade da pessoa humana, ter um patrimônio mínimo resguardado pelas normas civis, para que possa viver dignamente. A mesma teoria inspira normas de proteção do bem de família ou daquelas que evitam a execução completa do patrimônio de uma pessoa.
QUADRO COMPARATIVO – MUDANÇAS PROMOVIDAS PELA LEI Nº 13.146/2015.
	
	Antes da Lei nº 13.146, de 2015
	Após a Lei nº 13.146, de 2015
	Absolutamente incapazes
	Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: 
I - os menores de dezesseis anos; 
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
	Art. 3ª São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. 
	Relativamente incapazes
	Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
	Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; 
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.
QUADRO COMPARATIVO – INCAPACIDADE ABSOLUTA X RELATIVA
	
	INCAPACIDADE ABSOLUTA
	INCAPACIDADE RELATIVA
	Negócio jurídico:
	NULO - não podendo ser suprida a nulidade nem por vontade das partes. Não é ratificada.
Art. 166, inciso I, do CC.
	ANULÁVEL - pode ser ratificado.
	Responsabilidade civil:
	Subsidiária, nos termos do art. 928 do CC:
“Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.
	Em regra subsidiária (art. 928 do CC).
Poderá ser solidária se menor de 18 anos emancipado (En. n. 41 da I Jornada de Direito Civil).
	Prescrição:
	Não corre a prescrição contra o absolutamente incapaz, conforme 198, inciso I, do CC.
Assim, apesar de o débito alimentar, no que toca as prestações vencidas, prescrever em 2 anos, para os absolutamente incapazes não corre a prescrição.
	Incide a prescrição.
	Vontade:
	Por representação (substitui a vontade do representado).
	Por assistência (auxilia a vontade do assistido, confirmando a validade do ato).
IMPACTOS DA LEI Nº 13.146/2015:
O art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em prol da inclusão, estabelece que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. Eventualmente, quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.
De acordo com Flávio Tartuce, “entre vários comandos que representam notável avanço para a proteção da dignidade da pessoa com deficiência, a nova legislação altera e revoga alguns artigos do Código Civil (arts. 114 a 116), trazendo grandes mudanças estruturais e funcionais na antiga teoria das incapacidades, o que repercute diretamente para institutos do Direito de Família, como o casamento, a interdição e a curatela.
Em suma, não existe mais, no sistema privado brasileiro, pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade. Como consequência, não há que se falar mais em ação de interdição absoluta no nosso sistema civil, pois os menores não são interditados. Todas as pessoas com deficiência, das quais tratava o comando anterior, passam a ser, em regra, plenamente capazes para o Direito Civil, o que visa a sua plena inclusão social, em prol de sua dignidade. Merece destaque, para demonstrar tal afirmação, o art. 6º da Lei 13.146/2015, segundo o qual a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: a) casar-se e constituir união estável; b) exercer direitos sexuais e reprodutivos; c) exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; d) conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; e) exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e f) exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. 
Em suma, há uma expressa inclusão plena das pessoas com deficiência. Eventualmente, e em casos excepcionais, tais pessoas podem ser tidas como relativamente incapazes em algum enquadramento do novo art. 4º do Código Civil. Cite-se, a título de exemplo, a situação de um deficiente que seja viciado em tóxicos, podendo ser tido como incapaz como qualquer outro sujeito.
A nova redação dessa norma passa a enunciar as pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir vontade, o que antes estava previsto no inciso III do art. 3º como situação típica de incapacidade absoluta. Agora a hipótese é de incapacidade relativa.
Verificadas as alterações, parece-nos que o sistema de incapacidades deixou

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