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1 Disciplina: Neuropsicopatologias e Neurociências Aplicadas à Educação Autores: D.ra Jezuina Kohls Schwanz Revisão de Conteúdos: Carolinne Prado Engelhardt Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso Ano: 2017 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Jezuina Kohls Schwanz Neuropsicopatologias e Neurociências Aplicadas à Educação 1ª Edição 2017 Curitiba, PR Editora São Braz 3 FICHA CATALOGRÁFICA SCHWANZ, Jezuina Kohls Neuropsicopatologias e Neurociências Aplicadas à Educação / Jezuina Kohls Schwanz – Curitiba, 2017. 53 p. Revisão de Conteúdos: Carolinne Prado Engelhardt. Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso. Material didático da disciplina de Neuropsicopatologias e Neurociências Aplicadas à Educação – Faculdade São Braz (FSB), 2017. ISBN: 978-85-94439-70-3 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Apresentação da disciplina A disciplina de Neuropsicologias e Neurociências aplicadas à educação, dentre os diversos temas que abrangem a Neurociência, serão abordados aqueles que são considerados de maior relevância para sua formação, com foco na educação. Dentre eles, os diferentes aspectos que englobam o tema memória e a inteligência e o cérebro humano. Serão abordados aspectos históricos da neurociência e da neuropsicologia, relacionando ambas, sobre a memória, principalmente sobre a memória operacional, conhecida como memória de trabalho, os processos neurobiológicos da leitura e transtornos que afetam a mesma, distúrbios e dificuldades de aprendizagem, dando ênfase a dislexia. Por fim foi visto sobre a inteligência e suas relações com o funcionamento cerebral. Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 6 AULA 1 – NEUROCIÊNCIA E NEUROPSICOLOGIA Apresentação da Aula 01 Na aula, serão abordados os aspectos da Neurociência e da Neuropsicologia em seu contexto histórico, a fim de que se possa compreender melhor essas duas ciências e como se relacionam. 1.1 Neurociência e Neuropsicologia: Contexto Histórico Disponível em- http://superinteligente.club/cerebro/ Ao longo da história da humanidade questões que envolvem a mente e seu funcionamento sempre foram fonte de curiosidade e preocupação. A Neurociência, embora sendo uma ciência jovem, tem suas bases fixadas em um período longínquo. Desde simples curiosidades a experimentos macabros os “estudiosos da mente humana” buscam responder perguntas, tais como: “Onde está a mente?” “Como a mente humana funciona?”. Possíveis respostas a essas perguntas podem ser encontradas na filosofia grega antiga. Resumidamente, alguns desses fatos que acabaram dando origem a Neurociência: 7 No período neolítico, a fim de expulsar o demônio do corpo que causavam transtornos, eram realizadas trepanações. Na Grécia antiga, filósofos como Demócrito (460- 370 AC) e Hipócrates (460- 379 AC) trazem a ideia de que a mente localiza-se no cérebro. Já naquela época acreditava-se que o cérebro estava envolvido nas sensações, sendo a fonte da inteligência. Aristóteles (384- 322 AC) acreditava que o coração era a fonte da inteligência do homem. Na Idade Média, Galeno (130- 200 DC), a partir de dissecações em animais, contraria as ideias de Aristóteles, tendo o cérebro como o responsável pelas emoções. Vocabula rio Trepanação – ato ou efeito de trepanar; técnica de perfurar com trepano. Hoje, na medicina moderna, a trepanação consiste na abertura de um ou mais buracos no crânio, através de uma broca neurocirúrgica, visando drenar um hematoma ou inserir um cateter cerebral. A partir do século XIX outras descobertas científicas ligadas ao cérebro e seu funcionamento passaram a fazer parte dos estudos da mente, entre elas o Raio X em 1895 e a tomografia computadorizada em 1972. Foi nessa época que começou a aparecer a palavra Neurociência em alguns congressos médicos. Na década de 1990, considerada a década do cérebro devido aos avanços nessa área, dá-se início a inúmeros projetos e pesquisas voltadas ao mapeamento do cérebro humano. Como pode-se perceber os enigmas que envolvem a mente humana suscitam, desde sempre, interesse. Atualmente, as pesquisas em Neurociência têm ganhado um espaço cada vez maior na medicina. Transtornos que antigamente eram tratados como castigo divino ou demoníacos, hoje são diagnosticados e tratados com eficácia, seja através de remédios ou de terapias. Mas afinal, “o que é Neurociência?" 8 Em poucas palavras pode-se dizer que é a ciência que busca a compreensão do funcionamento do sistema nervoso e suas diferentes funções como o movimento, o pensamento e as emoções. Para detalhar um pouco mais, é importante mencionar que para que a Neurociência estude com eficácia as atividades cerebrais é necessário que outras ciências estejam envolvidas, como: a genética, a neurologia, a psicologia, a psiquiatria, a pedagogia entre outras. Ao estudar a história da neurociências não poderia deixar de se mencionar a importância das descobertas de Luria (1901-1978), durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse período realizou pesquisas em sujeitos com algum tipo de lesão cerebral, notando alterações em seus comportamentos. A partir desse ponto passou a unir-se as descobertas da neurociências com os reflexos percebidos pela psicologia, que passaria a ser chamada de neuropsicologia. A partir desses estudos constatou-se que o cérebro humano é formado por três unidades funcionais distintas, sendo necessárias para toda e qualquer atividade cerebral. Para Hennemann (2012): A primeira unidade funcional é responsável para regular o tônus cortical, a vigília e os estados mentais, e é composta pela formação reticular e pelo tronco encefálico. A segunda unidade funcional, que é responsável por receber, processar e armazenar as informações, que se compõe das partes posteriores do cérebro (lobo parietal, occipital e temporal). A terceira é a unidade para programar, regular e verificar a atividade mental, constituindo-se pelas partes anteriores do cérebro (lobo frontal). 9 Fonte: http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?p=3340 Dito isso, foi a partir daí que passou-se a perceber a grande contribuição de Luria para a área da educação. Nesse sentido: O cérebro é o órgão privilegiado da aprendizagem. Conhecer sua estrutura e funcionamento é fundamental na compreensão das relações dinâmicas e complexas da aprendizagem. Na busca pela compreensão dos processos de aprendizagem e seus distúrbios, é necessário considerar os aspectos neuropsicológicos, pois as manifestações são, em sua maioria, reflexo de funções alteradas. As disfunções podem ocorrer em áreas de input (recepção do estímulo), integração (processamento da informação) e output (expressão da resposta). O cérebro é o sistema integrador, coordenador e regulador entre o meio ambiente e o organismo, entre o comportamento e a aprendizagem (TABAQUIM, 2003, p. 91). Além de Luria, Vygotsky também se debruçou no funcionamento cognitivo do cérebro humano, trazendo grandes contribuições para a Neuropsicologia e consequentemente para a educação. Ambos abordaram o funcionamento cognitivo, afirmando que as funções cerebrais estão organizadas em sistemas funcionais. Marins (2005, s/p) afirma que: [...] as funções psíquicas superiores formam sistemas funcionais complexos que precisam da ação combinada de todo o córtex cerebral, embora a sua base esteja situada em grupos de células dispersas que atuam em conjunto, interagindo entre si. Assim, as funções mentais superiores dependem do cérebro como um todo, atuando de maneira especializada, com funções específicas, entretanto dependentes do todo para que cada função seja executada. 10 Dito isso, ressalta-se a importância da Neuropsicologia para os estudos comportamentais e ligados a dificuldades de aprendizagem. Para Damásio (1994, p. 78): A finalidade da abordagem neuropsicológica é, pois, a de explicar a forma como certas operações cognitivas e seus componentes estão relacionados com os sistemas neurais e seus componentes. Lembrando que a Neuropsicologia é uma ciência multidisciplinar, que envolve múltiplas especialidades que se complementam, como: a neurologia, a fonoaudiologia e a psicologia. Os rumos que a Neurociência e a Neuropsicologia vem tomando, trazem grandes esperanças de entender uma infinidade de distúrbios que envolvem a mente humana. Nesse sentido, Bear (2008, p. 21) afirma: [...] Apesar dos progressos durante a última década e os séculos que a precederam, ainda existe um longo caminho a percorrer antes que possamos compreender completamente como o encéfalo realiza suas impressionantes façanhas. Entretanto, essa é a graça em ser um neurocientista: nossa ignorância acerca da função cerebral é tão vasta que descobertas excitantes nos esperam a qualquer momento. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Para aprofundar seus estudos, leia o livro intitulado Princípios de Neurociências (2014) de Eric Kandel. Nele se terá um panora- ma de como a Neurociências se desenvolveu ao longo dos anos. A Neuropsicologia é uma grande aliada à complexidade que existe na educação/aprendizagem, sendo um conhecimento imprescindível para psicólogos e profissionais da educação, visto que são ampliados os 11 conhecimentos sobre como todo o processo de aprendizagem se desenvolve, assim como maneiras de aperfeiçoar ainda mais a forma como ensinar. 1.2 O Sistema Nervoso As relações entre as funções do sistema nervoso e o comportamento humano são objeto de estudo da neuropsicologia, a qual tem o intuito de relacionar a psicologia cognitiva com as neurociências, desvendar a fisiopatologia do transtorno e encarar racionalmente a estratégia de tratamento. Alterações nos processos neurais que regem a aprendizagem levam aos chamados transtornos de aprendizagem, acarretando um prejuízo para o futuro social da criança, já que perturbam a conduta pedagógica esperada de acordo com sua inteligência normal. A aprendizagem é um processo contínuo, que dependente essencialmente, da memória e da atenção. A capacidade de especialização cerebral em armazenar dados para a sua utilização posterior permite, mediante a memória, codificar e decodificar informação. Ví deo Assista ao vídeo Neurociências e Aprendizagem: Como o Cérebro Aprende, e compreenda como ocorre a aprendizagem, e fatores que influenciam a mesma. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=23I4yU- jCGM 1.3 Circuitos Frontoestriatais Circuitos frontoestriatais são um sistema que liga diversas regiões do lobo frontal aos gânglios da base, participando, com outras áreas cerebrais, no controle do movimento, cognição e comportamento. 12 Fonte: http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2014/09/tdah-e- controle-inibitorio-relevancia.html Até bem pouco tempo atrás, o sistema motor era dividido erroneamente, em apenas dois componentes: Piramidal e Extra-piramidal. Piramidal, constituído pelos neurônios motores corticais e os tratos constituídos por seus axônios até os neurônios motores da medula espinhal – o trato córtico-espinhal que passa pelas pirâmides bulbares (daí o termo piramidal) – ou até os neurônios motores do tronco encefálico - o trato córtico-nuclear (ou córtico-bulbar, pois se estende apenas até o bulbo). Extra-piramidal, composto por outros neurônios motores corticais, situados em áreas diferentes dos neurônios piramidais e estruturas sub-corticais que incluem os NB, o cerebelo, o tálamo e alguns núcleos do tronco encefálico, todos eles, direta ou indiretamente, conectados entre si (HAINES, 1997, apud NETO, 2013, s/p). De acordo com Neto, citando Haines (1997), nos últimos anos tem se valorizado muito as funções não motoras dos Núcleos de Base (NB). Conforme o autor, diferentes trabalhos designaram cinco circuitos paralelos frontoestriatais que ligam o córtex frontal ao estriado, ao tálamo e ao globo pálido. Dois deles possuem função motora e três deles possuem funções comportamentais e cognitivas. A esse respeito: Ressalte-se que funções cognitivas, classicamente atribuídas ao córtex frontal pela neuropsicologia (função executiva, memória de trabalho e atenção seletiva), estão, na realidade, associadas aos circuitos iniciados nesta área e que se dirigem a estruturas subcorticais. Portanto síndromes neuropsicopatológicas associadas originalmente a disfunções dos lobos frontais podem também ser determinadas por lesões e/ou alterações em outros pontos 13 subcorticais do circuito, como estriado, putâmen e tálamo (TRIPICCHIO, 2007, s/p.). A respeito dos cinco circuitos frontoestriados é importante dizer que possuem uma organização básica semelhante, embora possuam diferenças funcionais e anatômicas. Ambos originam-se no córtex frontal, mas em áreas diferentes. Já os circuitos orbitofrontal, dorsolateral e do cíngulo anterior originam-se nas áreas que correspondem ao córtex pré-frontal. Os circuitos oculomotor e motor surgem na área motora suplementar e no campo visual frontal. O circuito motor dos NB auxiliana execução automática de sequências motoras, facilitando movimentos desejados ou inibindo os indesejados de acordo com suas vias diretas e indiretas. Córtex Motor- controla e coordena a motricidade voluntária (traumas nessa área podem causar paralisia ou problemas musculares). O Córtex motor do hemisfério esquerdo controla o lado direito do corpo, o córtex motor do lado direito é o responsável por controlar o lado esquerdo do corpo. Córtex pré-motor responsável pela aprendizagem motora e pelos movimentos de precisão. A área de Broca- responsável pela linguagem- localiza-se na parte frontal do córtex motor. Córtex do cerebelo responsável pela coordenação geral da motricidade, manutenção e equilíbrio corporal 1.4 Transtornos Neuropsicopatológicos A neuropsicopatologia é o estudo das doenças neuropsicológicas, por exemplo, estudos demonstram que disfunções nos núcleos de base podem ocasionar uma série de distúrbios do movimento. Como a doença de Parkinson, comprovando a influência dos núcleos de base na função motora. Os circuitos não motores frontoestriatais estariam associados a uma série de transtornos neuropsicopatólogicos caracterizados pela incapacidade de 14 suprimir ou inibir comportamentos. Esses circuitos são os responsáveis pelo controle cognitivo. Os transtornos de aprendizagem representam a consequência de um transtorno na organização funcional do sistema nervoso central, em geral de caráter leve, mas com consequências de considerável importância para o futuro social da criança, já que perturbam a conduta pedagógica esperada de acordo com sua inteligência normal. As disfunções cerebrais e lesões, interferem no processamento das informações: recepção; integração, e; expressão, sendo essas informações envolvidas pelo aprendizado A avaliação global das funções psicológicas deve levar em conta todo o mecanismo cerebral, nos seus níveis sucessivos de evolução. Bem como a faixa etária da criança e o meio na qual está inserida, podendo assim identificar precocemente alterações no desenvolvimento cognitivo e comportamental da criança. Resumidamente, esses são alguns dos transtornos causados: O transtorno de hiperatividade com déficit de atenção (THDA) ou (TDAH); A síndrome de Tourette E o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) O TDAH ocorre devido uma disfunção da via direta, podendo haver interrupção recorrente de comportamentos em curso ou da atenção. Esse transtorno neurobiológico é um dos principais problemas relatados por professores e pesquisadores, comumente de causas genéticas, sendo bastante comum entre crianças e adolescentes e frequentemente acompanha o indivíduo pela vida inteira. O sujeito com TDAH possui padrão de desatenção, hiperatividade e impulsividade bem maior que em crianças que não possui transtorno. As funções mais afetadas no portador são: atenção, memória de trabalho e componentes de funções executivas. 15 Fonte: https://docs.google.com/presentation/d/1x7MohAVVKYlEYhc3efLU_27u3bZE4dGxxYx w6Pec90M/edit#slide=id.p23 O TDAH é um transtorno ocasiona diversos prejuízos cognitivos que resultam em dificuldades escolares, interpessoais e outros, afetando a qualidade de vida do sujeito, sendo um desafio para educadores e pesquisadores. Quando a estrutura cortical (lobo pré-frontal) tem seu funcionamento comprometido, a pessoa passa a ter problemas, entre eles, a dificuldade de focar a atenção. O TDAH pode ser dividido em: Hiperativo impulsivo (maior incidência entre meninos; Desatento (maior incidência entre as meninas) Combinado; O TDAH é um distúrbio de realização e não um tipo específico de problema de aprendizagem. Pessoas com TDAH têm alterações na região frontal e as suas conexões com o resto do cérebro. A região frontal orbital é responsável pela inibição do comportamento (isto é, controlar ou inibir comportamentos inadequados), pela capacidade de prestar atenção, memória, autocontrole, organização e planejamento. 16 Os sujeitos com TDAH apresentam inteligência e capacidade de aprendizado idênticas a de um sujeito normal e são bastante criativos, mas é preciso lhes dar chance para se desenvolver e observar as suas dificuldades. A síndrome de Tourette (ST ou SGT) caracteriza-se como um distúrbio neuropsiquiátrico que tem como principal característica múltiplos tiques, motores e ou vocais, surgidos normalmente durante a infância. O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) é considerado um transtorno mental que caracteriza-se por obsessões e ou compulsões de diferentes natureza. No TOC os sujeitos passam a evitar determinados lugares e objetos tocados por outras pessoas, a fim de obterem alívio para suas preocupações e fobias. O TOC geralmente tem início no final da adolescência, por volta dos 20 anos de idade, atingindo cerca de 2 em cada 100 pessoas. A doença pode se manifestar em crianças também. A Neurociências e a Neuropsicologia tem contribuído muito na área da educação. Através de novos aparatos tecnológicos e novas teorias, passou-se a usar os conhecimentos que se tem sobre o cérebro e seu funcionamento a serviço da melhoria na área da educação de sujeitos que sofrem algum tipo de transtorno e que até bem pouco tempo eram excluídos das escolas. Resumo da Aula 01 Na aula foram abordadas questões relativas às origens da Neurociências e da Neuropsicologia, como se distinguem e em quais áreas atuam. Foi visto também como as modernas tecnologias de imagem vem contribuindo para o avanço dessas duas ciências. Em um segundo momento passou-se a abordar o cérebro e seus mecanismos com foco os circuitos motores e não-motores frontoestriatais. Atividade de Aprendizagem 17 A partir dos estudos realizados por Luria, constatou-se que o cérebro humano é formado por três unidades funcionais distintas, sendo necessárias para toda e qualquer atividade cerebral. Quais são elas e como funcionam? AULA 2 - MEMÓRIA Apresentação da Aula 02 Nessa aula será abordada uma questão muito cara aos pesquisadores da mente: a memória. Abordar-se-á principalmente sobre a memória operacional, mais conhecida como memória de trabalho. 2.1 A Memória Vista Pela Neurociência De acordo com Ivan Izquierdo (2002), a memória é composta dos distintos processos na aquisição, armazenamento e evocação de informações. A aquisição pode ser chamada de aprendizagem; evocação pode-se chamar de recordação, lembrança ou recordação. Tudo no cérebro funciona através da memória. Caminhamos, falamos e nos comunicamos, porque nos lembramos de fazê-lo. O cérebro manda secretar um ou outro neuro-transmissor ou hormônio quando estamos tristes ou alegres, ou quando sentimos medo ou prazer, porque se recorda em fazê-lo. (IZQUIERDO/ s/d, s/p) Para Glenberg (1997), memória seria a função cognitiva que visa organizar e reter a história de cada indivíduo, influenciando (consciente ou inconscientemente) seu modo de pensar e agir. Os princípios biológicos da memória surgiram a partir de ensaios clínicos cognitivos. De acordo com o autor a memória humana possui algumas limitações, uma delas é o “curto espaço de armazenamento”, ou seja, o sujeito é capaz de armazenar um pequeno número de informações. Para que haja uma seleção do 18 que deve-se ou não reter, são necessários diferentes mecanismos, tornando a memória seletiva. Fonte: http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2012/09/memoria-e- aprendizagem.html A figura trazdetalhadamente as áreas de atuação da memória no cérebro. Como você pode observar, o cérebro possui diferentes sistemas de memória, com características distintas e que envolvem diferentes redes de neurônios. Assim, compreende-se que a memória não é processada em uma única região do cérebro, sendo que os processos neurofisiológicos subjacentes à memória seriam controlados e modulados pelo funcionamento integrado de diferentes regiões do sistema nervoso, e a contribuição de cada região para o processo depende da natureza da informação processada. Para Izquierdo (2011, p.11) a memória é: Aquisição, formação, conservação e evocação de informações. A aquisição é também chamada de aprendizado ou aprendizagem: só “grava” aquilo que foi aprendido. A evocação é também chamada de recordação, lembrança, recuperação. Só lembramos aquilo que gravamos, aquilo que foi aprendido. [...] o acervo de nossas memórias faz com que cada um de nós seja o que é: um indivíduo, um ser para o qual não existe outro idêntico. 19 Logo memória pode ser considerada como um conjunto de fatos, emoções e lembranças que a pessoa reúne ao longo da vida, alguns desses eventos são considerados de curta duração e outros duram por toda vida. A memória é única, e compõe a identidade de cada sujeito. 2.2 A Memória Vista Pelas Ciências Sociais Ao longo da história o tema memória vem sendo abordado por diferentes áreas de atuação. No campo das Ciências Sociais, múltiplas são as interpretações que estudiosos das mais diversas áreas fizeram a respeito do conceito de memória. De acordo com Pierre Nora: A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações (NORA, 1993, p. 9). O conceito de Memória, assim como descrito por Henri Bergson está ligado às faculdades individuais do ser humano. Responsável por lembrar de fatos passados, sejam eles recentes ou remotos. No cotidiano, necessita-se de aparatos que façam lembrar determinadas coisas, os chamados objetos de memória. Nesse momento, a arte passa a entrelaçar-se com a memória. Através de esculturas, monumentos, fotografias, passou-se a lembrar com mais facilidade de determinados acontecimentos (SCHWANZ, 2016). Nas lembranças comuns, como as de família, muitas vezes se carrega algo que faz parte das lembranças de outros. Já para Halbwachs “a lembrança é, em larga medida, uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente [...]” (1990, p. 71). Segundo essa ótica, o que a memória realiza é uma reinvenção de um passado em comum, a qual possibilita novos olhares, para que se entenda melhor o presente. Essa reconstrução do passado abre novas possibilidades, não apenas para o presente, mas também para o futuro. A reconstituição da memória coletiva é fundamental para a manutenção da vida social, tanto no sentido da sua continuidade, como nas suas transformações. 20 Logo, a memória é além de individual - que serve para armazenar informações do dia a dia, faz com que se tenha uma identidade, reconhecendo- nos como sujeitos únicos, com uma história particular. A memória é também moldada por fatos coletivos, coletiva, portanto seletiva. Conforme explica Candau (2002), os sujeitos não teriam uma memória coletiva, pois, de acordo com suas vivências, seria impossível que todos lembrassem, da mesma forma, de um determinado fato social. Mas esses mesmos sujeitos podem ter a mesma representação do fato, como uma forma de reivindicação de uma memória única, construindo assim identidades coletivas. O autor destaca que as retóricas holistas tendem a construir conjuntos duráveis e homogêneos para unificar determinados grupos. Assim, pode-se afirmar que os indivíduos compartilham, principalmente, o que esqueceram sobre seu passado, pois, nesses grupos, lembrariam diferentemente de determinados fatos, de acordo com suas vivências. 2.3 Tipos de Memória Como já visto anteriormente, existem diferentes tipos de memória ou processos executados pela mesma, esses processos são responsáveis pela realização de diferentes operações como a de retenção de informações, recuperação e codificação. De acordo com Godoy (2012, s/p): “A memória quanto ao tempo de armazenamento das informações, pode-se classificá-la em memória de trabalho, memória de curto prazo e memória de longo prazo”. 2.3.1 A Memória Sensorial A memória sensorial consiste em um sistema de memórias que retém informações detalhadas recebidas sensorialmente por alguns órgãos do sentido, por alguns segundos, como o paladar e o olfato. Ela é responsável pelo processamento inicial de informações. Ela precede o trabalho realizado pela memória de trabalho. 21 A memória sensorial motora consiste em um depósito com capacidade ilimitada que armazena da saída do sistema sensorial, ou seja, armazena uma imagem do mundo como ela os recebe através dos órgãos dos sentidos. Estima- se a duração dessa memória entre 1 e 5 segundos apenas. Capaz de estocar quantidades limitadas de informação por períodos de tempo muito curtos. Repositório inicial das muitas informações que, posteriormente ingressam na memória de curto prazo e na memória de longo prazo. 2.3.2 Memória Operativa, de Trabalho ou Curta Duração A memória operativa é também conhecida como memória operacional, de trabalho ou de curta duração. De acordo com Ivan Izquierdo (2002) a memória de trabalho seria um sistema gerenciador que teria como função determinar o contexto em que os fatos acontecem, selecionando-os. Serviria ainda para manter disponível durante alguns segundos, no máximo poucos minutos, a informação que está sendo processada no momento. De acordo com Kosslyn: A memória de trabalho corresponde à informação ativada nas memórias de longo prazo, à informação nas memórias de curto prazo e aos processos de decisão que determinam quais informações são ativadas nas memórias de longo prazo e retidas nas memórias de curto prazo [...] Esse tipo de sistema de memória de trabalho é necessário numa ampla gama de tarefas, tais como a resolução mental de problemas aritméticos, a leitura, a solução de problemas e [...] o raciocínio em geral. Todas essas tarefas exigem não somente alguma forma de armazenagem temporária, como também uma interação entre as informações armazenadas temporariamente e o conjunto maior de conhecimento armazenado (KOSSLYN, apud LED, 1998. p. 248). Pode-se chamar a memória de trabalho também de memória de curto prazo, pois ela seria responsável por aquelas informações que precisamos reter apenas por alguns instantes (cerca de 15 segundos) em nossas operações diárias. Para Wood (2000, p.32): [...] a memória operacional consiste na ativação e manutenção de uma ou mais representações mentais e a execução de passos de 22 armazenamento de informação com o objetivo de realizar uma dada sequência de processamento. A memória de trabalho pode ser definida como uma memória que possui uma capacidade temporária de armazenamento de informações, sejam elas verbais ou visuais. Essas informações são necessárias para a execução de tarefas complexas e conscientes, como o aprendizado e o raciocínio lógico. Conforme já visto, a memória de curto prazo pode armazenar muitas informações, mas não ilimitadas. Portando, uma das faculdades mais importantes da memória é o esquecimento. O esquecimentopode acontecer de forma distinta: como resultado de uma interferência ou como resultado da passagem do tempo. A memória de curto prazo realiza uma seleção a fim de equilibrar a quantidade de itens que armazena. A entrada de um novo item na memória interfere no esquecimento de outros itens que estavam retidos anteriormente. Importante Tão importante quanto à capacidade de retenção da memória é a capacidade de esquecer! Memória é também esqueci-mento. Pode-se também mencionar o esquecimento, que é causado pela simples passagem do tempo, e acontece, pois a memória de curto prazo, além de possuir um armazenamento limitado, ele tem curta duração. Devido ao seu processo de seleção constante, determina-se a informação a ser armazenada é útil ou se ela já não existe em outros arquivos, como os da memória de longo prazo. A memória de curto prazo é fundamental para o aprendizado, mas para que ocorra o aprendizado é necessário mais do que a memória operacional, necessita-se também dos mecanismos da memória de longo prazo. Expandindo o conceito, Baddeley e Hitch (1974) afirmam que a memória operacional abrange e expande o conceito de memória de curto prazo, sendo composta por sistemas de armazenamento de informações distintas, interativas e de capacidade limitada, com o intuito de organizar os distintos processos que 23 participam das atividades cognitivas cotidianas, tais como a leitura, a compreensão, a aprendizagem e a resolução de problemas. O mecanismo de resgate de informações da memória de longo prazo estabelecer associações, e é a causa pelo qual a memória de curto prazo é denominada memória de trabalho. 2.3.3 Memória de Longo Prazo A memória de longo prazo é assim chamada pela sua capacidade de armazenar informações durante longos períodos de tempo, como horas, meses, anos e décadas. As memórias de infância são um exemplo da memória de longa duração. A memória de longa duração pode ser evocada a partir de diferentes mecanismos, arquivos que não são acessados há décadas podem ser evocados de acordo com a vontade ou devido a fatores externos, como cheiros, a música, uma sensação. A memória é um importante componente da identidade de sujeito. A memória de longo prazo afeta a maneira de ser e estar no mundo, influenciando no modo de vida. Ela é a responsável pelo armazenamento de informações, bem como pelo seu esquecimento. Godoy (2012), aponta para a existência de dois tipos de memórias de longa duração. A memória episódica e a memória semântica. A memória episódica é a responsável pelas recordações de experiências pessoais, fatos e acontecimentos individuais. A memória semântica associa-se ao conhecimento, palavras, linguagem e escrita, trabalha com conceitos, ideias as quais uma pessoa pode associar várias características e com as quais ela pode conectar várias outras ideias. É importante salientar que as informações da memória semântica são derivações da memória episódica. A memória semântica associa-se ao conhecimento, palavras, linguagem e escrita. É uma estrutura hipotética descrita por psicólogos para descrever uma estrutura cognitiva a fim de organizar conceitos associados, baseada em experiências anteriores. 24 Os sistemas de longo e curto prazo estão ligados e transmitem informações constantes um para o outro. Dito isso, pode haver troca de informações de um sistema para o outro de acordo com a necessidade do indivíduo, envolvendo codificação e consolidação de informações. A memória de longo prazo influencia na tomada de decisões, apontando fatos relevantes para cada escolha. A memória implícita, também chamada de memória de procedimento (não declarativa) é a responsável pelo armazenamento de dados relacionados com a aquisição de habilidades mediante repetição. Fonte: http://www.mundoboaforma.com.br/andar-de-bicicleta-perde-barriga/ Pedalar, dirigir um automóvel, pular corda são exemplos de memória implícita que se adquire mediante a repetição. Depois de adquirida a habilidade, dificilmente a perde. As habilidades motoras, sensitivas e intelectuais também são armazenadas na memória de procedimento. Depois de adquiridas, não se necessita de consciência para executá-las, tornam-se automáticas. A memória implícita pode ser adquirida ou evocada através de dicas (fragmento de uma imagem, cheiros, sons). A memória de procedimentos está ligada as habilidades e hábitos que depois de apreendidos tornam-se mecânicos, como o caminhar, escovar os dentes. 25 Memória explícita ou memória declarativa é a responsável por armazenar e ou evocar informações de fatos e acontecimentos que chegam através dos sentidos e processos cerebrais internos, sendo consciente. Como por exemplo, a criação de ideias novas, a dedução e a associação de dados, assim como guardar acontecimentos do dia a dia e do passado. A memória explícita compreende os fatos vivenciados pelo sujeito (memória episódica) e de informações adquiridas pela transmissão do saber de forma escrita, visual e sonora (memória semântica). A memória declarativa compreende: A memória episódica (já citada anteriormente) que engloba eventos que estão relacionados ao tempo cronológico (datas importantes como proclamação da república, aniversário de casamento, entre outros). A memória semântica é relacionada às palavras e aos seus significados. A memória possui três operações que interagem reciprocamente e são interdependentes, que são a codificação, o armazenamento e a recuperação. De acordo com pesquisas, a codificação das letras se dá pelo modo como elas soam e não pela maneira como se parecem. É importante um código acústico, em vez de um código visual na memória de curto prazo. A informação armazenada na memória de longo prazo parece ser basicamente codificada semanticamente, isto é, codificada por meio dos significados das palavras. Saiba Mais De acordo com a Teoria da Interferência, o esquecimento acontece porque uma nova informação interfere na antiga e finalmente a desloca, na memória de curto prazo. Devido ao seu processo de seleção constante, determina se a informação a ser armazenada nos é útil ou se ela já não 26 existe em outros arquivos, como os da memória de longo prazo. Assim, cada memória descrita é responsável por um tipo de lembrança e atuam em diferentes áreas do cérebro. Os estudos relacionados a memória tem contribuído para se ter o entendimento dos diferentes processos e como eles afetam no aprendizado da criança e do adulto. Ví deo Sobre os tipos de memória e como elas funcionam, assista a entrevista de Drauzio Varella com Ivan Izquierdo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9VVtUCN2xLI&feature=you tu.be Resumo da Aula 02 Na aula foi visto a respeito da memória e seus desdobramentos, a partir da ótica das neurociências e passando pelas ciências sociais. Os diferentes tipos de memória abordados como a de trabalho, memória de curto e longo prazo, memória semântica e episódica formam um sistema único que faz com que nos identificamos com um determinado grupo ou cultura, sendo fortemente responsável pela nossa identidade. Atividade de Aprendizagem Após os conceitos adquiridos, discorra sobre no que consiste a memória de procedimento. 27 AULA 3- OS PROCESSOS NEUROBIOLÓGICOS DA LEITURA Apresentação da Aula 03 Nesta aula serão abordados os processos neurobiológicos da leitura e como alguns transtornos afetam no aprendizado da leitura e daescrita. 3.1 A aquisição da Leitura e da Escrita A leitura e a escrita são faculdades que marcaram o desenvolvimento cultural e social do homem. “Mas como se dá essa aquisição?” “Todos possuem as mesmas habilidades para a leitura?” “Quais são as áreas do cérebro responsáveis pela leitura e escrita?” Essas e outras perguntas você será capaz de responder a partir da leitura que irá realizar. Disponível em: http://literatortura.com/2015/08/o-que-a-leitura-faz-com-o-seu-cerebro- e-vice-versa/ Os processos de aquisição da leitura ocorrem gradativamente a partir do momento em que se entra em contato com os sinais gráficos, isso pode ocorrer durante o processo de escolarização ou mesmo antes. Para que se possa compreender como esse processo ocorre, faz-se necessário identificar a relação entre os mecanismos neurofisiológicos da memória operacional, já estudada anteriormente, e a compreensão em leitura. 28 Importante A linguagem é fundamental nesse processo, pois através dela o homem adquiriu a capacidade de se comunicar por meio de códigos, simbólicos previamente estabelecidos, podendo então conviver em sociedade. Nesse sentido, Fonseca (1995, p.318) argumenta: [...] em termos filogenéticos ou ontogenéticos, a ação precede a linguagem. Antes da linguagem falada, o gesto prepara a palavra, a emoção precede a comunicação, a comunicação não-verbal dá origem à comunicação verbal [...]. A linguagem edifica-se a partir da ação, da motricidade, para posteriormente se libertar do contexto da ação. A linguagem escrita surgiu na Mesopotâmia em 4000 a.C aproximadamente. Naquela época apenas um grupo seleto dominava essa linguagem. Para Telles, referindo-se ao surgimento da linguagem falada, se tem: A nível filogenético existe entre a linguagem falada e a linguagem escrita, uma enorme distância temporal. Morais, J. (1997) refere: “não se sabe exactamente desde quando é que os homens falam. Foram encontradas indicações de um desenvolvimento da zona de Broca, zona associada à produção da linguagem, no Homo habilis, nosso antepassado de há dois milhões de anos (TELLES, 2006, s/p). Com o passar dos anos, os povos foram percebendo a importância da escrita para a vida em sociedade. Hoje os sistemas formais de ensino têm na leitura seu grande trunfo, mas também um grande problema, pois nem todos têm as mesmas aptidões para a leitura e a escrita. É aí que entram a Neurociências, a Neuropsicologia e outras tantas ciências que dedicam-se a entender como funciona o cérebro humano. Para Fonseca (1995, p. 320): A maioria dos seres humanos pode aprender a ler, mesmo que seja mínimo o contato com a linguagem escrita da sociedade onde o indivíduo se encontra inserido sócio-culturalmente. Aprender a ler, portanto, não é um talento especial, é de alguma forma, semelhante à reparação de automóveis, que pode também subentender uma herança de especialização do cérebro humano. Aprender a ler, de qualquer forma, é um processo lento, ao contrário da capacidade para aprender a falar, que parece envolver um sistema cerebral inato. 29 Aprender a falar surge fenomenologicamente, por imitação, sem qualquer instrução, quase por inatismo, enquanto que aprender a ler, ou aprender a fazer um laço nos sapatos, envolve bastante tempo de aprendizagem. Fonseca ressalta a capacidade do homem para ler e escrever, para ele esse é um processo lento e que requer um grande tempo de aprendizagem. E ainda: [...]. Aprender a falar é, obviamente, diferente de aprender a ler [...]. A dificuldade de aprender a ler, é muito maior do que a dificuldade de aprender a falar, uma vez que a apropriação do segundo sistema simbólico subentende a apropriação do primeiro sistema simbólico, consubstanciando, consequentemente, uma hierarquização de sistemas [...]. Duas condições são necessárias satisfazer, para aprender a falar: substrato neurológico apropriado e desenvolvimento adequado. Condições estas também necessárias à aprendizagem da leitura, parecendo ilustrar a estreita interconexão entre os dois sistemas, como ilustram os trabalhos de Myklebust, 1978 [...] (FONSECA, 1995, p.321). A capacidade de leitura segue um processo de adaptações do sistema nervoso, que por sua vez, precisam ser estimuladas através de processos de ensino-aprendizagem, ou seja, não é uma capacidade inata. Nesse sentido, para aprender a ler é necessário que se reconheça que os símbolos representam unidades que quando juntas formam palavras (BARBANTE et al. 2008). O autor destaca ainda a importância dos estudos de neuroimagem para a compreensão dos processos de aquisição da leitura. Os estudos de neuroimagem para entender as bases biológicas da leitura nos permitem conhecer os mecanismos cognitivos do aprendizado em geral. O processo de leitura depende da decodificação das palavras, fluência e compreensão da escrita. Neste processo, ocorre inicialmente a análise visual dependente, portanto deste sistema sensorial e da atenção seguido do processamento lingüístico da leitura, para a associação grafema-fonema (correspondência grafofonêmica) e leitura global da palavra (BARBANTE et al., 2008, s/p.). De acordo com Binder et al. (1996) a capacidade da leitura requer a ativação e desenvolvimento de circuitos neurais que ocorrem em determinadas regiões do cérebro. Isso ocorre mais ou menos no período pré-escolar, e localizam-se principalmente no hemisfério esquerdo do cérebro. 30 Para Da Costa (2007), a aquisição de novas informações são captadas pelos caminhos sensoriais e transmitidas para o sistema nervoso central. Dito isso, a integração sensório-motora cortical é fundamental para a percepção. Para Barbante et al. (2008, p.33): O processamento central ocorre em vários níveis de integração mas, certamente a integração sensório-motora cortical é fundamental para os mecanismos perceptuais. A extensa área cortical humana responsável pela associação de informações sensitivo-sensoriais permite dar sentido às informações que recebemos do ambiente ou que geramos internamente. O cérebro humano é estruturado por sistemas complexos bem organizados. O aprendizado da linguagem oral e escrita compreende diferentes regiões cerebrais. Na região parieto-occipital, o responsável pelos símbolos gráficos é o córtex visual primário. As questões visuoespaciais da grafia são realizadas pelas áreas do lobo parietal. Já com relação a parte de gustação e olfação, memória de curto e longo prazo, aprendizado auditivo, recuperação de palavras, compreensão linguística, processamento visual e auditivo, estabilidade emocional e informações do equilíbrio corporal, é no Lobo Temporal. Após serem processadas essas informações são reconhecidas e decodificadas. Fonte: http://cefopna.edu.pt/revista/revista_06/es_01_06_pt.htm Na figura se tem a descrição de três áreas específicas do cérebro, quais são: 31 Inferior Frontal - essa é conhecida como a área da linguagem, onde acontece a articulação das palavras e a vocalização. Parietal Temporal - zona onde acontece a análise das palavras, a correspondência grafo-fonêmica, a fusão e a sílaba. Occipital Temporal - é a zona para onde se concentram todas as informações dos distintos sistemas sensoriais, nela está armazenado o modelo neurológico de cada palavra. De acordo com o exposto deve-se ter percebido que o sistema de linguagem é formado por diferentes subsistemas, bastante complexos. Quando se trata do processo de automatização, Vygotsky e Lúria falam que as funções corticais superiores são, em princípio, funções extracorticais,ou seja, desenvolvidas pelo intercâmbio da criança com os indivíduos mais desenvolvidos culturalmente, para depois se tornarem intracorticais ou individuais. Saiba Mais Para Lent (2008), a memória e a aprendizagem tem duas fases, a fase de aquisição (aprendizagem) e a fase da evocação (lembrança), para o autor a memória de trabalho é fundamental para a aquisição do processo de leitura. A memória tem dois hemisférios, o esquerdo (memória factual) e o direito (memória autobiográfica). 3.2 Os Sistemas de Linguagem Conforme Price (2000) existem três modelos de linguagem: o modelo do século XIX, e dois do século XX. Século XIX - basicamente explica o modelo neurológico com os componentes cognitivos do processamento auditivo e visual das palavras e com a anatomia; 32 Século XX - os dois modelos criados no século XX não estão restritos a anatomia, apesar de algumas semelhanças, destacam caminhos diferentes para a aquisição da leitura, que não constam no modelo neurológico; Estudos recentes demonstram que os neurologistas do século XIX estavam corretos ao afirmar que: [...] a repetição de palavras apresentadas, de modo verbal ou visual, envolve a região posterior da borda do sulco temporal superior e na borda posterior entre o giro frontal inferior e a ínsula anterior à esquerda (BARBANTE, 2008, p. 12). Embora pesquisas neuropsicológicas evidenciarem o envolvimento das áreas perisilvianas anteriores (Broca) como sendo geradoras e as áreas perisilvianas posteriores (Wernicke) como receptoras, de acordo com Barbante (2008, s/p), a área de Broca “está envolvida tanto em percepção auditiva de palavras e repetição”. Para Price (2000), os modelos do século XX identificam a região posterior inferior temporal bilateral durante a tarefa de nomeação, que estaria relacionada à segunda via de leitura. Essa região em específico não abrangia os estudos realizados no século XIX. Barbante (2008, p.13) explica ainda que: Por outro lado, o giro angular, previamente relacionado ao processamento visual da palavra, também tem sido implicado como parte de um sistema semântico distribuído que pode ser “acessado” durante o processamento de objetos e faces, além da fala. E mais, há outros componentes do sistema semântico incluindo várias regiões, novamente nas áreas dos giros temporais inferiores e médios, e lobo occipital. Tendo em vista as dificuldades de aprendizagem, os estudos que envolvem o processo de leitura têm focado apenas nas palavras, o que tem limitado bastante as pesquisas. 3.3 Distúrbios de Aprendizagem 33 Os distúrbios ou transtornos de aprendizagem têm preocupado muito educadores, pais e pesquisadores, pois afetam os alunos em diferentes níveis, os mais comuns estão ligados a aquisição da leitura e da escrita. Importante As dificuldades de aprendizagem se referem a um grupo heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldades na aquisição e no uso da audição, fala, escrita e raciocínio matemático. Essas desordens são intrínsecas ao indivíduo e acredita-se serem uma disfunção de sistema nervoso central. Os distúrbios de aprendizagem podem ser caracterizados como um conjunto de problemas que engloba diferentes transtornos relacionados na maioria das vezes as primeiras etapas do desenvolvimento da criança. Essas crianças apresentam um desempenho abaixo do esperado para a sua faixa etária e escolarização, seja na leitura, na escrita ou no raciocínio lógico matemático. Algumas dessas dificuldades podem ser transitórias, sendo denominadas dificuldades de aprendizagem. Já os transtornos permanentes são os chamados distúrbios de aprendizagem ou dislexia. Tanto os permanentes quanto os temporários podem ocorrer durante diferentes momentos do processo de ensino-aprendizagem. Esses transtornos correspondem a déficits funcionais superiores, como alterações cognitivas, de raciocínio lógico-matemático, de linguagem, atenção entre outros tantos. De acordo com Guerra (2002), deve-se diferenciar os problemas de aprendizagem dos distúrbios de aprendizagem. Para a autora é comum cair no erro de definir esses dois como sendo a mesma coisa. Para ela o termo dificuldade está relacionado a questões passageiras, que podem ser superadas com apoio escolar. Para Capellini (2004), o termo distúrbio de aprendizagem é utilizado para uma gama de alterações e dificuldades na aquisição e ou no uso da escrita, da leitura, da fala, do raciocínio ou da audição. O autor considera distúrbio como uma disfunção intrínseca, geralmente de origem neurológica, afetando as 34 habilidades na aquisição de um aprendizado. Um indivíduo poderá apresentar dificuldades escolares por ineficiência de métodos, pela inadequação da escola e/ou pela pouca capacitação dos educadores, assim como por fatores familiares, sociais, pessoais dentre outros. Ví deo Sobre a diferenciação de distúrbio e dificuldade, assista ao vídeo Distúrbios de Aprendizagem, no qual a Dra. Beatriz Braga Amaral Gurgel, a psicóloga e coordenadora Heloísa Machado Silva e a Dra. Kátia Burle, psiquiatra e psicanalista, esclarecem sobre o assunto. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wCBj- gYguwQ A Neurociência e a Neuropsicologia tem contribuído para a compreensão dos fatores comportamentais e ou neurofisiológicos que estão associados às dificuldades de aprendizagem, traçando novas perspectivas para educadores e demais pesquisadores da área. Pesquisas nas duas áreas citadas têm mudado a forma de pensar a cognição, relacionando o cérebro ao comportamento. Os distúrbios que podem gerar dificuldades na aquisição da leitura são divididos em duas classes distintas: Sensório-motor - são aqueles distúrbios relacionados a déficits visuais e/ou auditivos e/ou motores; Fonológico - distúrbios que afetam o processo fonológico; Cabe salientar que os processos de aprendizagens englobam a percepção, a atenção, as funções simbólicas como a linguagem, processos de raciocínio e memorização bem como as funções executivas. Estudos mostram que 40% da população em idade escolar indicadas como portadores de dificuldades de aprendizagem, apenas 3 a 5% apresentam realmente o distúrbio de aprendizagem, sendo que também se mostrou que estudantes do 4º ano do ensino fundamental, apenas 5% podem ser 35 considerados leitores competentes, e apenas 7% conseguem resolver problemas matemáticos de forma coerente. Assim, a alteração mais conhecida dentre os distúrbios de aprendizagem é a dislexia. 3.4 Dislexia A dislexia caracteriza-se por ser um transtorno específico de leitura, tendo como principal característica o baixo desempenho na leitura, isso levando em consideração a idade cronológica, o nível intelectual e o grau de escolaridade do indivíduo. Ela tem origem neurológica e distingue-se pela dificuldade na leitura, bem como na habilidade de decodificação e soletração de palavras, o que é resultado de um déficit no componente fonológico da linguagem. Possui deficiência na codificação e fluência ao redigir, apesar de adequada instrução formal recebida, da normalidade do nível intelectual e ausência de déficits sensoriais e transtornos psíquicos como causas primárias. A origem etimológica da palavra dislexia está no Grego, o prefixo dis, significa dificuldade, e lexis, significa palavra escrita. Na junção dos dois termos temos a dificuldade com a palavra escrita. O uso do termo dislexia foi empregado a primeira vez em 1887 pelo oftalmologista alemão chamado Berlin. Ele usou a palavra para descrevera perda da capacidade leitora em um sujeito adulto, após ter tido um acidente vascular cerebral. No ano de 1986 surge o termo “Cegueira Verbal Congênita” utilizado pelo pediatra inglês Pringle-Morgan a fim de descrever a incapacidade para a linguagem escrita em um menino de 14 anos. Já nos anos 20 do século XX, a dislexia foi inserida num conjunto de perturbações do desenvolvimento chamadas Dificuldades de Aprendizagem. Para Telles (2006, s/p.): Este conjunto incluía diversas perturbações como a dislexia, hiperatividade, déficit de atenção, perturbações cognitivas, perceptivas, psicomotoras (...) Este conceito globalizante de “Dificuldades de Aprendizagem” criou sérios obstáculos à investigação sobre a etiologia, diagnóstico, prevenção e terapêutica, não só em relação à dislexia, mas também em relação a todas as outras perturbações do desenvolvimento. No ano de 1949, foi fundada a Orton Dyslexia Association, 36 contribuído até hoje com as investigações e divulgações dos conhecimentos científicos relacionados à área. Nas décadas de 30 e 40 ocorreram mudanças significativas, deslocando as perspectivas neurológicas para as áreas educacionais e sociais. Na década de 50, passou-se a pesquisar com mais afinco as causas da dislexia implementando programas reeducativos. De acordo com Hallgren (1950) foram realizados vários “estudos de famílias com dificuldades de leitura e escrita e criou a designação de Dislexia Constitucional”. Nos últimos anos estudos estão sendo realizados utilizando-se de tecnologias modernas de imagem a fim de desvendar os mistérios da dislexia. Esses estudos de imagem permitem observar o que acontece com o cérebro humano durante a leitura. Fonte: http://alinebrandaopsicopedagoga.blogspot.com.br/2015_02_01_archive.html Na figura se tem as áreas do cérebro que comumente são afetadas pela dislexia. A partir de estudos com imagem (Shaywitz SE, Shaywitz BA, 2003) observou-se as ativações cerebrais de pessoas normais ao realizarem leituras de pseudopalavras, quais foram: A região frontal inferior esquerda; A região parietotemporal que envolve os giros angular supramarginal; 37 A região posterior de giro temporal superior; As regiões occipitotemporais que envolvem porções mesiais e inferiores do giro temporal e giro occipital. Esse mesmo estudo realizado com pacientes com dislexia demonstrou que ocorreu um aumento de ativação localizado no giro frontal inferior, mas em regiões posteriores ocorreu pouca ativação. Ainda a esse respeito: Pesquisadores relatam que, em relação aos mecanismos neurológicos das dificuldades de leitura, alterações referentes à assimetria hemisférica geram uma organização atípica do hemisfério direito em crianças e adolescentes com dislexia. Disléxicos apresentam uma desconexão temporo-parieto-occipital e uma desconexão com o córtex frontal esquerdo, assim como anormalidades do córtex têmporo- parietal e do cerebelo em relação a outras regiões do cérebro (SCHIRMER et al.2004, s/p.). Saiba Mais Dislexia Deseidética ou dislexia visual Dificuldades de natureza visual e espacial, leitura silabada, sem conseguir realizar a aglutinação e síntese. Dislexia Disfonética ou dislexia auditiva Caracteriza-se por dificuldades de descodificação de sons associados a letras, trocas de fonemas e grafemas; alterações na ordem das letras e sílabas; omissões e acréscimos. Dislexia Aléxica ou visuoauditiva Deficiência na leitura, não atingindo a capacidade de escrita. Inabilidade de leitura muito acentuada; Dificuldades a nível da análise fonética Dislexia Visuoespacial Dificuldades na orientação direita – esquerda, problemas no reconhecimento de objetos familiares pelo tacto; Lacunas na codificação da informação visual. De acordo com o exposto é possível compreender que a dislexia apresenta-se como um distúrbio de aprendizagem que afeta principalmente questões relacionadas à leitura. Dito isso, cabe salientar que nem sempre 38 dificuldades na aquisição da leitura e da escrita podem ser chamadas de dislexia. Para que seja feito um diagnóstico correto é necessária uma equipe de profissionais e exames específicos. Pais e educadores devem estar atentos aos sinais enviados pelas crianças que apresentarem alguma dificuldade durante esse processo, a fim de que possam encaminhá-los para os profissionais adequados. Ví deo Assista ao trecho do filme “Como estrelas na Terra”, onde um professor explica para seus alunos o que é Dislexia. Vídeo Um professor explica o que é DISLEXIA aos seus alunos. Disponível em: https://youtu.be/roTYfQ4pCJc De acordo com a ABD, Associação Brasileira de Dislexia, a pessoa disléxica apresenta dificuldades com a linguagem e a escrita, dificuldades de escrever e com a ortografia, lentidão na aprendizagem da leitura, sendo que pode ocorrer também a disgrafia e a discalculia, dificuldades com a memória de curto prazo e com a organização. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Para saber mais sobre os temas abordados nas aulas, é interessante a leitura do livro Neurociência e Educação, de Cosenza e Guerra, Porto Alegre: Artmed, 2011. Resumo da Aula 03 Na aula foi abordada uma questão bastante cara aos educadores e pesquisadores: a aquisição da leitura e da escrita. Teve-se uma breve 39 contextualização histórica até chega à importância das neurociências e dos estudos de imagem para entender um pouco mais desse fascinante mundo que é o cérebro humano. Foi visto que a aquisição da leitura passa por diferentes e complexos processos e envolve diferentes áreas do cérebro. Por último se teve uma breve explicação do que é a Dislexia e as áreas do cérebro afetadas em quem possui esse distúrbio. A aquisição da leitura é um dos principais enigmas para educadores, neurocientistas e neuropsicólogos, a neurociências abriu caminhos para que fosse desvendado, pelo menos em partes, como se dá esse processo. Os distúrbios de aprendizagem deixaram marcas em jovens e crianças ao longo dos anos, muitos foram incompreendidos e excluídos de uma educação formal. Hoje educadores e pesquisadores juntam-se para entender quais os mecanismos responsáveis por essa aquisição e como pode-se estimulá-los. A Dislexia ainda assusta educadores e pais, mas já é possível compreender e diagnosticar com mais eficiência. Atividade de Aprendizagem De acordo com o que foi estudado, diferencie distúrbios de aprendizagem de transtornos de aprendizagem. AULA 4 - A INTELIGÊNCIA E O FUNCIONAMENTO CEREBRAL Apresentação da Aula 04 Nessa aula será estudado a respeito da inteligência e suas relações com o funcionamento cerebral, o que irá complementar os estudos em torno do cérebro e da aprendizagem. 4.1 O que é Inteligência? 40 A palavra inteligência vem do latim intelligentia, derivada de inteligere, e é composta por dois termos: intus, que significa entre e legere, que significa escolher. Sendo assim, se tem “aquele que sabe escolher”. Seguindo essa linha de raciocínio a inteligência estaria mais ligada a sabedoria e escolhas tomadas do que propriamente a funções cerebrais. “As funções essenciais da inteligência consistem em compreender e inventar, em outras palavras, construir estruturas estruturando o real” (Piaget, 1970, p. 36) Quando se fala em inteligência, se tem dois conceitos a serem abordados, referentes a psicologia (questões cognitivas e de aprendizagem) e a biologia (que é a capacidade de adaptação). Fonte: http://www.similia.com.br/homeopatiaesaude/tag/inteligencia/Para Anastasi (1977, s/p) a inteligência não é uma capacidade unitária “[...] a inteligência de um indivíduo em qualquer momento é o produto final de uma sequência vasta e complexa de interações entre fatores hereditários e ambientais”. Em diferentes áreas do conhecimento se tem diferentes definições para o termo e o que ele representa. Por exemplo, para a Psicologia estaria ligada as questões cognitivas e de aprendizagem. De acordo com a Biologia a inteligência está relacionada a capacidade de adaptação ao meio e assim por diante. 4.1.1 O Cérebro e a Inteligência 41 De acordo com o que foi visto, o cérebro humano está dividido em regiões específicas. Ao analisar a relação do cérebro com a inteligência, há algumas regiões onde percebe-se a maioria dos estímulos. Novos aparatos tecnológicos aplicados a pesquisa e o uso da neuroimagem têm permitido o avanço da Neurociência. As duas últimas décadas do século XX foram especialmente frutíferas na abordagem da inteligência humana, baseadas nas propriedades físicas do cérebro. Ou seja, ao longo de mais de um século de pesquisas envolvendo o cérebro humano, novas teorias foram sendo criadas. Na última década a Teoria da Integração Frontoparietal (P-FIT) vem ganhando destaque entre os pesquisadores. De acordo com ela, a rede neuronal relacionada à inteligência está localizada entre os lobos parietais e frontal. Na pesquisa de Haider (2004), evidenciou-se que as áreas responsáveis pela memória, linguagem e atenção estão diretamente ligadas a inteligência. Nesse sentido, a integração parietal- frontal é o ponto de partida para o processamento dessas informações. Mas estudos recentes demonstram que a inteligência é distribuída através de todo o cérebro, portanto não está localizada em uma única área. De acordo com Adolphs, a inteligência depende da capacidade do cérebro para integrar diferentes tipos de processamentos que encontram-se em diferentes áreas do cérebro. “[...] a inteligência depende de dois fatores: ter um córtex pré-frontal que faça bem o seu trabalho (na distribuição para as outras áreas) e fazer com que ele se comunique bem com o resto do cérebro”, diz Todd Braver, da universidade de Washington, coautor do estudo, feito em parceria com cientistas das universidades americanas de Colorado, Yale e de Liubliana, na Eslovênia. Saiba Mais Alguns avanços tecnológicos e ampliação do número de pesquisas na área da neurociências e a inteligência foram: ● Neuroimagem; ● Base nas propriedades físicas do cérebro; 42 ● Depende da capacidade do cérebro para integrar diferentes tipos de processamentos que encontram-se em diferentes áreas do cérebro. 4.2 A Psicologia Como já mencionado anteriormente, de modo geral, a Psicologia vê a inteligência ligada à cognição, consistindo em mecanismos cognitivos com finalidades específicas que dependem de instalações neurais duráveis. Conforme o sistema evolutivo, os seres humanos adquiriram mecanismos de processamento de informações com finalidades específicas, os chamados mecanismos computacionais. Cada um desses mecanismos opera de acordo com seus próprios princípios, ou ainda opera sem estar direcionado a fazê-lo, podendo ser disparados por determinados eventos. Na década de 20 do século XX, existiam duas correntes psicológicas dominantes: O Gestaltismo – (conhecimento inato) que defendia que o cérebro contém estruturas inatas determinantes do modo como o sujeito organiza e entende o mundo. O Behaviorismo – teoria que considera o sujeito como condicionado pelo meio, ou seja, os conhecimentos são adquiridos de acordo com os estímulos do ambiente. Piaget propõe então um novo modelo explicativo em oposição a essas duas correntes. Para ele o sujeito constrói seu conhecimento a partir de suas próprias ações. Dito isso, a inteligência seria um produto de todo um processo de adaptação ao meio. Nesse processo interagem o mundo exterior e as estruturas mentais, em um processo contínuo de adaptação ao meio. Saiba Mais 43 As principais questões são sobre as teses que afirmam que o conhecimento é de origem inata, e o conhecimento sendo fruto da estimulação do mundo externo, como se fosse uma “cópia” da realidade, sendo que o conhecer por meio de interações no ambiente, é o intercâmbio de trocas recípro- cas sujeito-meio. Tomando a inteligência como sendo um conjunto de funções mentais, passa- se a abordar algumas das principais teorias na área da psicologia moderna. 4.2.1 Jean Piaget e o Desenvolvimento Cognitivo As teorias de Jean Piaget são um marco para pensar o desenvolvimento cognitivo e a inteligência humana. O autor parte de pesquisas originadas na observação e em entrevistas feitas com crianças. Estabelecendo uma estreita ligação entre o sujeito e o ambiente em que vive, investigando a gênese do conhecimento nos seus estágios de desenvolvimento. De acordo com o autor: O desenvolvimento psíquico, que começa quando nascemos e termina na idade adulta, é compatível ao crescimento orgânico: como este, orienta-se, essencialmente, para o equilíbrio. Da mesma maneira que um corpo está em evolução até atingir um nível relativamente estável – caracterizado pela conclusão do crescimento e pela maturidade dos órgãos -, direção de uma forma de equilíbrio final, representada pelo espírito adulto. O desenvolvimento, portanto, é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior (PIAGET, 1983, p. 11). Para o autor, a inteligência é um processo gradativo que se constrói ao longo do tempo, passando por diferentes estágios. Desde os reflexos herdados geneticamente mais simples de um bebê até atingir estruturas mentais mais complexas. Sua teoria está alicerçada em 7 principais conceitos. São eles: A assimilação - nesse processo o sujeito assimila os dados e informações que vem do ambiente; A acomodação - nesse estágio as estruturas cognitivas passam por modificações que são resultados da integração dos dados novos provenientes do meio; 44 A equilibração - é o processo de auto regulação entre os dois processos anteriores (assimilação e acomodação), permitindo ao indivíduo adaptar- se ao meio, progredindo para um pensamento cada vez mais complexo; A adaptação - é o processo interno de equilíbrio entre o sujeito e o meio. Esse processo se dá através dos mecanismos de assimilação e acomodação; Estágios - são as diferentes etapas do desenvolvimento; Esquema - o esquema caracteriza-se pela estrutura mental subjacente que organiza a interação do sujeito com o meio; Estruturas cognitivas - configurações de organização mental que dão ao indivíduo determinadas capacidades intelectuais. 4.2.1.1 Os Estágios do Desenvolvimento de Piaget Conforme a sua teoria, o desenvolvimento intelectual acontece em quatro diferentes estágios. São eles: sensório-motor, pré-operatório, estágio das operações concretas e estágio das operações formais. O estágio sensório-motor - (do nascimento até os dois anos) é o responsável pelo desenvolvimento das capacidades motoras e de percepção; da coordenação de respostas; resolução de problemas concretos; adaptação ao meio; é nesse estágio que se dá o início da função simbólica. 45 Estágio pré-operatório - (dos dois aos sete anos) responsável pelo desenvolvimento da função simbólica; do pensamento; da linguagem; do egocentrismo e do pensamento intuitivo. Estágio das operações concretas - (dos sete aos onze anos)responsável pelo desenvolvimento da reversibilidade e da descentração (pensar em vários aspectos de uma situação simultaneamente); domínio das noções de conservação da matéria, peso e volume; desenvolvimento do pensamento lógico a partir de objetos concretos; capacidade de classificação e de seriação. Estágio das operações formais - (dos onze ao final da adolescência) nesse estágio dá-se o desenvolvimento do pensamento formal, lógico e abstrato; desenvolvimento da capacidade de abstração; egocentrismo intelectual; Em cada diferente estágio do desenvolvimento existe a construção de determinadas estruturas de inteligência, necessárias para que a criança passe para o próximo nível. Para Piaget (1983, apud Costa 1997, s/p) “[...] a inteligência é adaptação e o seu desenvolvimento está voltado para o equilíbrio, sendo assim, a ação humana visa sempre a uma melhor adaptação ao meio”. Curiosidade Jean Piaget (1896-1980) psicólogo e filósofo, ganhou reconhecimento no cenário mundial devido a seus trabalhos no campo da inteligência infantil. Nasceu em 9 de agosto de 1896 na Suíça. Considerado um menino prodígio, com apenas 11 anos de idade publicou seu primeiro trabalho sobre o pardal albino, resultado de anos de observação. Aos 22 anos de idade concluiu seu doutorado em Biologia. Trabalhou como professor e psicólogo experimental além de atuar na área de psiquiatria. Em 1919, mudou-se para a França, passando a desenvolver testes de inteligência em crianças, nesse mesmo ano dá início aos seus estudos experimentais sobre a mente humana, o desenvolvimento e as habilidades cognitivas. Em 1921 volta à Suíça tornando- se diretor do Instituto Jean Jacques Rousseau da Universidade de Genebra. 46 No ano de 1923 casou e teve três filhos que passaram a ser parte de suas pesquisas. Nesse meio tempo desenvolveu diversos campos de estudos Científicos, dentre eles: a psicologia do desenvolvimento, a teoria cognitiva e o que veio a ser chamado de epistemologia genética. Morreu em Genebra no dia 17 de setembro de 1980. 4.2.2 Howard Gardner e a Teoria das Inteligências Múltiplas Howard Gardner, psicólogo norte-americano, foi um dos maiores expoentes na área da psicologia humana, destacando-se nos estudos da inteligência. Para ele a inteligência é o potencial de cada um e não pode ser quantificada. Fonte: https://www.gse.harvard.edu/faculty/howard-gardner Em 1985, Gardner lança a Teoria das Inteligências Múltiplas, de acordo com essa teoria, a inteligência humana seria uma capacidade inata, geral e única, permitindo ao sujeito um desempenho maior ou menor em diferentes áreas de atuação. Contrário a outras teorias, o autor passou a ver o fenômeno da inteligência a partir de bases biológicas, psicológicas e cultural. Sua pesquisa perpassou as seguintes questões: O desenvolvimento de diferentes habilidades em crianças superdotadas; 47 Adultos com lesões cerebrais; Populações ditas excepcionais, tais como autistas; O desenvolvimento cognitivo através dos milênios. Seu principal referencial foi Piaget, Gardner debruçou-se sobre suas pesquisas ampliando-as e por vezes divergindo. Conforme já estudado anteriormente, Piaget acreditava no fato de que todos os aspectos da simbolização partiam de uma mesma função semiótica. No entanto, Gardner acreditava que os processos psicológicos independentes são usados quando o sujeito entra em contato com os símbolos linguísticos, numéricos, entre outros; descrevendo o desenvolvimento cognitivo como uma capacidade de entender e expressar significado em diferentes sistemas simbólicos de um mesmo contexto cultural. Sua insatisfação com a ideia de QI e com visões unitárias de inteligência, que focalizam sobretudo as habilidades importantes para o sucesso escola, levou-o a redefinir inteligência à luz das origens biológicas da habilidade para resolver problemas. 4.2.2.1 Inteligências Múltiplas Para o autor, as competências intelectuais são independentes umas das outras, tendo sua origem e limites genéticos próprios. Nesse sentido, os sujeitos possuem diferentes graus de cada inteligência e maneiras diferentes com que elas se combinam, organizam e se utilizam dessas capacidades intelectuais para resolver problemas e criar produtos. Gardner identificou 7 tipos de inteligências. Inteligência linguística – a inteligência linguística envolve a fala, a escrita, a leitura, a fluência em idiomas. Seus componentes principais são uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras (Pode ser estimulada através da leitura e da escrita, de jogos e pelo uso de diferentes tecnologias). Inteligência Cinestésico-corporal - esse tipo de inteligência está voltada para as habilidades que envolvem coordenação e destreza física, 48 habilidades motoras para o esporte, artes cênicas ou outras técnicas que envolvam o uso do corpo (o estímulo se dá através da dança, atividades esportivas entre outros). Inteligência musical - se manifesta através de habilidades para apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical. Inclui discriminação de sons, habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e timbre, e habilidade para produzir e/ou reproduzir música (o estímulo dessa inteligência se dá através de jogos e atividades rítmicas, cantar, dançar, tocar instrumentos e compor músicas. Inteligência lógico-matemática - de acordo com Gardner é expressa por uma sensibilidade para padrões, ordem e sistematização, habilidade para explorar relações, categorias e padrões, através do uso de objetos ou símbolos, é a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para reconhecer problemas e resolvê-los (ela pode ser estimulada através de jogos e desafios que envolvam o raciocínio lógico). Inteligência espacial – É a capacidade para perceber o mundo visual e espacial de forma precisa, manipular formas e objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais, criar tensão, equilíbrio e composição, numa representação visual ou espacial (ela pode ser estimulada por experiências que envolvam artes gráficas e plásticas e de exercícios que contemplem as habilidades de observação). Inteligência interpessoal – É entendida como a habilidade para entender e responder adequadamente a humores, temperamentos, motivações e desejos de outras pessoas (Pode ser estimulada através de jogos cooperativos e projetos em grupo). Inteligência intrapessoal - É o reconhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligências próprios, a capacidade para formular uma imagem precisa de si próprio e a habilidade para usar essa imagem para funcionar de forma efetiva (pode ser estimulada através de atividades que de auto avaliação, a introspecção, o falar sobre si mesmo e sobre seus sentimentos). 49 Para o autor todos os sujeitos têm a habilidade de questionar e procurar soluções para seus problemas mediante o uso de suas múltiplas inteligências, de acordo com sua bagagem genética e sua interação com o meio. No entanto o desenvolvimento da inteligência depende dos fatores genéticos, biológicos e ambientais. 4.2.3 Ideias, Reflexos na Educação e Inteligência Inteligência não é uma característica absoluta fixada no nascimento, que permanece estável através do período de vida conforme ainda advogam alguns conservadores que defendem o mito do QI. Toda teoria de inteligência precisa ser biologicamente baseada, ou seja, enraizada na psicologia da estrutura cerebral. Assim, deve-se refletir sobre alguns aspectos na educação:
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