Buscar

Resenha São Paulo SA (2)

Prévia do material em texto

Centro de Comunicação e Expressão
Departamento de Jornalismo
Curso de Jornalismo
Professor Elias Machado
Disciplina Comunicação e Realidade Sócio-Econômica e Política Brasileira I
São Paulo, Sociedade Anônima
 
Júlia Orige
Florianópolis, 12 de junho de 2014
O cinema brasileiro tem alguns marcos clássicos: Deus e O Diabo Na Terra do Sol, Terra em Transe, Cabra Marcado Para Morrer. Filmes muitas vezes influenciados pela Novelle Vague, pelo Noir, e pelo Neorealismo italiano. Este último, contando com clássicos como Roma Cidade Aberta (de Rosselini) e Ladrões de Bicicleta (VIttorio de Sicca), foi a grande influência do diretor Luís Sérgio Peron. Cineasta brasileiro (um dos poucos que podia ser realmente classificado como autor, visto que até os filmes nos quais não roteirizava ainda tinham sua marca) que dirigiu São Paulo Sociedade Anônima. Filme que além de poder ser interpretado como reflexo das mudanças que os anos 60 traziam como consequência (como o filme de Godard, Acossado, no contexto francês), também podia ser visto como um retrato do capitalismo se instalando cada vez mais e mais no cenário civil. Chegando ao ponto de se ver nas ruas apenas operários, e não cidadãos/seres humanos.
Primeiramente, é de se parabenizar a decisão do diretor de escolher São Paulo como a cidade-protagonista de seu filme (perceba que a metrópole tem tanta relevância para a história, quanto Roma em Roma Cidade Aberta). Os primeiros minutos iniciais do filme são amostra disso: vemos uma cena do cotidiano de um casal com imagens de edifícios sobrepostas à imagem. Como se não houvesse uma maneira de saber onde começa a humanidade, e onde termina o teor capitalista dos personagens. Tal como Dziga Vertov fez com seu Um Homem e Uma Câmera, Luíz Sérgio Peron faz questão de filmar o cotidiano. Porém se o 1o filmava o dia a dia com um intuito mais experimental (algo necessário para os primórdios do cinema), o 2o o faz com o intuito de enfatizar o teor operário dos tempos modernos. 
O filme se passa na São Paulo do final da década de cinqüenta. A cidade é a protagonista principal do filme. Carlos está ali apenas para personificá-la. São Paulo não é feita só de prédios e indústrias, mas também de pessoas. A sociedade paulistana é o foco da denúncia, assim como em “Amar, verbo intransitivo”, livro de Mário de Andrade.
As pessoa são retratadas quase como máquinas, trabalhando no automático. Sem parar para refletir e sem tomar consciência de estarem vivas, seguem sobrevivendo. Quase como Macabéa, personagem principal de Clarice Linspector, adaptado para o cinema por Suzana Amaral. O desenvolvimentisto ataca a cidade, é a época do boom automobilístico. A revolução técnico-industrial transforma o modo de viver da população. Carlos, personagem principal da trama, vive num estado de estresse. Carlos está em crise, é um homem azedo e agressivo com as mulheres e tem a necessidade constante de “recomeçar”.É nesta palavra que ele põe todas as suas esperanças, como se deixar o passado para trás fosse apagá-lo. “A certa altura se vê na pele de um chefe de família, que trabalha muito, ganha bem, mas vive insatisfeito. Sem projeto de vida ou perspectivas de se opor à condição que rejeita, só lhe resta fugir.” Diz o site AdoroCinema.com na sinopse do filme. 
Uma das características mais marcantes do personagem é o machismo. Ele trata as mulheres com quem se relaciona com ignorância. Faz a clássica separação entre mulheres “para casar” e putas. Mas Carlos não é o único e isto é o preocupante, ele apenas representa uma boa parcela da população. Cada ser humano é um produto de seu meio e o personagem de Luís Sérgio Peron não poderia ser diferente. Cinco mil anos de patriarcado levaram ao pensamento machista de 1960, assim como ao de hoje. Porque o machismo está enraizado na sociedade, e suas raízes tentam penetrar mais fundo, usando de artifícios para naturalizar suas ações. A própria cultura é machista. A mulher em “São Paulo, Sociedade Anônima” é mais do que Carlos acha que ela é, mas nem tanto. É a mulher que tudo o que procura é um homem pra casar. A cultura se manifesta nas falas, onde é somente dever do homem trabalhar ou estudar, assim como nos atos; Carlos pede permissão ao pai de sua futura esposa para se casar. 
O feminismo não deu mostras de vida. O impacto de “O Segundo Sexo” de Beauvoir ainda não haviam chego ao Brasil.
A sociedade paulista de 1960 é uma sociedade capitalista, machista e sem consciência. É a classe média que vê a revolução tecnológica chegar. Carlos é o cidadão que não sabe como lidar com tudo o que acontece. Para ele a única solução é recomeçar. Para ele “é como se fosse um câncer, nada adiantaria.” 
A década de sessenta viria mudar muita coisa no cenário nacional. Em 1963 a TV Tupi faria sua primeira transmissão a cores. O Brasil, em 1957, se preparava para todas as mudanças que viriam em seguida. No cenário político JK se encontra no poder e logo em seguida é eleito Jânio Quadros. Em seguida, em 1964 o Golpe Militar mudaria tudo.

Continue navegando