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ACÓRDÃO 2

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2014.0000058878
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 
0100844-07.2013.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante ITAÚ 
UNIBANCO S/A ( ATUAL DENOMINAÇÃO DE BANCO ITAÚ S/A ), são 
agravados OTICA VOLUNTARIOS LTDA (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) e 
VALDOR FACCIO (ADMINISTRADOR JUDICIAL).
ACORDAM, em 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do 
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao 
recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOSÉ 
REYNALDO (Presidente), RICARDO NEGRÃO E LÍGIA ARAÚJO BISOGNI.
São Paulo, 3 de fevereiro de 2014.
JOSÉ REYNALDO
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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VOTO Nº: 15828
AGRV. Nº: 0100844-07.2013.8.26.0000
COMARCA: São Paulo 
JUIZ: Daniel Carnio Costa
AGTE.: Itaú Unibanco S/A (atual denominação de Banco Itaú S/A)
AGDOS.: Ótica Voluntários Ltda (em recuperação judicial) e Valdor Faccio 
(Administrador Judicial)
*Recuperação judicial. Aprovação do plano de recuperação 
apresentado, a despeito de ter sido rejeitado em Assembleia 
Geral de Credores. Homologação conforme teoria 
denominada “cram down”. Controle judicial de legalidade. 
Desconsideração dos votos dos credores em razão de abuso de 
direito. Enunciados nº 44 e 45 da I Jornada de Direito 
Comercial do Conselho da Justiça Federal (CJF). Aplicação 
do princípio da preservação da empresa economicamente 
viável. Credores pertencentes a uma única classe, a dos 
créditos quirografários. Ausência de deságio. Aumento do 
faturamento da empresa desde a data do pedido de recuperação 
judicial. Abuso do exercício do direito de voto reconhecido. 
Manutenção da decisão que homologou o plano de recuperação 
judicial. Agravo de instrumento desprovido.*
Agravo de instrumento interposto de decisão que aprovou 
o plano de recuperação judicial apresentado, a despeito de ter sido rejeitado 
por parte dos credores da única classe existente, de créditos quirografários.
Alega o recorrente que a homologação do plano de 
recuperação judicial rejeitado em Assembleia Geral de Credores contraria, 
além dos interesses dos credores, os artigos 45, 56, § 4º, 58 e incisos e 73, III 
da Lei nº 11.101/2005. Aponta a impossibilidade do cômputo dos votos 
inexistentes na 2ª Assembleia de Credores porque não estavam presentes na 
1ª Assembleia e, assim sendo, o plano teve o voto favorável de somente um 
credor, afastando a possibilidade de sua homologação nos termos do artigo 
58, § 1º da LRF. Afirma ter manifestado sua objeção ao recebimento de seu 
crédito nos moldes estabelecidos pela recuperanda, não sendo abusivo o seu 
voto de rejeição à aprovação do plano de recuperação apresentado. Sustenta 
que o baixo índice de juros ao mês contraria o disposto no artigo 406 do 
Código Civil. Entende deva ser apresentado um novo plano de recuperação 
que atenda a todos os interesses envolvidos ou, na sua impossibilidade, a 
decretação da quebra. Pede a concessão de efeito suspensivo ao recurso, e 
ao final, o seu provimento, com a reforma da decisão agravada.
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Negado o efeito suspensivo rogado, foi determinado o 
processamento do recurso com a apresentação de resposta da parte 
agravada, manifestação do Administrador Judicial e parecer da Douta 
Procuradoria Geral de Justiça, opinando pelo provimento do recurso.
A agravada apresentou cópia da mensagem eletrônica 
enviada pelo agravante fazendo a opção por uma das modalidades do plano e 
o agravante esclareceu que referida opção foi realizada em cumprimento da 
parte da decisão agravada que assinalou prazo de cinco dias para tanto, 
inferior ao da interposição do presente recurso.
É o relatório. 
O agravante insurge-se contra decisão judicial que 
homologou o Plano de Recuperação Judicial rejeitado por maioria na 
Assembleia Geral de Credores, apontando o abuso dos votos desfavoráveis 
das instituições financeiras.
Importante observar que a análise do plano de 
recuperação judicial, nesta fase recursal, circunscreve-se ao controle de 
legalidade do procedimento.
Esse o entendimento esposado no Enunciado nº 44 da I 
Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal (CJF), que assim 
dispôs: 44. A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos 
credores está sujeita ao controle judicial de legalidade.
Isso porque a soberania da Assembleia Geral de Credores 
reporta-se à aprovação ou desaprovação do plano de recuperação judicial, 
mas não às deliberações nele contidas.
Nesse sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de 
Justiça:
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 
APROVAÇÃO DE PLANO PELA ASSEMBLÉIA DE 
CREDORES. INGERÊNCIA JUDICIAL. 
IMPOSSIBILIDADE. CONTROLE DE LEGALIDADE DAS 
DISPOSIÇÕES DO PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO 
IMPROVIDO.
1. A assembleia de credores é soberana em suas decisões 
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quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as 
deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de 
validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que 
estão sujeitos a controle judicial. 
2. Recurso especial conhecido e não provido. (STJ, REsp 
n° 1314209, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22/05/2012, 
DJe 01/06/2012).
A análise dos elementos do instrumento revela que na 
Assembleia Geral de Credores convocada para o fim de análise das objeções 
ao plano apresentadas pelo Banco Bradesco S/A e o agravante, deliberação e 
aprovação do plano apresentado e apresentação de plano alternativo 
instauradas em 27.03.2013 (1ª convocação) e 10.04.2013 (2ª convocação), o 
plano de recuperação judicial apresentado restou rejeitado pela maioria dos 
credores pertencentes à única classe de credores existentes a dos créditos 
quirografários (classe III).
A alegação de que não devem ser considerados os votos 
dos credores presentes somente na assembleia realizada em 10.04.2013 não 
deve prosperar.
A ata da 1ª Assembleia Geral de Credores, realizada em 
27.03.2013 apontou que, apesar do plano de recuperação judicial apresentado 
não ter sido aprovado, todos os credores presentes àquela data e a 
Recuperanda, “decidiram pela suspensão da Assembleia até a data da 2ª 
Assembleia a ser realizada em 10 de abril de 2013, às 15h00min, em razão da 
apresentação de duas novas propostas, a serem analisadas”. (fls. 212).
Assim considerado, não se poderia cogitar, no presente 
caso, ser una a Assembleia de Credores para votação do plano de 
recuperação judicial da agravada porque da própria ata constou a deliberação 
de sua suspensão, de modo a possibilitar a análise das novas propostas 
apresentadas até a data da 2ª Assembleia, havendo o direito de todos os 
credores de realizarem referida análise e deliberarem sobre as mesmas.
Observa-se também, que o edital de convocação (fls. 
208/209) já havia indicado previamente as duas datas das assembleias a 
serem instauradas 27.03.2013 (1ª convocação) e 10.04.2013 
(2ªconvocação), não tendo havido, portanto, nova designação.
E ainda, na ata da 2ª Assembleia de Credores, instalada 
em 10.04.2013, não constaram quaisquer protestos ou impugnações aos votos 
dos credores presentes em relação à impossibilidade de todos os presentes 
votarem nas deliberações (fls. 218/219).
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Nos termos do § 3º do artigo 37 da Lei nº 11.101/2005, 
para participar da assembleia, cada credor deverá assinar a lista de presença, 
que será encerrada no momento da instalação.
E isto ocorreu.
Do exposto, devem ser computados os votos de todos os 
credores que estiveram presentes eque assinaram a lista de presença, 
podendo participar das deliberações, conforme registrado na ata da 
Assembleia de Credores e na lista anexa (docs. 218, 220/221).
Verifica-se que, conforme apontado pelo MM. Juiz a quo, 
dentre os 25 credores presentes, o plano foi rejeitado por apenas três credores 
que são instituições financeiras e que representam 73,86% dos créditos 
sujeitos à recuperação judicial.
Ao comentar a possibilidade do magistrado não acatar a 
decisão da Assembleia Geral de Credores, Manuel Justino Bezerra Filho (in Lei 
de Recuperação de Empresas e Falência, 9ª Ed., São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 2013, p. 121-122, 172) aponta que a posição de soberania das 
decisões da AGC quanto à aceitação ou rejeição do plano começa a sofrer 
mudanças, e acrescenta:
Observe-se desde logo que o poder da assembleia geral 
não é decisório, não se substituindo ao poder jurisdicional. 
Evidentemente, a assembleia, constituída por credores 
diretamente interessados no bom andamento da 
recuperação, deverá levar sempre ao juiz as melhores 
deliberações, que atendem de forma mais eficiente ao 
interesse das partes envolvidas na recuperação, tanto 
devedor quanto credores. No entanto, até pelo constante 
surgimento de interesses em conflito neste tipo de feito, 
sempre competirá ao poder jurisdicional a decisão, 
permanecendo com a assembleia o poder deliberativo, 
dependente da jurisdição para sua implementação nos 
autos do processo. Sem embargo, sempre que chamada à 
manifestação, a jurisprudência vinha entendendo que a 
decisão da AGC deveria ser acatada pela jurisdição. Esse 
entendimento agora parece começar a mudar, a partir de 
decisões que têm sido tomadas pelos Tribunais, no sentido 
de que “as deliberações desse plano estão sujeitas aos 
requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, 
requisitos esses que estão sujeitos a controle jurisdicional” 
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(STJ, REsp 1.314.209-SP, j. 22.05.2012, rel. Min. Nancy 
Andrighi e TJSP, AgIn 0136362-29.2011.8.26.0000, j. 
26.02.2012, rel. Pereira Calças).
A concessão da recuperação judicial pelo magistrado 
superando a rejeição ao plano pela Assembleia Geral de Credores denomina-
se “cram down”, instituto importado do direito norte-americano e sem 
possiblidade de tradução fiel, permitido pelo disposto no § 1º do artigo 58 da 
Lei nº11.101/2005, desde que na mesma Assembleia sejam preenchidos os 
seguintes requisitos cumulativos:
I o voto favorável de credores que representem mais da 
metade do valor de todos os créditos presentes à 
assembléia, independentemente de classes;
II a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos 
termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) 
classes com credores votantes, a aprovação de pelo 
menos 1 (uma) delas;
III na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de 
mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma 
dos §§ 1o e 2o do art. 45 desta Lei.
No presente, dada a existência de uma única classe de 
credores a dos quirografários não é possível o preenchimento do item II.
Verifica-se, outrossim, que os credores que rejeitaram o 
plano somente três dentre os vinte e cinco presentes representam 73,86% 
dos créditos presentes na AGC, a revelar a dificuldade de aprovação de 
qualquer plano sem a concordância dos mesmos.
Disso resulta que o voto desses credores na Assembleia 
Geral de Credores realizada decidiria o destino da empresa recuperanda, 
aprovando o plano apresentado e concedendo a recuperação ou rejeitando-o, 
com a consequente decretação de sua quebra. Conclui-se, portanto, que as 
objeções ao plano apresentadas pelas instituições financeiras devem ser 
analisadas com cautela.
Isso porque o direito de voto a ser exercido pelos credores 
não pode ultrapassar o limite imposto pelos fins social, econômico, a boa-fé ou 
os bons costumes, revelando-se, nestes casos, abuso de direito.
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Ausente previsão legal na lei nº 11.101/2005 no tocante à 
definição do exercício abusivo do direito de voto, invoca-se por analogia o 
disposto no artigo 115 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), que 
trata das modalidades de exercício abusivo de poder pelo acionistas de 
companhia, visando evitar a ocorrência de dano ou prejuízo, para a companhia 
ou outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida e 
de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros 
acionistas, ou ainda, de quem trabalhe na empresa.
O instituto do abuso de direito positivado no artigo 187 do 
Código Civil/2002, configura como ato ilícito, o exercício de um direito pelo 
titular que excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico 
ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
E ainda, conforme o entendimento esposado no Enunciado 
nº 45 da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal (CJF), 
O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de 
vontade do devedor, em razão de abuso de direito.
A análise do plano de recuperação apresentado pela 
empresa agravada indica três possibilidades de pagamento, as quais diferem 
somente em relação ao percentual da taxa de juros e ao número de parcelas 
para o pagamento integral da dívida. 
O princípio “pars conditio creditorum” é verificado, tratando 
de maneira igualitária todos os credores da mesma e única classe sujeita aos 
efeitos da recuperação.
Os agravados apontaram a manutenção dos empregos, o 
aumento do faturamento e possibilidade de pagamento com recursos próprios, 
demonstrando a viabilidade econômica da empresa.
Indicaram, também, a ausência de deságio e de carência 
no plano apresentado, bem como o prazo final para seu cumprimento, com 
incidência de juros e correção monetária, não representando anistia dos 
créditos regularmente constituídos, razão pela qual o MM. Juiz a quo o 
considerou “consistente, viável e, portanto, factível”, afastando, assim a 
insurgência em relação à taxa de juros.
Por outro lado, a objeção apresentada pelo agravante 
carece de fundamentação, apontando a impossibilidade de “reaver seu crédito 
de forma minimamente satisfatória".
A própria dificuldade financeira que fundamenta o pedido 
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de recuperação judicial revela, de per si, a impossibilidade de pagamento dos 
credores na forma e tempo contratados, não sendo possível, a qualquer dos 
credores, supor que as obrigações serão cumpridas conforme indicado nos 
contratos celebrados.
Assim considerado, a rejeição injustificada somente por 
parte das instituições financeiras revela-se abusiva, uma vez que impede a 
recuperação da empresa que apresenta condições mínimas de se manter 
produtiva e em atividade, cumprindo o seu papel social e econômico.
E, conforme apontado pelo MM. Juiz a quo:
(...) os credores financeiros contrários ao plano de 
recuperação representam aproximadamente 60% do 
passivo da devedora. Sendo assim, em caso de concurso 
de credores em razão da falência, todos os demais 
credores (40% restantes) entrariam no rateio dos ativos da 
empresa. Deve-se levar em consideração, ainda, que os 
ativos da empresa são evidentemente insuficientes para o 
pagamento integral de todos os credores. Daí se conclui, 
com facilidade, que a situação proposta pelo plano de 
recuperação (pagamento parcelado, com correção e juros 
de mora, sem deságio e sem carência) é muito mais 
favorável do que a situação desses credores em caso de 
falência.
Os votos desfavoráveis dessas instituições financeiras 
devem ser considerados, portanto, abusivos. Não possuem 
lógica econômica, vez que conduzem à uma situação que 
é menos favorável aos próprios credores e, ainda, estão 
em dissonância com as finalidades do instituto da 
recuperaçãoda empresa, vez que o plano apresentado 
propõe divisão razoável de ônus entre devedora e credores 
e tem condições de conduzir o processo à realização de 
sua finalidade última representada pela geração dos 
benefícios sociais reflexos da manutenção da atividade da 
empresa (empregos, receitas, rendas, produtos e serviços 
socialmente relevantes). (fls. 227/228).
Ausente, inclusive, qualquer prejuízo a esses credores, 
uma vez que o descumprimento do plano homologado pode dar ensejo a 
pedido de convolação da recuperação judicial em falência por parte de 
qualquer credor ou mesmo do Ministério Público ou do Administrador Judicial, 
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assim como objeto do presente recurso.
Conforme entendimento das Câmaras integrantes do 
Grupo Reservado de Direito Empresarial, é possível a aplicação do “cram 
down”, concedendo a recuperação judicial à empresas, uma vez que a 
soberania das decisões da assembleia geral de credores é relativa conforme 
se extrai dos seguintes julgados: AI 0235995-76.2012.8.26.0000, Rel. Enio 
Zuliani, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 26.03.2013; AI 
0159696-58.2012.8.26.0000, Rel. Araldo Telles, 2ª Câmara Reservada de 
Direito Empresarial.
Por estes motivos, nega-se provimento ao recurso. 
JOSÉ REYNALDO
Relator

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