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Política Social e Seguridade Alberta Emilia Dolores de Goes Adaptada/Revisada por Alberta Emilia Dolores de Goes (setembro/2012) É com satisfação que a Unisa Digital oferece a você, aluno(a), esta apostila de Política Social e Seguridade, parte integrante de um conjunto de materiais de pesquisa voltado ao aprendizado dinâmico e autônomo que a educação a distância exige. O principal objetivo desta apostila é propiciar aos(às) alunos(as) uma apresentação do conteúdo básico da disciplina. A Unisa Digital oferece outras formas de solidificar seu aprendizado, por meio de recursos multidis- ciplinares, como chats, fóruns, aulas web, material de apoio e e-mail. Para enriquecer o seu aprendizado, você ainda pode contar com a Biblioteca Virtual: www.unisa.br, a Biblioteca Central da Unisa, juntamente às bibliotecas setoriais, que fornecem acervo digital e impresso, bem como acesso a redes de informação e documentação. Nesse contexto, os recursos disponíveis e necessários para apoiá-lo(a) no seu estudo são o suple- mento que a Unisa Digital oferece, tornando seu aprendizado eficiente e prazeroso, concorrendo para uma formação completa, na qual o conteúdo aprendido influencia sua vida profissional e pessoal. A Unisa Digital é assim para você: Universidade a qualquer hora e em qualquer lugar! Unisa Digital APRESENTAÇÃO SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................5 1 A POLÍTICA .................................................................................................................................................7 1.1 Resumo do Capítulo .......................................................................................................................................................8 1.2 Atividades Propostas ......................................................................................................................................................8 2 A POLÍTICA SOCIAL ..............................................................................................................................9 2.1 A Política Social e o Serviço Social ......................................................................................................................... 11 2.2 Resumo do Capítulo .................................................................................................................................................... 12 2.3 Atividades Propostas ................................................................................................................................................... 12 3 A SEGURIDADE SOCIAL .................................................................................................................. 13 3.1 Os Princípios e as Prestações da Seguridade Social ........................................................................................ 15 3.2 Os Conselhos - Gestão Administrativa Descentralizada ................................................................................ 18 3.3 Recapitulando e Contextualizando a Seguridade Social na Atualidade ................................................. 19 3.4 Resumo do Capítulo .................................................................................................................................................... 22 3.5 Atividades Propostas ................................................................................................................................................... 22 4 A SAÚDE ..................................................................................................................................................... 23 4.1 Breve Histórico da Saúde Pública Brasileira........................................................................................................ 23 4.2 O Movimento da Reforma Sanitária ...................................................................................................................... 26 4.3 O SUS - Sistema Único de Saúde ............................................................................................................................ 28 4.4 Os Conselhos e as Conferências de Saúde .......................................................................................................... 32 4.5 Os Pactos da Saúde ...................................................................................................................................................... 32 4.6 Resumo do Capítulo .................................................................................................................................................... 35 4.7 Atividades Propostas ................................................................................................................................................... 35 5 A PREVIDÊNCIA SOCIAL ................................................................................................................. 37 5.1 A Previdência e a Constituição de 1988 ............................................................................................................... 39 5.2 A Organização da Previdência Social .................................................................................................................... 40 5.3 Os Benefícios Previdenciários .................................................................................................................................. 41 5.4 O Serviço Social Previdenciário ............................................................................................................................... 41 5.5 Resumo do Capítulo .................................................................................................................................................... 41 5.6 Atividades Propostas ................................................................................................................................................... 42 6 A ASSISTÊNCIA SOCIAL .................................................................................................................. 43 6.1 O SUAS - Sistema Único de Assistência Social ................................................................................................... 46 6.2 Assistência Social - a Família e o Território como Referências ..................................................................... 47 6.3 A Assistência Social e as suas Formas de Proteção .......................................................................................... 48 6.4 O Financiamento da Assistência Social ................................................................................................................ 50 6.5 O Benefício de Prestação Continuada (BPC) ...................................................................................................... 51 6.6 Programas de Transferência de Renda ................................................................................................................. 51 6.7 A Assistência Social em Perguntas e Respostas ................................................................................................ 51 6.8 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................57 6.9 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................58 RESPOSTAS COMENTADAS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS ..................................... 59 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 61 ANEXOS ..........................................................................................................................................................63 Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 5 INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), A disciplina Política Social e Seguridade Social é de fundamental importância para a formação profis- sional do Assistente Social, pois se apresenta como uma política central para o “bem-estar dos cidadãos”, além de se constituir em objeto de reivindicação dos mais diferentes movimentos sociais e sindicais. Debater a política social como política no âmbito da sociedade capitalista é resgatar o seu caráter de classe social – ou seja, uma política que responde, principalmente, aos interesses das classes políticas e econômicas dominantes. No bojo dessa discussão, a disciplina tem como objetivo abordar o tripé da Seguridade Social no Brasil, ou seja, a Previdência Social, a Saúde e a Assistência Social, através de uma análise sócio-histórica, identificando os principais mecanismos de regulação social pela intervenção do estado, bem como os seus significados na atuação do Assistente Social. Tem ainda como objetivo analisar o conceito de Segu- ridade Social no Estado Capitalista e os modelos de organização, funcionamento e gestão das políticas sociais componentes do Sistema de Seguridade Social brasileiro, identificando programas, rede de ser- viços, formas de controle social, fontes de financiamento, legislação, problemas e alternativas de equa- cionamento. Nessa perspectiva, todo o conteúdo está disposto de modo a estimular o debate sobre e com os autores, além de apresentar o processo histórico e teórico relacionado às políticas públicas. Dessa forma, analisaremos a política social ao longo da história e os seus desdobramentos na previdência, na saúde e na assistência social até a contemporaneidade. Desejamos que você tenha muito sucesso na aquisição desses conhecimentos! Não deixe de fazer as leituras, assim como as recomendações de acesso a sites e filmes relacionados. Bons estudos! Profa. Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 7 A POLÍTICA1 Caro(a) aluno(a), Para iniciarmos a nossa discussão1, precisa- mos compreender o significado do que vem a ser política. Para tanto, apoiamo-nos nos autores Ma- chado e Kyosen (1998), que denominam a políti- ca como uma forma de bem governar um povo, constituindo-se em Estado. Segundo os autores, quando falamos em um Estado Democrático, é preciso pensar que essa governabilidade é realizada pelo poder pú- blico, que, a exemplo do caso brasileiro, é efetiva- do pelos representantes do povo que podem ser conduzidos ao poder de modo direto ou indireto. Então, qual seria o objetivo da política? O seu principal objetivo seria a criação de princípios indispensáveis à existência de um go- verno o mais perfeito possível, no desejo de con- duzir o Estado para o cumprimento de suas fina- lidades, com vistas ao proveito dos governados. E, desse modo, como se processa a política? A política é composta por um corpo de doutrinas, que são indispensáveis para o bom governo de um povo, e são estabelecidas por in- termédio de normas jurídicas necessárias para o funcionamento das instituições administrativas do Estado. Dessa forma, a política e a política social re- presentam o poder político com vistas ao bem- -estar da população. No entanto, esses conceitos não podem ser analisados descolados de sua historicidade e do seu conteúdo de classe social. Precisamos perceber que o que determina as doutrinas, as normas jurídicas e o funcionamento das instituições administrativas do Estado possui uma concepção da relação indivíduo-sociedade que está fundamentada em uma perspectiva positivista, de uma ordem natural, na qual a exis- tência das diferenças e das desigualdades sociais apresenta-se como fenômeno inerente à nature- za humana. Daí que teríamos pessoas mais capa- zes de definir o “bem comum”, e outras que, por suas incapacidades naturais, devem se submeter ao saber dominante. Entretanto, o que temos é uma sociedade capitalista, que não corresponde a uma ordem natural de produção da vida social – já tivemos a forma escravista, ou a forma feudal, como temos, ainda que seja a causa de profundos debates aca- dêmicos e políticos, a forma socialista. No modo capitalista de produção da vida social, a classe capitalista detém os poderes políti- co e econômico, determinando, assim, toda a vida 1 O texto deste capítulo foi fundamentado na obra de Machado e Kyosen (2000). AtençãoAtenção Quando o Estado desenvolve ações para o aten- dimento às necessidades sociais básicas da po- pulação, por intermédio de garantias de assistên- cia social, saúde, educação, justiça, entre outros, podemos perceber a implementação e a efetiva- ção da política social. Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 8 social. Há que se considerar que, numa sociedade capitalista democrática, alguns aspectos da vida social são decididos coletivamente, fundamental- mente aquelas decisões que não impliquem em mudanças substanciais no modo de produção. Um modo de produção que se funda na desigual- dade e na exploração da força de trabalho. Um modo de produção em que a política é a política definida pelas classes dominantes e que respon- de aos interesses desta. A política social não foge a esta regra. Após essa breve introdução, sobre os aspec- tos relacionados à política e a política social, abor- daremos, no próximo capítulo, a política social com maior ênfase. Assista aos filmes: Jango. Brasil. 1984. Direção: Silvio Tendler. Du- ração: 107 min. Documentário sobre a carreira e a vida de João Belchior Marques Goulart - João Goulart, também conhecido como Jango (1919- 1976), que acompanha a sua história desde a sua eleição para deputado estadual, em 1947, até seu sepultamento, em 1976. Tempos Modernos. Estados Unidos. 1936. Dire- ção: Charles Chaplin. Duração: 67 min. Obra-prima do cinema mudo, ambientada du- rante a Depressão de 1929. Chaplin, através de seu personagem Carlitos, procura denunciar o caráter desumano do trabalho industrial meca- nizado, da tecnologia e da marginalização de setores da sociedade. MultimídiaMultimídia 1.1 Resumo do Capítulo 1.2 Atividades Propostas Neste capítulo, você pôde aprender que a política é a arte de bem governar um povo e tem como objetivos a criação de princípios indispensáveis à existência de um governo o mais perfeito possível no desejo de conduzir o Estado, para o cumprimento de suas finalidades, com vistas ao proveito dos go- vernados. Dessa forma, a política é composta por um corpo de doutrinas, que são indispensáveis para o bom governo de um povo, e são estabelecidas por intermédio de normas jurídicas necessárias para o funcionamento das instituições administrativas do Estado. Vamos ver se você aprendeu o que foi trabalhado neste capítulo? Então, responda às atividades propostas. Se não encontrar dificuldades, certamente compreendeu, e, caso encontre alguma, procure reler o texto e conte com o nosso sistema de suporte ao aluno. 1. Conceitue o que é política. 2. Como é desenvolvida a política em um Estado Democrático? Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 9 A POLÍTICA SOCIAL2 Caro(a) aluno(a), Neste capítulo, discutiremos a política so- cial embasados na compreensão de que esta se refere à política, no entanto possui características próprias das formações econômico-sociais capi- talistas contemporâneas, de ação e controle so- bre as necessidades básicas das pessoas, que não são satisfeitas pelo modo capitalista de produção. E o que é a política social? Segundo os autores Machado e Kyosen (2000), a política social é uma política de media- ção entre as necessidades de valorização e acu- mulação do capital e as necessidades de manu- tenção da força de trabalho disponível para o mesmo. Nestaperspectiva, a política social é uma gestão estatal da força de trabalho e do preço da força de trabalho. Ressaltamos que entendemos por força de trabalho todos os indivíduos que só têm a sua força de trabalho para vender e garantir a sua subsistência, independentemente de esta- rem inseridos no mercado formal de trabalho. Como o capital e o trabalho se constituem nas duas categorias fundamentais do modo ca- pitalista de produção, a política social transita entre ambos. Ou seja, ainda que, prioritariamen- te, respondendo às necessidades do capital, esta resposta deve produzir algum grau de satisfação às necessidades do trabalho. Portanto, há uma problematização na política social, dado que ela se insere no âmbito da tentativa de buscar certo grau de compatibilidade entre o capital e o tra- balho. Inicialmente, os beneficiários diretos da po- lítica social em prática no Brasil seriam os traba- lhadores assalariados. Porém, o Estado, ao garan- tir à camada necessitada alguns direitos sociais que ele mesmo impôs (através das normas jurí- dicas), exige que, para tanto, seja efetuada uma contraprestação por parte dos trabalhadores. Esclarecendo: a política social, de qualquer for- ma que seja manifestada, é garantida e efetivada apenas com o custeio dos próprios beneficiários, ou seja, dos trabalhadores assalariados. Tal cus- teio é imposto ao trabalhador ante a justificativa de ser ele o mantenedor de todo um conjunto de “benefícios concedidos” pelo Estado em prol da classe trabalhadora. Vislumbramos alguns exem- plos: ao garantir a previdência (desconto do INSS sobre os vencimentos) e o direito a um serviço de saúde mais eficiente (quando havia a cobrança da CPMF sobre a movimentação bancária). No entanto, quando o poder público man- tém uma política social como a que se encontra vigente, contrariamente ao que aparenta, a sua intenção não é a de propiciar uma vida digna à força de trabalho, mas, na realidade, está o Estado incluindo um plus na remuneração do emprega- do, porém não em espécie. Com isso, observam- -se ações governamentais que garantem um mínimo de subsistência ao empregado, o que, consequentemente, reflete no preço da força de trabalho que a ele é pago pelo empregador. Igualmente, com a política social implanta- da pelo Estado e garantida ao trabalhador, torna- -se possível a perpetuação deste último, despen- dendo-se um mínimo em dinheiro pela classe empregadora, possibilitando-se, de efeito, um aumento em sua margem de lucro. Todo o recurso que é apropriado pelo Es- tado, quando este visa garantir o bom funciona- mento da política social, por ser gerenciado pelo próprio poder público, não se torna necessária e obrigatória a utilização do montante arrecadado em sua totalidade, visto que, para dar ensejo às Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 10 garantias asseguradas ao trabalhador assalariado, objetiva-se um serviço, ao menos, satisfatório. Ocorre que a preocupação primordial do Estado (leia-se: os detentores e gerenciadores do capital, ora auxiliados pelo Governo) é assegurar a perpetuação da força física trabalhadora e, para isso, é desnecessário priorizar a destinação dos re- cursos financeiros arrecadados em benefício dos empregados. Com tal política (lato sensu) adotada, torna- -se ideal o investimento do capital recolhido em benefício da classe empregadora, perpetuando- -se, portanto, essa apropriação pecuniária, diga- -se de passagem, quase que imperceptível aos menos instruídos, em que figura como parte pre- judicada a grande massa de trabalhadores. Objetiva, a política social posta (iniciada na ditadura militar de 1964), transferir parte do pre- ço da força de trabalho que é devido ao empre- gado para outros fins, visando, principalmente, ao investimento no capital privado lucrativo. Vide exemplos como o rombo de mais de R$ 40 bi- lhões na previdência social, em que o Estado (em especial os governos militares), ao seu bel prazer, utilizou-se dos recursos disponíveis desvairada- mente, tendo como beneficiário prioritário a ini- ciativa privada, obedecendo, claro, aos interesses estatais (que não incluem, necessariamente, os interesses sociais dos trabalhadores). O raciocínio aqui exposto é facilmente com- provado tomando como exemplos outros casos de malversação dos recursos públicos, visando a interesses do capital privado (vide o PROER e os investimentos para grandes grupos estrangeiros efetuados pelo BNDES). Isso posto, denota-se uma verdadeira con- tradição entre os relevantes fins objetivados pela real política social, em oposição àqueles alcança- dos pela vigente política maniqueísta implemen- tada e, eficazmente, utilizada pelo Estado, ma- quiada sob o rótulo de “social”. Não menos vislumbrante é o vergonhoso fato, a priori carregado de obviedade (consideran- do-se as explanações acima), de que o controle le- gal do preço da força de trabalho e a perpetuação da subordinação do trabalhador (ambos os casos mantidos pela política social atual) são custeados, sob o aspecto econômico, por toda a sociedade, sendo tal injusta situação quase que imperceptí- vel por grande parte da população, incluindo-se aí não somente os leigos por má formação nos bancos escolares, mas também os ditos críticos e formadores de opinião, dantes privilegiados pelo grau de instrução de que são detentores, que até o presente não despertaram e visualizaram o ob- jeto do estudo aqui apresentado, visto a notável evidência política manipuladora, institucional e legalmente imposta por este Estado. A política e a política social, portanto, apre- sentam claro e inequívoco conteúdo de classe social e respondem, em última instância, aos in- teresses das classes dominantes. Isto não signifi- ca que se deva, neste momento histórico, negar uma ou outra – ou ambas. O que é fundamental é o fortalecimento daqueles que se encontram fora dos processos decisórios que se dão, em última instância, no âmbito político. Os espaços políticos já existentes – sindicatos, associações, conselhos – e a busca incessante de criação de novos espa- AtençãoAtenção Não se exige um gerenciamento eficaz dos recur- sos arrecadados perante a classe de empregados, mas sim uma reciprocidade por parte do Estado via serviços e garantias (não necessariamente exemplares) de cunho social a fim de que esteja garantida, como foi dito anteriormente, a manu- tenção da força física do trabalhador por prazo de tempo razoável, em um Estado que satisfaça as exigências de um regime de produção capitalis- ta, ora em uma economia neoliberal. Saiba maisSaiba mais BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social funda- mentos e história – biblioteca básica serviço social 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008. 2 v. Política Social e Seguridade Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 11 ços de participação podem-se constituir em um caminho possível de fortalecimento dos indiví- duos para que se reconheçam sujeitos coletivos e imponham mudanças importantes em ambas as políticas, mudanças estas que venham a favore- cer a maioria da população. 2.1 A Política Social e o Serviço Social A conexão entre Política Social e Serviço Social no Brasil surge com o incremento da inter- venção estatal pela via de processos de moderni- zação conservadora no Brasil (BEHRING, 1993) a partir dos anos 1930. Essa expansão do papel do Estado, em sintonia com as tendências mundiais após a grande crise capitalista de 1929, mas mediada pela particularidade his- tórica brasileira, envolveu também a área social e foi acompanhada pela pro- fissionalização do Serviço Social, como especialização do trabalho coletivo. Há, portanto, um vínculo estrutural entre a constituição das políticas sociais e o sur- gimento dessa profissãona divisão social e técnica do trabalho, como afirmam Ia- mamoto e Carvalho em seu texto funda- mental de 1982. (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 13). Fonte: bocaderua.com.br Dessa forma, é de fundamental importância o estudo das políticas sociais para a formação do profissional do Serviço Social, porém, consideran- do que você já estudou a contextualização desse tema na Disciplina de Política Social, nesta iremos fazer uma breve análise dele e passaremos a tra- balhar na perspectiva pragmática, a partir das le- gislações vigentes e do tripé da seguridade social. Assista aos filmes: O apito da panela de pressão. Brasil. 1981. Di- reção: Sergio Tufik. Documentário. Cidade de Deus. Brasil. 2002. Direção: Fernando Meirelles. Duração: 130 min. Central do Brasil. Brasil. 1998. Direção: Walter Salles. Duração: 112 min. MultimídiaMultimídia Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 12 2.3 Atividades Propostas Caro(a) aluno(a), Neste capítulo, você pôde ver que a política social é uma política de mediação entre as necessida- des de valorização e acumulação do capital e as necessidades de manutenção da força de trabalho para ele disponível mesmo. Nesta perspectiva, a política social é uma gestão estatal da força de trabalho e do preço da força de trabalho. Ressaltamos que entendemos por força de trabalho todos os indivíduos que só têm a sua força de trabalho para vender e garantir a sua subsistência, independentemente de estarem inseridos no mercado formal de trabalho. 2.2 Resumo do Capítulo Caro(a) aluno(a), Este capítulo apresentou a você as principais funções das políticas sociais e a relação destas com o Serviço Social. Dessa forma, vamos ver o que você aprendeu? Então, procure responder às perguntas: 1. Quem seria o principal financiador e, ao mesmo tempo, beneficiário das políticas sociais? 2. Quais são as políticas sociais que você conhece? Procure discutir essa questão com os colegas e com o tutor. Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 13 A SEGURIDADE SOCIAL3 Caro(a) aluno(a), Nos capítulos anteriores, discutimos a im- portância da política e da política social, correla- cionando-as com a emergência do Serviço Social. Neste, trabalharemos o que vem a ser a seguri- dade social e qual a sua importância no cenário nacional. Desse modo, iniciaremos com a concei- tuação de seguridade social. O conceito de seguridade social2 foi insti- tuído pela Constituição de 1988 em garantia do direito à saúde, à previdência e à assistência social, sendo considerado fundamental à esta- bilidade da sociedade democrática. Distingue-se do conceito de seguro social, sinônimo de previ- dência social no Brasil. Os deveres do Estado sobre matéria secu- ritária apareceram pela primeira vez no quadro institucional brasileiro no inciso 31 do art. 179 da Constituição de 1824, sob o conceito de socorros públicos. Institucionalizava o assistencialismo do Estado Imperial, então concebido como caridade. A Constituição de 1891 manteve-o como insti- tuição, porém com uma execução deslocada do âmbito privado para o da administração pública. Com a Constituição de 1934, esse conceito adquiriu natureza previdenciária, sob a forma de seguro social, no âmbito das políticas trabalhistas do getulismo, como direito dos trabalhadores, em reciprocidade a uma contribuição mensal destes, assim como dos empresários e do próprio Estado. Essa forma permaneceu no essencial nas Consti- tuições seguintes e foi aperfeiçoada pela Consti- tuição em vigor: No final dos anos 1970, começo dos 1980, a democratização chega com a Anistia, com o fim do AI 5 e de outros atos. Mas só em 1986 tivemos a convocação de uma Assembléia Constituinte. Infelizmente, não foi uma Constituinte específica, como muitos de nós queríamos. Elegemos um Congresso com poderes constituintes. Entretanto, o processo que se inaugura desde a eleição desses parlamentares, em 1986, e que se desenvolve nos traba- lhos da Constituinte, entre 1987 até 5 de outubro de 1988, foi muito importante na história política, social e cultural do Brasil, com muitas manifestações, partici- pação da sociedade em todos os níveis, empresários, trabalhadores, mulheres, jo- vens, minorias. A Constituição gerada nesse processo foi batizada por Ulisses Guimarães de ‘Constituição Cidadã’, uma Carta que de fato expressa conquistas avançadas. Ela incorpora uma concepção de um Estado que seja a busca de uma síntese superior de integração e transcendência entre as conquistas do estado liberal, os direitos e garantias individuais, a afirmação da dignidade da pessoa humana, o compro- misso com as liberdades públicas, demo- cráticas. Ao mesmo tempo incorpora as grandes conquistas do Estado do bem estar, no que se refere aos direitos dos trabalhadores, dos pobres, das minorias, dos mais fragilizados, apontando tam- bém para vigorosas políticas de inclusão, de justiça social, como nós estamos, hoje, implementando no Brasil. Com base na Constituição se desdobraram sistemas normativos importantes como o SUS, o SUAS, o Sisan, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Orgânica da Assistên- 2 O texto deste capítulo foi fundamentado, em grande parte, na obra de Simões (2009). Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 14 cia Social, a lei que instituiu o Programa Bolsa Família, o Estatuto do Idoso. (ANA- NIAS, 2008). A Constituição de 1988, no título sobre a Ordem Social, instituiu o conceito de seguridade social por meio de ações de saúde, previdência e assistência social, ou seja, o tripé da seguridade social. O conceito de seguro social manteve-se restrito à previdência social. Expressa a relevância que a Constituição atribui a estes três direitos sociais em conexão com os descritos no art. 6º, sob a determinação de sua concepção universal e, por isso, não mais reduzido às relações de trabalho em sua forma clássica. Em primeiro lugar, como resultado da con- cepção democrática de participação direta dos representantes da sociedade civil, no governo ou não, então por representação eletiva. Em segun- do, em decorrência da instituição política da as- sistência social como dever do Estado e direito do cidadão em prol do interesse social, com políticas intervencionistas, sob o fundamento que gera distorções e exclui amplos setores populacionais, sendo relativamente incapaz de integrar todos, desde a infância, para lhes garantir oportunida- des de vida digna. A concepção do ideário liberal da represen- tação dos interesses da sociedade tornou-se inca- paz de assegurar as demandas sociais de amplas camadas da população desorganizada, no âmbito da globalização da economia (BELTRAN, 2004). Tal população, entretanto, manifesta seu inconfor- mismo por meio de conflitos sociais crescentes. A Constituição de 1988 viabilizou a efetivação das políticas públicas que, embora não propiciem, de imediato, a extirpação dessas mazelas sociais, pode contribuir para a sua redução. O papel do Estado torna-se, então, fundamental, confundin- do-se com o objetivo da vida social, que deve ser uma sociedade justa, na qual todos os cidadãos possam viver com dignidade, apesar de suas dife- renças sociais. A seguridade social constitui, assim, uma instituição político-estatal com a participação das entidades da sociedade civil por meio de convê- nios ou consórcios administrativos com o Poder Público, com o objetivo da ação social que, na saúde, na previdência e na assistência social, as- segure à população os denominados mínimos sociais. A seguridade social é uma obrigação cons- titucional do Estado brasileiro, o que não significa que outros órgãos (filantrópicos ou com finalida- de de lucro/iniciativa privada) tambémnão pos- sam atuar nas áreas previdenciárias (previdência privada, por exemplo), de saúde pública (planos particulares) e assistência social (entidades reli- giosas e ONGs). Na saúde, a ação de prevenção, proteção e recuperação; na previdência social, a perda ou re- dução da renda; na assistência social, a seleção, a prevenção e a eliminação de riscos e vulnerabili- dades sociais (CORREIA; BACHA, 1998). A compreensão da natureza da segurida- de social e da instituição dos direitos sociais, no contexto da Constituição de 1988, assenta, desde logo, no princípio fundamental, instituído em seu pórtico (inciso III do art. 3º): “Art. 3º. Constituem objetivos fundamen- tais da República Federativa do Brasil: [...] III – er- radicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; [...]” AtençãoAtenção Então, qual seria a finalidade da Seguridade Social? A seguridade social tem por finalidade a ga- rantia de certos patamares mínimos de vida da população, em razão das reduções provocadas por contingências sociais e econômicas. Política Social e Seguridade Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 15 Neste tópico, abordaremos os princípios da seguridade social e discorreremos sobre a oferta dos benefícios e serviços prestados. Para melhor compreensão, nos apoiamos no art. 194 da Constituição Federal de 1988: Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de ini- ciativa dos poderes públicos e da socie- dade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assis- tência social. Parágrafo único. Compete ao poder pú- blico, nos termos da lei, organizar a se- guridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do aten- dimento; II - uniformidade e equivalência dos be- nefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefí- cios; V - equidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamen- to; VII - caráter democrático e descentraliza- do da gestão administrativa, com a parti- cipação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposenta- dos. (CF/1988, art. 94, alterado pela Emenda Constitucional nº 20 de 1998). No Brasil colonial e imperial, o trabalho (de tripalium, um instrumento de tortura) era um de- ver apenas das classes subalternas, não das elites. Trabalhar era um sacrifício, uma atividade própria de servos, escravos, artesãos e trabalhadores li- vres, mas indigna para um homem de classe. Este era o que tinha fazendas ou recebia uma renda ou pensão do rei (cortesão), que lhe permitia viver sem trabalho. Um homem de elite ou fidalgo era o que não precisava trabalhar para sustentar sua família e seus agregados. O direito de voto, com a Constituição de 1824, estava condicionado a uma renda anual líquida de 100 mil Reis (art. 92, inci- so V). Hoje, o trabalho é a base da ordem social, constituindo um valor fundamental não somen- te como direito, mas, sobretudo, como dever de todos por ser o meio legítimo de apropriação da riqueza socialmente produzida. Trabalhar é negar o ócio (negócio). No campo da seguridade, discriminam-se as necessidades sociais, que devem ser prioriza- das na ação do Estado, seja coletivamente, por meio de medidas dirigidas à comunidade (pre- venção sanitária, planos habitacionais, seguro AtençãoAtenção A seguridade como viga mestra da ordem social é institucionalizada tendo por base o primado do trabalho como direito e dever de todos. Pela primeira vez na história constitucional brasileira, o trabalho, até então referido apenas como um direito em face do capital, foi instituído como um valor ético-constitucional, e não somente como um direito, mas igualmente como um dever de todos os cidadãos, posto que as condições de vida decorram sempre da divisão social do tra- balho e, portanto, da dependência e da recipro- cidade mútuas na produção dos bens e serviços. O primado do trabalho como base da ordem so- cial significa que, não somente os que dependem dele para sobreviver, mas todos os cidadãos têm tal obrigação, ricos ou pobres, porque a renda que auferem é sempre produto do trabalho social. 3.1 Os Princípios e as Prestações da Seguridade Social Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 16 social, educação, comunicação e outras), seja in- dividualmente, por meio de prestações sociais. A seguridade deve promover esses objetivos (BALE- RA, 1989) por meio de prestações que se subdivi- dem em benefícios e serviços. Os serviços são atividades consistentes na disponibilidade do uso de equipamentos e de recursos humanos, organizados para desenvol- ver ações específicas a segmentos da população (saúde, atendimento a famílias, transporte, edu- cação, profissionalização e outros), em vista dos referidos objetivos. Aqueles que usufruem dos serviços são denominados usuários ou utentes. Segundo Simões (2009), a natureza pública das prestações securitárias, por isso, exclui outras de- nominações, como clientes, clientela e pacientes, atribuídas a seus destinatários. A saúde se constitui basicamente de servi- ços; a previdência, de benefícios; e a assistência, de ambos. A saúde se expressa de modo absoluto, por se constituir em um direito de toda a população, inclusive dos estrangeiros no território nacional, sem exigência de contribuição ou outro requisito. A previdência é relativa, porque, embora não seja adstrita aos assalariados, os profissionais de determinado ramo econômico, como ocorre em alguns países, é contributiva, sendo obriga- tória para todos os que recebem remuneração a qualquer título, como empregados, sócios em- presariais com pro labore, autônomos, domésti- cos, servidores públicos; mas abrange, ainda, os segurados facultativos, como estudantes, donas de casa e contribuintes em dobro. A assistência social não é universal, embo- ra não contributiva, porque restrita à população em situação de vulnerabilidade social, carente e/ ou pobre, em certas condições de risco pessoal ou social. “O art. 194 da Constituição traça os princí- pios institucionais por ela conceituados como objetivos da seguridade social, que devem ser atingidos por suas ações, condicionados, entre- tanto, aos requisitos específicos de cada uma das três instituições.” (BALERA, 2003, p. 207). São eles: Universalidade de Cobertura e Aten- dimento: a seguridade refere-se ao conjunto da sociedade, sem discrimina- ções de qualquer tipo. A universalidade rege hierarquicamente os demais prin- cípios ao garantir a todas as pessoas, em tese, os mínimos sociais, conside- rada a situação social prevista. Assenta, por isso, na consideração dos cidadãos do ponto de vista da igualdade formal, mas pondera suas diferenças sociais por meio do princípio da seletividade; Uniformidade e Equivalência das Prestações: os benefícios e serviços devem ser idênticos para toda a popu- lação, sem distinção entre a urbana ou a rural, independentemente de residên- cia, local de trabalho, profissão ou fun- ção ou do valor e do tipo de prestação; Seletividade e Distributividade: o princípio da seletividade e da distribu- tividade é o mais complexo da seguri- dade, porque contrapõe a ponderação das desigualdades reais (equidade) ao princípio da igualdade formal (univer- salidade). É um instrumento essencial de redistribuição de renda, com desdo- bramentos do princípio de equidade, segundo o qual os desiguais devem ser tratados desigualmente, exigindo da lei ordinária a discriminação das situações AtençãoAtenção Então, quais seriam os benefíciosda Seguridade Social? Os benefícios são pagamentos pecuniários de- correntes de programas, como o BPC, auxílios, pensões e aposentadorias, ou em valores in natu- ra, como cestas básicas e remédios, por exemplo. Caracterizam-se, em resumo, por pagamentos de valores nessas formas. Aqueles que os recebem são, por isso, denominados beneficiários. Política Social e Seguridade Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 17 de desigualdade social para a outorga de benefícios e serviços, mediante a comprovação da necessidade. Implica na escolha, pelo legislador, das hipóte- ses específicas de incidência das polí- ticas públicas. Por isso, estas, na lógica constitucional, tendem a ser seletivas, promovendo grupos sociais delimita- dos por certos requisitos (por exemplo, agricultura familiar), muitas vezes des- prezando outros (por exemplo, mora- dores em situação de rua). Segundo Santos (2004, p. 102): [...] devemos considerar, para apreender bem esse princípio, que a proteção da se- guridade social não é absoluta, em face das limitações orçamentárias. Mas, mes- mo que inexistissem essas limitações, outra decorre desse princípio, segundo a qual a condição social do beneficiário ou usuário deve evidenciar que ele não pode assegurar a sua sobrevivência, por seu próprio esforço. Decorre daí que a proteção social deve ser racionalmente selecionada e distribuída. Selecionam-se as necessidades a serem satisfeitas, prio- rizando tais e tais contingências sociais. A seletividade visa a garantir os míni- mos sociais prioritários; a distributivi- dade visa a reduzir as desigualdades sociais e regionais. A seletividade obedece, assim, a três cri- térios: o da justiça distributiva, visando a garanti-la a cada indivíduo segundo suas necessidades básicas, escolhendo as mais urgentes; o das contingências, que geram essas necessidades; e o da qualificação dos usuários e beneficiá- rios, sujeitos dessa distribuição. A distributividade relaciona-se com a equidade do custeio e da solidariedade, segundo a qual quem tem menor po- der aquisitivo contribui menos e aufere mais; ou quem é carente nada contri- bui, mas aufere determinadas presta- ções, com exclusividade; A Irredutibilidade do Valor dos Bene- fícios: o valor pecuniário dos benefícios não pode ser diminuído; Equidade de Participação no Custeio: todos os indivíduos são responsáveis pelo custeio da seguridade social, po- rém de forma proporcional à sua renda. O conceito de equidade, como se vê, não se confunde com a igualdade for- mal pela ótica da titularidade dos direi- tos. Embora todos tenham os mesmos direitos, nas mesmas condições, uns devem contribuir mais que outros, na proporção de suas rendas; Diversidade da Base de Financia- mento: o custeio por meio das contri- buições sociais não se deve assentar em um único contribuinte, mas em três categorias básicas: de um lado, todos os que, sob qualquer regime, recebem re- muneração por seu trabalho; de outro, as empresas ou pessoas físicas, que pa- gam a referida remuneração; e, no vérti- ce, a União federal, seguida dos Estados e dos Municípios, por meio de dotações orçamentárias aos respectivos fundos; Participação da Comunidade na Ges- tão Administrativa: finalmente, o ob- jetivo mais importante, de forte con- teúdo político, é o instituído no art. 10 e no inciso VII, parágrafo único do art. 194 da Constituição Federal, segundo o qual é assegurada a participação da comunidade em colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses sejam objeto de deliberação. A finalidade é a garantia da adequação das opções da comunidade à elaboração técnica e sua eficácia, assim como o controle e a fisca- lização orçamentária. A participação da comunidade na gestão administrativa dá-se por meio dos conselhos, integra- dos por representantes da comunidade e do Poder Público. A descentralização administrativa pro- picia a participação direta dos repre- Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 18 sentantes dos setores interessados da população, especialmente em nível municipal, mais sensível aos problemas da comunidade. Nesse ponto, a Consti- tuição inovou, distribuindo competên- cias entre a União, os Estados, o Distrito AtençãoAtenção O que vem a ser a participação popular? A participação popular é o meio de controle so- cial exercido pela sociedade civil para a garantia dos direitos sociais, superando os mecanismos tradicionais de controle técnico-burocrático. Os espaços democráticos de deliberação e fiscali- zação da eficácia das políticas públicas, aliados a uma representação forte dos interesses gerais da sociedade, constituem a lógica e as conferências (inciso VII do art. 18 da LOAS), formando, assim, fóruns privilegiados em que se efetiva essa par- ticipação. Federal e os Municípios. Propicia mais participação da população, aumentan- do o controle social dos governos como meio de assegurar o caráter democrá- tico das decisões e das políticas sociais públicas. Participação Popular O art. 194 da Constituição Federal instituiu a seguridade social como um conjunto integrado de ações de iniciativa estatal e da sociedade civil destinadas a assegurar os direitos relativos à saú- de, à previdência e à assistência social. A Constituição determina que a assistência social deva ser administrada de forma descentra- lizada, segundo os limites da legislação federal (inciso I do art. 204). Mas o conceito de descentra- lização não consiste na repartição equitativa de poderes pela União, por Estados, Distrito Federal e Municípios, porque é hierarquizada segundo as competências e atribuições privativas dos entes federativos. Assim, por exemplo, ao CNAS (Conse- lho Nacional de Assistência Social) compete a ela- boração da política nacional de assistência social, condição da unidade do sistema. Aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal compete uma re- lativa autonomia, traçando as respectivas políti- cas, entretanto subordinadas à normatização fe- deral. À União compete atribuir verbas regionais, o que não significa, entretanto, sua dispersão, se- gundo interesses locais. Daí a importância do controle popular por meio dos conselhos, um mecanismo relativamen- te eficiente de controle das verbas sociais. Insti- tuído pelo parágrafo 1 do art. 1º da Constituição Federal, foi reiterado pelo art. 48 da LRF, que asse- gurou a transparência da gestão fiscal mediante incentivo à participação popular pelos arts. 2º e 4º do Estatuto das Cidades (LC nº 10257/2001) ao instituir a gestão orçamentária participativa. Den- tre os conselhos, criou-se o Conselho Municipal do Orçamento Participativo (COP). A participação popular é também uma das condições essenciais da descentralização, estan- do predeterminada pela repartição, instituída pela LOAS, das competências federal, estadual e municipal. 3.2 Os Conselhos - Gestão Administrativa Descentralizada Política Social e Seguridade Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 19 Os Conselhos Têm como premissas orgânicas: a parida- de do número de representantes dos usuários, prestadores de serviços e profissionais da área, em face dos representantes dos segmentos do governo; a plena igualdade no exercício dos car- gos; a inexistência de limites constitucionais ao número de conselheiros, apenas condicionados aos limites materiais e físicos, a fim de evitar a dispersão e a disfuncionalidade operacional. Esse limite é o que for determinado pela respectiva lei instituidora. AtençãoAtenção Os conselhos são órgãos de deliberação colegia- da de caráter permanente, de composição paritá- ria entre governo e sociedade civil, vinculados à estrutura dos órgãos das administrações públicas municipal, estadualou federal, responsáveis pela coordenação da política do respectivo Poder Executivo (conselhos federais, estaduais e muni- cipais) e com funcionamento orgânico regulado por regimento interno. 3.3 Recapitulando e Contextualizando a Seguridade Social na Atualidade O Ministério da Previdência e Assistência Social foi criado em 1974, incorporando a LBA (Legião Brasileira de Assistência), a Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor (Funabem, criada em 1965) – que veio a substituir o antigo SAM, extinto em 1964, sem necessariamente alterar seu caráter punitivo, mantido no Código de Menores de 1979 –, a Central de Medi- camentos (CEME) e a Empresa de Proces- samento de Dados da Previdência Social (Dataprev). Esse complexo se transfor- mou com uma ampla reforma administra- tiva, no Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (SINPAS), em 1977, que compreendia o INPS, o Instituto Na- cional de Assistência Médica (Inamps) e o Instituto Nacional da Administração da Previdência Social (IAPAS), além daquelas instituições referidas acima. Nessa asso- ciação entre previdência e assistência à saúde, impôs-se uma forte medicalização da saúde, com ênfase no atendimento curativo, individual e especializado, em detrimento da saúde pública, em estrita relação com o incentivo à indústria de medicamentos e equipamentos médico- -hospitalares, orientados pela lucrativida- de. (BRAVO, 2000, p. 137). Além dessa intensa institucionalização da previdência, da saúde e, em muito menor impor- tância, da assistência social, que era basicamente implementada pela rede conveniada e de servi- ços prestados pela LBA, a ditadura impulsionou uma política nacional de habitação com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH). Aqui, tratava-se de uma estratégia tipi- camente keynesiana de impulsionar a economia por meio de incremento da construção civil na construção de mora- dias populares. Esse foi um período de forte crescimento das empreiteiras, num contexto de nenhuma transparência e controle dos gastos públicos, dada à opa- cidade do Estado ditatorial. (CIGNOLLI, 1985, p. 40). Combinava-se a essa política a criação de fundos de indenização aos trabalhadores que constituiriam mecanismos de poupança força- da para o financiamento da política habitacional (FGTS, PIS, Pasep), dentre outras. Contudo, no mesmo passo em que se impulsionavam políticas públicas mesmo restritas quanto ao acesso, como estratégia de busca de legitimidade, a ditadura militar abria espaços para a saúde, a previdência e a educação privadas, configurando um siste- ma dual de acesso às políticas sociais: para quem Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 20 pode e para quem não pode pagar. Essa é uma das principais heranças do regime militar para a política social e que nos aproxima mais do siste- ma norte-americano de proteção social que do Welfare State europeu. “Outra herança é a de que, mesmo com uma ampliação dos acessos públicos e privados, milhões de pessoas permaneciam fora do complexo assistencial-industrial-tecnocrático- -militar.” (FALEIROS, 2000, p. 25). Segundo Tavares e Fiori (1993), as políticas de estabilização no Brasil dos anos 1980 – ortodo- xas ou heterodoxas – tiveram fôlego fraco e, por- tanto, pouca capacidade de reverter a crise de- sencadeada no início da década. Ao longo desses anos, a média de inflação foi de 200%, acompa- nhada do agravamento da fragilidade financeira do setor público e do comportamento defensivo dos agentes privados. É quase ocioso falar nesse momento do intenso impacto social da crise, que esteve na raiz do movimento político contra a di- tadura. Assim, a década de 1980 terminou com uma situação econômica vizinha à hiperinflação, mesmo tendo o país vivido numa espécie de ajuste fiscal permanente, “seja pelo lado do gasto (1980-84), da receita (1986 e 1990) ou do aumen- to da dívida interna (1987-89 e novamente 1991- 92).” (TAVARES; FIORI, 1993, p. 98). “Portanto, em síntese, de um ponto de vista econômico, tem-se na entrada dos anos 1990, um país derruído pela inflação – a ‘dura pedagogia da inflação’” a que se refere Oliveira (1998, p. 173) e que será o fermento para a possibilidade histórica da hegemonia neoliberal –, paralisado pelo baixo nível de investimentos privado e público, sem so- lução consistente para o problema do endivida- mento e com a questão social gravíssima. Tem-se a mistura explosiva que delineia uma situação de crise profunda. A grande novidade, portanto, era o proces- so de redemocratização, apesar da crise econômi- ca, com seu forte conteúdo reformista, no sentido de desenhar na Constituição políticas orientadas pelos princípios da universalização, da responsa- bilidade pública e da gestão democrática. Consti- tuiu-se nesse período uma Articulação Nacional de Entidades pela Mobilização Popular na Cons- tituinte, reunindo movimentos sociais, persona- lidades e partidos políticos com compromissos democráticos que participaram dos grupos de trabalho. Daí decorre, por exemplo, a introdução do conceito de seguridade social, articulando as políticas de previdência, saúde e assistência so- cial, e dos direitos a ela vinculados, a exemplo da ampliação de cobertura previdenciária aos traba- lhadores rurais, agora no valor de um salário míni- mo, e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos e pessoas com deficiência. Advém também desse processo uma série de inovações democratizantes, tais como: o novo estatuto dos Municípios como entes federativos autônomos, os conselhos paritários de políticas e de direitos e a instituição de um ciclo orçamentário que passa a comportar um orçamento da seguridade social. “Alguns trabalhos mostram o processo de luta e a participação dos sujeitos políticos, profissionais e usuários que foram decisivos para a formatação legal dos direitos sociais no Brasil, pela primeira vez sob inspiração beveridgiana.” (BEHRING; BOS- CHETTI, 2008, p. 144). Boschetti (2006, p. 70) “mostra a difícil ‘tra- vessia do deserto’ da assistência social para se ele- var à condição de política pública de seguridade, Saiba maisSaiba mais Segundo Bravo (2000, p. 43), o processo de im- plantação de uma política de saúde a partir da “Constituição sofreu grande influência do movi- mento de reforma sanitária que já vinha organi- zando-se desde os fins dos anos 1970, como mo- vimento social e como luta institucional, o que se consolida com a VIII Conferência Nacional de Saú- de (1996) com sua proposição do Sistema Único e Descentralizado de Saúde (SUDS) e do conceito de saúde integral, relacionada às condições de vida e trabalho da população.” Política Social e Seguridade Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 21 na perspectiva de superar suas características de território do clientelismo, do aleatório e do im- proviso.” A luta da saúde foi árdua, deparando-se com fortes interesses econômicos do setor priva- do, a exemplo da Federação Brasileira dos Hospi- tais e da indústria farmacêutica, que conseguiram lamentavelmente assegurar sua participação no SUS, com acesso, portanto, aos recursos públicos. Na política previdenciária, além de sua isen- ção numa lógica de seguridade, em especial no que se refere ao financiamento, houve ampliação de direitos, a exemplo da licença-maternidade de 120 dias, extensiva às trabalhadoras rurais e em- pregadas domésticas; do direito de pensão para maridos e companheiros; e da redução do limite de idade – 60 anos para homens e 55 para mulhe- res – para o acesso à aposentadoria; da indexação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo, dentre outros (CABRAL, 2000). Nesse período também teve destaque a intervenção dos movimentos sociais em defesa dos direitos da criança comoprioridade absoluta e a inimputabilida- de penal abaixo dos 18 anos, o que se desdobrou posteriormente no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que implicou um forte reordenamento ins- titucional voltado para a atenção a esse segmento. (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 145). Apesar dos avanços, foram também inscri- tas no texto constitucional, produto de uma cor- relação de forças desfavoráveis, conforme apon- tamos acima, orientações que deram sustentação ao conservadorismo no campo da política social. Exemplo disso é a contraditória convivência en- tre universalização e seletividade, bem como o suporte legal ao setor privado, em que pese a caracterização do dever do Estado para algumas políticas. Outro exemplo importante foi a derrota das emendas sobre a reforma agrária e a vitória dos ruralistas, grandes proprietários de terras: Sabemos, contudo, que as condições po- líticas e econômicas da década de 1990 em diante, que implicaram um giro con- servador para o neoliberalismo (BRAVO, 2000), dificultaram em muito a imple- mentação real dos princípios orientado- res democráticos e dos direitos a eles cor- respondentes. (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 146). No início da década de 1990, a conjuntu- ra econômico-política passou a ser a de fragilização do papel do Estado, diminui- ção do seu papel redistributivo, privatiza- ção (no caso da saúde, induzida por me- canismos de subsídios estatais diretos ou indiretos às empresas e pela regulação na lógica de mercado) e focalização das polí- ticas para grupos populacionais carentes e excluídos, mas frágeis do ponto de vista de sua capacidade de organização e pres- são sobre o próprio Estado. (ALMEIDA; CHIORO; ZIONI, 2001, p. 39). Esse movimento, contudo, esbarra nos li- mites da democracia formal, na medida em que o processo de socialização da esfera da política não teve equivalente na esfera da economia, isto é, do poder econômico constituído ao longo do regime militar. Ora, esse processo, que possui apenas duas décadas, passa a ser negado a partir de meados dos anos 1990 em favor das prescri- ções neoliberais e de um conjunto de mudanças macroestruturais, momento em que as classes dominantes iniciam a sua ofensiva contra a segu- ridade social universal. Para realizar a sua reforma, as classes dominantes precisaram exercitar não somente por meio da força e da coerção, mas confundindo as bandeiras políticas históricas dos trabalhadores brasileiros. Já o fizeram com a noção de cidadania, instituindo a figura do cidadão-consu- midor; o mesmo acontece com a bana- lização da solidariedade ou, ainda, com formas mistificadas de transformismo nos conteúdos das bandeiras de esquer- da – de quem tem sido exemplar o atual governo – como é o caso da prioridade do social, da solidariedade, das práticas associativas etc. (MOTA, 2009, p. 37). Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 22 Caro(a) aluno(a), O conceito de seguridade social foi instituído pela Constituição de 1988 em garantia do direito à saúde, à previdência e à assistência social, considerado fundamental à estabilidade da sociedade demo- crática. A seguridade social tem por finalidade a garantia de certos patamares mínimos de vida da popu- lação em face das reduções provocadas por contingências sociais e econômicas e tem como objetivos a universalidade de cobertura e atendimento, a uniformidade e a equivalência das prestações, a seletivida- de e distributividade, a irredutibilidade do valor dos benefícios, a equidade de participação e custeio, a diversidade da base de financiamento e a participação da comunidade na gestão administrativa. 3.5 Atividades Propostas Assista aos filmes: Assim Caminha a Humanidade. Estados Uni- dos. 1956. Direção: George Stevens. Duração: 201 min. Memórias do Cárcere. Brasil. 1984. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Duração: 187 min. Europa. Dinamarca. 1991. Direção: Lars Von Trier. Duração: 107 min. Longe do Paraíso. Estados Unidos. 2003. Dire- ção: Todd Haynes. Duração: 107 min. MultimídiaMultimídia 3.4 Resumo do Capítulo Caro(a) aluno(a), Este capítulo apresentou a você a Seguridade Social, que foi instituída a partir da Constituição Fe- deral de 1988, e, para percebermos a sua compreensão acerca dos temas abordados, vamos praticar? Então, procure resolver as seguintes questões: 1. Qual é o tripé da Seguridade Social? 2. O que são os benefícios e serviços na Seguridade Social? 3. Qual é a finalidade da Seguridade Social? Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 23 A SAÚDE4 Neste capítulo, trabalharemos uma das po- líticas que compõem a seguridade social, ou seja, a saúde pública. Para tanto, iniciaremos a partir de um resgate histórico sobre a sua implantação no cenário nacional. Até os anos 1930, a atuação do Estado bra- sileiro, em termos de saúde3, foi voltada princi- palmente para amparar o modelo de desenvol- vimento econômico agroexportador. A presença do Estado brasileiro não significou, porém, uma atuação semelhante ao modelo de Estado Social que intervém na economia e administra as rela- ções capital/trabalho. As suas atividades reguladoras ou de inter- venção pública contemplaram marginalmente a questão social, os direitos sociais, centrando suas atividades em programas que privilegiaram os se- tores hegemônicos da economia, ainda que mui- tas vezes dotadas de racionalidades técnicas. No início do último século, o Brasil era as- solado por epidemias causadas por doenças in- fectocontagiosas, como malária, varíola, febre amarela, peste bubônica, cólera, tuberculose, hanseníase, parasitoses etc. O que se exigia do sis- tema de saúde era uma política de saneamento dos espaços de circulação das mercadorias e a erradicação ou o controle de doenças que po- deriam prejudicar a exportação, pois o modelo agroexportador dominava a economia brasileira baseado na exploração da cana e do café. 4.1 Breve Histórico da Saúde Pública Brasileira Em 1923, as ações de saúde pública foram vinculadas ao Ministério da Justiça, em reforma promovida por Carlos Chagas, incluindo-se como responsabilidade de Estado, além do controle de endemias e epidemias, a fiscalização de alimen- tos, o controle de portos e fronteiras. Em 1930, a saúde pública foi anexa ao Ministério da Educa- ção, através do Departamento Nacional de Saúde Pública. Na década de 1930, surgiram inúmeros sanatórios para o tratamento de doenças, como a tuberculose e a hanseníase, associando-se aos manicômios públicos existentes e caracterizan- do-se a inclusão do modelo hospitalar de assis- tência médica. Foi nesse período que surgiram também os Departamentos Estaduais de Saúde, precursores das futuras Secretarias Estaduais de Saúde, implantando-se progressivamente uma rede de postos e centros de saúde estaduais vol- tados para o controle das doenças endêmicas e epidêmicas. Vale lembrar, porém, que essa expan- são nunca criou uma situação adequada em ter- mos quantitativos e qualitativos. 3 O texto deste capítulo foi fundamentado, em grande parte, na obra de Almeida, Chioro e Zioni (2001). AtençãoAtenção Do final do século XIX até metade da década de 1960, praticou-se, como modelo hegemônico de saúde, o sanitarismo campanhista, que visava ao combate das doenças por meio de estruturas verticalizadas, com a intervenção e a execução de suas atividades nas comunidades e nas cidades. Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 24 Um marco nas ações de saúde pública foi a criação da Fundação SESP, em 1942, que possibi- litou importante interiorização das ações para o Norte e o Nordeste do país, financiadas com re- cursos dos EUA, interessados na extração da bor- racha, num momento crucial (Segunda Guerra Mundial) em que a maláriaestava em descontro- le. Em 1953, finalmente, foi criado o Ministério da Saúde, justificado pelo crescimento das ações de saúde pública. O processo de industrialização provocou, progressivamente, um esvaziamento das ações campanhistas e um importante crescimento da atenção médica através da Previdência Social. Essa dinâmica contribuiu para a conformação de um novo modelo na saúde: o modelo médico- -assistencial privatista. Ao longo das primeiras décadas do século XX, as pessoas que necessitavam de assistência médica eram obrigadas a comprar serviços de profissionais liberais. Aos despossuídos restava principalmente o auxílio das Santas Casas de Mi- sericórdia4, destinadas ao tratamento e ao ampa- ro de indigentes e pobres. Como ficou dito, o incentivo à industriali- zação enfraqueceu o modelo econômico agroex- portador, levando ao aparecimento da assistência médica da Previdência Social, instituição datada de 1923, em virtude da aprovação da Lei Elói Cha- ves. Nessa ocasião, criou-se a primeira Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP), que era destina- da aos ferroviários; a ela seguiram-se outras CAPs formadas por categorias urbanas com maior po- der de mobilização e pressão.5 As CAPs eram organizadas por empresas e administradas e financiadas por empresários (1% da renda) e trabalhadores (3%). Em 1930, exis- tiam 47 CAPs, que davam cobertura para somen- te 142.464 beneficiários. Em 1936, já existiam 183 CAPs, mas a maioria da população permanecia excluída do acesso aos serviços de saúde, restan- do-lhes a desassistência, a compra de serviços privados ou o amparo das instituições de bene- ficência. A partir do Estado Novo de Getulio Vargas, sob a doutrina do seguro com orientação da eco- nomia dos gastos, teve início a implantação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), es- truturados por categorias profissionais e não mais por empresas. O primeiro IAP foi o dos marítimos, criado em 1933, seguindo-se o dos comerciários e bancários (1934), o dos industriários (1936) e o dos servidores do Estado e trabalhadores de transportes e cargas (1938). Além disso, a industrialização acelerada vivida pelo país e a migração da popu- lação do campo para as cidades, prin- cipalmente a partir da década de 1950, fez com que a demanda por assistência médica aumentasse drasticamente. Era preciso atuar sobre o corpo e garantir a capacidade produtiva do trabalhador. Já não bastava sanear o espaço de circula- ção das mercadorias. (ALMEIDA; CHIO- RO; ZIONI, 2001, p. 23). O sanitarismo campanhista já não respon- dia às necessidades de uma econômica industria- lizada, que foi sendo concebida concomitante- mente com a mudança da Previdência Social. Em 1960, foi aprovada a Lei Orgânica da Previdência Social, que garantiu a uniformização dos benefí- cios. Mas as condições concretas para a implanta- 4 A primeira Santa Casa fundada no Brasil foi a de Santos, 1543. Em praticamente todos os povoados foram sendo instaladas entidades filantrópicas. 5 Esse período é caracterizado por várias greves e intensa mobilização dos trabalhadores e pelo movimento sindical, sob forte influência dos imigrantes europeus e dos movimentos socialistas e anarquistas. AtençãoAtenção Durante o segundo governo de Vargas e o de JK, os IAPs tiveram considerável ampliação em sua estrutura, principalmente a hospitalar. A maioria dos hospitais públicos brasileiros foi construída nesse período. Concomitantemente, adotava-se cada vez mais o modelo de saúde americano, incorporando-se indiscriminadamente a tecno- logia numa visão de saúde hospitalocêntrica e, naturalmente, de alto custo, favorecendo o for- talecimento da indústria de medicamentos e de equipamentos hospitalares. Política Social e Seguridade Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 25 ção do novo modelo surgiram com a instauração da ditadura militar em 1964, quando se passou a incrementar o papel regulador do Estado e a ex- pulsar os trabalhadores do controle da Previdên- cia Social. Os IAPs foram concentrados num único órgão, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1967, uniformizando benefícios bas- tante diferenciados entre as corporações. Essas modificações foram possíveis em função do cará- ter autoritário do regime, assim como em função do apoio popular conferido ao regime de exce- ção, graças ao curto, mas intenso período do “mi- lagre econômico”. Não se deve esquecer também a adesão e o apoio de vários atores (tecnoburo- cracia, donos de serviços, indústria médica etc.) aos militares e ao modelo proposto. Ao mesmo tempo em que se ampliava a cobertura, desnudava-se o caráter discriminató- rio da política de saúde, pois eram cada vez mais nítidas as desigualdades quanto ao acesso, à qua- lidade e à quantidade de serviços destinados às populações urbanas e rurais, entre as diferentes clientelas dentro de cada uma delas. Surgiram também diferentes formas de contratação do se- tor privado. A partir de 1974, terminando o período do “milagre econômico”, que garantia base de apoio social ao regime, inicia-se lenta e progressiva- mente a abertura política, questionando-se a po- lítica social do governo e a repercussão dos efei- tos do modelo econômico adotado em relação à saúde. A partir daquele ano, ocorreu a separação da área do trabalho (que, até então, era a respon- sável pela assistência médica do país) da área da previdência, com a criação do Ministério da Previ- dência e Assistência Social (MPAS). A lógica desse sistema que caracterizou a década de 1970 era baseada no Estado (como grande financiador da saúde, através da Previ- dência Social6), no setor privado nacional (presta- dor dos serviços de atenção médica) e no setor privado internacional (produtor de equipamen- tos biomédicos e medicamentos). Mas, nesse pe- ríodo, esse modelo já começava a apresentar gra- ves problemas: crise financeira, fraudes, desvio de verbas, aumento dos gastos com internações, exclusão de parcelas expressivas da população, incapacidade para alterar perfis de morbimorta- lidade, entre outros. A tendência à privatização da assistência médica previdenciária recrudesceu. Em 1970, o INPS contava com apenas 25 hospitais próprios, mas mantinha convênios com 2.634 hospitais pri- vados: Essa situação resultava da política adota- da pelo famoso Plano Nacional de Saúde, que pretendeu descentralizar a assistên- cia médica, transferindo-a da previdên- cia para o Ministério da Saúde. Mas essa medida, que em tese era correta e veio a ser adotada pela Constituição de 1988 com o SUS (Sistema Único de Saúde), estava subordinada ao princípio da pri- vatização, apoiada por financiamentos públicos e prevendo, inclusive, o paga- mento dos serviços médicos pelos tra- balhadores, de acordo com uma escala salarial. A privatização, que era apenas complementar do sistema, tornou-se re- gra. (MELLO, 1977, p. 8). Segundo Bravo (2000, p. 101), “na década de 1950 e início da de 1960, com o aumento dos gastos com a saúde pública, buscava-se melhorar as condições sanitárias da população em geral, com ênfase nos quadros de parasitose e diminui- ção da morbidade e mortalidade infantil.” Nos anos 1970, a política nacional de saúde passou por tensões políticas em face da neces- sidade de ampliação dos serviços, dos recursos financeiros e de sua disponibilização, dos interes- ses empresariais e da emergência do movimento sanitarista. Nessas condições, o Ministério da Saú- de, ainda que de forma limitada, retornou à im- plantação de medidas de saúde pública. 6 É preciso lembrar o papel secundário, tanto do ponto de vista político quanto do ponto de vista dos recursos financeiros destinados ao Ministério da Saúde nesse período, restrito ao ineficiente trabalho de controle de endemias e às ações tradi- cionaisde saúde pública. Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 26 Na década de 1980, com a democratiza- ção e a influência de novos atores sociais, como os profissionais de saúde, por suas entidades, fortaleceram-se as reivindicações pela melhoria da política de saúde e pelo reforço do setor pú- blico e do movimento sanitarista, destacando-se o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), ampliando os debates acerca dos temas da saúde e sua democratização. AtençãoAtenção Na década de 1970, portanto, o país apresentava um modelo hegemônico médico assistencial- -privatista. Mas foi também nesse período que surgiram os alicerces político-ideológicos para o aparecimento do movimento de Reforma Sanitá- ria. Em 1978, surgiu à proposta internacional de priorização da atenção dos cuidados primários em saúde, acordada na Conferência Mundial de Saúde de Alma-Ata, promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em nosso país, essa pro- posta coincidiu com a necessidade de expandir a atenção médica, a partir do modelo de baixo cus- to, para as populações excluídas, especialmente as que viviam nas periferias das cidades e nas zo- nas rurais. Desenvolveu-se, a partir daí, a proposta de atenção primária seletiva, com recursos margi- nais para populações marginais7, com tecnologias baratas e simples, pessoal com baixa qualificação e desarticulada de um sistema hierarquizado e re- solutivo. Já em meados da década de 1970, fora con- cebido o Programa de Interiorização das Ações de Saúde (PIASS), dirigido por técnicos comprome- tidos com a proposta do “movimento sanitário” que começava a surgir. Esses processos contribuí- ram para uma grande extensão da rede ambula- torial pública, que teria ocorrido principalmente no Nordeste. Paralelamente, foram surgindo outros fato- res importantes que permitiram o estabelecimen- to de um movimento portador de nova proposta. Entre esses fatores, destacaram-se: 4.2 O Movimento da Reforma Sanitária O movimento dos trabalhadores da Saúde; O surgimento e o fortalecimento do Mo- vimento Popular de Saúde, fortemente influenciado pelas Comunidades Ecle- siais de Base da Igreja Católica e pela participação de militantes de esquerda da periferia das grandes cidades; A divulgação dos resultados da reforma sanitária realizada em alguns países, com forte influência da experiência ita- liana; O surgimento de um novo movimento sindical, autônomo, entre outros. Reivindicavam-se a universalização do aces- so aos serviços públicos de saúde, considerada di- reito social e dever do Estado, a descentralização da política de decisões para a esfera estadual e municipal, um sistema unificado de saúde, com a finalidade de reordenar o setor e reinterpretar e assegurar as demandas de saúde em nível indivi- dual: 7 Medicina pobre para pobres. Política Social e Seguridade Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 27 Na VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em 1986, foram de- batidos inúmeros temas inovadores, so- bretudo sobre a instituição de um siste- ma único de saúde (inspirado no modelo inglês) e a relação entre a saúde pública e a sociedade, com a participação de enti- dades representativas da sociedade civil. (ESCODA; LIMA, 1992, p. 25). A Constituição de 1988 extinguiu a medici- na previdenciária. Na área da saúde, a Constituição de 1988 representou um avanço considerável, visto que é reconhecida internacionalmente como referência em termos de política de saúde e base jurídico- -constitucional: A Constituição de 1988 declarou o direito à saúde como universal, não condiciona- da à contribuição. É o que diz o art. 196 da Constituição e a Lei n. 8080 de 19/9/1990 (Lei Orgânica da Saúde – LOS, que regula- mentou os arts. 196 e 200 da Constituição Federal, alterada pelas Leis n. 9832/1999, 10424/2002 e 11.108/2005). A Lei 8142 de 28/12/1990 regulou a participação da comunidade na gestão do SUS (Sistema Único de Saúde) e as transferências inter- governamentais de recursos financeiros na área da saúde. Além disso, instituiu as Conferências e Conselhos de Saúde, sua estrutura e funcionamento. (SIMÕES, 2009, p. 127). Fonte: glaucocortez.com CONSTITUIÇÃO 1988 TÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer, o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país.” (Lei Federal nº 8.080, art. 3º). AtençãoAtenção “A saúde é um direito de todos e um dever do Estado.” (Constituição Federal de 1988, art. 196). Alberta Emilia Dolores de Goes Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 28 No período de 1989-1990, foi elaborada a Lei nº 8.080, a chamada Lei Orgânica da Saúde, que dispõe sobre as condições para a promoção, a proteção e a recuperação da saúde, a organi- zação e o financiamento dos serviços de saúde, regulamentando o capítulo da saúde na Consti- tuição. Além disso, foram criadas as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios, adaptando-se à legislação em âmbito regional e municipal e repetindo-se o processo de envolvi- mento da sociedade e de pactuação entre as dife- rentes forças políticas, observado na Assembleia Nacional Constituinte. CAPÍTULO I Dos Objetivos e Atribuições Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS: I - a identificação e divulgação dos fato- res condicionantes e determinantes da saúde; II - a formulação de política de saúde des- tinada a promover, nos campos econômi- co e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei; III - a assistência às pessoas por intermé- dio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas. Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: a) de vigilância sanitária; b) de vigilância epidemiológica; c) de saúde do trabalhador; e d) de assistência terapêutica integral, in- clusive farmacêutica; [...] CAPÍTULO II Dos Princípios e Diretrizes Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obede- cendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistên- cia; II - integralidade de assistência, entendi- da como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curati- vos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de comple- xidade do sistema; III - preservação da autonomia das pes- soas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assis- tidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a aloca- ção de
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