Prévia do material em texto
Unidade I Senso comum x Ciência A expressão senso comum designa, também, um conjunto de saberes e opiniões que uma determinada comunidade humana acumulou no decorrer do seu desenvolvimento. Sendo produto das experiências vividas por um povo ou por um grupo social alargado, esse saber comum constitui um patrimônio que herdamos das gerações anteriores e que partilhamos com todos os indivíduos da comunidade a que pertencemos. Esta herança cultural que constitui o senso comum manifesta-se tanto em relação aos comportamentos ligados à sobrevivência imediata, o comestível e o não comestível, o perigo e a segurança, como em relação aos sentimentos e valores que organizam e situam o desenrolar da vivência dos homens, tais como o belo e o agradável, o bem e o mal, o justo e o injusto. Isso é senso comum, a utilização de um método criado a partir de uma experiência natural e fazemos sem nem pensar porque nos é passado que surtem resultado. Através de ditos populares o senso comum também se manifesta. No senso comum não é necessário que haja um parecer científico para que se comprove o que é dito, é um saber informal que se origina de opiniões de um determinado indivíduo ou grupo que é avaliado conforme o efeito que produz nas pessoas. Se você prestar atenção na sua vida diária perceberá quantos exemplos de senso comum vivenciamos todos os dias e quanto passamos todos para o grupo que vivemos. Já o conhecimento científico tem a sua veracidade ou falsidade conhecida através da experimentação. Possui a característica da verificabilidade, a tal ponto que as afirmações (hipóteses) que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência. Constitui-se em conhecimento falível, em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final e, por este motivo, é aproximadamente exato: novas proposições e o desenvolvimento de técnicas podem reformular o acervo de teoria existente. O conhecimento científico é diferente do senso comum. A ciência através de seus métodos, teorias e conceitos é uma forma mais aprofundada de entendimento e explicação dos fenômenos que acontecem na realidade. O método científico procura evitar que julgamentos de valor, atrapalhem a análise dos fatos. Tipo de conhecimento Características Senso comum Superficial - conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas. Sensitivo - referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária. Subjetivo - é o próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos. Assistemático - a organização da experiência não visa a uma sistematização das ideias, nem da forma de adquirí- las nem na tentativa de validá-las. Acrítico - verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica. Científico A ciência baseia-se em fatos para fazer afirmações, as quais são refutáveis por meio de novas descobertas. Assim como a filosofia, precisa ter uma coerência racional. Além disto, busca a proposição de modelos gerais baseados em experiências empíricas. Os conceitos sociológicos de indivíduo e sociedade 1. O objeto e as áreas constitutivas das ciências sociais: Por Ciências Sociais, entende-se o conjunto de saberes relativos às áreas da Antropologia, Sociologia e Ciência Política. A Sociologia estuda o homem e o universo sociocultural, analisando as inter-relações entre os diversos fenômenos sociais. Na Antropologia, privilegiam-se os aspectos culturais do comportamento de grupos e comunidades. Na Ciência Política, analisam-se as questões ligadas às instituições do poder. Ao contrário de outras ciências, as Ciências Sociais lidam, não apenas com o que se chama de realidade, com fatos exteriores aos homens, mas igualmente com as interpretações que são feitas sobre a realidade. 2. A importância do estudo sócio-antropológico na compreensão da realidade: O conhecimento científico da vida social não se baseia apenas no fato, mas na concepção do fato e na relação entre a concepção e o fato. Por estudar a ação dos homens em sociedade, de seus símbolos, sua linguagem, seus valores e cultura, das aspirações que os animam e das alterações que sofrem, as Ciências Sociais constituem ferramenta importante para o desenvolvimento de compreensão crítico-reflexivo da realidade. 3- A Sociologia A Sociologia é uma ciência preocupada com os problemas que o homem enfrenta na vida em sociedade.A principal atitude a ser desenvolvida com o olhar sociológico é a desnaturalização e o estranhamento. Ou seja, observar a realidade com certo distanciamento e objetividade, buscando sempre construir uma atitude de afastamento em relação a aquilo que lhe é familiar. Desenvolver um ponto de vista questionador em busca da compreensão e a explicação das razões de determinados fenômenos sociais, procurando não deixar que os preconceitos, as pré noções atrapalharem a análise e o entendimento das causas dos acontecimentos da vida em sociedade. O olhar sociológico procura questionar tudo aquilo que no comportamento humano parece como “natural” e imutável, negando aquela atitude “isso sempre foi assim, e vai continuar assim prá sempre”. Agora que entendemos que a sociologia está preocupada com os aspectos sociais e não individuais podemos conceituá-la. Ela é um estudo que aborda como temática sociedade. Todavia, somente esta definição é insuficiente uma vez que a História também estuda a sociedade. Desta maneira sociologia é um estudo das relações sociais entre os indivíduos e grupos. Ou seja, preocupa-se com o comportamento social destes a partir de “influências sociais”. Podemos exemplificar desde um encontro entre dois amigos até as relações globais como uma rede social como o facebook. Objeto e método das ciências sociais 1. Ciências naturais e ciências sociais: objeto e método: As ciências naturais estudam fatos simples, eventos que, presumivelmente, têm causas simples e são facilmente isoláveis, recorrentes e sincrônicos. Tais fatos podem ser vistos, isolados e reproduzidos dentro de condições de controles razoáveis, num laboratório. Assim, nas ciências naturais há uma distância irremediável entre o cientista e seu objeto de pesquisa, o que torna a objetividade científica mais evidente na análise de fenômenos desse tipo. As ciências sociais estudam fenômenos complexos. Seu objeto de investigação são os fenômenos sociais, ou seja, eventos com determinações complexas e que podem ocorrer em ambientes diferenciados. Desta forma, apesar de também levar em conta a objetividade científica na análise desses fenômenos, a interação entre sujeito e objeto da investigação leva a interpretações contextualizadas da realidade social. 2. Como estudar fenômenos complexos: Ao observar os fenômenos sociais somos levados enfrentar nossa própria posição, nossos valores, nossa visão de mundo que interfere na nossa pesquisa. Nossa fala, nossos gestos, nosso modo de ser e de agir revelam o tipo de socialização que tivemos e influencia em nossa visão de mundo. Dessa forma, trabalhamos com fenômenos que estão bem perto de nós, temos a interação complexa entre o investigador e o investigado, pois ambos compartilham de um mesmo universo de experiências humanas. "Nasce, daí, um debate inovador, numa relação dialética entre investigador e investigado". (DA MATTA, Roberto in Relativizando: uma introdução à antropologia social). Contexto histórico da formação das Ciências Sociais 1. O Iluminismo O Iluminismo concebeu novas ideias de vida social e entendeu o conceito de nação como forma de organização política. A sociedade de entãoapresentava necessidades urgentes de um desenvolvimento científico que pudesse favorecer o desenvolvimento econômico assim como melhorar as condições de vida, ampliar a expectativa de sobrevivência humana a fim de estimular a produção e o consumo. Neste sentido, as ciências sociais surgem visando a compreensão e a reformulação da sociedade formada a partir da instalação definitiva do capitalismo e da consolidação da ideologia burguesa. 2- Revolução Industrial O século XIX foi marcado pela Revolução Industrial e pelo Neocolonialismo, cujas consequências se projetaram para os séculos XX e XXI. No plano político e econômico o termo revolução é usado para expressar um movimento de transformação que, na visão dos seus protagonistas, traz transformações significativas, positivas e benéficas para a sociedade. De fato, as revoluções trazem grandes transformações e com a revolução industrial não poderia ter sido diferente. Tais transformações já se fizeram presentes na transição do feudalismo para o capitalismo. O desenvolvimento industrial se fez acompanhar pelo desenvolvimento científico, que por sua vez impulsionou ainda mais a indústria em função de descobertas e invenções. Nos centros urbanos europeus respirava-se desenvolvimento e acreditava-se que a tecnologia e a máquina resolveriam todos os problemas do homem. A indústria cresceu e com esse crescimento vieram as crises de produção porque a superprodução não era acompanhada pelo consumo. A solução para a crise de consumo foi encontrada no neocolonialismo, ou imperialismo do século XIX. Diferente do colonialismo dos séculos XV e XVI, o neocolonialismo representou nova etapa do capitalismo, do momento em que as nações europeias saíram em busca de matérias-primas para sustentar as indústrias, de mercados consumidores para os produtos europeus e de mão de obra barata. Esse colonialismo se direcionou para a África e a Ásia, que foi partilhada entre as nações europeias. 3 - O darwinismo social Foi nesse contexto que se desenvolveu a teoria de Charles Darwin sobre a evolução e adaptação das espécies. O autor colocou em xeque as ideias da imutabilidade das espécies. Assim, a formação dos sistemas vivos começou a ser entendida não como criação simultânea, mas como decorrência de etapas sucessivas. Na sua obra A origem das espécies, publicada em 1859, em consonância com o espírito da época, Darwin defendeu a noção de variação gradual dos seres vivos graças ao acúmulo de modificações pequenas, sucessivas e favoráveis, e não por modificações extraordinárias, surgidas repentinamente. Nessa obra Darwin apresentou o núcleo da sua concepção evolutiva: a seleção natural, ou a persistência do mais capaz; com o passar dos séculos, a seleção natural eliminaria as espécies antigas e produziria novas espécies. Logo as teses de Darwin estavam sendo discutidas em todo o meio científico e o próprio liberalismo econômico adotou o pressuposto da competição. Ao defender a propriedade privada, o liberalismo postula que todo homem compete em igualdade no acesso à propriedade privada. Aquele que não a conquista, não o faz porque é vicioso ou preguiçoso. É claro que essa tese, presente em nossas mentes até hoje, interessava e interessa à manutenção do domínio da classe burguesa. Se o liberalismo apropriou-se do conceito de competição, de Charles Darwin, não foi o único. Logo surgiu o Darwinismo Social. Segundo o Darwinismo Social, as sociedades se modificam e se desenvolvem como os seres vivos. As transformações nas sociedades representam a passagem de um estágio inferior para outro superior, onde o organismo social se mostra mais evoluído, adaptado e complexo. Se na natureza a competição gera a sobrevivência do mais forte, também na sociedade favorece a sobrevivência de sociedades e indivíduos mais fortes e evoluídos. As expressões: "luta pela existência" e "sobrevivência do mais capaz", tomadas de Darwin, apoiaram o individualismo liberal e justificaram o lugar ocupado pelos bem sucedidos nos negócios. Por outro lado, as sociedades foram divididas em raças superiores e inferiores, cabendo aos mais fortes dominar os mais fracos e, consequentemente, aos mais desenvolvidos levar o desenvolvimento aos não desenvolvidos. A civilização deveria ser levada a todos os homens. É claro que o Darwinismo Social serviu para justificar a ação imperialista das nações europeias. Foi nesse cenário de constantes conflitos sociais, políticos, econômicos e religiosos, cenário marcado pela industrialização e pelo cientificismo, que a Antropologia e a Sociologia produziram suas primeiras explicações. 4 - O Positivismo O positivismo foi uma diretriz filosófica criada por Augusto Comte na segunda metade do século XIX. O tema central de sua obra é a Lei dos Três Estados, em que ele divide a evolução histórica e cultural da humanidade em três fases, de acordo com seu desenvolvimento; a classificação e a hierarquização das ciências, da mais simples à mais complexa, já que para ele a ordem é necessária ao progresso; e a reforma da sociedade, com mudanças intelectuais, morais e políticas destinadas principalmente a restabelecer a ordem na sociedade capitalista industrial. Comte devotou-se a Sociologia, uma palavra que ele elaborou para descrever a ciência da sociedade. Ele acreditava que sua principal contribuição foi a teoria de que a humanidade passou por três estágios de desenvolvimento intelectual: o teológico, o metafísico e o positivo. No primeiro estágio, o universo era explicado em termos de deuses, demônios e seres mitológicos. No segundo estágio, a realidade era explicada em termos de abstrações como a essência, existência, substância e acidente. De acordo com Comte, o estágio metafísico estava só terminando, dando lugar ao científico ou estágio positivo. Neste estágio final, explicações somente poderiam ser baseadas em leis científicas descobertas através da experimentação, observação ou lógica. Os traços mais marcantes do Positivismo são certamente a excessiva valorização das ciências e dos métodos científicos, a exaltação do homem e suas capacidades e o otimismo em relação ao desenvolvimento e progresso da humanidade. Essa corrente filosófica foi muito influente no pensamento da época. Prova disso é o lema da bandeira brasileira - "ordem e progresso" -, um dos principais preceitos do Positivismo, que afirma que, para que haja progresso, é preciso que a sociedade esteja organizada. A sociologia de Émile Durkheim 1 - Émile Durkheim Criador da Escola sociológica francesa, com ele a sociologia se constitui como uma disciplina rigorosamente cientifica. Define o objeto da sociologia: os fatos sociais e atribui-lhe um método de investigação: a análise objetiva dos fatos sociais, que deveriam ser estudados como "coisas", ou seja, o investigador deveria manter uma relação objetividade com o objeto estudando, desfazendo- se de qualquer pré-noção em relação a eles. 2 - Fatos sociais Em seu livro "As regras do método sociológico", Durkheim define os fatos sociais como "maneiras de agir, pensar e sentir que apresentam a característica marcante de existir fora da consciência individual". Estes tipos de conduta ou de pensamento não são apenas exteriores aos indivíduos, são também gerais na extensão de toda sociedade conhecida e dada, são dotados de um poder imperativo e coercitivo que constitui características intrínsecas de tais fatos. Para Durkheim a sociedade, como todo organismo, apresenta estados normais e patológicos (saudáveis e doentios). 3. Consciência coletiva Em seu livro "Da divisão do trabalho social", Durkheim definiu consciência coletiva como "o conjunto de crenças e de sentimentos comuns entre os membros deuma mesma sociedade, forma um sistema determinado que tem sua vida própria; podemos chamá-la de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem como substrato um órgão único; é, por definição, difusa, ocupando toda a extensão da sociedade; mas nem por isso deixa de ter características específicas, que a tornam uma realidade distinta. Com efeito, ela é independente das condições particulares em que se situam os indivíduos. Estes passam, ela fica. É a mesma no Norte e no Sul, nas grandes e nas pequenas cidades, nas diferentes profissões. Por outro lado, não muda em cada geração, mas ao contrário liga as gerações que se sucedem. Portanto, não se confunde com as consciências particulares, embora se realize apenas nos indivíduos. É o tipo psíquico da sociedade, tipo que tem suas propriedades, condições de existência, seu modo de desenvolvimento, exatamente como os tipos individuais, embora de outra maneira". A consciência coletiva pode ser verificada em fenômenos coletivos típicos, expressos através de uma forma de consciência que contrapõe indivíduo/sociedade. As torcidas organizadas e os grandes festivais de música, por exemplo, representam fenômenos coletivos típicos, expressos através de uma forma de consciência que contrapõe indivíduo/sociedade. 4- Relação indivíduo/sociedade Durkheim foi um dos pioneiros na análise dos fatores coercitivos que levam o indivíduo, desde cedo, a se moldar segundo os parâmetros historicamente impostos pelo grupo social, no qual encontra-se circunstancialmente inserido. Esta estruturação do indivíduo segundo padrões preestabelecidos e exteriores ao próprio, perpassa pelo psicológico, pelo moral, pelos hábitos e costumes, pelo comportamento, enfim, por toda cultura. Tal processo é, até certo ponto, inconsciente, e será determinante no sentido de conferir um maior ou menor engajamento social (ou comprometimento) do indivíduo nos processos coletivos que permeiam as atividades sociais. Este autor se preocupa em analisar a maneira pela qual o meio social, através de aparelhos de coerção e da própria instituição educativa, contribui para regular, controlar e moldar permanentemente os comportamentos individuais, tornando os processos coletivos aparentemente harmônicos e estáveis. Esse processo de coerção do indivíduo acontece desde cedo, sendo primordial para a garantia da coexistência pacífica entre os indivíduos que, por sua vez, tornará possível uma convivência coletiva estável e pacífica. O indivíduo ingressa na sociedade no momento em que, dentro dela, nasce. No mesmo instante de seu nascimento, ele começa a ser moldado pelas instituições que compõem a sociedade: primeiramente, o indivíduo sofre influência da própria família (caso possua uma); depois, mais tarde, de seu bairro, amigos, de sua escola, seu trabalho, sua igreja, etc. A partir daí, o indivíduo assimila (ou não), os hábitos, a moral, os costumes, enfim, toda forma de lei não escrita que rege a convivência de seu grupo. Geralmente, o indivíduo procura agregar as regras do grupo ao seu sistema individual de valores, procurando agir em conformidade com o grupo, pois sabe que estará às margens do mesmo se assim não o fizer. Quando o processo acima mencionado não chega a acontecer adequadamente, o indivíduo se marginaliza em relação aos processos sociais coletivos. 5-Divisão do trabalho social e formas de solidariedade social É a organização da sociedade em diferentes funções, exercidas pelos indivíduos ou grupos de indivíduos. Nas sociedades mais simples predomina a divisão social do trabalho baseada principalmente em critérios biológicos de sexo e idade. Essa divisão parece decorrer de uma extensão analógica das diferenças naturais de funções entre membros de um grupo. Durkheim classifica a forma de solidariedade social deste tipo de sociedade como solidariedade mecânica. Nas sociedades mais complexas, em especial quando tem início o desenvolvimento da agricultura, a sedentarização e o sistema de propriedade privada, surge uma divisão social mais complexa, com a criação de novas funções sociais. A indústria foi o sistema produtivo que mais desenvolveu a divisão social do trabalho, criando uma imensa gama de funções e atribuições diferenciadas. Durkheim classifica a forma de solidariedade social deste tipo de sociedade como solidariedade orgânica. Observação: A divisão social do trabalho implica sempre uma divisão não só de funções, mas também de privilégios, regalias e poder. 6- Os indicadores dos tipos de solidariedade Segundo Quintaneiro et alli (Um toque de clássicos. Belo Horizonte, Editora da UFMG,2009), Durkheim utiliza-se da predominância de certas normas do Direito como indicador da presença de um ou do outro tipo de solidariedade, já que esta, por ser um fenômeno moral, não pode ser diretamente observada. Não obstante se sustente nos costumes difusos, o Direito é uma forma estável e precisa, e serve, portanto, de fator externo e objetivo que simboliza os elementos mais essenciais da solidariedade social. Por outro lado, as sanções que são aplicadas aos preceitos do Direito mudam de acordo com a gravidade destes, sendo assim possível estudar suas variações. O papel do Direito seria, nas sociedades complexas, análogo ao do sistema nervoso: regular as funções do corpo. Por isso expressa também o grau de concentração da sociedade devido à divisão do trabalho social, tanto quanto o sistema nervoso exprime o estado de concentração do organismo gerado pela divisão do trabalho fisiológico, isto é, sua complexidade e desenvolvimento. Enquanto as sanções impostas pelo costume são difusas, as que se impõem através do Direito são organizadas. Elas constituem duas classes: as repressivas - que infligem ao culpado uma dor, uma diminuição, uma privação; e as restitutivas - que fazem com que as coisas e relações perturbadas sejam restabelecidas à sua situação anterior, levando o culpado a reparar o dano causado. A maior ou menor presença de regras repressivas pode ser atestada através da fração ocupada pelo Direito Penal ou Repressivo no sistema jurídico da sociedade. Naquelas sociedades onde as similitudes entre seus componentes são o principal traço, um comportamento desviante é punido por meio de ações que têm profundas raízes nos costumes. Os membros dessas coletividades participam conjuntamente de uma espécie de vingança contra aqueles que violaram algum forte sentimento compartilhado que tenha para a sociedade a função central de assegurar sua unidade. Sendo a consciência coletiva tão significativa e disseminada, feri-la é uma violência que atinge a todos aqueles que se sentem parte dessa totalidade. O crime provoca uma ruptura dos elos de solidariedade, e sua incontestável reprovação serve, do ponto de vista da sociedade em questão, para confirmar e vivificar valores e sentimentos comuns e, desde uma perspectiva sociológica, permite demonstrar que alguns valores possuem a função de assegurar a existência da própria associação. A vingança é exercida contra o agressor na mesma intensidade com que a violação por ele perpetrada atingiu uma crença, uma tradição, uma prática coletiva, um mito ou qualquer outro componente mais ou menos essencial para a garantia da continuidade daquela sociedade. Nas sociedades primitivas é a assembleia do povo que faz justiça sem intermediários. Os sentimentos coletivos estão profundamente gravados em todas as consciências, são enérgicos e incontestes, e assim também sua punição. Os crimes são, portanto, atos que ou manifestam diretamente uma dessemelhança demasiado violenta entre o agente que o executou e o tipo social, ou então ofendem o órgão da consciência comum. Tanto num caso como no outro, a força atingida pelo crimee a que o repele é a mesma; ela é um produto das similitudes sociais mais essenciais e tem por efeito manter a coesão social que resulta dessas similitudes. 7. Anomia É a ausência, desintegração ou inversão das normas vigentes em uma sociedade, neste caso, a consciência perde os parâmetros de julgamento da realidade. Ela vai acontecer em momentos extremos, tais como: guerras, desastres ecológicos, econômicos, etc.. É também nesses momentos que se verifica um número excessivo de suicídios, razão pela qual Durkheim trata esse fenômeno como um fato social, e não somente como um ato resultante da consciência individual.