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__________________________________________________________________________________Ribas, V.R.; et al. 65 Personalidade do Dependente Químico The Chemical Dependent's Personality Valdenilson Ribeiro Ribas3*; Carolina Andrade5; Murilo Duarte Costa Lima2; Hugo André de Lima Martins3; Roberta de Melo Guerra8; Helena Karine Rufino Aniceto7; Renata de Melo Guerra Ribas6; Severino Marcos de Oliveira Carneiro4; Raul Manhaes de Castro1 RESUMO Este estudo teve como objetivo a elaboração de uma revisão bibliográfica abordando, do ponto de vista psicodinâmico, conceitos que esclareçam a constituição da estrutura de personalidade de um paciente dependente químico, desde as fixações em fase coexistentes nas relações primárias, principalmente, na triangulação pai, mãe e filho a comportamentos finais de luta pela obtenção do prazer ou fuga pelo estado sentido como desprazer. A personalidade do dependente químico aqui é discutida como sendo resultado do modo de funcionamento dessa estrutura de personalidade constituída a partir dessas relações primárias em que o sujeito se desenvolve a partir de uma relação de superproteção ou de ausência da interdição paterna. O pai como representante da lei simbólica tem como função à interdição na triangulação familiar. A falta de interdição do pai, assim como a superproteção da mãe passam a representar um perigo na formação de uma estrutura de personalidade dependente. PALAVRAS CHAVE: personalidade, dependente, dependente químico. 1Doutor em Farmacologia Experimental e Clínica da Universidade de Paris VI, Professor Adjunto do Departamento de Nutrição, UFPE; 2Doutor em Medicina pela Universidad de Barcelona, U.B., Espanha, Coordenador do Núcleo Especializado em Dependência Química, NEDEQ, UFPE; 3Doutorando em Neuropsiquiatria, Pós-graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, UFPE; 5Psicóloga, Professora assistente da UFPB; 4Coordenador Pedagógico da Universidade Estadual Vale do Acaraú de Pernambuco, UVA PE; 5Psicóloga, Professora Assistente da Universidade Federal da Paraíba, UFPB; 6Pós-graduanda em Nutrição de Produção, Auditora de Unidades de Alimentação de Hospitais Públicos, Secretaria da Saúde de Pernambuco; 7Pós-graduanda em Gestão da Qualidade e Vigilância Sanitária em Alimentos, Universidade Federal Rural do Semi-Árido; 8Graduada em Educação Física, Voluntária do Núcleo Especializado em Dependência Química, NEDEQ, UFPE. Estudo realizado na Pós-graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, Brasil. *Author’s address: Avenida Armindo Moura, 581. Quadra D – Bloco 02 – Apartamento 201. Conjunto WXL. Bairro: Boa Viagem. Cep.: 51.130-180. Recife-PE. Fones: (81) 9986-4399/ 9245-6031 ou 3339-5420. E-mail: ribaspsy@ufpe.br Revisão NEUROBIOLOGIA, 72 (3) jul./set., 2009___________________________________________________________ 66 ABSTRACT This study had as objective the elaboration of a bibliographical revision approaching concepts that illuminate the constitution the personality structure of the chemical dependent patients, since the fixations in coexistent phase in the primary relationships mainly in the involving father, mother and son to final behaviors as fight for the obtaining of the pleasure or escape for the displeasure state sense. The chemical dependent's personality is discussed in this work as being resulted in the way of operation of that personality structure constituted from those primary relationships in that the subject develops starting from a super protection relationship or absence of the paternal interdiction. The father as symbolic law representative has an interdiction function in the family. The lack of the father's interdiction as well as the mother's super protection starts to represent a danger in the formation of a dependent personality structure. KEY WORDS: personality, dependent, chemical dependent. INTRODUÇÃO Personalidade do Dependente Químico s seres humanos estão em constante luta pela obtenção de prazer no ponto de vista psicanalítico. Busca-se, constantemente, uma fuga do estado sentido como desprazer e todo o desconforto dele decorrente. Vive-se nessa constante sensação de carência, na tentativa permanente de eliminar o mal-estar, no objetivo inabalável de diminuir ao máximo suas angústias. A angústia é absolutamente necessária, porque é a verdadeira propulsora da vida do homem e um componente importantíssimo do seu psiquismo. Poderíamos, numa visão quantitativa e reducionista, pensar que se a angústia for reduzida, diminuir-se-á o mal-estar. Contudo, não podemos desconsiderar que existem características emocionais específicas de cada sujeito, ou seja, o nível de angústia suportável é diferente. Há pessoas que podem lidar bem com as frustrações e com as ansiedades do dia a dia, há outras, porém, que possuem menos recursos psíquicos. Esta diferença está justamente, na estrutura de personalidade que cada um desenvolve, sendo a dependência química a expressão de uma delas (1). Os primeiros construtos teóricos sobre drogadição, em uma perspectiva psicodinâmica, foram elaborados por Freud em 1929, no livro mal estar da civilização, que procurou situar o uso de drogas como sendo um recurso defensivo contra o sofrimento e a infelicidade. A droga é definida por ele como um “quebra-desgosto”, colocado pela natureza à disposição do homem para se consolar pelos seus sofrimentos e para se recuperar dos seus fracassos (2). Na verdade, essa inquietação, não surge do nada. Possivelmente, seja resultado de uma estrutura psíquica montada desde o início da sua constituição como sujeito, principalmente, porque seu desenvolvimento psíquico é descrito por Freud em fases coexistentes nas relações primárias, sobre- tudo, na triangular pai, mãe e filho. Entretanto, a grande relevância de se mencionar estas fases de desenvolvimento é a observação de que são apresentadas numa seqüência contínua, sendo, portanto, a fixação consciente ou inconsciente em uma delas a grande preocupação dos psicanalistas e psicoterapeutas em relação à estrutura de personalidade. E é pensando nesse modo de funcionamento, que se torna possível entender idéias que motivam o comportamento do depen- dente químico como sendo provenientes do resultado das dificuldades de desfusionamento com as primeiras figuras de identificação (3). Pessoas com dependência química apresen- tam comportamentos compulsivos no uso do álcool, do fumo e de outras substâncias tóxicas que são viabilizadas pelo movimento do êmbolo numa seringa. Freud, numa carta a Fliess em 1897, traz a idéia de que esses comportamentos relacionados com um investimento do sujeito, em processos masturbatórios, ainda numa tenra idade são O __________________________________________________________________________________Ribas, V.R.; et al. 67 resultados de vinculações com a fase pré-edípica, onde houve ausência da interdição paterna, geran- do condutas substitutivas do que ele denominou de afições (propensões) primárias. O pai como repre- sentante da lei simbólica tem como função à interdição na triangulação familiar. As compulsões, neste caso, seriam utilizadas para satisfazer neces- sidades masturbatórias ainda de uma fase anterior, ligadas a uma relação fusional do filho com a mãe e a conteúdos da oralidade infantil anteriores as masturbações típicas da adolescência, onde este pai já se colocaria como uma figura de poder bastante demarcadora (4). Em 1911 Freud faz novamente referência ao consumo de álcool, destacando que o seu uso funcionaria tanto para satisfazer as necessidades do ego, como aquelas regidas pelo princípio do prazer, estando a ingestão alcoólicamuito próxima de doenças que proporcionavam alterações de humor como, por exemplo, os estados maníaco-depres- sivos(4). A droga é, nesse sentido, o demonstrativo, “dito”, assumindo o lugar da sua intolerância às frustrações. Representa de certa forma, a busca do homem pelo prazer de uma felicidade que é efêmera e fugaz (2). É nesse funcionamento por substituições que se observa à proximidade das relações exis- tentes entre a sexualidade e o alcoolismo, porque o ato de beber como fuga, possibilita ao alcoolista usar a substância como um meio de conseguir prazer sem dificuldade. E ainda perceber que seu uso se aproxima bastante das necessidades do princípio do prazer e dos componentes agressivos do psiquismo (2). Uma dessas evidências está na compulsão por alimentos e uma excessiva frustra- ção e ansiedade diante da impossibilidade de obtê- los por pacientes com dependência química. Com isso, não há dificuldade em se observar à relação entre a toxicomania e a fase oral da sexualidade infantil, sem, no entanto, fazer associações com os estados de mania e depressão (5). Pierce Clarck apud Rosenfeld (1968) foi um dos primeiros teóricos, de sua época, além do próprio Freud, a retratar que as raízes mais profundas que explicam a busca pelo álcool, se encontram primordialmente no prazer auto-erótico ou narcisista, vinculado às identificações primárias com a figura materna. O que parece é que as dificuldades do sujeito de se “descolar” dessa figura identificatória, vendo-a como diferente dele próprio, o conduzem a busca do prazer investido em si próprio. É o que poderíamos chamar de narcisismo primário. O gozo obtido através das relações com objetos externos fica comprometido, na medida em que essa busca funciona como uma substituição das relações objetais mais arcaicas com a mãe. Rado, 1926 (apud ANDRADE, 1999) reforça ainda mais essa idéia dizendo que existe uma predisposição ao narcisismo, no caso das tóxico-manias, na medida em que as pessoas que possuem essa “tendência” reagem à frustração com uma depressão “tensa”, manifesta por uma tensão penosa e, ao mesmo tempo, por alto grau de intolerância ao sofrimento. O desinvestimento em si mesmo é sentido com muito pesar por esses pacientes, pois parece que este processo significa se desprender dessa mãe, e eles tendem a esquivar-se dessa frustração apelando para comportamentos compulsivos. Por outro lado, as drogas ao impe- direm que o sofrimento venha à tona, levantam as necessidades megalomaníacas do id e do princípio do prazer, produzindo estimulação e euforia. Cria-se então, a farmacotimia, uma perturbação narcísica que ocasiona a ruptura, por meios artificiais, da organização natural do ego. Esse funcionamento ocorre porque o ego adquire, através da elação, o seu caráter de onipotência e invulnerabilidade e retorna ao seu estado narcísico original, relacionado à realização fantasiosa dos desejos. Rado foi um dos primeiros pesquisadores, na área, a tentar compreender a questão da compulsividade nas toxicomanias, como um meca- nismo defensivo, explicitando que na medida em que o sujeito usa essa estratégia, ele se livra da depressão, do aumento da ansiedade e da consciência acusadora do superego. A artificia- NEUROBIOLOGIA, 72 (3) jul./set., 2009___________________________________________________________ 68 lidade em buscar esses recursos para a satisfação dos desejos reside no fato de que, após o estado de êxtase, retorna o sentimento depressivo e a necessidade de voltar a esse estado de prazer. São essas relações hedonísticas que arrebatam por volúpia e dispersão os sujeitos à droga (2). É de grande relevância também entender o caráter onipotente do dependente químico que, ao se tornar sensível para depressão, encontra no efeito do prazer oferecido pelos narcóticos uma realização de seu anseio por uma ajuda miraculosa e responde a ela com uma sensação de triunfo pessoal. A dependência química se divide em três grupos: o grupo psiconeurótico ou maníaco- depressivo, o grupo esquizofrênico e o grupo psicopático (6). Os problemas afetivos colocados por estas personalidades referem-se às carências imaginárias, a uma dificuldade em funcionar nos registros das representações mentais e um desejo de atuar dentro de atividades comportamentais que incluam o corpo. São indivíduos que se drogam sozinhos porque se drogam sempre contra alguém (3). As pessoas que fazem uso de substâncias tóxicas de forma descontrolada e compulsiva têm uma disposição para reagir aos efeitos do álcool, da morfina ou de outras drogas, de tal maneira que tentam usar seus efeitos, simultaneamente, para satisfazer a um desejo arcaico, que é sexual, a um desejo de segurança e a um desejo de manter a auto-estima. Os objetos externos nada significam para eles, a não ser entregadores de suprimentos (7). Segundo Simmel, 1949 (apud BISTIS, 2005), Freud associa os indivíduos compulsivos por álcool ou por outras substâncias que alterem a relação destes com a realidade às neuroses narcísicas (doenças maníaco-depressivas) e que, eles a sufocam, utilizando os mecanismos da neurose obsessiva. Assim, todas as toxicomanias, sobretudo, a dependência alcoólica, são atitudes defensivas do ego contra a manifestação de sintomas depressivos. Os sentimentos de culpa e de desespero que atormentam o alcoólatra, depois que ele se torna sóbrio podem ser causados, em parte pelo álcool, mas se relacionam muito mais com a depressão clínica que se segue à mania alcoólica. Parece existir subjacente a euforia alcoólica, “estruturas” ou núcleos depressivos que geram fortes sentimentos de culpabilidade nesses indivíduos, que após tomarem consciência do caminho que buscaram para resolução de suas situações conflituosas, descobrem que tem em mãos um superego bastante punitivo, exigente e castigador, que é uma característica de pessoas que têm uma dinâmica de funcionamento depressiva (8). Novamente a visão de que as drogas são usadas como mecanismo defensivo é destacada, uma vez que o sujeito, ao usá-la, não se deprime e não adoece. Apenas, camufla a existência desses núcleos internos. Melanie Klein (1940) chama a atenção para existência desses núcleos depressivos, mas diz que os toxicômanos não chegam nem a atingi-los. Aborda sobre a dificuldade que os dependentes de substâncias psicoativas têm de passarem da fase maníaca para a fase depressiva e mostra que, quando o fazem, transitam nesse percurso de forma bastante sádica e destrutiva (9). Há três mecanismos maníacos básicos recorrentes, diante da necessidade de controle de ansiedades paranóides mais primárias a ideali- zação, a identificação com o objeto parcial e o controle onipotente dos objetos, que podem ser, estes últimos, parciais ou totais (9). Pela maneira como se estrutura o ego do toxicômano, com excessiva divisão de objetos Idea- lizados e, ao mesmo tempo, denegridos, ele se localizaria numa fase bastante primitiva denominada de posição esquizoparanóide. Essa posição, anterior a depressiva, se caracteriza pela projeção, para o meio exterior, das partes más do ego, que por serem ameaçadoras para o ego do sujeito, precisam, então ser externalizadas, assumindo um caráter persecutório (sadismo externalizado). Por isso, o nome de esqui- zoparanóide, ou seja, ego fragmentado, dividido e ao mesmo tempo perseguidor. A posição depres- siva seria assinalada pelo movimento oposto de __________________________________________________________________________________Ribas, V.R.; et al. 69 introjeção ou incorporação das partes más do ego, assumindo como pertencentes à própria estrutu- ração do sujeito (sadismo internalizado). Para o toxicômano passar para essa fase parece ser bastantefrustrante e ameaçador, pois representa, simbolicamente, a perda das partes boas de seu ego (objeto idealizado). A dificuldade de ingressar na posição depressiva, se fixando na posição esquizoparanóide, reside no fato de ter ocorrido uma separação exageradamente hostil da criança em relação ao seio materno. Ocorre, nesse processo, à negação de toda e qualquer frustração, principalmente da ansiedade persecutória, relacio- nada com a expulsão da parte má do ego. A droga simboliza o objeto ideal, que pode ser concreta- mente incorporado e o sujeito usa o efeito farmacotóxico como reforço da onipotência dos mecanismos de negação e de divisão. Compara essa dinâmica à fase em que a criança utiliza suas fantasias de satisfação alucinatória dos desejos para lidar com suas ansiedades (9). Nessa perspectiva, a droga é, então, utilizada como um auxílio físico artificial para a produção da alucinação, do mesmo modo que a criança usa os dedos ou o polegar como subsidio para alucinar o seio ideal. A droga se configura como uma substância destrutiva má, cuja incorporação simboliza sua identificação com objetos destruidores maus, temidos como persecutórios, tanto para os objetos bons como para o eu bom. Ao se potencializar o efeito das drogas sobre o organismo, aumenta-se também o poder onipotente do impulso de destruição. Quando a intoxicação ocorre sob o domínio dos impulsos sádicos, o paciente expele e nega seu eu bom e seus objetos internos bons, bem como seu interesse por eles. Chega assim a uma atuação de seus impulsos destrutivos, sem ansiedade nem excitação, mas também sem comando, o que implica também a perda do poder controlador do objeto interno, ou seja, do superego. Existe uma “intolerância anômala” diante das exigências pulsionais, que precisam ser apaziguadas mediante o uso de determinadas práticas ou produtos. Toda a gama de compulsões identificadas dentro da psiquiatria tem origem nas pulsões e mantém assim um forte vínculo com a sexualidade. O que transforma “Trib” (pulsão) em um “Sucht” (compulsão) é a tentativa de superar a incapacidade de agüentar insatisfações pulsionais. Essa incapacidade tem relação com um “vazio” particularmente aumentado, determinado pela constituição do sujeito e pela situação (10). Gebsattel (1948) chama este “vazio” de “desespero” e diz que todo ato compulsivo está permeado por uma perversão. Segundo ele, o caminho leva do desvio das perversões sexuais ao abismo da compulsão. Esta compulsão, ou toxicomania obtém um poder exclusivo sobre a pessoa e a leva ao abismo, à beira do qual pretendeu se divertir. Atrás de toda compulsão curável temos este desespero. Quando não é curável, trata-se simplesmente de um caso “desesperado”. Aí o desespero transforma-se em um destino completamente anônimo, inatacável e inescapável. O sentido deste desespero está numa recusa de aceitar a si mesmo (11). No prisma de patologia pulsional, a compulsividade corresponde a uma forma de psicopatia cuja especificidade reside em uma “anomalia de contato” sendo o contato o quarto vetor em seu esquema pulsional. Esta anomalia é conseqüência de uma disposição extrema para a forma existencial de união dual e fusional com a mãe: ela precisa ser mantida, tem que continuar a fluir para alimentar o sujeito, em função de sua incapacidade de aceitar a separação. Caracterizado pelo “não-poder-cessar”, ele teria medo da “liberdade”, deslocando então a vinculação dual para o ato compulsivo. O objeto da compulsão, ou seja, a droga, tem valor de prótese do objeto dual perdido e restabelece a vinculação interrompida. Mas, enquanto objeto substitutivo (e “fetichizado” pelo sujeito), ela não é o parceiro dual, daí o sentimento de abandono e de rejeição continuar a se fazer sentir, acarretando impulsos de autodestruição, auto-sabotagem e NEUROBIOLOGIA, 72 (3) jul./set., 2009___________________________________________________________ 70 desvalorização de todos os valores – que apenas a relação com a droga pode criar (12). É complexo delimitar uma estrutura em “strictu senso” toxicomaníaca. Há categorias estru- turais clássicas, definidas pelos estudos psicopatoló- gicos modernos que correspondem a uma possibili- dade de funcionamento toxicômano, onde se destacam três tipos de personalidade: as de estrutura neurótica; psicótica e depressiva; sendo a última aquela que apresenta, na contempora- neidade, um forte predomínio sobre as demais. Contudo, não há uma estrutura profunda e estável específica dos comportamentos de dependência. Isso significa que qualquer estrutura mental pode dar origem a comportamentos de dependência. Esse comportamento de dependência jamais altera a natureza específica da estrutura profunda, mas somente o seu funcionamento secundário. E, ainda, a dependência de um produto é buscada pelo sujeito enquanto tentativa de defesa e de organização contra as deficiências ou as falhas ocasionais que a estrutura profunda possa apre- sentar (13). A partir dessas colocações pode-se dizer que a busca de identificação uma estrutura toxicomaníaca pura, parece não existir. Bergeret (1991, p. 99) não deixa dúvidas sobre esse fundo estrutural de cada tipo citado, comentando que: Enxerga-se de forma não estrutural, mas sim puramente funcional, um determinado nu- mero de elementos caracterológicos, super- postos, que se mostram por sua vez bastante comuns as diferentes formas de personalidades toxicomaníacas encontra- das. Essa subjetividade que permeia esse tipo de clientela possibilita ao terapeuta trazer as suas digressões, suas incursões e também se confrontar com a frustração de casos com difíceis conclusões, ou aqueles, em que, por motivos variados, a aderência do paciente ao tratamento não se dá de forma satisfatória, possibilitando a sua reintegração ou reinserção psíquica e social. O toxicômano se assemelha “um pouco” com alguma coisa que (o terapeuta) já conheceu: um pouco de psicótico, um pouco de maníaco-depressivo, um pouco de perverso, um pouco de homossexual (14). O confronto com a complexidade dessa patologia busca explicar, não a existência de uma estrutura psicopatológica para o modo de funcionar do toxicômano, mas a presença de uma maneira de viver e de existir bastante peculiar. O ser ou não toxicômano depende, antes de mais nada, da seguinte parábola: junta-se um grão de areia a outro grão de areia e, quando se chega a x grãos mais um, diz-se que se está diante de um monte de areia, com a ressalva de que algumas pessoas possuem tal patrimônio, em suas aquisições infantis, e nem por isso se tornam toxicômanas. Nesse sentido, para alguém, que tenha essas aquisições, tornar-se um toxicômano, pelo menos, duas condições básicas são necessárias: que ele encontre a droga e que sua relação com a lei seja transgressora (15). A passagem do espelho bem sucedido é aquela em que o sujeito, ao se deparar nar- cisicamente com a sua própria imagem refletida num espelho real ou simbólico, tem condições de introjetá-la como sendo sua imagem e não a de outrem. Essa percepção de si indica, de certa forma, que a quebra da relação fusional com a figura materna se passou de modo satisfatório, ou menos traumático, a ponto de não permitir a formação de uma identidade própria, separada da mãe, e, portanto, mais amadurecida. Já no estágio do espelho impossível esse processo de simbolização é bastante comprometido, uma vez que a imagem de si refletida no espelho é a imagem da mãe e a diferenciação não ocorre nem parcialmente. A fusão é completa, prejudi- cando a passagem para uma esfera mais individua- lizada e de estruturação de uma personalidade unívoca. Assim como a dinâmica de funcionamento dos psicóticos (15). SegundoOlievenstein (1983) já o estágio do espelho partido, típico dos toxicômanos é uma __________________________________________________________________________________Ribas, V.R.; et al. 71 fase intermediária entre um espelho bem sucedido e o estágio de um espelho impossível, tendo como característica principal o não comprometimento, nem com uma nem com a outra fase, o sujeito flutua entre uma e outra, sem encontrar um lugar para si. Essa vivência dolorosa e inquietante é vista por Olievenstein na colocação de que: Tudo se passa como se existisse simul- taneamente esse cara a cara com o espelho, esse flash da descoberta de si e da descoberta da imagem de si, e se, nesse instante preciso, o espelho se partisse, refletindo ao mesmo tempo uma imagem, porém uma imagem fragmentada, e uma incompletude, ali onde as fendas deixadas pelas ausências do espelho só podem remeter ao que era antes: à fusão, a indiferenciação – estado que aproximaria- mos do instante preciso em que Adão, sob instigação de Eva, começou, a trincar o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal: vislumbre fulgurante de um futuro inelutável, nostalgia de paraíso perdido, melancolia de ser e de não ser, que explica em parte a vertente melancólica da toxi- comania (16). Olievenstein (1983) ainda acrescenta que a dificuldade de quebra do espelho é uma interdição da relação mãe-filho, haja vista que a própria mãe recebe os choques, mas não consegue quebrar o espelho, e reflete essa imagem distorcida para a figura do filho durante toda a sua infância. Acrescenta que um dos objetivos da psicoterapia com toxicômanos é o de suprimir, ou pelo menos, neutralizar esse reflexo. A quebra se dá numa cinética da interação mãe-filho, onde não há espaços para a lei, simbolicamente representada pela figura do pai. Este, intervém, mas não é suficientemente forte para assumir o seu próprio lugar, que é o da interdição: o não dito da tradição oral familiar o apresenta como impotente, seja por sua idade real, seja pelo lugar tomado na atividade sistêmica da família, seja por ser vivido como incapaz de levar a mãe ao gozo. O toxicômano nasce como uma borboleta que não chega a libertar-se se sua crisálida (17). Por último, (ibid OLIVENSTEIN, 1983) também chama a atenção para a percepção de tempo para o dependente de drogas, ressaltando que a forma como ele o vivencia é particular e diferenciada em relação aos demais sujeitos. O tempo vivido pelo toxicômano se relaciona com a incessante busca de atualizações de momentos felizes do passado, e que ficaram, como traços mnêmicos, gravados em sua memória como os únicos momentos dignos de serem re-experimen- tados, seja qual for o preço a ser pago, até mesmo a morte. A droga não é simplesmente uma subs- tância farmacológica, que produz efeitos psico- patológicos específicos, desagregados da subje- tividade de quem a usa, das singularidades históricas de cada um, assim como da organização pulsional própria e investida maciçamente pela economia libidinal de tal sujeito, corresponde a um objeto “maravilha” com conotações múltiplas, sendo estimuladora de vivências fusionais e fun- cionando como uma porta para novas percepções e novos horizontes, dentro da perspectiva “de doença” que a droga desencadeia (14). Aqui vale a pena falar sobre o mito de Adão e Eva a respeito da busca do Paraíso perdido. Ambos desejavam provar do fruto proibido, mesmo diante da interdição e do castigo, pois este fruto representava para eles a aquisição de conhe- cimentos novos, de novas experiências. Mas, não se pode falar, entretanto, das toxicomanias sem fazer alusão ao contexto social, cultural e familiar desses indivíduos. Há muito tempo se estuda sobre os fatores familiares ligados as dependências químicas com o objetivo de se identificar, dentro desse contexto, elementos que possam estar associados ao comportamento drogaditivo. A literatura a respeito desse tema tem mostrado que a dro- gadição não é uma conduta isolada e estanque na dinâmica familiar. O uso de drogas é algo NEUROBIOLOGIA, 72 (3) jul./set., 2009___________________________________________________________ 72 homeostático e significativo, e não apenas algo com uma perspectiva linear. O membro depen- dente, ora se inscreve como vítima, ora como vilão, destacando sua enorme força destruidora da harmonia doméstica e mesmo dos valores mais respeitados na sagrada família (17). Na visão sistêmica, ressalta a autora, o tema da drogadição insere-se num contexto de relacionamentos bastante simbióticos entre o “dependente” e os outros integrantes do sistema familiar. Essa dinâmica restringe os espaços para estabelecimentos de “quebras” ou rupturas nesses arranjos disfuncionais, ficando seus componentes interligados e aderidos um ao outro. O toxicômano não é um membro separado, distanciado, excluído ou alheio à sua família. CONCLUSÃO Dentro dessa alternativa, “a família do dependente está muito junto ou muito dentro do seu filho e vice-versa”, mas as relações são permeadas de conflitos e mesmo de dramas em nível de convivência. O que parece, é que a família tende a cristalizar esse “fusionamento” entre os seus membros, promovendo em todo o cenário uma “pseudo-individualização” (18). A conseqüência dessa organização é que pais e filhos mantêm uma dependência recíproca que se cronifica. A literatura sobre terapia familiar descreve que o toxicômano sustenta verdadeiros mitos, necessários a manutenção do funcionamento do sistema. Dentre eles, o mito da harmonia familiar e do sacrifício, interpretando-se que a união da família, frente às atitudes destrutivas do dependente, é salutar para um bom funcionamento. Em alguns casos, o lugar ocupado por este sujeito no sistema, representa a repetição de modelos familiares vividos em gerações anteriores, de um ente querido que morreu, sendo o toxicômano escolhido para substituir a posição de alguém que já se foi. Nessas situações, o lugar que ocupa é aquele idealizado e da linguagem do não-dito (17). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. Herrmann F. O que é Psicanálise. São Paulo. Editora Psique, 1999. 2. Andrade C. As ranhuras do cristal: nichos informacionais no Centro Eulâmpio Cordeiro. Dissertação de Mestrado. Universidade federal da Paraíba, 1999. 3. Bergeret J. Toxicomanias: um enfoque pluridimensional. Porto Alegre, Artes Médicas, 1991. 4. Rosenfeld HA. Estados Psicóticos. Editora Horme – 2ª edição, B. Aires, 1968. 5. Abraham K. The First Pregenital Stage of the libido. 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