Buscar

Personalidade do Dependente Químico.Revisão. Neurobiologia, 72 n., 3. Jul Set.2009.

Prévia do material em texto

__________________________________________________________________________________Ribas, V.R.; et al. 
65 
Personalidade do Dependente Químico 
 
The Chemical Dependent's Personality 
 
 
Valdenilson Ribeiro Ribas3*; Carolina Andrade5; Murilo Duarte Costa Lima2; Hugo André de Lima Martins3; 
Roberta de Melo Guerra8; Helena Karine Rufino Aniceto7; Renata de Melo Guerra Ribas6; Severino Marcos de 
Oliveira Carneiro4; Raul Manhaes de Castro1 
 
 
 
RESUMO 
Este estudo teve como objetivo a elaboração de uma revisão bibliográfica abordando, do ponto de 
vista psicodinâmico, conceitos que esclareçam a constituição da estrutura de personalidade de um paciente 
dependente químico, desde as fixações em fase coexistentes nas relações primárias, principalmente, na 
triangulação pai, mãe e filho a comportamentos finais de luta pela obtenção do prazer ou fuga pelo estado 
sentido como desprazer. A personalidade do dependente químico aqui é discutida como sendo resultado do 
modo de funcionamento dessa estrutura de personalidade constituída a partir dessas relações primárias em 
que o sujeito se desenvolve a partir de uma relação de superproteção ou de ausência da interdição paterna. 
O pai como representante da lei simbólica tem como função à interdição na triangulação familiar. A falta de 
interdição do pai, assim como a superproteção da mãe passam a representar um perigo na formação de 
uma estrutura de personalidade dependente. 
PALAVRAS CHAVE: personalidade, dependente, dependente químico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
1Doutor em Farmacologia Experimental e Clínica da Universidade de Paris VI, Professor Adjunto do Departamento 
de Nutrição, UFPE; 2Doutor em Medicina pela Universidad de Barcelona, U.B., Espanha, Coordenador do Núcleo 
Especializado em Dependência Química, NEDEQ, UFPE; 3Doutorando em Neuropsiquiatria, Pós-graduação em 
Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, UFPE; 5Psicóloga, Professora assistente da UFPB; 4Coordenador 
Pedagógico da Universidade Estadual Vale do Acaraú de Pernambuco, UVA PE; 5Psicóloga, Professora Assistente 
da Universidade Federal da Paraíba, UFPB; 6Pós-graduanda em Nutrição de Produção, Auditora de Unidades de 
Alimentação de Hospitais Públicos, Secretaria da Saúde de Pernambuco; 7Pós-graduanda em Gestão da 
Qualidade e Vigilância Sanitária em Alimentos, Universidade Federal Rural do Semi-Árido; 8Graduada em 
Educação Física, Voluntária do Núcleo Especializado em Dependência Química, NEDEQ, UFPE. 
Estudo realizado na Pós-graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Universidade Federal de 
Pernambuco (UFPE), Recife, Brasil. 
*Author’s address: Avenida Armindo Moura, 581. Quadra D – Bloco 02 – Apartamento 201. Conjunto WXL. 
Bairro: Boa Viagem. Cep.: 51.130-180. Recife-PE. Fones: (81) 9986-4399/ 9245-6031 ou 3339-5420. E-mail: 
ribaspsy@ufpe.br 
Revisão 
NEUROBIOLOGIA, 72 (3) jul./set., 2009___________________________________________________________ 
66 
ABSTRACT 
 
This study had as objective the elaboration of a bibliographical revision approaching concepts that 
illuminate the constitution the personality structure of the chemical dependent patients, since the fixations in 
coexistent phase in the primary relationships mainly in the involving father, mother and son to final behaviors 
as fight for the obtaining of the pleasure or escape for the displeasure state sense. The chemical dependent's 
personality is discussed in this work as being resulted in the way of operation of that personality structure 
constituted from those primary relationships in that the subject develops starting from a super protection 
relationship or absence of the paternal interdiction. The father as symbolic law representative has an 
interdiction function in the family. The lack of the father's interdiction as well as the mother's super protection 
starts to represent a danger in the formation of a dependent personality structure. 
KEY WORDS: personality, dependent, chemical dependent. 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Personalidade do Dependente Químico 
 
s seres humanos estão em constante 
luta pela obtenção de prazer no ponto 
de vista psicanalítico. Busca-se, constantemente, 
uma fuga do estado sentido como desprazer e 
todo o desconforto dele decorrente. Vive-se nessa 
constante sensação de carência, na tentativa 
permanente de eliminar o mal-estar, no objetivo 
inabalável de diminuir ao máximo suas angústias. 
A angústia é absolutamente necessária, porque é a 
verdadeira propulsora da vida do homem e um 
componente importantíssimo do seu psiquismo. 
Poderíamos, numa visão quantitativa e reducionista, 
pensar que se a angústia for reduzida, diminuir-se-á 
o mal-estar. Contudo, não podemos desconsiderar 
que existem características emocionais específicas 
de cada sujeito, ou seja, o nível de angústia 
suportável é diferente. Há pessoas que podem lidar 
bem com as frustrações e com as ansiedades do dia 
a dia, há outras, porém, que possuem menos 
recursos psíquicos. Esta diferença está justamente, 
na estrutura de personalidade que cada um 
desenvolve, sendo a dependência química a 
expressão de uma delas (1). 
Os primeiros construtos teóricos sobre 
drogadição, em uma perspectiva psicodinâmica, 
foram elaborados por Freud em 1929, no livro mal 
estar da civilização, que procurou situar o uso de 
drogas como sendo um recurso defensivo contra o 
sofrimento e a infelicidade. A droga é definida por 
ele como um “quebra-desgosto”, colocado pela 
natureza à disposição do homem para se consolar 
pelos seus sofrimentos e para se recuperar dos seus 
fracassos (2). 
Na verdade, essa inquietação, não surge 
do nada. Possivelmente, seja resultado de uma 
estrutura psíquica montada desde o início da sua 
constituição como sujeito, principalmente, porque 
seu desenvolvimento psíquico é descrito por Freud 
em fases coexistentes nas relações primárias, sobre-
tudo, na triangular pai, mãe e filho. Entretanto, a 
grande relevância de se mencionar estas fases 
de desenvolvimento é a observação de que são 
apresentadas numa seqüência contínua, sendo, 
portanto, a fixação consciente ou inconsciente em 
uma delas a grande preocupação dos psicanalistas 
e psicoterapeutas em relação à estrutura de 
personalidade. E é pensando nesse modo de 
funcionamento, que se torna possível entender 
idéias que motivam o comportamento do depen-
dente químico como sendo provenientes do 
resultado das dificuldades de desfusionamento com 
as primeiras figuras de identificação (3). 
Pessoas com dependência química apresen-
tam comportamentos compulsivos no uso do álcool, 
do fumo e de outras substâncias tóxicas que são 
viabilizadas pelo movimento do êmbolo numa 
seringa. Freud, numa carta a Fliess em 1897, traz a 
idéia de que esses comportamentos relacionados 
com um investimento do sujeito, em processos 
masturbatórios, ainda numa tenra idade são 
O 
__________________________________________________________________________________Ribas, V.R.; et al. 
67 
resultados de vinculações com a fase pré-edípica, 
onde houve ausência da interdição paterna, geran-
do condutas substitutivas do que ele denominou de 
afições (propensões) primárias. O pai como repre-
sentante da lei simbólica tem como função à 
interdição na triangulação familiar. As compulsões, 
neste caso, seriam utilizadas para satisfazer neces-
sidades masturbatórias ainda de uma fase anterior, 
ligadas a uma relação fusional do filho com a mãe 
e a conteúdos da oralidade infantil anteriores as 
masturbações típicas da adolescência, onde este 
pai já se colocaria como uma figura de poder 
bastante demarcadora (4). 
Em 1911 Freud faz novamente referência 
ao consumo de álcool, destacando que o seu uso 
funcionaria tanto para satisfazer as necessidades do 
ego, como aquelas regidas pelo princípio do prazer, 
estando a ingestão alcoólicamuito próxima de 
doenças que proporcionavam alterações de humor 
como, por exemplo, os estados maníaco-depres-
sivos(4). 
A droga é, nesse sentido, o demonstrativo, 
“dito”, assumindo o lugar da sua intolerância às 
frustrações. Representa de certa forma, a busca do 
homem pelo prazer de uma felicidade que é 
efêmera e fugaz (2). 
É nesse funcionamento por substituições 
que se observa à proximidade das relações exis-
tentes entre a sexualidade e o alcoolismo, porque o 
ato de beber como fuga, possibilita ao alcoolista 
usar a substância como um meio de conseguir 
prazer sem dificuldade. E ainda perceber que seu 
uso se aproxima bastante das necessidades do 
princípio do prazer e dos componentes agressivos 
do psiquismo (2). Uma dessas evidências está na 
compulsão por alimentos e uma excessiva frustra-
ção e ansiedade diante da impossibilidade de obtê-
los por pacientes com dependência química. Com 
isso, não há dificuldade em se observar à relação 
entre a toxicomania e a fase oral da sexualidade 
infantil, sem, no entanto, fazer associações com os 
estados de mania e depressão (5). 
Pierce Clarck apud Rosenfeld (1968) foi um 
dos primeiros teóricos, de sua época, além do 
próprio Freud, a retratar que as raízes mais 
profundas que explicam a busca pelo álcool, se 
encontram primordialmente no prazer auto-erótico 
ou narcisista, vinculado às identificações primárias 
com a figura materna. O que parece é que as 
dificuldades do sujeito de se “descolar” dessa figura 
identificatória, vendo-a como diferente dele próprio, 
o conduzem a busca do prazer investido em si 
próprio. É o que poderíamos chamar de narcisismo 
primário. O gozo obtido através das relações com 
objetos externos fica comprometido, na medida em 
que essa busca funciona como uma substituição das 
relações objetais mais arcaicas com a mãe. 
Rado, 1926 (apud ANDRADE, 1999) 
reforça ainda mais essa idéia dizendo que existe 
uma predisposição ao narcisismo, no caso das 
tóxico-manias, na medida em que as pessoas que 
possuem essa “tendência” reagem à frustração com 
uma depressão “tensa”, manifesta por uma tensão 
penosa e, ao mesmo tempo, por alto grau de 
intolerância ao sofrimento. O desinvestimento em si 
mesmo é sentido com muito pesar por esses 
pacientes, pois parece que este processo significa se 
desprender dessa mãe, e eles tendem a esquivar-se 
dessa frustração apelando para comportamentos 
compulsivos. Por outro lado, as drogas ao impe-
direm que o sofrimento venha à tona, levantam as 
necessidades megalomaníacas do id e do princípio 
do prazer, produzindo estimulação e euforia. 
Cria-se então, a farmacotimia, uma perturbação 
narcísica que ocasiona a ruptura, por meios 
artificiais, da organização natural do ego. Esse 
funcionamento ocorre porque o ego adquire, 
através da elação, o seu caráter de onipotência e 
invulnerabilidade e retorna ao seu estado narcísico 
original, relacionado à realização fantasiosa dos 
desejos. 
Rado foi um dos primeiros pesquisadores, 
na área, a tentar compreender a questão da 
compulsividade nas toxicomanias, como um meca-
nismo defensivo, explicitando que na medida 
em que o sujeito usa essa estratégia, ele se livra 
da depressão, do aumento da ansiedade e da 
consciência acusadora do superego. A artificia-
NEUROBIOLOGIA, 72 (3) jul./set., 2009___________________________________________________________ 
68 
lidade em buscar esses recursos para a satisfação 
dos desejos reside no fato de que, após o estado de 
êxtase, retorna o sentimento depressivo e a 
necessidade de voltar a esse estado de prazer. São 
essas relações hedonísticas que arrebatam por 
volúpia e dispersão os sujeitos à droga (2). 
É de grande relevância também entender o 
caráter onipotente do dependente químico que, ao 
se tornar sensível para depressão, encontra no 
efeito do prazer oferecido pelos narcóticos uma 
realização de seu anseio por uma ajuda miraculosa 
e responde a ela com uma sensação de triunfo 
pessoal. A dependência química se divide em 
três grupos: o grupo psiconeurótico ou maníaco-
depressivo, o grupo esquizofrênico e o grupo 
psicopático (6). 
 Os problemas afetivos colocados por estas 
personalidades referem-se às carências imaginárias, 
a uma dificuldade em funcionar nos registros das 
representações mentais e um desejo de atuar dentro 
de atividades comportamentais que incluam o 
corpo. São indivíduos que se drogam sozinhos 
porque se drogam sempre contra alguém (3). 
 As pessoas que fazem uso de substâncias 
tóxicas de forma descontrolada e compulsiva têm 
uma disposição para reagir aos efeitos do álcool, 
da morfina ou de outras drogas, de tal maneira que 
tentam usar seus efeitos, simultaneamente, para 
satisfazer a um desejo arcaico, que é sexual, a um 
desejo de segurança e a um desejo de manter a 
auto-estima. Os objetos externos nada significam 
para eles, a não ser entregadores de suprimentos (7). 
Segundo Simmel, 1949 (apud BISTIS, 
2005), Freud associa os indivíduos compulsivos por 
álcool ou por outras substâncias que alterem a 
relação destes com a realidade às neuroses 
narcísicas (doenças maníaco-depressivas) e que, 
eles a sufocam, utilizando os mecanismos da 
neurose obsessiva. Assim, todas as toxicomanias, 
sobretudo, a dependência alcoólica, são atitudes 
defensivas do ego contra a manifestação de 
sintomas depressivos. Os sentimentos de culpa e de 
desespero que atormentam o alcoólatra, depois que 
ele se torna sóbrio podem ser causados, em parte 
pelo álcool, mas se relacionam muito mais com a 
depressão clínica que se segue à mania alcoólica. 
Parece existir subjacente a euforia alcoólica, 
“estruturas” ou núcleos depressivos que geram 
fortes sentimentos de culpabilidade nesses 
indivíduos, que após tomarem consciência do 
caminho que buscaram para resolução de suas 
situações conflituosas, descobrem que tem em mãos 
um superego bastante punitivo, exigente e 
castigador, que é uma característica de pessoas que 
têm uma dinâmica de funcionamento depressiva (8). 
 Novamente a visão de que as drogas são 
usadas como mecanismo defensivo é destacada, 
uma vez que o sujeito, ao usá-la, não se deprime e 
não adoece. Apenas, camufla a existência desses 
núcleos internos. 
Melanie Klein (1940) chama a atenção 
para existência desses núcleos depressivos, mas diz 
que os toxicômanos não chegam nem a atingi-los. 
Aborda sobre a dificuldade que os dependentes de 
substâncias psicoativas têm de passarem da fase 
maníaca para a fase depressiva e mostra que, 
quando o fazem, transitam nesse percurso de forma 
bastante sádica e destrutiva (9). 
 Há três mecanismos maníacos básicos 
recorrentes, diante da necessidade de controle de 
ansiedades paranóides mais primárias a ideali-
zação, a identificação com o objeto parcial e o 
controle onipotente dos objetos, que podem ser, 
estes últimos, parciais ou totais (9). 
Pela maneira como se estrutura o ego do 
toxicômano, com excessiva divisão de objetos Idea-
lizados e, ao mesmo tempo, denegridos, ele se 
localizaria numa fase bastante primitiva 
denominada de posição esquizoparanóide. Essa 
posição, anterior a depressiva, se caracteriza pela 
projeção, para o meio exterior, das partes más do 
ego, que por serem ameaçadoras para o ego do 
sujeito, precisam, então ser externalizadas, 
assumindo um caráter persecutório (sadismo 
externalizado). Por isso, o nome de esqui-
zoparanóide, ou seja, ego fragmentado, dividido e 
ao mesmo tempo perseguidor. A posição depres-
siva seria assinalada pelo movimento oposto de 
__________________________________________________________________________________Ribas, V.R.; et al. 
69 
introjeção ou incorporação das partes más do ego, 
assumindo como pertencentes à própria estrutu-
ração do sujeito (sadismo internalizado). Para o 
toxicômano passar para essa fase parece ser 
bastantefrustrante e ameaçador, pois representa, 
simbolicamente, a perda das partes boas de seu 
ego (objeto idealizado). A dificuldade de ingressar 
na posição depressiva, se fixando na posição 
esquizoparanóide, reside no fato de ter ocorrido 
uma separação exageradamente hostil da criança 
em relação ao seio materno. Ocorre, nesse 
processo, à negação de toda e qualquer frustração, 
principalmente da ansiedade persecutória, relacio-
nada com a expulsão da parte má do ego. A droga 
simboliza o objeto ideal, que pode ser concreta-
mente incorporado e o sujeito usa o efeito 
farmacotóxico como reforço da onipotência dos 
mecanismos de negação e de divisão. Compara 
essa dinâmica à fase em que a criança utiliza suas 
fantasias de satisfação alucinatória dos desejos para 
lidar com suas ansiedades (9). 
Nessa perspectiva, a droga é, então, 
utilizada como um auxílio físico artificial para a 
produção da alucinação, do mesmo modo que a 
criança usa os dedos ou o polegar como subsidio 
para alucinar o seio ideal. 
 A droga se configura como uma substância 
destrutiva má, cuja incorporação simboliza sua 
identificação com objetos destruidores maus, 
temidos como persecutórios, tanto para os objetos 
bons como para o eu bom. Ao se potencializar o 
efeito das drogas sobre o organismo, aumenta-se 
também o poder onipotente do impulso de 
destruição. Quando a intoxicação ocorre sob o 
domínio dos impulsos sádicos, o paciente expele e 
nega seu eu bom e seus objetos internos bons, 
bem como seu interesse por eles. Chega assim a 
uma atuação de seus impulsos destrutivos, sem 
ansiedade nem excitação, mas também sem 
comando, o que implica também a perda do poder 
controlador do objeto interno, ou seja, do 
superego. 
Existe uma “intolerância anômala” diante 
das exigências pulsionais, que precisam ser 
apaziguadas mediante o uso de determinadas 
práticas ou produtos. Toda a gama de compulsões 
identificadas dentro da psiquiatria tem origem nas 
pulsões e mantém assim um forte vínculo com a 
sexualidade. O que transforma “Trib” (pulsão) em 
um “Sucht” (compulsão) é a tentativa de superar a 
incapacidade de agüentar insatisfações pulsionais. 
Essa incapacidade tem relação com um “vazio” 
particularmente aumentado, determinado pela 
constituição do sujeito e pela situação (10). 
Gebsattel (1948) chama este “vazio” de 
“desespero” e diz que todo ato compulsivo está 
permeado por uma perversão. Segundo ele, o 
caminho leva do desvio das perversões sexuais ao 
abismo da compulsão. Esta compulsão, ou 
toxicomania obtém um poder exclusivo sobre a 
pessoa e a leva ao abismo, à beira do qual 
pretendeu se divertir. Atrás de toda compulsão 
curável temos este desespero. Quando não é 
curável, trata-se simplesmente de um caso 
“desesperado”. Aí o desespero transforma-se em 
um destino completamente anônimo, inatacável e 
inescapável. O sentido deste desespero está numa 
recusa de aceitar a si mesmo (11). 
No prisma de patologia pulsional, a 
compulsividade corresponde a uma forma de 
psicopatia cuja especificidade reside em uma 
“anomalia de contato” sendo o contato o quarto 
vetor em seu esquema pulsional. Esta anomalia é 
conseqüência de uma disposição extrema para 
a forma existencial de união dual e fusional com a 
mãe: ela precisa ser mantida, tem que continuar 
a fluir para alimentar o sujeito, em função de 
sua incapacidade de aceitar a separação. 
Caracterizado pelo “não-poder-cessar”, ele teria 
medo da “liberdade”, deslocando então a 
vinculação dual para o ato compulsivo. O objeto 
da compulsão, ou seja, a droga, tem valor de 
prótese do objeto dual perdido e restabelece a 
vinculação interrompida. Mas, enquanto objeto 
substitutivo (e “fetichizado” pelo sujeito), ela não é o 
parceiro dual, daí o sentimento de abandono e de 
rejeição continuar a se fazer sentir, acarretando 
impulsos de autodestruição, auto-sabotagem e 
NEUROBIOLOGIA, 72 (3) jul./set., 2009___________________________________________________________ 
70 
desvalorização de todos os valores – que apenas a 
relação com a droga pode criar (12). 
É complexo delimitar uma estrutura em 
“strictu senso” toxicomaníaca. Há categorias estru-
turais clássicas, definidas pelos estudos psicopatoló-
gicos modernos que correspondem a uma possibili-
dade de funcionamento toxicômano, onde se 
destacam três tipos de personalidade: as de 
estrutura neurótica; psicótica e depressiva; sendo a 
última aquela que apresenta, na contempora-
neidade, um forte predomínio sobre as demais. 
Contudo, não há uma estrutura profunda e estável 
específica dos comportamentos de dependência. 
Isso significa que qualquer estrutura mental pode 
dar origem a comportamentos de dependência. 
Esse comportamento de dependência jamais altera 
a natureza específica da estrutura profunda, mas 
somente o seu funcionamento secundário. E, ainda, 
a dependência de um produto é buscada pelo 
sujeito enquanto tentativa de defesa e de 
organização contra as deficiências ou as falhas 
ocasionais que a estrutura profunda possa apre-
sentar (13). 
 A partir dessas colocações pode-se dizer 
que a busca de identificação uma estrutura 
toxicomaníaca pura, parece não existir. Bergeret 
(1991, p. 99) não deixa dúvidas sobre esse fundo 
estrutural de cada tipo citado, comentando que: 
 
Enxerga-se de forma não estrutural, mas sim 
puramente funcional, um determinado nu-
mero de elementos caracterológicos, super-
postos, que se mostram por sua vez 
bastante comuns as diferentes formas de 
personalidades toxicomaníacas encontra-
das. 
 
Essa subjetividade que permeia esse tipo de 
clientela possibilita ao terapeuta trazer as suas 
digressões, suas incursões e também se confrontar 
com a frustração de casos com difíceis conclusões, 
ou aqueles, em que, por motivos variados, a 
aderência do paciente ao tratamento não se dá de 
forma satisfatória, possibilitando a sua reintegração 
ou reinserção psíquica e social. O toxicômano se 
assemelha “um pouco” com alguma coisa que 
(o terapeuta) já conheceu: um pouco de psicótico, 
um pouco de maníaco-depressivo, um pouco de 
perverso, um pouco de homossexual (14). 
O confronto com a complexidade dessa 
patologia busca explicar, não a existência de uma 
estrutura psicopatológica para o modo de funcionar 
do toxicômano, mas a presença de uma maneira de 
viver e de existir bastante peculiar. O ser ou não 
toxicômano depende, antes de mais nada, da 
seguinte parábola: junta-se um grão de areia a 
outro grão de areia e, quando se chega a x grãos 
mais um, diz-se que se está diante de um monte de 
areia, com a ressalva de que algumas pessoas 
possuem tal patrimônio, em suas aquisições infantis, 
e nem por isso se tornam toxicômanas. Nesse 
sentido, para alguém, que tenha essas aquisições, 
tornar-se um toxicômano, pelo menos, duas 
condições básicas são necessárias: que ele encontre 
a droga e que sua relação com a lei seja 
transgressora (15). 
 A passagem do espelho bem sucedido é 
aquela em que o sujeito, ao se deparar nar-
cisicamente com a sua própria imagem refletida 
num espelho real ou simbólico, tem condições de 
introjetá-la como sendo sua imagem e não a de 
outrem. Essa percepção de si indica, de certa 
forma, que a quebra da relação fusional com a 
figura materna se passou de modo satisfatório, ou 
menos traumático, a ponto de não permitir a 
formação de uma identidade própria, separada da 
mãe, e, portanto, mais amadurecida. 
Já no estágio do espelho impossível esse 
processo de simbolização é bastante comprometido, 
uma vez que a imagem de si refletida no espelho é 
a imagem da mãe e a diferenciação não ocorre 
nem parcialmente. A fusão é completa, prejudi-
cando a passagem para uma esfera mais individua-
lizada e de estruturação de uma personalidade 
unívoca. Assim como a dinâmica de funcionamento 
dos psicóticos (15). 
SegundoOlievenstein (1983) já o estágio 
do espelho partido, típico dos toxicômanos é uma 
__________________________________________________________________________________Ribas, V.R.; et al. 
71 
fase intermediária entre um espelho bem sucedido e 
o estágio de um espelho impossível, tendo como 
característica principal o não comprometimento, 
nem com uma nem com a outra fase, o sujeito 
flutua entre uma e outra, sem encontrar um lugar 
para si. Essa vivência dolorosa e inquietante é vista 
por Olievenstein na colocação de que: 
 
Tudo se passa como se existisse simul-
taneamente esse cara a cara com o 
espelho, esse flash da descoberta de si e da 
descoberta da imagem de si, e se, nesse 
instante preciso, o espelho se partisse, 
refletindo ao mesmo tempo uma imagem, 
porém uma imagem fragmentada, e uma 
incompletude, ali onde as fendas deixadas 
pelas ausências do espelho só podem 
remeter ao que era antes: à fusão, a 
indiferenciação – estado que aproximaria-
mos do instante preciso em que Adão, sob 
instigação de Eva, começou, a trincar o 
fruto da árvore do conhecimento do bem e 
do mal: vislumbre fulgurante de um futuro 
inelutável, nostalgia de paraíso perdido, 
melancolia de ser e de não ser, que explica 
em parte a vertente melancólica da toxi-
comania (16). 
 
Olievenstein (1983) ainda acrescenta que a 
dificuldade de quebra do espelho é uma interdição 
da relação mãe-filho, haja vista que a própria mãe 
recebe os choques, mas não consegue quebrar o 
espelho, e reflete essa imagem distorcida para a 
figura do filho durante toda a sua infância. 
Acrescenta que um dos objetivos da psicoterapia 
com toxicômanos é o de suprimir, ou pelo menos, 
neutralizar esse reflexo. A quebra se dá numa 
cinética da interação mãe-filho, onde não há 
espaços para a lei, simbolicamente representada 
pela figura do pai. Este, intervém, mas não é 
suficientemente forte para assumir o seu próprio 
lugar, que é o da interdição: o não dito da tradição 
oral familiar o apresenta como impotente, seja por 
sua idade real, seja pelo lugar tomado na atividade 
sistêmica da família, seja por ser vivido como 
incapaz de levar a mãe ao gozo. O toxicômano 
nasce como uma borboleta que não chega a 
libertar-se se sua crisálida (17). 
 Por último, (ibid OLIVENSTEIN, 1983) 
também chama a atenção para a percepção de 
tempo para o dependente de drogas, ressaltando 
que a forma como ele o vivencia é particular 
e diferenciada em relação aos demais sujeitos. 
O tempo vivido pelo toxicômano se relaciona com 
a incessante busca de atualizações de momentos 
felizes do passado, e que ficaram, como traços 
mnêmicos, gravados em sua memória como os 
únicos momentos dignos de serem re-experimen-
tados, seja qual for o preço a ser pago, até mesmo 
a morte. 
 A droga não é simplesmente uma subs-
tância farmacológica, que produz efeitos psico-
patológicos específicos, desagregados da subje-
tividade de quem a usa, das singularidades 
históricas de cada um, assim como da organização 
pulsional própria e investida maciçamente pela 
economia libidinal de tal sujeito, corresponde a 
um objeto “maravilha” com conotações múltiplas, 
sendo estimuladora de vivências fusionais e fun-
cionando como uma porta para novas percepções e 
novos horizontes, dentro da perspectiva “de 
doença” que a droga desencadeia (14). 
Aqui vale a pena falar sobre o mito de 
Adão e Eva a respeito da busca do Paraíso perdido. 
Ambos desejavam provar do fruto proibido, mesmo 
diante da interdição e do castigo, pois este fruto 
representava para eles a aquisição de conhe-
cimentos novos, de novas experiências. Mas, não se 
pode falar, entretanto, das toxicomanias sem fazer 
alusão ao contexto social, cultural e familiar desses 
indivíduos. Há muito tempo se estuda sobre os 
fatores familiares ligados as dependências químicas 
com o objetivo de se identificar, dentro desse 
contexto, elementos que possam estar associados 
ao comportamento drogaditivo. A literatura a 
respeito desse tema tem mostrado que a dro-
gadição não é uma conduta isolada e estanque 
na dinâmica familiar. O uso de drogas é algo 
NEUROBIOLOGIA, 72 (3) jul./set., 2009___________________________________________________________ 
72 
homeostático e significativo, e não apenas algo 
com uma perspectiva linear. O membro depen-
dente, ora se inscreve como vítima, ora como vilão, 
destacando sua enorme força destruidora da 
harmonia doméstica e mesmo dos valores mais 
respeitados na sagrada família (17). 
Na visão sistêmica, ressalta a autora, o 
tema da drogadição insere-se num contexto de 
relacionamentos bastante simbióticos entre o 
“dependente” e os outros integrantes do sistema 
familiar. Essa dinâmica restringe os espaços para 
estabelecimentos de “quebras” ou rupturas nesses 
arranjos disfuncionais, ficando seus componentes 
interligados e aderidos um ao outro. O toxicômano 
não é um membro separado, distanciado, excluído 
ou alheio à sua família. 
 
CONCLUSÃO 
 
Dentro dessa alternativa, “a família do 
dependente está muito junto ou muito dentro do seu 
filho e vice-versa”, mas as relações são permeadas 
de conflitos e mesmo de dramas em nível de 
convivência. O que parece, é que a família tende a 
cristalizar esse “fusionamento” entre os seus 
membros, promovendo em todo o cenário uma 
“pseudo-individualização” (18). A conseqüência 
dessa organização é que pais e filhos mantêm uma 
dependência recíproca que se cronifica. A literatura 
sobre terapia familiar descreve que o toxicômano 
sustenta verdadeiros mitos, necessários a 
manutenção do funcionamento do sistema. Dentre 
eles, o mito da harmonia familiar e do sacrifício, 
interpretando-se que a união da família, frente às 
atitudes destrutivas do dependente, é salutar para 
um bom funcionamento. Em alguns casos, o lugar 
ocupado por este sujeito no sistema, representa a 
repetição de modelos familiares vividos em 
gerações anteriores, de um ente querido que 
morreu, sendo o toxicômano escolhido para 
substituir a posição de alguém que já se foi. Nessas 
situações, o lugar que ocupa é aquele idealizado e 
da linguagem do não-dito (17). 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 
 
1. Herrmann F. O que é Psicanálise. São Paulo. 
Editora Psique, 1999. 
 
2. Andrade C. As ranhuras do cristal: nichos 
informacionais no Centro Eulâmpio Cordeiro. 
Dissertação de Mestrado. Universidade federal 
da Paraíba, 1999. 
 
3. Bergeret J. Toxicomanias: um enfoque 
pluridimensional. Porto Alegre, Artes Médicas, 
1991. 
 
4. Rosenfeld HA. Estados Psicóticos. Editora 
Horme – 2ª edição, B. Aires, 1968. 
 
5. Abraham K. The First Pregenital Stage of the 
libido. In: selected Papers of Karl Abraham. 
London: Hogarth, 1916. 
 
6. Rado S. The Psychic Effects of Intoxicants: An 
Attempt to Evolve a Psycho-Analytical Theory of 
Morbid Cravings. International Journal of 
Psycho-Analysis, 7:396-413, 1926. 
 
7. Fenichel O. Neurotic Acting Out. Psychoanal. 
Rev., 32:197-206, 1945. 
 
8. Bistis M. The theorist and the exemplar of the 
‘blasé person’. Journal of European Studies, 
Vol. 35, No. 4, 395-418, 2005. 
 
9. Klein M.; Mourning and its Ralation do Manic 
Depressive States. In: Contributions to Psycho-
Analysis. London: Hogarth, 1940. 
 
10. Jaspers K. Allgemeine Psychopathologie. Berlin: 
Springer. (Trad.bras.: Psicopatologia Geral. 
São Paulo, Livraria Atheneu, 1965. 
 
11. Welie VM. Viktor Emil Von Gebsattel on the 
doctor-patient relationship. Netherlands. 16: 
41 – 72, 1995. 
__________________________________________________________________________________Ribas, V.R.; et al. 
73 
12. Szondi L, Bejarano-Pruschy R, Vicaire W, Meyer 
D. Presses Universitaires de France, 1952. 
 
13. Bergeret J. Toxicomania e Personalidade. Rio 
de Janeiro, Zahar, 1983. 
 
14. Bucher R. Psicanálisedrogas e drogadição. 
Drogas e drogadição no Brasil.Cap 14. Porto 
Alegre, Artes Médicas, 1992. 
 
15. Olievenstein C. A vida do Toxicômano. Rio de 
Janeiro. Libras, 1983. 
 
16. Andrade C. A informação como fator de 
recuperação da clientela do Centro Eulâmpio 
Cordeiro. Projeto de Pesquisa apresentado 
pela Mestranda Carolina de Andrade ao curso 
de pós-graduação em ciência da informação 
como requisito para qualificação. Universidade 
Federal da Paraíba UFPB, 1998. 
 
17. Andrade C. A função Terapêutica da 
Abordagem Familiar. Jornada Pernambucana 
de psiquiatria, Universidade Federal de 
Pernambuco UFPE, 1995. 
 
18. Stanton MD & Todd TC. The Family Therapy of 
Drug Abuse and Addiction. Guilford Press. New 
York. 1982. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NEUROBIOLOGIA, 72 (3) jul./set., 2009___________________________________________________________ 
74

Continue navegando